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20.1.16

A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune


                                                            aos "filhos de ninguém", personagens desta história,
                                                            heróis da cidade destruída e vítimas do ódio,
                                                            da especulação imobiliária e da maldade dos homens


PRIMEIRO MOVIMENTO

Teresina chora

I


Tremeram as palhas da cidade
              na loucura de 41

amanhecera
era noite nas sarjetas da mente
e queimava o brilho de estandartes

subiram ruas e era triste a vida
disseram alegrias e não chegaram

todos pediam ação
no muros, nos papéis
nas esteiras-camas
no silêncio da polícia
e na certeza
todos pediam ação
e era cedo
e era longe
mais que perto se fez o tormento
e das palhas ao vento se viu a vida
entre corpos, entre mentiras
lágrimas, potes, trapos
e todos queriam ação
a mesma ação de peso
a loucura da satisfação

amanhecera!
é necessário insistir; amanhecera
e cada pingo desse inverno
caía como punhal em cada dor
a chuva, o frio, o cobertor
a palha era o teto de sossego
e já não se podia pensar
e já não se permitia verdade

era ela, magra na escuridão das águas
triste no chorar dos céus
que gemia
era ela, na eterna espera
nos tormentos seus
que se quedava em Karnak
era ela, a criança Teresina
omissa nas brasas dos baús
nos ossos dos perdidos
nas carnes de Luzia
que se via violentada
e era ela, mais do que tudo era ela
na eleição dos seus líderes
na aceitação da imposição
que clamara piedae

amanhecera
e cresciam os dias
e nem mesmo a insistente chuva
nem mesmo a solidão do cais
fizeram de Evilásio Vilanova
a paralisação do gesto
é que do medo dos casebres
se formou a gana
a tara de se ter presente
o suplício de um tempo
e do Parnaíba, as águas eram cheias
e de Getúlio, a força era tudo
pois era glória...
o tempo todo lhe rendiam palmas

se pelas ruas da pobreza
serpenteiam chicotadas
carrega o fardo da miséria
sufoca o apelo da terra
fazendo pouco o cismar dos dias
em meio ao tormento da desilusão

e por mais que emudecessem as cinzas
ficou marcada a história dessas vidas
em que se baseou essa vergonha

- chega!
basta a dor desse dia negro
(basta dessa "chuva" maldita)

começara!
raiou o claro em pingos dessa trama
pediu - trágico - a trágica forma
fez-se agora o labirinto
e não bastaram os gritos dos afoitos

é que estamos em terra firme
em meio a agonia
no mandato de alegoria
na estrutura de um torpe Brasil
como em ti perto
como em ti morte
mata - geme - sofre

é dia
e a chuva grita contra os deuses
mas não se decidia a tempo

essa loucura é antiga
é espada rasgando o ventre
é espera de mil séculos
é verdade de agora
e és tu, só tu, Teresina
que de dentro das chamas
nos abre o véu do tormento
dessa angústia presente
que destrói a grande luta
e nem Evilásio
nem Leônidas
nem vida, nem morte
nem medo, nem Luzia
nem Mathias
nem nada
        te fez esquecida
é que hoje começara
e tua vida queima dolente

era um tempo de dor
e por aqueles dias o fantasma do calor
rondava casebres de palha
e não se sabia a que momento
se manisfestria as garras da covardia
e enquanto se lamentava nas ruas do Mafuá
já se previam a indecisão de ser
já se tramavam nos gabinetes
o passo da piromania

os jornais escreveram tantas estórias
e do grito da oposição
nada abalava a marcha
dos troncos idos e dos marginais
em busca de mentira, crime e ódio

a brasa,o solo
   o tempo, a mão
     o escuro, o claro
o dia - ação

encapuzados empunharam tochas
e o sono dos infelizes seres
                      interrompeu-se
e de dentro da fumaça
o tossir sem rumos, o chorar das mães
- o rádio, o baú de roupas, a bilheira
meu filho, Deus, meu filho é cinzas

de mais distante nas perdidas horas
o fumo sobe - Teresina implora

por mais distante dos tempos de agora
a pira surge - Teresina cora

e por mais distante das perdidas horas
a "chuva" espalha-se - Teresina chora

chora, chora
chora
chora
a "chuva" queima
Teresina chora.



Afonso Lima
em A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune
PRIMEIRO MOVIMENTO: Teresina chora, I
Teresina: Multiservice, 2010

12.1.16

AS SUBURBANAS




Passeia no Subúrbio
meu Ócio. Dominga
paisagem. Distúrbio,
quitanda/pinga.
   Morre eletrocutado
operário na Ininga.


