Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Parnaíba. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Parnaíba. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

16.10.13

TERESINA, O RIO, OS POETAS


Mangueiras, minha velha Teresina,
O povo alegre, sorridente, vivo,
O Mafuá num batucar festivo
Saudade, mestra e mãe que amar ensina.

                                Gregório de Moraes


...sobre um vale pastoral onde os rios passam
sobe a música de vida
dos rios reduzidos a um nome – Parnaíba.

                                H. Dobal


E há, neste anseio sempre renascente
de unir as nossas almas num só corpo,
uma repetição dos aconchegos
do Parnaíba com as lavadeiras.

                                Odylo Costa, filho


Teresina gentil de ruas alinhadas,
Tens nalma a placidez das loiras madrugadas,
A beleza, a frescura e o riso das mulheres.

                                  Cristino Castelo Branco


Vem o Cabeça de Cuia
dançando de madrugada,
vem a moça que morreu
no Parnaíba afogada:
com o seu vestido de noiva
que não pôde ser usado.

                                  Clóvis Moura


Eu sou como o Parnaíba
que corre para o mar;
viro e mexo, faço voltas,
mas meu destino é te amar.

                                  Popular


O Parnaíba tem pregão de glória,
Vai ovante e feliz, na onda ingente,
E teu nome lançar no mar da História!

                                  Alcides Freitas


Parnaíba, velho monge
do poeta que viveu
nas margens da tua cheia
no cheio de tuas margens.

                                  Álvaro Pacheco


Envelheci, querida Teresina,
Enquanto vais ficando, minha terra,
Cada vez mais formosa e mais menina.

                                  Altevir Alencar


Terrinha invocada...
O Karnak majestoso
Avenida iluminada...
Terrinha invocada, meu irmão.

                                  Herculano Moraes


Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando... E ao longe
O mugido dos bois de minha terra...

                                 Da Costa e Silva


O Rio Parnaíba, o velho monge,
Por alguém decantado entre poesias,
Vai, lentamente, deslizando ao longe,
Entre tristes gemidos de águas frias...

                                  Domingos Fonseca


Ouve as águas peregrinas,
Sussurrantes, cristalinas,

Que, docemente, te embalam:
Do Parnaíba altaneiro,
Caudaloso, sombranceiro,
São as vozes que te falam.

                                  Olympio Costa


O Velho Monge, num burel de arminho,
Refletindo as bucólicas paisagens,
Que lhe enfeitam de gala as verdes margens
Paras as bandas do mar segue o caminho.

                                  Vidal de Freitas


Apenas sei
E além disso nada mais
Que o Velho Monge continua rezando
À tristeza das águas
E emoliente ladainha do tempo.

                                  Pompílio Santos


A. Tito Filho
em Teresina meu amor, 4ªed.
Teresina: COMEPI, 2002

5.4.20

Os vareiros do Rio Parnaíba, tema esquecido pelo Piauí, por Jorge Baleeiro de Lacerda


Em 1977, durante uma semana, estive em Parnaíba, Piauí, a que voltei outras vezes. Dessa feita, uma das figuras que conheci e com quem fui à Pedra do Sal foi o jornalista e escritor Raymundo de Souza Lima, que estudava os vareiros, os porcos-dágua, no dizer popular, do Rio Parnaíba, homens que passavam, com varões de até oito metros, as embarcações que faziam o trecho entre Terezina e Parnaíba, no tempo áureo da carnaúba, do babaçu e do couro.

Raymundo de Souza Lima, na praia da Pedra do Sal, costa do Piauí em janeiro de 1977

Até hoje, o Piauí ainda não publicou uma obra de peso sobre os vareiros, embora M Paulo Nunes, do Conselho Estadual de Cultura, tenha se dedicado muito a temas piauienses em sua revista Presença, publicada pelo CEC.

Lembro-me do carinho com que Raymundo de Souza Lima tratava o tema, que conhecia tão bem por tê-lo vivenciado nos anos 30 e 40.

No clássico Beira-Rio Beira-Vida, de Assis Brasil, o tema não é abordado, apenas faz referências. O assunto central é a prostituição, vida mundana à beira do rio que banha a cidade de Parnaíba.


Recentemente sugeri ao deputado federal Hugo Napoleão (que não foi reeleito, interrompendo 40 anos de vida pública) que publicasse pelo seu gabinete um livro ou uma plaquette sobre os vareiros do Rio Parnaíba, mas acho que não apareceu ninguém interessado em abordar o tema nem foram achados os apontamentos de Souza Lima.

Quando vivo, perguntei a Fontes Ibiapina, um dos mais notáveis escritores, por que não abordava o tema. Disse-me que lhe faltava experiência ribeirinha, convívio com o Vello Monge (o Parnaíba). Era do interior do Piauí, não da beira do rio, daí o seu desinteresse pelos vareiros, mas não descartava a possibilidade de uma dia escrever. Não teve tempo.


Oxalá a Prefeitura de Parnaíba e seus amigos da extinta Folha do Litoral, do saudoso Batista Leão, achem o manuscrito de Os Vareiros do Rio Parnaíba para que a cultura do Piauí ganhe esse estudo sobre um dos tipos mais tradicionais, hoje esquecido, pelo conselho de cultura do Estado de Da Costa e Silva. Fica o lembrete para Cineas SantosM Paulo Nunes, baluartes da cultura na velha Chapada do Corisco.


Jorge Baleeiro de Lacerda
Coluna BRASILIDADE PARANISMO SUDOESTE
Publicado originalmente em 31/01/2015 08:45, via

2.9.14

O Parnaíba, Geraldo Borges


O rio Parnaíba é um rio torto
Que da voltas por dentro do mato
É um rio que está quase morto
Maltrapilho de tanto mal – trato.

O rio Parnaíba é um rio sujo
Com as mãos estendidas em suas margens
Foi se o tempo que tinha marujo
Para contar historias de torna viagens.

O rio Parnaíba está se arrastando
Esfarrapado pela beira do cais
Não aguenta o peso das pontes de concreto

O rio Parnaíba está adornando
Água esvaindo pelos seus beirais
E o seu leito vai ficar deserto.


Geraldo Borges
via Piauinauta

11.4.14

RIO PARNAÍBA




O rio Parnaíba segue. A corrente de água vai rápida. A poluição da cidade se faz sentida em plásticos. Mulheres levam e lavam roupas, meninos nus e meninas peladas correm pela beira do rio, eles riem. Adolescentes tecem olhares para adolescentes. Na ponta da beira do rio, surge dona Rita.
 
