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4.4.23

Hoje foi inteiramente impossível tomar a bicicleta e vir para a repartição, por Eduardo Rêgo Oliveira




Hoje foi inteiramente impossível tomar a bicicleta e vir para a repartição, acordei em uma daquelas ressacas incapacitantes. E, munido do lânguido sentimento, pensava na noite de ontem. Eu enviava um áudio para amigos pela manhã, quando tive uma daquelas epifanias que só ressacas de cair o pelo de um jumento poderiam proporcionar. Mas faria bem começar do começo, com o perdão da redundância.

Pois bem, ontem foi mais uma quinta-feira, o céu acordou tão indiscretamente belo que logo cedo protestei: como não haver uma praia sequer nessa cidade?, um sacrilégio, mais um, para a conta da pecaminosa Teresina. Esqueçamos dela. Dizia eu que o dia amanheceu indiscretamente belo, e logo que acendi o primeiro cigarro, aqui, em derredor do escritório, já me veio um poema, assim, de um jato. A manhã passou, a tarde passou e, antes das dezessete, caiu uma chuvinha. O dia ter sido belo, um poema ter acontecido e uma chuva de fim de tarde haver coroado a porra inteira, só me aumentaram na alma a vontade de abrir uma cerveja e observar passar o resto do dia, quem sabe aproveitar uma ponta de beleza a mais. Mas o diabo mora no excesso, e logo veremos que a quinta já gastara o tanto de beleza que tinha.

O expediente terminou e fui me recostar num posto de gasolina, tomar uma skol. Não bem havia sentado no banco de madeira, uma voz perguntou: —“posso rezar por você”; eu não costumo negar que pessoas rezem por mim, seja de que religião forem, sou um sujeito impressionável e algo sempre me diz que se negar a uma oração traz azar, que o azar nada mais é senão estar apartado da Graça. Mas contrariado, respondi: — “veja bem, minha filha, você pode rezar por mim, sim, claro. Mas não aqui, vá para seu quarto, se tranque por lá, e Deus que tudo vê vai te recompensar por essa boa atitude. Aliás, meu nome é Eduardo. Boa noite. ”

A moça me disse que tudo bem, tentou me vender uns livros para edificar minha vida e, malogrado o intento, evaporou. Eu já avançava para a quarta, e cria eu, última cerveja, quando uma outra voz falou do outro lado do banco: “— eita, olha! Estou fumando, tá? ”, eu disse que não fazia mal, porque também sou fumante, e botei um cigarro no bico. Já fazia menção de me sentar no meu canto, do outro lado do banco de madeira, quando, com muita sugestão, a mesma voz convidou: “— mas se sente aqui, do meu lado, sim? ”

Eu já disse que sou impressionável, e além de não recusar orações, também não me nego a convites femininos: —não traz os melhores auspícios. Sentei, tomei minha caixa de fósforos e entravamos a conversa mais rápida para chegar ao assunto do sexo que já tive na vida. A mulher, entre seus quarenta e quarenta e cinco anos, era uma coroa enxutíssima: loira, rosto pouco marcado, blusa leve rendada, corte cavadíssimo, e a calça, meio esvoaçante, daquelas que madames às vezes usam para ir à praia, parecia esconder um belo par de pernas.

Logo de início me contou que era carioca erradicada, que chegou cedo à Teresina, dos pais separados, da mãe casada com o português, do pai ausente, dos irmãos ricaços. Eu que, no instante anterior ao convite, revisava o poema que escrevi mais cedo, estava atento a ela e ao poema — às vezes balançava com a cabeça, noutras sorria, e por aí vai. Conversa vai e vem, ela dispara: “— briguei com meu namorado porque ele se recusou a transar comigo hoje”. Neste exato momento tive a certeza indelével: a mulher queria trair o sujeito.

Continuamos na conversa, e ela, sem titubear, dobrava a cada vez a aposta. Classificou a si mesma como “muito tarada”, e disse, procurando arrancar algum elogio de mim, não entender esse fascínio que exercia sobre os homens, pois tantos queriam levá-la para cama. “Não sou bonita”, vaticinou. Eu que não estava bêbado o suficiente para começar a mentir, restava calado e ouvindo; o caso é que a mulher, que não era de fato bonita, realmente tinha o que os franceses chamam de attrait sexuelle, os americanos, de sex appeal, e nós, os brasileiros, de cara de cachorra, ou de safada, dentre outros predicados.

Naquele momento eu estava decidido, iria para casa dela ou para uma outra parte qualquer e terminaria assim a noite. Foi quando ela me disse, após me mostrar algumas fotos íntimas no telefone: “— semana passada, sabe, eu dei para três”. Eu disse que era um bom número, fingindo interesse. “— Três ao mesmo tempo, e um deles tá lá dentro na conveniência. Pergunta pra ele.” Nesse exato momento, juntando algumas peças, tive a convicção que estava tratando com uma ninfomaníaca. Ela se perguntava, vez ou outra, e de si para si “por que é que sou assim?”