Segue o seu passeio o Ócio
tranquilo em sua ociedade.
Vê sapateiro com bócio,
casas de "caridade",
seguem Cachorra e Ócio
nos Subúrbios da Cidade.


Meu Ócio em cio-Cachorra
passeia a pé.
anda que nem a porra
no Itararé.
vê o velho povo
e a zorra.


Passa nos Três Andares
meu doce Ócio, meu bem,
e ali não há cismares ~
se conversa terra/mares,
a loucura dos Palmares,
a influência dos teares,
a via cega dos ares ~
cousas que nada têm.


Na Suburbana Redenção
passam o Ócio e a Cachorra ~
noturna caravana (Lei Arras)
pague-se de todo o coração
ao poeta~corretor a comissão ~
diz a cachorra e desamarra
o malote das costas e dá a mão
digo, a pata, ao Poeta e sarra
papo tantos de ilhas, penínsulas,
                        araras.
Tomam cervejas, canas, nessa rota,
   o Poeta se lembra que tem gota,
por fim, enfim, foi boa a farra.


Danado, corre e se persegue
como cachorro atrás do rabo.
Segue na frente e se segue ~
   é pouco de Deus e diabo.
Diz ter um livro no prelo,
   desliza liso em quiabo,
ignorante, doido e brabo,
passa no Monte Castelo.


Chega no Promorar
depois de passar no Saci
e ali não quis ficar,
conversa daqui,
conversa de lá,
come biscoito Pilar,
laranja Cliper
e a Cliper já não há,
entretanto, cabreiro, em pé,
toma café.


Pensa também Fratelli~vita
indo ao Parque Piauí,
(Fratelli~Vita não há.
O que é Fratelli~Vita?) ~
A Cachorra lhe pergunta.
Toma um gole de birita
Pernambuco Autoviária
Lhe surge à alma precária,
se lembra do Bongí
                          Camaragi
                                   be
                           Capibari
                                   be
                              Beber
                                  ibe


Saltando de bar em bar
poisaram no Encruzilhada.
Noturnamente madrugada,
mas Maury ali está
e mete cachaça neles
e pede para fechar.
O Ócio começa a chorar,
lembra do seu bom papá
da sua boa mamã,
também lembra da babá,
tem saudades da titia,
promete voltar um dia,
se piram pro Mafuá.


Descem no Mafuá
e voam para o Marquês
(direito de ir e vir.)
O Ócio doce, cortês,
declama os versos de Inês,
filosofa do porvir.
Pula o Ócio, pula pula
de alegria, cachaça, imbu,
se transforma numa mula,
(siriguela, tanja, caju,)
ali o bom pulula.
Pílula no Povo!
                      Pílula!


Vão à casa do Jair,
a Cachorra, já sem prumo,
resolveu tomar seu rumo
e dali se despedir.
Ócio sozinho se comove,
toma vat 69,
        tira gosto com couve,
delicia-se com Beethoven,
        tratado tal como Sir,
        pede para sair.


Depois de tanto trabalho,
Ócio sai do Itaperu,
Lembrando Caruaru,
que ali tomou Pitu,
e passa pelas "Malvinas",
vê um carro da Eturb,
(adeus, adeus, Primavera!)
devagar passa da ponte,
Nós e Elis lá defronte,
bebe um gim com vermouth
e chega ao Jóquei Clube.


Pois, bom, dali pra frente
mais nada o menino viu.
Não viu nem um navio
e ficou a ver navio.
(Menino de alma assanhada!)
Mas ali de tudo havia
e isto o menino via.
(Avia, rapaz, avia!),
uma via é uma via!
~ Ali não havia NADA.




em NOS SUBÚRBIOS DO ÓCIO (1996)

1.12.15

REMANSO, Gregório de Moraes


O Parnaíba imenso, adormecido
Pelas beiradas balsas deslizando
Balouçam leves, vão além singrando
Ao pôr do sol, do meu torrão querido

Velhas lembranças tenho revivido
O Mafuá, o Boi, os Reis, cantando
Pelo Cabral, tambores soluçando...
O canto do capote, vão, perdido!

É, tudo, sei, de outrora uma lembrança
Do meu alegre tempo de criança
Fazendo pescarias e caçadas!

Quisera ver outra vez minha terra
Andar a esmo qual pássaro que erra
Na imensidão perdida das chapadas!


