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19.4.24

"DE VOLTA PARA CASA, episódio I - poema flagrante", por Élio Ferreira



1


estou de volta
estou de volta para casa
como se tivesse a volta para os becos e quintais

estou de volta
de volta para casa
e deus é um menino preto de carapinha
q colhe ervas cidreiras
e brinca com os meninos numa luta corpo-a-corpo
e se enlameiam correndo atrás do besouro “cavalo-do-cão”

estou de volta:
as paredes da casa impregnadas de nosso cheiro
e a gente a se amar a partir de palavrões:
amor na lua cheia - canções
e o poema sem utilidade nenhuma para girassóis:
a tarde inicia as taiobas (coisas de monturo)
a tarde meninos a cobiçarem o arco-íris
a tarde um menino: mamãe arranca aquele
arco-íris pra mim!

estou de volta
um grilo griligrirrigrilama anoitece os homens
vive para o ferro sua dimensão de grilo:
um grilo na noite 100% grilo
um grilo na noite não sei quantos % esmeril
enche a noite o canto grilo:
engridente encravado na medula



2


o canto
(pedra ou metal)
flagra repiques a martelos
a outras falas
e a mim mesmo

o canto
o galo madrugada endoidou
comeu a flor da bigorna
comeu a estrela d’alva
comeu o chiqueiro: o bodejar amanhecendo
os quintais mistura a gritaria a casa toda:
a menina quase morta
quando acaba a essa hora da noite:
“e Zé P... não tinha nem vergonha
de se banhar no olho-d’água do Escurador”
- água boa pra se beber e outras serventias
agora toda empestada
- e a gente correndo da lepra:
escorrega a dor o coradouro
a Mesa-de-pedra
a roupa quarando no lajeiro
e a dor da fome não tinha cura:
vivia sol-a-pino



3


(a fala de dona Neném da Vereda Grande)

do amanhecer ao por do sol
a molecada gritando: Neném doida – “todo o transporte endoidou
derrubou – oh! não me mate na minha casa
- não me mate na minha casa”!
frechou numas cajás das cajás q frechou o galo
não sei q horas da madrugada – “e eu não tinha
nem água pra beber 1983 – me escondi:

o cercado todo ganhou!
todo ganhou”!
foi no comecinho de agosto e eu disse minha alma
do pai Joaquim – valei-me!
e o fogo ia tomando conta: lá estava
pior do q aquele lugar – rezo
todo o santo dia – q se chama o inferno
- minha cabeça onde bebi
água no asilo de suspensão às 3h da madrugada – oh
lugar pequeno pra caber gente: são cinco psiquiatras
é uma cabarezada na jardineira
o resto do inferno – a seca toda descansou
em abril
– e tem mais de não sei quantos mil homens
e a fome chega é assim ãããããããg nhang tem-tem-tem – ôi!
quem foi dona Neném?
a fome acompanha este defunto-sem-choro – não tenho
caderneta de nenhum coronel
menino – o jeito desses homens: “tira a
roupa – porra! tira a roupa – escrota! eu estou
te matando! eu estou te comendo”! – e eu não sabia
pra onde dava e eu não sabia de q jeito estava
e a malhada estava cruzada pelo diabo – entrou
sexta-feira – não posso gastar palavras:
minha sina - dizem
é morrer de uma febrezinha



4


Seu Né Preto – espere por mim
com banhos de alecrim
com histórias de Trancoso
com cantigas de passarinho
com 7 gerações bumba meu boi no terreiro:
não era gente debaixo não
– era boi mesmo:
cheio de artimanhas.
seu Né Preto:
me ensine a fazer uma gaiola
um papagaio de papel e o caminho daquela serra
onde se caçava alecrim

seu Né Preto – pouco se espera dos quintais:
senão a morte das fibras
a antropofagia das lombrigas
e o cocoricoooo do galo de Calcutá abanando a tarde
anoitece o nosso caralho
espantalhos na rua do Ouro
o ouro arrancado na mesa-de-pedra:
o “Escurador” não cura
nem lava a dor a roupa lavada
resvala a vida no lajeiro