O fato é que tratar com uma possível ninfo, naquele instante, não diminuía em nada minha inclinação ao sexo casual. Não é todo dia que uma completa estranha me oferece sexo, assim, na bucha. Levantei para mijar e, quando voltei, ela queria saber se perguntei para o rapaz aquilo que acabou de contar. Eu disse a ela que não, que havia pessoas, que seria patético um lance desses no meio da loja, que nem identifiquei esse camarada. Eu nem bem havia terminado de explicar, aparece uma ratazana por detrás dos baldes e do rack de pneus do posto. Um sinal? não sei, o que sei é que no próximo instante tirei uma fotografia do bicho correndo pelo cimento polido.

Demos risadas da situação até o momento em que um homem, que olha os carros por ali, começou a correr atrás do animal a chineladas. A ratazana se enfiou entre as caixas e outros entulhos e escapou, incólume, das chineladas do velho. Incontinenti, ela atende o telefone e fala com uma fulana, era uma amiga. Em não menos que dez minutos a fulana aparece e também conversamos, mais jovem, parecia ser tão dada as mesmas aventuras e extravagâncias quanto a outra. Nesse instante, peguei o telefone e falei com amigos sobre a situação, do certo dilema moral que enfrentava: ir com elas e faltar ao trabalho, ou ir com elas e faltar ao trabalho? A resposta foi unânime.

A moça que chegava, porém, tinha outros planos e convidou a amiga mais velha para jantar. No momento eu ainda não sentia que a aventura iria para o brejo antes mesmo de começarmos qualquer coisa. Minha conhecida perguntou se eu ficaria por ali, se esperaria um tempo, e eu, achando que dizer que sim faria com que ela se demorasse ainda mais, disse que tomaria aquela e uma última, e então iria para casa. Depois, elas atravessaram a avenida e sumiram em meio a carros estacionados. Havia uma verdade no que eu acabara de dizer, no entanto: entre eu chegar ao posto, conversarmos e elas se escafederem dali, eu já tinha bebido uma quantidade considerável de cerveja. E é de conhecimento geral, existe um limite de álcool que o corpo masculino aguenta até seu sistema parassimpático dizer bye bye, e, com isso, qualquer possibilidade de sexo.

O certo é que bebi mais uma, outra, mais quatro cervejas e, como não apareciam de todo, resolvi me retirar dali — já completamente embriagado. Em casa, tomei um banho rápido, entrei na cama e simplesmente apaguei sem me dar o momento em que chegou o sono. O relógio do telefone, como de costume, tocou às sete da manhã: mandei para o caralho e voltei a dormir. Acordei às nove, com a cabeça latejante e com o corpo moído no mais alto grau de ressaca. Olhei de novo para o telefone, amigos queriam notícias do desfecho da noite. Foi quando tive a epifania, contei a um deles quando, na hora do almoço, rumávamos para o restaurante universitário.

O meu azar e malogro nos termos da sacanagem eram senão manifestações da Graça: insisti, e, aposto, a mulher que tentou me empurrar livros devocionais rezou por mim aquela noite. A coisa toda se resume a que eu, de fato, queria levar aquela dona para cama, e ela aparentemente queria o mesmo, mas, independentemente de nossas vontades extravagantes e perfeitamente naturais, nada aconteceu. E certo de que apenas não cometi mais um, de tantos pecados mortais que já cometi na vida, não por vontade própria, mas por intercessão de uma outra estranha, fui para o trabalho em um certo estado de alheamento.

A história, evidentemente, não tem nenhuma moral (como poderia ter?). Talvez apenas que, no fim, tudo não passe de um jogo de sorte e azar, graça e desdita, dentro, naturalmente, de seus próprios termos boêmios ou celestiais.



Crônica enviada pelo autor


4.5.22

"rapaz, fazia um calor infernal", por Eduardo Rêgo de Oliveira



rapaz,
fazia um calor
infernal

o range range
do metal
se confundia
com a metaleira
da banda de forró


chapa,
nunca pensei
que sentiria
saudades desse som
-------------------------------[dos infernos

as ideias derretidas
sobre o colo
no bule da cachola
fervidas sob um sol
equatorial
----------------------------[impecável

talvez dois
um na frente
outro atrás

no retorno
talvez ?

n m c
o e a
-- s i
--- m x -- (essa parte principalmente, algo me diz que já a li) --
---- o ã
-------- 0
metálico

gente boa
gente ruim
gente com farda
da escola estadual

gente doida


gente careta

vidraças da engecopi
deformando um
p o s t e
que mais parecia
uma...

bem
uma genitália feminina.



Eduardo Rego Oliveira
Poema enviado pelo autor