Dona Rita tem 29 anos e mora na beira do rio Parnaíba. Ela tem cabelos lisos negros, olhos grandes arredondados, pernas grossas, canelas finas e raspadas, coxas douradas, rosto de inocência. Usa sandália de couro e tem cintura fina esculpida. Ela mora com o marido e dois filhos e é bem cuidadosa com a beleza.
De noite os vizinhos se chocam com o amor que vem do seu quarto. Por esse motivo, ela lava a roupa afastada das outras mulheres. E pelo fato de atrair todos os olhares de admiração e desejo, ela atrai inveja. Pro bem ou pro mal, prefere ficar distante das outras lavadeiras. Já insistiu em estar junto, mas elas a ignoram e a olham com desprezo.

Com um pouco de fome, vai Rita trabalhando como dona de casa, fazendo comida (quando tem), cuidando dos filhos, da limpeza da casa, ajudando o marido a catar lixo na rua, ajudando o marido a aguentar a realidade fadada da vida, contanto historinhas de fadas e duendes de outro mundo para os seus filhos, com o peso do olho dos outros nas costas, com o peso do olho dos outros na bunda, nas coxas, vai Rita com o peso das roupas na cabeça, com calos na mão, com a boca carnuda, com a vida torta como a sua assinatura. Lá vai lavar as roupas na beira do rio, mulher de fibra, mãe assídua, com jornada tripla. Multiplicada a outros fatores e motores presentes nela.

Além de viver abaixo da linha da pobreza, Rita, com a saia acima do joelho, até o meio de suas coxas, agacha-se e esfrega uma roupa noutra. “Lavar, lavar, lavar, pra cuidar da casa, da família...” – cantam as outras lavadeiras, longe de Rita. O sol brilha, uma brisa assovia a música. Hoje é quarta-feira. Hoje é dia de Rita. O rio segue e segue belo. Muito mato ao redor e, ao longe, o som das outras lavadeiras cantando. Um som estranho no meio do rio. “Oxe, diacho, o que foi isso?”. Rita pensa, espreita e volta ao seu ofício. As lavadeiras cantam, lavam. A brisa canta, uma sensação de paz domina o lugar, um passarinho passa voando, parecia fugir, mas voava lindamente. Uma flor desabrocha, bem ao lado de Rita, ela não percebe esse fato. Está distraída, concentrada, pensativa (pensando em coisas que eu nunca saberei), linda, com fome, cansada, preocupada com os filhos e com as criancinhas, que viu ontem na TV, morrendo de fome em algum país africano. Coxas douradas molhadas com a água do rio, muito sabão de coco, muita vontade de cortar o cabelo, vontade de estudar, vontade de viver. É Rita levando, lavando, sendo lavada...

Em frente à Rita, uma sombra se forma debaixo d’água. Quando ela percebe, e vai de olho na sombra, um homem branco e nu sai do rio com os braços abertos. Rita, assustada, tenta virar-se e correr, mas ele está perto demais e a puxa pelos pés. Ela cai e bate a cabeça no chão. Debatendo-se, gritando, tenta levantar-se. O agressor, todo molhado, babando e com olhos vermelhos, agarra os cabelos e bate duas vezes o rosto dela no chão. Ela sangra e grita. O homem nu bate pela terceira vez a sua cabeça. Ela já não grita mais, chora. Ele a puxa pelo cabelo da nuca, puxa a vítima para dentro d’água. Antes de desaparecerem no rio, ela grita novamente, uma das lavadeiras ouve seus gritos e entoa o canto das outras lavadeiras para que o som fique mais alto. Rita afunda na água e desaparece. No rio Parnaíba, bolas de respiração flutuam e somem. Rita segue, o rio segue, a vida segue, e é levada, lavada, esquecida. 

12.1.16

TERESINA VISTA DA COROA DO RIO PARNAÍBA, Chico Castro


da coroa do parnaíba
vejo teresina se mexer
indiferente flor na ponta de um fuzil
com todas as suas dores e seus apitos
vejo teresina se mexer
da coroa do parnaíba
depositário de tensões da semana:
peladas, barracas, flertes, putas
e da polícia que impede
os bêbados morrerem mais cedo
como se a vida que teresina
face a face impõe
fosse vida, fosse via
de coroa do parnaíba
vejo teresina se mexer
sem nenhum devir.


Chico Castro
em CAMISA ABERTA e OUTROS ASTRAIS 
Teresina: 1976

4.12.11

A RUA, por Torquato Neto




Toda rua tem seu curso
Tem seu leito de água clara
Por onde passa a memória
Lembrando histórias de um tempo
Que não acaba

De uma rua de uma rua
Eu lembro agora
Que o tempo ninguém mais
Ninguém mais canta
Muito embora de cirandas
(oi, de cirandas)
E de meninos correndo
Atrás de bandas

Atrás de bandas que passavam
Como o rio Parnaíba
Rio manso
Passava no fim da rua
E molhava seus lajedos
Onde a noite refletia
O brilho manso
O tempo claro da lua

Ê São João ê Pacatuba
Ê rua do Barrocão
Ê Parnaíba passando
Separando a minha rua
Das outras, do Maranhão
De longe pensando nela
Meu coração de menino
Bate forte como um sino
Que anuncia procissão

Ê minha rua meu povo
Ê gente que mal nasceu
Das Dores que morreu cedo
Luzia que se perdeu
Macapreto Zê Velhinho
Esse menino crescido
Que tem o peito ferido
Anda vivo, não morreu
Ê Pacatuba
Meu tempo de brincar
Já foi-se embora
Ê Parnaíba
Passando pela rua
Até agora
Agora por aqui estou
Com vontade
E eu volto pra matar
Esta saudade
Ê São João, é, Pacatuba
Ê rua do Barrocão.



Torquato Neto
em Torquatália, do lado de dentro
Paulo Roberto Pires (org.)
Rio de Janeiro: Rocco, 2004



1.8.15

RIO ENCANTO, Abdenaldo Rodrigues


Entre o céu e a terra, o mistério: o rio que corre torto, carregando no lombo a sina. Na Chapada do Corisco, comentários não faltavam. A cabeça, grande e lodosa, emerge em noites de lua cheia nas águas barrentas do Parnaíba. 

Na beirada do rio, um pé-de-cujuba. Debaixo, a curiosidade remoendo.

Primeiras noites de fevereiro, caiu chuva de matar sapo afogado. O rio está cheio – geme no meio da madrugada. A cidade dorme sob a lua clara. Só não dorme a curiosidade.