5


por si mesmo o galo
e a sina de ser galo
(faz a vez do cavalo e do vaqueiro)
insulta outro galo
fere o espaço a goela
como o ferreiro fere o aço
a fogo
a talhadeira
a marreta
a martelo
mira o girassol o galo desafia o
girassol gira para o sol o galo
cisca a tarde o galo
defensor do quintal o galo
(entre fedegosos e ervas-cidreiras)
apunhala o inimigo outro galo
na marginalidade do monturo.

não o chamaria espadachim
não o chamaria cavaleiro medieval
não o chamaria gladiador
(à espera do toque de clarim)
chamo-o cangaceiro armado a punhal
afia a lâmina no lajeiro
o galo
empina a musculatura
o galo
canto de entardecer
o galo
desafio para outros quintais

estou de volta
como se tivesse a volta para os becos e quintais
e deus é um menino preto de carapinha.



Elio Ferreira
Em Floriano, Piauí, 1985
Inédito em livro
Publicado originalmente em: 
REVISTA SPHERA - Habitações do Encantado

31.8.23

ÀS VEZES QUANDO CRIANÇA, por Leo Lagosta 🦞


 

Às vezes quando criança
Somos enganados 
Tememos o bicho papão e o homem do saco
Mas sempre vem a mesma indagação 
Será se a vida após a morte
Não é o bicho papão?
E apenas um saco encobre a verdade?
Éramos apenas ingênuos
Quando crianças?



Inédito em livro


14.8.23

DOMINGUEIRA, por Chico Neto




revisitar a infância
percorrer a alma em todos seus arquivos
danificados irrecuperáveis
perdidos

as fotografias de menino
“o álbum com os girassóis na capa”
a ironia disso
família almoço domingo
Velhos quintais de calor
uma rede armada e vazia
e a porta da casa aberta
para as esquinas (que viriam depois)
de onde brotou essa saudade



Chico Neto
Poema inédito em livro
Enviado pelo autor


4.5.22

"rapaz, fazia um calor infernal", por Eduardo Rêgo de Oliveira



rapaz,
fazia um calor
infernal

o range range
do metal
se confundia
com a metaleira
da banda de forró


chapa,
nunca pensei
que sentiria
saudades desse som
-------------------------------[dos infernos

as ideias derretidas
sobre o colo
no bule da cachola
fervidas sob um sol
equatorial
----------------------------[impecável

talvez dois
um na frente
outro atrás

no retorno
talvez ?

n m c
o e a
-- s i
--- m x -- (essa parte principalmente, algo me diz que já a li) --
---- o ã
-------- 0
metálico

gente boa
gente ruim
gente com farda
da escola estadual

gente doida


gente careta

vidraças da engecopi
deformando um
p o s t e
que mais parecia
uma...

bem
uma genitália feminina.



Eduardo Rego Oliveira
Poema enviado pelo autor


20.5.21

02 Poemas/Momentos no Café Art Bar







CAFÉ ART BAR


da tarde que segue nervosa
homens surgem suados
carregados de preocupações
destinos a esmo
me vê uma antártica gelada
lá fora praça pedro segundo
a claridade destrói o asco
ferrugem que incendeia o portão velho
na entrada de um estacionamento
a urbe urge roncos trôpegos
a tarde é consumida dentro de um café




Rodrigo M Leite, publicado na Cidade Frita, Teresina: 2013, Versão atualizada



(...)



ENTRE BANCOS SORRI CAFÉ ART BAR


entre bancos sorri café art bar
as vontades da vista da praça
cheia de saudade do que não vimos.
entre postes
entre hippies
sorri meu mais novo amor
rodeado dos antigos
de restos e velhas construções
armações que o tempo preserva feito bibelôs
feito coração velho já amargo e frágil
com portas grandes e coisas sem valor.
entre bancos, pedras, rochedos velhos
sorrir meu novo amor.