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970

25.11.15

SOBRE IDENTIDADE, CARNAVAL, PERDAS E CINZAS, por Ací Campelo



Agora que já foi decretado o fim dos desfiles das Escolas de Samba de Teresina - e que meus ouvidos cansaram de perguntas se sou a favor ou contra - posso escrever e recordar algumas lembranças e lançar algumas questões.

Sou um apaixonado pelo carnaval, combina com meu jeito tímido e extrovertido, afinal de contas é no carnaval que podemos fazer tudo aquilo que queremos, pois é naquele espaço de dias da embriaguez, da música e da alegria que todos somos iguais, ou quase. Há mais de 40 anos moro no Bairro Mafuá, pertinho da Vila Operária um dos berços do samba piauiense. Convivi desde os anos 70 com escolas e blocos carnavalescos, pó de maizena e lança-perfume. Teresina era uma festa no carnaval: River Atlético Clube, Cabos e Soldados, Jockey Clube, União Artística Piauiense, Clube Pirantinga, Classes Produtoras, Flamengo, Marques, Baixa da Égua, Palmeirinha, Frei Serafim e os desfiles das Escolas de Samba, imperdível, meu velho! Triste foi quando parou tudo nos anos 80. Teresina parecia ter escurecido sem as festas de momo, uma escuridão que desnorteou os tamborins e calou as cuícas; um amargor na goela dos puxadores de samba-enredo e uma tristeza sem fim nos corações dos compositores e dos foliões.

Veio os anos 90. As fantasias guardadas e o peito dos apaixonados pelo carnaval batendo cada vez mais forte, desistir nunca! Esperança e ritmo na cadência do samba. As forças se aglutinaram e, em 1993, aconteceu um evento denominado Reviver Carnaval, um Seminário realizado pela Fundação Cultura Monsenhor Chaves e a Secretaria de Esportes e Lazer - Semel, na Casa da Cultura de Teresina, tudo acompanhado por uma exposição de fotos, fantasias carnavalescas. Foi a partir dali os tamborins começaram a esquentar. Participei de uma mesa onde estava Marcos Peixoto, o super-produtor cultural que fazia a Micarina com grandes trios baianos, nada que impedisse nosso carnaval de existir. O seminário foi todo documentado, e ali estavam todos os presidentes de escolas de samba e pessoas apaixonadas pelo carnaval deixando suas idéias e opiniões. O carnaval tinha voltado para a alegria de todos, principalmente minha. Tenho o documento, quem quiser ler me peça uma cópia.

1994, todas as Escolas de Samba na Avenida Frei Serafim. Mauro Monteiro, um gigante, dando tudo de si como organizador. O povo de Teresina invadiu a Frei Serafim, que ficou pequena, veio Marechal Castelo Branco, brilhante ideia, mais espaço e conforto. Em 1997, um ingrediente a mais: o corso carnavalesco e o caminhão das raparigas-atrizes piauienses representando, criação da FCMC, sob a responsabilidade de Cecilia Mendes, Afonso Lima, Laria Sales, Ací Campelo, Daniel, Wellington, uma festa! No começo, dois caminhões apenas, dez anos depois o corso tomaria conta da cidade. Mas, e agora? Como ser feliz no carnaval se não vai mais existir desfiles? Como ficará o corso? Aliás, corso pra que?

O mais terrível de tudo é negar a tradição. Escolas de Samba sempre existiram em Teresina, há mais 50 anos, não é, então, uma tradição? Não é uma história? Por isso é que às vezes penso que nós somos culpados pela nossa incrível capacidade de negar a nós mesmo. Estamos sempre acabando com aquilo que construímos, com aquilo que pode sugerir nossa identidade cultural, nossas raízes, nossas heranças, então, ficamos navegando e boiando sem paradeiro, na busca de qualquer tábua de salvação, num desrespeito total à construção de nossa cidadania. No Piauí, o gosto pessoal de alguns quando se apoderam do poder paira sobre o gosto dos outros. Não gosto, não quero, não tem pra ninguém. Mesquinhez pura.

Fico comigo a lembrar do bloco do Pererê, alô Ral! Do bloco da Tijubina do Mafuá, criado por Ubirani Rocha, do qual banquei o letrista dos sambas e, por último, do Baião de Boi, do Severinos Santos, onde desfilei nos últimos três anos. E o Bosco com sua Escola de Samba da qual me homenageou, me colocando no Samba Enredo? E o príncipe do carnaval, senhor da glória Manuel Messias. Onde vamos dançar agora? E pra quem? Não irei aos bairros vê escolas de samba desgarradas fazendo coro para trios elétricos, nada contra, absolutamente. Acho que até os próprios bairros irão estranhar, afinal de contas muitos deles se dirigiam a avenida para vê as escolas, não é verdade?