Perto do rio, no casebre de palha, mora a madrinha. Preocupada, alertou:
- O rio tá gemendo, Da Paz. Vamos ter afogado por esses dias. Espere só e me conte.

Debaixo do cujubeiro desfolhado, a curiosidade não tem jeito, remói que queima.
- Tu acredita no Cabeça-de-Cuia, Genésio?
- Ora, deixe de bestice, Da Paz... Isso é conversa de gente tola.

Genésio também mora no casebre. É enteado da madrinha. Tem esquisitices: gosta de beber ovo na casca; quando fica nervoso, esfrega as costas das mãos nos lóbulos das orelhas. Não larga do pé de Da Paz.

Na tarde quente, o rio desce dolorido e feroz. A curiosidade entranhada aumentando, remoendo. Remói tanto, que não se dá conta da mão escorregadia de Genésio, apalpando as pernas roliças, o sexo latente. Mas Da Paz é arisca e pula lá!

- Pára, Genésio! Se não conto pra madrinha.
- Ora, deixe de bestice, sua tonta. Não vai me deixar no ora-e-veja, não!

Correu, correu, correu... Da Paz não é tonta, é arisca. Quieta, no refúgio do emaranhado de galhos finos e desfolhados, vidrava os olhos nas águas sedutoras.

No casebre, a madrinha no mesmo agouro: “Vai morrer gente, esperem só pra ver!”

No outro dia, à tardinha:
- Boca-de-forno!...
- Forno!...
- Se eu mandar!...
- Vá!
- Se não for?...
- Apanha!
- Remando, remando, remando... Quem tirar uma cujuba do cujubeiro da beirada do rio!

Correu, correu, correu... Da Paz é arisca.

O cujubeiro, árvore velha e torta, de poucas folhas e cujubas grandes, que mais pareciam a cabeça do Genésio. Lá, a curiosidade remoia que doía no juízo.

Genésio é calado. Não fala sobre o encanto. Foi encontrado detrás do galinheiro, bebendo ovo de pata. Da Paz não resistiu e perguntou:

- Quem plantou, Genésio, quem plantou o pé-de-cujuba na beirada do rio?

Esfregando as orelhas com força, Genésio fugiu da pergunta:
- Ora, deixe de bestice!

O Parnaíba – rio dos gemidos e dos segredos. Lá, o mistério. Êta lugar pra sumir Marias! Redemoinho que traga, mão que puxa... Tantas já se foram: Das Neves, Da Cruz, Do Amparo... Todas creditadas ao Cabeça-Encantada.

A madrinha sabia do perigo. Não descuidava:
- Não vá pra beirada do rio, Da Paz! Tá cheio e as barreiras tão frouxas.
- Tem nada não,madrinha, fico de longe!

Que nada, de longe não tem graça nenhuma. Precisava saber.

(Já se foram quantas?)

- E a Dos Santo, hein Genésio?
- Ora, aquela lá não sabia nadar, não!

Muito vivente tinha visto a cabeça grande e lodosa – em forma de cuia. Era o estranho morador do Parnaíba – guardião das águas e terror das Marias puras. O ingrato matou a mãe. A velha, na agonia da morte, ainda teve forças para jogar a praga certeira – a praga das sete Marias virgens.

(Amaldiçoado do filho que bate na mãe!)

- Já se foram quantas, Genésio?...

Na boca-de-noite, do dia seguinte:
- Um, dois, três... quatro, cinco, seis! Quem chegar ao pé-de-cujuba por último foi o Crispim quem fez!

Correu, correu, correu... Da Paz é arisca!

- Ora, deixe de bestice, Da Paz. Pro rio não vou, não.

A madrinha dorme. O rio geme – desce revolto na chapada. A lua alta e clara... Clara, que do cujubeiro a curiosidade vê o redemoinho se fazendo.

Na manhã do outro dia, a madrinha pressentiu:
- Cadê a Da Paz, Genésio?
- Ora!...


Abdenaldo Rodrigues
em Amálgama #3 (revista) 
Teresina, maio de 2002

15.10.18

O PARNAÍBA, Oliveira Neto


Águas turvas, imenso, vagaroso,
O Parnaíba desce para o mar.
Qual um molusco, lerdo, preguiçoso,
parece sem vontade de chegar!

Sereno, vai andando, majestoso,
o aguaceiro barrento a deslizar...
E nas margens um bando vaporoso
de garças cor de neve a esvoaçar...

Ó velho Parnaíba dos poetas!
O progresso mudou o teu destino
e te deu novas e importantes metas!

És portador de um mundo de esperanças...
E o povo do Nordeste canta o hino
do sonhado futuro de bonanças...


Oliveira Neto
em Ícaro (1951)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995

1.11.11

TERESINA NO PASSADO, Guaipuan Vieira


No final de maio de 1996, retornei a Teresina, integrando a Comissão de Intercâmbio Cultural de Fortaleza, a convite da Academia de Letras Vale do Longá. Ficamos hospedados no Hotel São José, à margem direita do rio Parnaíba, no coração da Verde Capital. Além da Ala Feminina da “Casa de Juvenal Galeno”, estavam o diretor desta, o escritor Alberto Santiago Galeno e o poeta Paulo de Tarso. Alberto me pedira para levá-lo ao Mercado Central, pois desejava comprar um chapéu de vaqueiro feito no Piauí. Eram quinze horas de sábado. O silêncio pairava no centro, devido o final de semana. Mesmo sabendo que àquelas horas seria impossível encontrar o mercado aberto, tive que atender o pedido.

Alberto, que caminhava a passos lentos e, cambaleando, estava calado, mas observador. Paulo, que nos acompanhava, admirava os velhos casarões e o rio que solitário descia entrecortado pelas coroas, indagou a Alberto:

- Doutor, o senhor conhecia Teresina?

Ele, sem pensar, duas vezes respondeu:

 - De passagem. Guaipuan não nos conta a sua história.

A responsabilidade pesou-me nos ombros. Calado, como menino repreendido, não sabia por onde começar. As recordações refletiam à mente. Mas uma luz me surgiu dos anos 60. Tive que superar o desafio, e conjugar costumes, tradições e modos de vida de um povo que, embora embriagado pelo vício e prostituição, deixara página de sua história, vez por outra folheada por algum pesquisador.