Renata Flávia, enviado pela autora

24.4.19

Riscar com o assobio o gatilho dos cachorros, por Rodrigo M Leite


Quando saía da cidade, ainda na transição das zonas, guardião de uma casa abandonada, um jumentinho triste

Sobre as cicatrizes, flores amarelas caíam

O caminhante na estrada com morros, neblina nos picos envolvidos; o caminhante com mochila pequena de criança, colorida, mas encardida

Um sonho: a quinta na hora das borboletas, acerolas no chão molhado de chuva

O pensamento: encontrar a velha na tapera na metade da manhã

Riscar com o assobio o gatilho dos cachorros: tem um cão com a corda no pescoço

No posto de gasolina campeão, um ônibus sempre encostado. Na infância, excursões aos minadouros de água. O isopor cheio de dindin, cheiro de protetor solar

Àquela época, tão amparado, mas as águas secaram

Ou mudaram de lugar

27.12.18

"impressão ela tá sempre com a gente", por Rodrigo M Leite




depois da descida com as casas de palha armaram um circo quando apareceu aquela neblina na quebrada lembrei de escrever ainda tenho amigos que constroem casas em árvores

e são instigados, apesar

a gente rodou tanto amanheceu num posto aquele som fudido desconhecido comentando que entre o natal e a virada de ano menos idiotas na cidade porque menos gente na cidade

agora antes disso acontece coisa bicho escapar de cada convite atravessar intacto o lagosta sacou esse movimento uma vez a anna raquel chegou falando que o lance agora era ideia limpeza total ficamos uns minutos imersos nessa atravessando a ponte metálica de madrugada indo pra timon

criaturas de tocaia tem tanto fantasma ali

mas voltando o lagosta tava numa de making off nessa noite a galera depois de cantar fragmentos de metrópole lembrou do júpiter maçã aquele menino perdido faz um tempo que não encontro o lagosta mas a impressão ela tá sempre com a gente



(Rodrigo M Leite / inédito em livro)

22.10.18

campeador, Graça Vilhena


era maio na cidade
quando ele chegou de manso
ouviu o rio e as moças
que desciam em correnteza
pro seu peito sonhador

e campeou os desejos
com força de vencedor
sem esquecer a lição
que a terra seca ensinou

ah campeador, campeador
que tem por sina entender
o destino das palavras
e a mulher do seu querer

e nesse teresinar
cresceu o seu amanhã
onde cabem agasalhados
amigos que são irmãos.


Graça Vilhena
Poema-prefácio do livro
Pétalas, uma antologia poética, de Cineas Santos
Oficina da Palavra: Teresina, 2010

16.10.18

PROIBIDAS AS LUZES MODERNAS, Rodrigo M Leite


proibidas as luzes modernas

os bêbados sem dor

ao toque dos cadeados nos velhos portões
ao brilho do ferro antigo estacionado
ao beijo nos temperos do mercado

esfrego as mãos nos vestígios de tinta e cola com papel
[ressecados nos postes

singrar por uma cidade onde as ruínas ruminem
em 2015, inédito em livro

15.10.18

Dobalina, por Elias Paz e Silva



lembrança de curral
na tarde oval

feixe de palavras
sobre o verão de arder

ao sol seca o tempo

chove o silêncio
na cidade infante



Elias Paz e Silva
A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995


25.7.18

O BAR NÓS & ELIS , por Edvaldo Nascimento



A tua presença
me deixa assim legal
quando eu me lembro
da Universidade
quando a rapaziada
discutia
a conjuntura nacional.

Eu e você trocando
mil beijinhos
no meio da greve geral
meu amor a UNE nos uniu
meu amor a UNE nos uniu
e fomos pro motel
e fomos pro motel
eu te fiz poemas e carícias
eu te fiz poemas e carícias
e você cheia de malícia
e você cheia de malícia
cobriu meu corpo do mel.



Edvaldo Nascimento
No Nós & Elis: A Gente Era Feliz – e sabia 
Teresina: Gráfica Halley, 2010
Organizado por Joca Oeiras


2.4.16

TERESINA, Domício Proença Filho


                        para Cineas Santos, amigo-irmão


Mar de copas verdes
inebriadas
à carícia dos ventos
dóceis e violentos.
Emergentes,
cúmplices da beleza
suavemente rubra,
os tetos-ilhas
do amigo casario.
E a placidez do rio.

Arranha-céus ao fundo,
concretudes de progresso,
o asfalto
frenético da vias.

Pleno de luz, o dia
E de coragens.

E em tudo
um sabor
de alumbramento.

A cidade sorri
num abraço caloroso:
o aconchego-irmão
da gente-teresina.


