31.12.12

O MALA, Hélio Soares Pereira


A onda anda mansa
   nas bocas da maré
       sem o agito das moitas

Um mala
   pinta no pedaço
       na cola
           de quem tem trampo

Alguém dá o berro
   - Cadê meu cruza?


A boca esquenta
   O cana vai fundo
       pisando nos calos
          do brasuca cara de pau
              que tenta
                  fugir da raia


É a maré
   que não tá pra peixe
        só pra anzol

O mala é fisgado
   com um berrante na cuca
       que se funde nos grilos
           Mas muito vivaldino
                saca na fuça do cana o chapa
                    que se liga em cascata

E deixa cair de leve
    a gaita
        na boca do balão


em No laço da opressão 
Brasília: Gráfica Valci Editora, 1998

SAUDADE, Hélio Soares Pereira


Domingo adormece
   domingo amanhece
       E eu nesta saudade
           que me invade
               da minha terra

Saudade!  Tu me estremeces
   e congelas o peito meu


Ó museu de artes modernas
   em verde tapete de grama!
       Tu me deste  oportunidades
            que minha doce terra me não deu

Mas que sabe?  Se esta saudade
   ainda menina
       se amenize no meu ego - talvez
          Ou me arraste de vez
               à terra mater - Teresina


Hélio Soares Pereira
em "Onde o horizonte vem esconder-se..."
Brasília: Gráfica e Editora Esteio, 1982

TERESINAMADA, Hélio Soares Pereira


De noite
   vejo brigitte bardot
       na casa de shows
Enquanto o ônibus não vem
   valquírias vão e vêm

Vou ao teatro
    de arena
        sem ponte de safena
e o bloco do amor
                       que fica
                            promove
                                o gera samba
                                     da raça brasileira

Elba Zé e Alceu Valença
   no pavilhão de feira e eventos
                                           se aventuram
                                               etcetera e tal

Teresina
   assim derramada
       é amada
           e marca a vida
               num esquema certo
                  de artesãos


Hélio Soares Pereira
em Passarela de escritores (coletânea)
Teresina: Edições Jacurutu, 1997

TERESINA QUE ME FASCINA, Hélio Soares Pereira


Quem cortou tuas tranças
   te deixou mais linda
Cabelos soltos
   ao vento
       olhar penetrante

Teus pontos de encontro
   são tantos!
De quando em quando
   vestem novas roupas
       feitas de sol e de lua

Toda nua
   vejo-te às vezes
       e te penetro
           no eco faminto
                            de mim
lendo Torquato Neto
   quebrando a monotonia
                                  dos passos
                         além da vidraça
                             embaçada
                                 no tempo

Relax total
   entre amigos
       no shopping
ou com a garota
   que surfou minhas ondas
       sonoras
           e calientes


Gelar a garganta
   num ponto antigo
      em blablablás
          confortantes
Saborear sorvetes
   na avenida
       bacuri cajá
           ou murici

São prazeres
   que tenho de ti
       São caminhares curtidos
           fins de semana
               potycabana
Ao sol de largo olhar
   bebo meus dias


Naturais lembranças
   ainda me resguardam
       do estresse
           bombardeando nas veias
               o colesterol
                   das horas vazias

Teu sol de agora
    brilha
        novos horizontes
e deixa
   guardados na sombra
       teus passos cansados


Hélio Soares Pereira
em Antologia escritores III
Teresina: UBE / PI, 2003

ÁGUAS DO PARNAÍBA, Hélio Soares Pereira


Águas do Parnaíba
    ensaboando as pedras
        deitando-se nas margens
            umedecendo manhãs
                emoldurando
                     saudades


Hélio Soares Pereira
em em Antologia escritores III 

Teresina: UBE / PI, 2003

3.12.12

SEGUNDA FOTOGRAFIA VIVER TERESINA, Elizabeth Oliveira


Quem visita o bairro Poti Velho pode ver as casinhas
miseráveis presas à terra.
Os meninos do Rio Poti brincam em completa alegria,
alheios ao abandono.
Têm o corpo marcado pela desnutrição.
Esquecidos, a cidade não lhes repara.
Nem o país observa sua própria miséria.

Os meninos do Rio Poti dependurados no horizonte.
Comigo-não-se-pode ironizam o homem,
acidente circunspecto em céu aberto.

Por que a vida aqui parece uma fotografia pardacenta
onde o tempo parou?
O primeiro bairro da cidade anualmente
confirma a tradição pública festejada:
acompanhado pelos fiéis,
São Pedro percorre as ruas em procissão.
O povo lhe devota o sagrado sentimento,
na intenção de dias melhores,
que as aves de rapina lhes prometem no período eleitoral.

O Cabeça de Cuia escuta a fome em danças,
crianças em roda, ao encontro do Rio Parnaíba
com o Rio Poti de braços dados com a gente ibiapiana.

Ao se tornarem adultos, os meninos do Rio Poti
(e os do Brasil) verão com espanto sua lembranças,
a infância tomada, de doídas medidas.
Que futuro pode ter o país
com essa massa (ignorada) de miseráveis?


em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996

EU E O BAR, Elizabeth Oliveira


Estou no Bar Nós e Elis. Vou ao encontro da vida.
Tento compreendê-la.
O que dizem as luzes, o clima festivo?
Garçom, uma música romântica,
pois não entendo meu coração.

O que mostram as pessoas, em sua trivialidade?
Estou entre olhares indiscretos, ao som da MPB.
Mistérios me espreitam: como suportá-los?
(compor poemas talvez resolvesse!)

A cidadezinha inventa o mundo entre sorrisos de bares
e me estranha a moça só, produzindo incessantemente
o poema da madrugada.
Mas, o que se passa com a terna cantora de noites "rolantes"?

Sou a moça da farda,
pioneira de muitos goles sozinhos,
detentora de tantos senões.

Garçom, um gole de Mallarmé,
pois estou com a cara suja de Fernando Pessoa espia a mim.
Estou com a boca cheia de estrelas e
ninguém vai ficar imune a isso.

Sou palavras e sua presença é meu costumeiro vampiro.
De fato a eternidade é muito extensa
pode conter a infinitude de certos momentos.
Onde quer que vá, segue-me a poesia, pretexto de vida,
me diz; "onde tu fores, te seguirei".
Com meu canto teço sementes à terra,
que é meu veredicto ser-lhe testemunho.

Garçom, uma dose de Ezra Allan Pound ou um duplo
Florbela Espanca Drummondiano.
Meus vampiros precisam de orgias,
para o texto que se segue e que me rege.


em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996

2.12.12

PONTE METÁLICA, Marcos Freitas


por aquela janela
alto do prédio
viam-se
carros / pedestres
famintos / sedentos
desenfreados
intenso ->vai-e-vem <-
o museu
com sua grandiosidade
em frente - barracas de camelôs
revoada de andorinhas
ao redor das torres do Amparo
anunciando o pôr-do-sol
no Parnaíba - ponte metálica


Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010

MATURAÇÃO DAS ROMÃS ou H. Dobal revisitado, Marcos Freitas


"Quatro vezes mudou a 'stação falsa
No falso ano, no imutável curso
Do tempo conseqüente;"

Fernando Pessoa

a cidade-projeto
com seus signos e siglas:
solidão geometricamente
estampada
na tarde de domingo e verão
de um temp(l)o
inconsequente.


Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010