 - Isso aqui foi a famosa Palha de Arroz. O nome vem das torrefações. Nesse meio funcionou o baixo meretrício, o Q.G. era o cabaré Barrinha, conhecido por “tabaco”, freqüentado pelos “porcos-d’água”, que eram os ajudantes das embarcações.

Paramos um pouco, sob a sombra de oitizeiros, direcionados para o sul, a uma distância de 200 metros. Articulando, mostrei-lhes onde funcionava a usina termelétrica, que fornecera energia para toda a cidade, até a década de 60, substituída por uma caldeira a diesel, vinda de Alagoas, não esquecendo seus ritmados apitos como de uma maria-fumaça, que até as 21 horas servia-nos de relógio, quando num toque de despedida saudava a noite, que paulatinamente ia em busca do novo dia. Nessa época, o rio Parnaíba era navegável. De longe também se ouvia o rugir dos vapores, lanchas e alvarengas vindos do sul do Estado, transportando mercadorias e passageiros, em direção ao Porto, que ficava limitando a Praça da Bandeira, por onde iremos passar.

Recomeçamos a caminhada. Ao cruzarmos a rua Paissandu, fizemos outra parada. Não poderia esquecer de citar que fora o núcleo dos tradicionais cabarés, como “Estrela”, “Fascinação”, “Imperatriz”, “Nove Horas”, “Gerusa”, “Raimundinha”, “Joana de Paiva”, entre outros. Subimos na rua em direção à Praça Pedro II. Na mente conduzia a surpresa que Alberto tanto esperava. Uma outra parada não fazia mal. Afinal, procurava descrever Teresina no passado, mostrando-lhes os pontos que serviram de concentrações desses personagens.

 - Onde estamos? Indagou-me.

 - Olhe, nessa casa comercial, “Rádio Ion”, foi o bar do Zé Cazuza. Às 12 horas de uma sexta-feira de 1948, o tenente Wanderley bebia aqui. Ao perceber a passagem de Zezé-Leão, o chamou. Depois de uma ligeira conversa, lembrou-lhe que em certa ocasião tinha-o prendido. Zezé, calmamente, embora entrecortado do insulto, perguntou-lhe se ia demorar no bar. Ele, ufano de autoridade, respondeu-lhe que sim. Zezé, enfatizou:

 - Voltarei logo.

Em questão de 20 minutos, o lúgubre estúpido, armado com um revólver 38, mudava o ritmo da cidade. A rádio Pioneira, que funcionava na rua Senador Teodoro Pacheco, aqui, próximo, em primeira mão, divulgou o acontecimento em reportagem exemplar de Carlos Said. No dia seguinte, as manchetes dos principais jornais: “ZEZÉ-LEÃO MATA TENENTE WANDERLEY E FOGE".

- Ah, foi assim! Sua fama chegou no Ceará, exclamou Alberto.

Paulo, aproveitando a deixa, nos contou que seu tio-avô, Cel. Domingos Gomes de Freitas, que residia em Tauá CE, tinha um criado que era o responsável pela compra de mantimentos (gêneros alimentícios) da Casa Grande. Segundo seu avô, certa ocasião, o criado, chegando de viagem, já na entrada do município, fez uma ligeira parada numa venda para beber uma pinga. Ao pagar a dose, foi surpreendido pois já estava paga. Ele então perguntou ao dono da venda o nome do desconhecido para agradecer. Esse, ouvindo, respondeu-lhe:

“José de Área Leão
A onça sussuarana
das matas do Piauí".
- E você quem é, caboclo?
Sem bater pestana, que nem um bom improvisador, informou-lhe:

“Eu sou um cachorro preto
da zona do cariri
acuador de onça sussuarana
das matas do Piauí”.
E até logo!!!

Zezé baixou a cabeça, bebeu outra pinga e exclamou: “muito bem!” Um dos seus seguranças indagou-lhe: “Pega o homem, coronel?!

-“Não. Cachorro que acua onça é respeitado".

Continuamos a caminhada. Logo estávamos na Praça Pedro II. Ali, para mim, foi um pesadelo. Não controlava as ideias, que se misturavam com as lembranças, dificultando concatenar o raciocínio, porque a Praça continuava sendo o cordão umbilical dos que edificaram a invejável história da terra.

De um lado, o Centro de Artesanato, guardando consigo lembranças do velho quartel da polícia militar. Do outro, o Cine Rex, solitário, que nem ancião, nem parecia que vencera os seus concorrentes: Cine Guarany, Olímpia, São Luís, Rio Branco, entre outros. Um cartaz lembrava Alfredo Ferreira que foi o fundador do cinema em Teresina, e o primeiro filme exibido, que era norte-americano e falado, tinha como título: “Doce como Mel.”

O Theatro 4 de Setembro, guardião da cultura, silencioso, trazia consigo recordações da luta ferrenha que travou para se desligar do cinema, para ser o que é: palco de espetáculos teatrais. Ao lado, a Galeria das Artes, num oculto quadro, descrevia o saudoso Bar Carnaúba, cercado de artistas e intelectuais. As horas corriam. Alberto, mergulhado no impressionismo, esquecia a compra do chapéu. Paulo não perdia nada da explanação. Anotava, na agenda, os subsídios para a história do município.

Guia turístico, contador de história ou causos. Sei lá quem eu era. Prosseguimos. Seus entusiasmos aumentavam. Embora quisesse parar a narração, não podia. Sempre algo chamava a atenção.

O silêncio recordava-me os tempos idos, quando menino, de calça curta, procurando remédio nas farmácias Santo Antônio, Lili e São Pedro, de Pedro Vasconcelos. Não encontrando, ia direto à farmácia “Coleta’, onde Jaime da ‘botica” fazia a manipulação de medicamentos. Naquele tempo era assim. Com essa reflexão sobre o passado, logo chegamos à Praça Rio Branco. Estava a esmo. Não parecia o logradouro de concentração de poetas populares, da ceguinha Maria Viana, no órgão, interpretando canções bregas; de aposentados driblando a velhice, tentando afeiçoar a nova geração. A brisa fria da tarde os enchia de indagações, estava num árduo ofício, não podia dissolver fatos do folclore teresinense.

-Nesse prédio da Caixa Econômica, funcionou o comércio do Carcamano, à noite tinha uma preta velha vendendo manuê; a fatia do bolo custava um tostão, e media um palmo. Tornou-se admirada pelo pessoal de vida noturna, através dos improvisos de propaganda:

“Chega gente, está na hora
Compre logo o manuê,
Compre mesmo, sem demora.
Manuê da preta velha
Tem segredo de essênça,
Inda mais com bom café
Muda até sua presença”.