                        Rio de Janeiro, 07-07-2008


Domício Proença Filho
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

1.4.16

CLIMÉRIO, William Melo Soares




o tempo vai
tangendo amigos
pras lonjuras

leio um poema
angicalíssimo
de Climério

um rio morno
ribeirinha
minha infância

essa saudade
luz acesa
noite insone



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

25.2.16

PROFECIA DE FEIRA, Luís Augusto Cassas




tens essência e proeminência
pra seres capital da Grécia
uma acrópole em cascalhos
um coliseu em frangalhos
uns péricles convergentes
uns sócrates detergentes
grandes quebradores de pratos
uma esfinge com esparadrapo
guerra entre caixas de som
olimpíadas no pantheon
umas cabeças coroadas
umas verdades acaloradas

reza e confia: um dia menina
serás uma grande Teresina



Luís Augusto Cassas
em EM NOME DO FILHO - Advento de Aquário
Rio de Janeiro: Imago, 2003

18.2.16

BALADA DOS MORTOS NA PAREDE ETC., por Menezes y Morais




teus mortos
estão nas paredes
nos álbuns
memórias
dramas

te espiamudos
denunciam calados
o crime q comeste

teus mortos
não perdoaram

eles vivem
todo dia
quando reparas
nos álbuns
           paredes
                       memórias
                                     dramas
é inútil tentar/remover os mortos/
dessas paragens
eles estão em ti

te acompanham
procriam na sala
quarto lembranças

convive com os mortos
é mais seguro do q conviver com os
vivos
a vida é túmulo em via



Menezes y Morais
em DIÁRIO DA TERRA (1984)



17.2.16

RIO SECO, Clóvis Moura




         Cemitério de peixes enterrados
no areal ardente e transparente,
pedras que furam os pés dos caminhantes
marcaram a transferência dos sedentos.

         Pedaços de memórias marulhantes
ainda chegam à noite nos seus ecos
e roteiros de barcos são fantasmas
na memória de luas macilentas.

         Há no sol que caustica as suas curvas
um sádico desdém por suas margens
que hoje se fundem ao leito que líquido.

         As carcaças de tíbias e caveiras
de bois marcam a distância do mistério
e o suor é sua linfa derradeira.



Clóvis Moura
em Flauta de Argila (1992)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995

3.2.16

PESADELO ATROZ, Nogueira Tapety




Mal sabe ela que todo esse desregramento
é o véu sob o qual minha tortura oculto,
Pois quem vive como eu de tormento em tormento,
Necessita viver de tumulto em tumulto...

O que eu busco ao bordel, é a paz do esquecimento,
Mas na noite do vício em as mágoas sepulto,
Como um raio a luzir, de momento a momento,
Fere-me o pensamento o clarão do seu vulto.

Foi o vício o recurso extremo, o último apelo,
Que lancei, torturado, ao rumores do mundo,
Para me libertar deste amargo desvelo.

E quanto mais me excedo e em rumores me afundo,
Mais se arraiga em minh'alma este atroz pesadelo,
Este afeto infeliz cada vez mais profundo.


                               Teresina, 1915



Nogueira Tapety
em Arte e Tormento (1990)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995

"Lucidamente", Chico Castro




Lucidamente
te encontrei Help pela cidade
foi a maior felicidade
a maior camaradavagabundagem.

Sua avemente
você me deixou
show
show
muito louco
louco
louco.

Anda menina ama
deixa o fio teu riso passar
passarinhar passarinhar passarinhar.

Suavemente
luciacidamente
eu voo.



Chico Castro
em O Livro da Carona 
Teresina: Edição do autor, 1994

29.1.16

ESTIGMAS, Carvalho Neto




devolva
meus sapatos rotos
que já não tenho estradas sem fim.

devolva o ciclo dos ventos
onde jovens valsavam suas esperanças
e risos
ao sabor das águas e dos mitos
flores de beira rio.

devolva as escrituras
não as do mar morto
as gravadas na cerâmica
bela e frágil
do poti velho.

devolva o princípio mágico
o verbo, o poema.



Carvalho Neto
em REVISTA PRESENÇA
Ano XXI, número 35, Teresina, 2006