Mas, vamos com calma. A identidade de um povo é construída pedra sobre pedra e, às vezes, ficam só as pedras, para renascer das cinzas matando a tirania. Que viva o carnaval!



Ací Campelo,
em 27 de julho de 2009
via blogue do autor


16.4.14

NATAL EM TERESINA, Gregório de Moraes


Amo esta gente. A terra, seus destinos...
Os mangueirais, o Mafuá contente
Amo este sol que nasce de repente
Glebas que cantam tão sagrados hinos

Natal no povo. Repicar de sinos
As sombras deslizando lentamente
Luzes no altar, no coração da gente
Cantos de amor, cheios de fé, divinos!

Natal de minha terra para o mundo
Um coração repleto de venturas
Dizendo: Deus, no vento, nas alturas.

É o simbolismo deste amor fecundo
Que se revela até nos arvoredos
Como entre nós no entrelaçar de dedos.


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970

6.4.14

Maria Tijubina do Mafuá





[...]

Dentre os antigos restaurantes que existiam no bairro Mafuá durante as décadas de 1970 e 1980, destacamos o restaurante de Maria Tijubina, o qual, ficou famoso pela venda de comidas típicas nordestinas, como panelada, mão-de-vaca, carne de sol e sarapatel, atraindo não só a população do bairro, mas também a população de outros bairros e até mesmo de fora da cidade de Teresina.

Desse modo, entre o período de 1970 a 1980, o restaurante da Maria Tijubina, além de ser frequentado pela população do bairro, tornou-se ponto de encontro, fim de noite e refúgio de muitos boêmios, poetas e artistas da cidade, assim como de alguns cantores da MPB que vinham fazer show no Teatro 4 de Setembro, como Alceu Valença, Gilberto Gil, entre outros, que não encontravam em Teresina, durante essa época, opções de lazer, acabando dessa forma, por se refugiarem no restaurante da Tijubina. 


Francisca Lidiane de Sousa Lima e Wilza Gomes Reis Lopes
Em ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E DE CONSUMO DO BAIRRO MAFUÁ
apud História em poliedros: cultura, cidade e memória / Teresina: EDUFPI, 2009

5.11.13

PREVISÃO DO TEMPO, Rodrigo M Leite


o morto esboçado no chão com sua moto
não é lembrado no mercado central
onde cresceu e não aparece há anos
o recém nascido evangelina rosa
grita primavera rouca
coro que anoitece os olhos do pai
pétalas de aço enferrujado
rasgam o asfalto frei-serafim meio-dia
quentura dos infernos
ônibus tiram fino das garotas cpi, todas iguais
a cidade respira pulmões encardidos
e o som vibrante de linhas com cerol nos postes mafuá
trilha o cotidiano de almas estendidas em varais


Rodrigo M Leite
em A Cidade Frita
Teresina: 2013 (versão atualizada)

16.10.13

TERESINA, O RIO, OS POETAS


Mangueiras, minha velha Teresina,
O povo alegre, sorridente, vivo,
O Mafuá num batucar festivo
Saudade, mestra e mãe que amar ensina.

                                Gregório de Moraes


...sobre um vale pastoral onde os rios passam
sobe a música de vida
dos rios reduzidos a um nome – Parnaíba.

                                H. Dobal


E há, neste anseio sempre renascente
de unir as nossas almas num só corpo,
uma repetição dos aconchegos
do Parnaíba com as lavadeiras.

                                Odylo Costa, filho


Teresina gentil de ruas alinhadas,
Tens nalma a placidez das loiras madrugadas,
A beleza, a frescura e o riso das mulheres.

                                  Cristino Castelo Branco


Vem o Cabeça de Cuia
dançando de madrugada,
vem a moça que morreu
no Parnaíba afogada:
com o seu vestido de noiva
que não pôde ser usado.

                                  Clóvis Moura


Eu sou como o Parnaíba
que corre para o mar;
viro e mexo, faço voltas,
mas meu destino é te amar.

                                  Popular


O Parnaíba tem pregão de glória,
Vai ovante e feliz, na onda ingente,
E teu nome lançar no mar da História!

                                  Alcides Freitas


Parnaíba, velho monge
do poeta que viveu
nas margens da tua cheia
no cheio de tuas margens.

