O RIO, Paulo Machado
ao poeta Cineas Santos
preciso urgentemente escrever um poema!
que os versos sejam vorazes,
lembrando o rio de minha cidade,
comendo as pedras do cais.
mas como escrevê-lo?
como domar o rio de minha cidade
à condição de poema?
o rio de minha cidade não pede adjetivos,
principalmente recusa os que o tornam abstrato.
o rio de minha cidade é um rio migrante,
por que aprisioná-lo no corpo do poema?
o rio de minha cidade guarda em suas entranhas
o orgulho do homem sozinho.
o rio de minha cidade é água viva na carne,
água pesada na memória.
o rio de minha cidade é torto
como uma cicatriz,
fazê-lo reto seria contradizê-lo.
vivê-lo, petrificá-lo nas retinas.
esquecê-lo, jamais.
preciso urgentemente escrever um poema!