Observa-se, de certa forma, que a cultura popular, destacando-se a poesia, nasce da necessidade de sobrevivência dessa gente. A não importância desses fatos contribui veementemente para o anonimato do autor, o que aconteceu com modinhas, adágios e alguns provérbios.

-Com certeza, enalteceu Alberto. Tive que ser breve nas citações, haja vista que algo mais nos aguardava. Estamos na Praça da Bandeira.

Recorda-me o pequeno zoológico, a feira dos pássaros e a do troca-troca. Nessa época chamava-a de bacia, por formar um círculo e ser de baixo relevo. Deu guarida a grandes circos, como Garcia, entre outros. Hoje, as grades que a cercam, nos reflete a ligeira impressão de que é prisioneira, e que nada tem de majestosa! Vê-se silente, concentra suas atenções no Teatro de Arena, palco dos acontecimentos culturais, de ação preservadora das tradições da terra.

Veja “Domingos Fonseca”, do alto, sussurra a poética sem jaça, em louvação aos poetas que versejam “sua poesia”, nos Festivais de Violeiros do Nordeste. Eram 17h30min, os pardais começavam a harmoniosa sinfonia sobre os frondosos oitizeiros, em contemplação a mais um dia que se findava. Apressamos os passos, cruzamos o Mercado Central, logo saímos no desativado Cais do rio Parnaíba. De retorno ao hotel, oportunidade em que falei sobre o Velho Monge, das extintas carrancas e dos banhos aos domingos nas piscosas águas, onde as coroas são atraentes praias, que desfilam preciosas sereias, musas inspiradoras que nos confortam a alma, principalmente quando se tem um bom anzol. Alberto, satisfeito, sorriu. Paulo ficou ansioso para conhecê-las. Seguimos para o hotel, contemplando o pôr do sol, rica beleza natural. Alguns minutos, como se fora beber água, os deixei à vontade. Próximo ao hotel, Alberto exclamou:

-Gostei bastante do passeio e da sua narração. Só me falta o chapéu!


Guaipuan Vieira

31.12.12

ÁGUAS DO PARNAÍBA, Hélio Soares Pereira


Águas do Parnaíba
    ensaboando as pedras
        deitando-se nas margens
            umedecendo manhãs
                emoldurando
                     saudades


Hélio Soares Pereira
em em Antologia escritores III 

Teresina: UBE / PI, 2003

27.1.13

"O rio deságua em mim!", por Ednólia Fontenele



O rio deságua em mim!
algum braço do Parnaíba
prende minha intenção de viver longe.
Estou aqui
mas permaneço lá,
suando com o calor
de suas tardes quentes
que se afogam nas águas do mar.
O RIO PARNAÍBA DESÁGUA EM MIM


                                                         Aracaju, 1994


Ednólia Fontenele
em A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995


16.10.13

O NOME


Teresina compõe-se de dois elementos: Teres, de Teresa, e ina, de Cristina. 
Homenagem à imperatriz Teresa Cristina, mulher do 2º imperador do Brasil, 
D. Pedro II, que reinava na época da fundação.


José de Antônio Saraiva era baiano. Como todo baiano, inteligente. Baiano burro nasce morto. A lei que autorizou a mudança da capital de Oeiras para a Vila Nova do Poti dizia que a Vila Nova do Poti ficava, desde já, elevada à categoria de cidade, com a denominação de Teresina...

Pedro II não podia ser contra. Ou não devia.

Quando os oeirenses mandaram ao imperador água do Parnaíba, água barrenta, colhida de propósito, para que Pedro II lhe evidenciasse péssimas condições, dizem que o monarca olhou bem o polme assentado no fundo da garrafa, sacudiu-a, tomou do copo, encheu-o, bebeu e sustentou:

- Mais saborosa do que esta nunca bebi.

E tinha razão. Inclusive as águas do Parnaíba, pesar de águas doces, tem inspirado grandes páginas da poesia nacional.



A. Tito Filho
em Teresina meu amor, 4ªed. 
Teresina: COMEPI, 2002

5.4.20

Os "Vareiros" do Rio Parnaíba, por Humberto de Campos






Humberto De Campos
Os “vareiros” do Rio Parnaíba

Boletim Paulista de Geografia (BPG) é uma revista científica publicada desde 1949 pela Seção São Paulo da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB-SP). Publica artigos originais e inéditos, resenhas, entrevistas, traduções e notas relacionadas à Geografia. Qualis B3 (2013-2016) ISSN: 2447-0945



7.11.16

SONETO DO RIO PARNAÍBA, Odilon Costa, filho




A primeira visão que dos teus olhos
minha voz arrancou sobre o jardim
foi das águas ao luar e das canoas
que viram minha infância e tua infância.

E há, neste anseio sempre renascente
de unir as nossas almas num só corpo,
uma repetição dos aconchegos
do Parnaíba com as lavadeiras.

Naquele tempo, nupciais e puras,
as mulheres vestiam-se de peixes,
uma camisa ou nada sobre a pele,

nádegas, peitos, púbis ofertados,
e o rio era possuído e as possuía
no mergulho auroral entre os barrancos.



Odilon Costa, filho
Poema da série "Arca da Aliança"
Publicado em CANTIGA INCOMPLETA
Rio de Janeiro: José Olympio, 1971

17.8.14

CANTO DO RIO




Chore não
Um rio não morre à toa
Corre na terra e não voa
Rio não é avião
É só um leito assentado
eternamente pousado
entre as agruras do chão

o rio é um berço da infância
onde se banha a lembrança
do nosso corpo molhado
O rio é uma estrada d'água
onde lavamos a mágoa
de um sonho não consumado

Falo do Parnaíba
rio que já faz tempo
vai morrendo pouco a pouco
vai pouco a pouco morrendo

Falo do Parnaíba
que deságua no meu peito
cheio de peixes graúdos
e de Torquatos pequenos

Seus coloridos vapores
as beiras cheias de cores
as margens dos meus amores
e dos mergulhos serenos

Falo de um rio bonito
que existiu noutro tempo
E hoje persiste mito
pela poesia do vento



em MAIS UNS: Coletivo de Poetas
Brasília: 1997

18.2.16

RUMO NORTE (1979) - Irene Portela






01 - De São Luiz a Terezina - João Do Vale & Helena Gonzaga - 0:00
02 - Sanharó - João Do Vale & Luis Guimarães - 3:16 
03 - Sabiá - João Do Vale, Luis De França & José Cândido - 5:33 
04 - Nécio Costa - João Do Vale - 7:20
05 - Passarinho - João Do Vale & José Lunguinho - 10:23
06 - Fogo No Paraná - João Do Vale & Helena Gonzaga - 13:33
07 - Lua Peixe - Irene Portela - 17:14 
08 - Até Quando - Irene Portela - 19:18
09 - Dia De Festa - Irene Portela - 21:31
10 - Alcântara - Irene Portela - 23:46
11 - Folha Verde - Ricardo Gouveia & Irene Portela - 25:13
12 - Na Hera Dos Muros - Irene Portela & R. Parreira - 28:09
13 - Guerreiro - Irene Portela - 31:12 



[...]



