"O RIO - COLETÂNEA DE POEMAS SOBRE O PARNAÍBA - Apresentação da primeira edição", por H. Dobal

DE TODOS OS RIOS sobra uma cantiga de bem-viver. O descer das águas, vencendo ou contornando obstáculos, bem como o seu fluir incessante como o do próprio tempo, com quem se confunde, é uma lição de vida que não podemos deixar de captar. Tanto que todos os cursos d’água têm nome, o que revela a nossa necessidade instintiva de particularizá-los, o nosso apego afetivo a todos eles, numa demonstração de que, consciente ou inconscientemente, somos sempre alcançados pelo que eles têm a nos dizer.
Isto acontece tanto com o rio Morto, sombrio e quase estagnado, que o despejo de detritos industriais vai transformando num esgoto; ou com o riacho “Marinheiro”, sazonal, literalmente correndo em campos de criar durante a época das chuvas; ou o riacho “Pouca Vergonha”, com a sua enorme facilidade de má conduta (do ponto de vista humano) em certas épocas do ano; ou dos tantos “Riachos dos Cavalos”, proclamados pelos buritizeiros; ou daquele, numa comarca longínqua, simplesmente conhecido como “Regato”. (De que poeta anônimo terá partido a ideia lírica desta denominação?)
Nós, do Piauí, estamos ligados quase sempre a rios pequenos e temporários. A ligação principal, no entanto, a mais profunda e duradoura, mesmo para aqueles que não nasceram no seu vale, é com o Parnaíba, que não é um rio pequeno nem temporário. O antigo Rio Grande dos Tapuias, com as suas curvas, canaranas, coroas e o seu delta, é um rio inconfundível. É um rio largo de água doce de brejo. Na verdade, sempre pensamos nele carinhosamente como um riacho. E fazemos poemas sobre ele: evocação, lamentação, alegria, tristeza, protesto, problemas. Sim, problemas, já que, ao contrário do que se pensa habitualmente, os poetas são verdadeiras antenas de captação de problemas.
Cineas Santos, homem de múltiplas atividades, a quem Mário de Andrade certamente incluiria naquela categoria especial que menciona, (“uma dessas tempestades de homem”) vem prestando um serviço inestimável ao Piauí. Defende a natureza, luta pela preservação do patrimônio histórico e arqueológico, agita a vida intelectual do Estado, incentiva as artes. Cineas, no momento, está preocupado com o rio Parnaíba e teve a ideia e o trabalho de organizar um livro de poemas sobre ele.
Toda preocupação ecológica é, acima de tudo, uma preocupação com a humanidade, já que ninguém (e Cineas muito menos) deseja um paraíso desabitado. O livro, com poemas antigos e modernos, desde Da Costa e Silva, a quem sempre lembramos associado ao rio, até Climério Ferreira (de “São Piauí”), é uma louvação ao rio e um alerta. Pois a homenagem ao rio não pode ficar apenas como um tributo à música desse nome – PARNAÍBA –, mas deve ressoar como um chamado à realidade. E nesse sentido o depoimento de Mano Velho, recolhido pelo próprio Cineas, é um documento humano impressionante: o velho barqueiro, o “porco-d’água”, tem muita cousa a contar e, sobretudo, por sua vida e a sua condição, chega a se confundir com o próprio rio. Mas não podemos permitir que ele esteja irreparavelmente certo quando prefere falar do rio que já não existe: “bonito de se ver: água limpa, muito peixe, embarcação subindo e descendo...”
O RIO: COLETÂNEA DE POEMAS SOBRE O PARNAÍBA (2ª edição)
Organizadores: Cineas Santos e Adriano Lobão Aragão
Editor: Gilson Caland
Teresina: Fundação Quixote, 2022
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