                                  Álvaro Pacheco


Envelheci, querida Teresina,
Enquanto vais ficando, minha terra,
Cada vez mais formosa e mais menina.

                                  Altevir Alencar


Terrinha invocada...
O Karnak majestoso
Avenida iluminada...
Terrinha invocada, meu irmão.

                                  Herculano Moraes


Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando... E ao longe
O mugido dos bois de minha terra...

                                 Da Costa e Silva


O Rio Parnaíba, o velho monge,
Por alguém decantado entre poesias,
Vai, lentamente, deslizando ao longe,
Entre tristes gemidos de águas frias...

                                  Domingos Fonseca


Ouve as águas peregrinas,
Sussurrantes, cristalinas,

Que, docemente, te embalam:
Do Parnaíba altaneiro,
Caudaloso, sombranceiro,
São as vozes que te falam.

                                  Olympio Costa


O Velho Monge, num burel de arminho,
Refletindo as bucólicas paisagens,
Que lhe enfeitam de gala as verdes margens
Paras as bandas do mar segue o caminho.

                                  Vidal de Freitas


Apenas sei
E além disso nada mais
Que o Velho Monge continua rezando
À tristeza das águas
E emoliente ladainha do tempo.

                                  Pompílio Santos


A. Tito Filho
em Teresina meu amor, 4ªed.
Teresina: COMEPI, 2002

28.10.11

TERESINA, Gregório de Moraes


Mangueirais, minha velha Teresina
O povo alegre, sorridente, vivo
O Mafuá num batucar festivo
Saudade, mestra e mãe que amar ensina

Falar de minha terra me fascina;
Meu Deus, é tudo um eternal motivo
O Parnaíba marulhando esquivo
O Barrocão; a luz da lamparina...

Correr, subir veloz num oitizeiro
Tentar erguer meu papagaio primeiro
Lembrança das casinhas. Há quem esqueça?

Vivi no meu desterro esta lembrança
Ó saudade do tempo de criança
Dos maternais beijinhos na cabeça.


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970

14.10.11

MARIA TIJUBINA, Edmar Oliveira


Quando na madrugada de meninos boêmios a fome apertava, os filhos da zona norte só tinham uma direção: Maria Tijubina. Não era bem um restaurante. Uma venda num casebre que se equilibrava num barranco acima da linha do trem. Mas a quem Maria fazia deferência, podia examinar as panelas, nas trempes dos fogões, se a Mão-de-Vaca ou a Panelada, qual iguaria estava mais apetitosa. Eu era um destes fregueses, ainda menino, que Maria dava importância. E qual o meu orgulho de anunciar pra rapaziada que me acompanhava: hoje é dia da Panelada, tem um cheiro ótimo. – Maria, uma panelada e um arroz a mais. Este “arroz a mais” era a grande invenção da Maria. Com dinheiro muito curto nos bolsos a molecada desdobrava um prato feito pra dois ou três em um rango para quatro ou seis. Verdadeiro milagre da Maria na multiplicação da comida farta.

Maria Tijubina era antenada. Conhecia as turmas, os grupos, as encrencas e as fofocas de todos. E passava informação a (de) uns e outros, sentada na mesa do freguês, com seu paninho de espantar muriçocas, e que servia também pra limpar as mesas e pegar as panelas quentes. Na venda da Maria matava-se a fome e a sede de informação. Ali se sabia que a namorada de um tinha saído com outro. Que o respeitável político amancebara-se com aquela loura que uns e outros davam em cima. E, pior para a reputação de alguns, doutor Fulano, casado e pai de filhos, passou ali, numa dessas madrugadas, em companhia de suspeita sexualidade. Coisas simples da vida de província. E a gente perguntava pelos colegas e Maria respondia que este já passara ali torto e, com certeza, foi dormir; que aquele outro, certamente, ia chegar; que esse outro viajou pro sul.

A Panelada e a Mão-de-Vaca da Maria eram as iguarias das noites no Mafuá. Um mercado que virou bairro. Um bairro que virou conto. Assaí Campelo, figura que se confunde com a própria Teresina, morador do Mafuá, e vizinho do mercado, a pessoa mais importante da zona norte de Teresina, levou Caetano Veloso e Gilberto Gil e uns e outros artistas que visitaram Teresina pra comer panelada na Maria. Eles nem sabem do quê a comida é feita, mas Maria mostrou a tijubina pro Gil e pro Luiz Melodia...