DE SÃO LUIZ A TEREZINA | Irene Portela 
Composição de João do Vale & Helena Gonzaga 


Peguei o trem em Teresina
Pra São Luís do Maranhão
Atravessei o Parnaíba
Ai, ai que dor no coração

E a trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Bom dia Caxias
Terra morena de Gonçalves Dias
Dona Sinhá avisa pra seu Dá
Que eu tô muito vexado
Dessa vez não vou ficar

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Boa tarde Codó, do folclore e do catimbó
Gostei de ver as cabroxas de bom trato
Vendendo aos passageiros
"De comer" mostrando o prato

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Alô Coroatá
Os cearenses acabam de chegar
Meus irmãos, uma safra bem feliz
Vocês vão para Pedreiras
Que eu vou pra São Luís

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Peguei o trem em Teresina
Pra São Luís do Maranhão
Atravessei o Parnaíba
Ai, ai que dor no coração

E o trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa



[...]



Depois de mais de dez anos de carreira, sem conseguir gravar, foi descoberta pelo produtor Marcus Vinícius, como compositora, intérprete e diretora musical do espetáculo "A missa do vaqueiro". Em 1979, lançou pelo selo Marcus Pereira seu primeiro disco, "Rumo norte", interpretando diversas composições de sua autoria, entre as quais "Lua peixe", "Dia de festa", "Guerreiro", além de diversas composições de João do Vale, como "De Teresina a São Luís (trem do Maranhão), em parceria com Luís Gonzaga, "Sabiá" e "Fogo no Paraná". Via Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira.

15.4.16

ONDE UMA BARCA VEIO A POETA BUSCAR (A MANDADO), Luiz Filho de Oliveira




– psiu! – diz seo rio –  
vamos passear em mim
enquanto eu não vou... sim?

– sim – disse a mavioso convite (e mais disse!) –
vou embarcar assim sem a tal da catacrese – rio nativo
e navegar-te rio de muitos dito rio de minha terra
nossa! tanta terra! de tantos poetas & de gente tanta
que rio – rio – porque te-reverso uma margem apenas
emerso duma taba de imenso contentamento poti
como um piaga a desafiar-te-desafinar – rio grande

pois sei: és do filósofo antigo
o não-mesmo-rio-porque-passaste
e depois que a tua ira foi apascentada por Leonardo
– estando poeta-mentecontínua-revolucionário –
ficou mais fácil ir ter contigo ao teu catre alegorizado
mesmo agora em estado leito lento paciente porque
se canos & projetos já te-levaram as lavadeiras – rio dejeto
a largo canto canto o largo das águas em verso de monge velho

mas à margem de tuas melhores canetadas – rio verba
aquiagora levas a hidromassagem aos motéis urbanos (um caso)
onde secamente em programas as garotas falam falsas propagandas
beiravidando contra o rumo do mundo de Mundoca novamente    
e marginália mundana a cidade ainda te-reduz (o descaso)
de água e cais e caminho e mesa e banho
a esgoto latrina lixeira tema de campanhas
campanas pro dinheiro mesmo!

não mais Letes (esquece!)
nem Estiges nem Infernos  (estigmas do poético)
nestes versos te-quero música apenas: let’s play that!

e mais que o mar da costa – rio dádiva
vem e silva selvas de brisa vivas
e se o mar é longe e longo em linha
tu – rio – és doce e não amaro a toda a vida
linguagem para tudo quanto praias:
praio doce coroa & brotinhos

no averedado da verdade de teu chão – rio – caminho
e em filme grave gravo estas palavras em eco
lógico: não caço garças nem choro em coro
só aporto lado a lados: leito ladino (trino) se
margem a margens (imagens emergindo)
te-desavesso os versos líquidos – rio fio

todavia se a nado não cheguei a
nada de novo sob teu céu sobre as águas
liquido: aceito passear em ti nessa barca
por onde tropica o sol destas praças
(veio)

pronto, seo moço?

(rio)


(De Teresina a Timon, sôbolo rio Parnaíba, abarcando-o.)






Via Deleituras em 25 de novembro de 2009

22.7.18

POST CARD - TERESINA, Paulo Machado







POST CARD 57


na praça marechal deodoro
às nove horas falavam
da u d n e do american-can

um louco jaime fazia ponto no cruzamento
da barroso com a senador pacheco sem saber
que há tempos existia a guerra fria

quinta-feira era dia de matar o tempo
na praça pedro segundo enquanto sapos
copulavam nos lajedos do tanque

nas tertúlias do clube dos diários
uma geração embarcava no marasmo
esquecendo tudo mais

nos canteiros da avenida frei serafim
os cupins construíam suas casas
fiando estranha quietude

no bar carnaúba o sol roía o marrom
das tabículas das mesinhas ao passo que
os homens de casimira cinza faziam planos

na paissandu os bêbados
pregavam a subversão
e um bolero esquentava as entranhas da noite

nas calçadas da simplício mendes
um rosto magro madalena deixava brotar
estranhamente um sorriso largo de espera

no mercado central pretas carnudas
vendiam frito de tripa de porco
fígado picado e caninha

no caís do parnaíba piabas
cor de prata saltavam das águas salobras
como no sonho dos meninos



POST CARD 77


na marechal deodoro
às nove horas há velhos com suas memórias
recompondo o tempo

quinta-feira é um qualquer
e na praça pedro segundo a mudança notável
é a da posição da estátua que parece sorrir

no cruzamento da barroso com a senador pacheco
há um sinal que não raro
encrenca desafiando a rotina

não há tertúlias no clube dos diários
as baratas medrosas saem das boca-de-lobo
admiram os caixotes de cerveja empilhados e fogem

nos canteiros da avenida frei serafim
putas acenam com gestos medidos
a fome é mais forte que o medo

não há bar carnaúba mas os homens
de casimira cinza continuam fazendo planos
cogitando não aceitando irreverências

a paissandu agoniza
os bêbados já não falam tanto
e a frieza da noite venceu o calor dos boleros

madalena morreu de câncer
e nas calçadas da simplício mendes
não há nada que lembre a sua presença

no mercado central negrinhos descarnados
catam laranjas e limões podres
em plena manhã de maio

o parnaíba continua lavando as almas pagãs
dos meninos fujões
roendo as pedras do cais com a mesma raiva



