A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune
aos "filhos de ninguém", personagens desta história,
heróis da cidade destruída e vítimas do ódio,
da especulação imobiliária e da maldade dos homens
PRIMEIRO MOVIMENTO
Teresina chora
I
Tremeram as palhas da cidade
na loucura de 41
amanhecera
era noite nas sarjetas da mente
e queimava o brilho de estandartes
subiram ruas e era triste a vida
disseram alegrias e não chegaram
todos pediam ação
no muros, nos papéis
nas esteiras-camas
no silêncio da polícia
e na certeza
todos pediam ação
e era cedo
e era longe
mais que perto se fez o tormento
e das palhas ao vento se viu a vida
entre corpos, entre mentiras
lágrimas, potes, trapos
e todos queriam ação
a mesma ação de peso
a loucura da satisfação
amanhecera!
é necessário insistir; amanhecera
e cada pingo desse inverno
caía como punhal em cada dor
a chuva, o frio, o cobertor
a palha era o teto de sossego
e já não se podia pensar
e já não se permitia verdade
era ela, magra na escuridão das águas
triste no chorar dos céus
que gemia
era ela, na eterna espera
nos tormentos seus
que se quedava em Karnak
era ela, a criança Teresina
omissa nas brasas dos baús
nos ossos dos perdidos
nas carnes de Luzia
que se via violentada
e era ela, mais do que tudo era ela
na eleição dos seus líderes
na aceitação da imposição
que clamara piedae
amanhecera
e cresciam os dias
e nem mesmo a insistente chuva
nem mesmo a solidão do cais
fizeram de Evilásio Vilanova
a paralisação do gesto
é que do medo dos casebres
se formou a gana
a tara de se ter presente
o suplício de um tempo
e do Parnaíba, as águas eram cheias
e de Getúlio, a força era tudo
pois era glória...
o tempo todo lhe rendiam palmas
se pelas ruas da pobreza
serpenteiam chicotadas
carrega o fardo da miséria
sufoca o apelo da terra
fazendo pouco o cismar dos dias
em meio ao tormento da desilusão
e por mais que emudecessem as cinzas
ficou marcada a história dessas vidas
em que se baseou essa vergonha
- chega!
basta a dor desse dia negro
(basta dessa "chuva" maldita)
começara!
raiou o claro em pingos dessa trama
pediu - trágico - a trágica forma
fez-se agora o labirinto
e não bastaram os gritos dos afoitos
é que estamos em terra firme
em meio a agonia
no mandato de alegoria
na estrutura de um torpe Brasil
como em ti perto
como em ti morte
mata - geme - sofre
é dia
e a chuva grita contra os deuses
mas não se decidia a tempo
essa loucura é antiga
é espada rasgando o ventre
é espera de mil séculos
é verdade de agora
e és tu, só tu, Teresina
que de dentro das chamas
nos abre o véu do tormento
dessa angústia presente
que destrói a grande luta
e nem Evilásio
nem Leônidas
nem vida, nem morte
nem medo, nem Luzia
nem Mathias
nem nada
te fez esquecida
é que hoje começara
e tua vida queima dolente
era um tempo de dor
e por aqueles dias o fantasma do calor
rondava casebres de palha
e não se sabia a que momento
se manisfestria as garras da covardia
e enquanto se lamentava nas ruas do Mafuá
já se previam a indecisão de ser
já se tramavam nos gabinetes
o passo da piromania
os jornais escreveram tantas estórias
e do grito da oposição
nada abalava a marcha
dos troncos idos e dos marginais
em busca de mentira, crime e ódio
a brasa,o solo
o tempo, a mão
o escuro, o claro
o dia - ação
encapuzados empunharam tochas
e o sono dos infelizes seres
interrompeu-se
e de dentro da fumaça
o tossir sem rumos, o chorar das mães
- o rádio, o baú de roupas, a bilheira
meu filho, Deus, meu filho é cinzas
de mais distante nas perdidas horas
o fumo sobe - Teresina implora
por mais distante dos tempos de agora
a pira surge - Teresina cora
e por mais distante das perdidas horas
a "chuva" espalha-se - Teresina chora
chora, chora
chora
chora
a "chuva" queima
Teresina chora.
Afonso Lima
em A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune
PRIMEIRO MOVIMENTO: Teresina chora, I
Teresina: Multiservice, 2010
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