Paulo Machado
em Post Card

15.10.18

RUBRO SOBRE O VERDE ou SANGUE ENTRE DOIS RIOS QUE SE ABRAÇAM ou CONTO EM CINCO DESATINOS E UM ESBOÇO DE EDITORIAL, um conto de Airton Sampaio


1
LUCRECIUS

Quando se despediram, há bem uma hora já havia apitado a Usina. Conversaram, na calçada do sobrado, em cadeiras de vime e espaldar, desde a boca da noite. A visita morava a poucas quadras dali, para onde se dirigiu, a passo pequeno, após efusivo abraço no amigo, sob a luz leve da lua o paletó e a gravata brancos alinhados, o chapéu de feltro também branco e importado, a bengala refinada, um mimo da neta.
Contava então Therezina, nesses idos de 1927, com não mais de 60 mil almas, e chamavam a atenção os seus quintais e o verde de seus quintais e suas igrejas imponentes, como a de São Benedito, no Alto da Jurubeba, ali ao lado do Morro da Moderação, e a do Amparo, na Praça da Bandeira, mais adiante, a oeste de quem de costas está para o norte, como sentados estavam os amigos, em agradável interlóquio.
- Sem as circunstâncias da política, a cidade teria permanecido como Vila Nova do Poti, mas, sendo decisivo o apoio do imperador para a mudança da capital de Oeiras para cá, era preciso beijar, e se beijou, a mão à imperatriz.
- Ainda bem que bonito, o diminutivo de Teresa.
- Bonito também se Therezina anagrama de Thereza Cristina for.            

Naquela noite de ausentes estrelas e pouca lua não mais se via um pé de cristão. A Usina já apitara, por assim dizer, o toque de recolher. O juiz, no andar de cima, metera-se em seu camisolão de dormir e nem ainda se deitara ouve batidas fortes, e muitas, na porta.
 
- Vai ver ele esqueceu alguma coisa.
Assim pensando, e dizendo já vai, já vai, já vai, desceu a escada, tirou a taramela de segurança da porta e eis que um homem de capote preto, aba do chapéu preto caído sobre o rosto, diz-lhe algo e desfere a primeira facada, depois a segunda, e a terceira, e outra, e mais outra, e outra. Na parede, escrito ficou, com sangue e letra trêmula, uma sílaba com duas vogais, que logo se deduziu ser parte do nome do mandante, que fizera questão de se dar a conhecer à vítima pela boca mesma do assassino ou pronunciado fora o nome para desviar a atenção do verdadeiro autor intelectual e incriminar a outrem? Teria sido a morte do juiz crime de política ou acerto de contas por decisão judicial intragada? Ou a ambição e a inveja seriam o móvel de tanto sangue no sobrado do Alto da Moderação?
Therezina especulava no Café, nos bares, nos cabarés, nas ruas, nas praças, nas casas, nas feiras, nos festejos, nas tertúlias, na imprensa, em livros... Certeza só a de que o executor, fosse quem fosse, não passava de um pé de chinelo, e o mandante, fosse quem fosse, era um potentado. Ali perto, uma igreja, erguida, no Morro da Jurubeba, pelo suor do povo miúdo, detinha toda a verdade, pois de sua torre alta, que espiava as cercanias, testemunhara tudo, porém emudeceu, embora as prisões, embora o suposto homem de capote preto tenha declarado, em depoimento, o nome de um militar. Não seria isso mais uma manobra diversionista? Ou falava mesmo a verdade o pistoleiro?

Mistérios de Therezina, que continuaram em Terezina e vigem, ainda, em Teresina. Quem, enfim, mandou matar o juiz federal? Ó anagramática cidade! Ó elites entrerrienses! Ó histórias mal contadas! Que véus são esses que estendes do Parnaíba ao Poti sobre os fatos de sangue desse lugar mesopotâmico também tido por chapada e pleno de sol, coriscos, trovões e impunidades?


2
THEATRO

Isso se perguntava o homem que acaba de entrar no condomínio onde mora e que para seu ap, no quarto andar, sobe as escadas mais apressado do que quando à rua, que mesmo com tanto assalto teimava por caminhar depois das dez da noite.
- Uma forma, essa minha, de parir ideias que me vêm, o dia todo, engravidar a mente.
- Elevador?
- Nem pensar...  

Uma vez na escrivaninha, diante de si o papel, há dias em branco. Escreveu, no alto, e sublinhou: O Carteiro e a Ditadura. Era o título! Ato contínuo, digitou: “Naquela noite therezinense, quando Elzano foi para o encontro no costumeiro bar, não atinava que se dirigia para a morte e abandonado lhe seria o corpo todo mutilado dentro de um porta-malas de um conhecido carro”. Enfim, a frase de abertura! Agora, era tecer os diálogos ocorridos dentro da madrugada rubra e o conto, pode-se bem dizer, nascia. O fecho, aliás, já o tinha escrito, ao pé da página: “De onde não havia mistério a polícia, agindo às avessas, criara um, lançando um véu sobre o que desvelado estava. Sanha, e sina, de Therezina, isso”.

- Você vai parar de dizer que matou ele.
- Como assim, senhor secretário?
- Você vai parar com essa história de que foi você quem matou.
- Mas foi.
- Se aferre nessa versão que agora lhe dou e tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes.


3
CHUVA!

Chuva! Chuva nos Cajueiros! Esse grito medonho e o badalo dos sinos das igrejas anunciavam, na Therezina do Estado Novo, o horror: gente correndo em desatino, pessoas se consumindo em chamas para tentar salvar alguém ou alguma coisa de dentro das casas de palha, que crepitam, aos montes, às vezes cem de uma vez, geralmente ao sol do meio-dia.

- Eu não taquei fogo em nada não, seu delegado.
- Deixe de conversa mole, ora.
- Sou inocente, seu delegado.
- É? Vamos ver se é macho mesmo é lá nas Ilhotas.
- Delegado, me tire daqui, que não fiz nada não, juro por Deus.
- Diga que foram esses aqui que mandaram o senhor tocar fogo nas casas e vamos ver o que podemos fazer.
- Não fui eu, seu delegado, eu não queimei nada.
- Enquanto não confessar vai ficar assim, o corpo enterrado de pé, só a cabeça de fora, neste solzão de outubro, e sem comer nem beber.
- Não sou incendiário, delegado.
- Mas eu, seu Luiz Enfermeiro, eu sou chefe de polícia e farei com o senhor o que bem quiser, entendeu?
Coisas, esses incêndios, de quem queria baratear ainda mais os terrenos dos pobres para comprá-los por pechincha? Atos malvados da Oposição, como dizia o Governo? Atos cruéis do Governo, como dizia a Oposição? No meio do terror, o povo chamuscava, perdia tudo, desesperava. A Igreja quase nunca passava do badalar dos sinos, os jornais em geral calavam, os escritores só um, o Vítor Gonçalves Neto, escreveu Santa Luzia dos Cajueiros, novela que num porre extraviou, mas da qual veio Fogo, o conto.
“Continua indecifrado o enigma dos incêndios de casas de palha que há muitos anos flagelam a pobreza de Teresina”. Isso disse, em O Piauí, em 13 nov 1946, o udenista Eurípides de Aguiar, presidente do Estado de 1916 a 1920. O que diziam, então, os pessedistas de Leônidas Mello, interventor do Piauí de 1937 a 1945, é fácil imaginar. Ó Neros! Ó Herodes!
- Durante a semana, retire os meninos e as coisas, que vai ter chuva.
- Obrigado, meu irmão, por avisar.
- Mas saia discretamente, para não espantar os outros.
- Mas eles vão se tostar...
- Avisei você, correndo todos os riscos, porque é sangue do meu sangue. Agora, se quiser se queimar na chuva com eles, Deus seja contigo. Vai ter um temporal dos diabos aqui na Vermelha!
- Tá bem. Eu e os meninos vamos sair hoje mesmo.
- Isso. Mas sem dar na vista, entendeu? Ou eu é que me lasco todo.
“Sabe-se com certeza que Feitosa, um pobre lavrador, morreu de pancadas e diz-se que alguns outros infelizes, assassinados pelos verdugos policiais, foram sepultados às escondidos na quinta das Ilhotas e nas matas da Tabuleta. Muitas vítimas tiveram ossos quebrados, articulações luxadas ou ficaram loucas, inutilizadas para o resto da vida.”
Sim, entre 1941 e 1947 Therezina esturricava,

(Fogo na Feira de Amostra!
Chuva na Catarina!
Temporal na Tabuleta!)

sob terror, arbítrio, monstruosidades... Quem mandava queimar os casebres? Therezina especulava, à boca pequena, no Café, nos bares, nas feiras, nas igrejas, nos festejos... Ó homens, que hoje dormem! De que lhes valeu acender e lançar nas palhas pobrérrimas as baganas de Odeon?


4
À MERCÊ

deles está você, Mercês.
Eu vi ele saindo do quarto da patroa, mas ele não viu que eu vi ele.
Eles são perigosos, Mercês.
Ainda a história que ele torturou gente?
Torturou, Mercês.
Mas ele não viu que eu vi ele.
Vamos embora, Mercês.
Ô xente, homem, deixe de aperreio.

No jardim da casa faustosa era manhãzinha quando o leiteiro deu com o corpo coberto de sangue, retalhado como a um porco. As manchetes iniciais viraram títulos de página, os títulos de página se tornaram tópicos de coluna, os tópicos de coluna... Véu! Ó véu que lançam do Parnaíba ao Poti sobre ti, ó verde Mesopotâmia rubra! Ó Macondo sertaneja! À mercê desses facínoras estou, estás, estamos?


5
H. F. / D. A.

PISTOLEIROS EXECUTAM JORNALISTA EM CASA!
JORNALISTA ASSASSINADO DENTRO DE CASA!
PISTOLEIROS INVADEM CASA E MATAM JORNALISTA!

JORNALISTA ESPANCADO E FUZILADO NA MADRUGADA!
ASSASSINADO JORNALISTA PARANAENSE!
JORNALISTA MORREU E NÃO VIU TUDO!

PRESOS PELA MORTE DE JORNALISTA OBTÊM HABEAS CORPUS
SOLTO ACUSADO DE MANDANTE DO CRIME CONTRA JORNALISTA
STF ANULA PRONÚNCIA DE MANDANTE DO CRIME CONTRA JORNALISTA


EDITORIAL

Quem Manda Avermelhar o Verde?
Começamos este Editorial explicando que Teresina é Therezina e Theresina.  Há a Therezina que, desde o encontro do Poti e do Parnaíba, segue entre rios até mais ou menos a Tabuleta, depois do que emerge, ainda entre rios, Theresina. Já Teresina fica, digamos assim, a leste e sudeste, após o Poti, não mais entre rios, porém um apêndice mesopotâmico e ainda assim o lar, expandido, do Cabeça de Cuia, da Não Se Pode, de inofensivos loucos como o Jaime, o Avião, a Nicinha, o Espiga, a Porca Ruiva, e de poderosos ensandecidos que tocavam fogo nas casas dos pobres, empastelavam jornais e mandam matar, porque impunes se sabem, quem lhes incomoda ou, simplesmente,  antipatizam.
É linda e verde Teresina, mas. Não raro se tinge de rubro esse verde que se esvai porque era ele, disse-o bem o Poeta, era ele um verde de quintais, que desaparece(m) sob prédios que arranham o céu. Menos o vermelho sobre o verde que resta. Quem, afinal, manda tingir de rubro o verde que queremos verde? A resposta todos sabem, menos, é claro, a Polícia e a Justiça...


Airton Sampaio
via blogue do autor

26.11.11

NOSSO RIO, Hardi Filho


O rio corre calmo e permanece
em nós úmida música, lembrança.
O nosso rio ao sol, ao luar, parece,
às vezes, lerdo, à proporção que avança.

O lixo posto em suas margens desce,
escorre e em grande parte se remansa,
pára em bolsões de ciscos e apodrece
à vista da social intemperança.

Assoreado, o nosso rio empanca
aqui e ali, e quase andando, manca,
e raso e lento obriga-se a desvios.

Apesar disso os peixes, água arriba
e abaixo, abundam no meu Parnaíba,
que é o mais lindo e o melhor dos rios!


Hardi Filho
em Tempo Nuvem 
Teresina, 2004