"DAVI CALDAS" NA "HISTÓRIA DA IMPRENSA NO PIAUÍ", por Celso Pinheiro Filho




Voltemo-nos agora para Davi Caldas, companheiro de Deolindo, que após a morte deste ficou na arena sozinho, Davi Caldas, imitação estupenda do herói da Galiléia, diferindo deste porque não tinha sequer discípulos em volta de si, querendo endireitar o mundo provinciano e apático que o rodeava.

Autêntico João Batista pregando no deserto, mas convencido até o infinito de que pregava a única verdade. O retrato que dele nos deixou o seu filho, Focion Caldas, tem algo de parecido com os profetas talhados pelo gênio do Aleijadinho.

Davi Moreira Caldas nasceu na fazenda Morrinho, próximo da primitiva capela de Barras, sendo filho do Major da Guarda Nacional Manuel Joaquim da Costa Caldas e dona Manuela Francisca de Caldas, a 22 de maio de 1836.

A única instrução que teve, foi-lhe ministrada pelo velho e bondoso juiz de direito da comarca, Dr. Francisco Xavier de Cerqueira, que lhe deu lições de português, latim, rudimentos de francês e matemática. Todos os outros conhecimentos que demonstrou possuir, com fartura e brilhantismo, foram adquiridos por si mesmo.

Observando o Dr. Xavier de Cerqueira as tendências e a inteligência de Davi, aconselhou ao pai que aproveitasse o menino, mandando-o para Olinda, a fim de concluir os preparatórios e matricular-se na Faculdade de Direito.

Aos 19 anos de idade, para ajudar a família, conseguiu ser nomeado Promotor Público de Campo Maior, cargo que exerceu até fins de 1857, quando apresentou sintomas de depressão nervosa, e foi mandado para Jaicós, onde tinha um irmão desempenhando ali as funções de tabelião.

Restabelecendo-se, em 1859, estreou no jornalismo com um pequeno jornal literário e científico, O Arrebol, cujo primeiro número saiu em 6 de junho, desaparecendo logo em face de sua viagem para Olinda, o que ocorreu em janeiro de 1860.

Mal iniciou ali os estudos, chegou-lhe a notícia da morte do pai, acompanhada do apelo da mãe, para que viesse socorrer a família desamparada. Em setembro do mesmo ano estava novamente em Barras. Conseguiu ser nomeado professor de letras desta cidade e, no ano seguinte, remoção para Teresina.

Na Capital, em 12 de dezembro de 1862, casou-se com D. Benvinda de Queirós Caldas, filha de um fazendeiro de União.

Em 1863 já vamos encontrá-lo ao lado de Deolindo Moura, na qualidade de co-redator de Liga e Progresso. Dois anos depois, em 1865, lançou Deolindo o seu jornal A Imprensa, contando com a ativa participação de Davi Caldas até 1868. Então, em 28 de julho, lançou seu próprio jornal O Amigo do Povo. E assim o fez para não criar dificuldades a Deolindo, visto ter rompido com seu partido, O Liberal, face à malfadada experiência parlamentar que fizera, no biênio 1867-1868.

Nesta experiência como deputado, não conseguiu refrear sua própria exaltação, criando uma série de problemas, não só ao governo, como ao partido a que pertencia. Entre os projetos por ele apresentados, figura o que autorizava a Província a financiar casas de telhas para todos os pobres. Tratava-se de projeto de absoluta inoportunidade, não só porque o país estava em guerra com o Paraguai, como porque indispunha 95% da população, que moravam em casas de palha, com o governo.

Contrariado com a falta de apoio de seus amigos de partido a seus projetos, abandonou a Assembléia, e passou a dedicar-se exclusivamente ao jornalismo, o que fez até seus últimos dias.

O Amigo do Povo já surgiu como um jornal estranho. Não se destinava a dar rendas ao proprietário, conforme lia-se logo abaixo do título: “Periódico político. Este jornal publicar-se-á duas vezes por mês; distribui-se gratuitamente às pessoas pobres que souberem ler e quiserem recebê-lo na tipografia onde é impresso. Aceita-se assinaturas, que se fixarão, quanto à importância, não excedendo de 25$000 (vinte e cinco mil réis) por trimestre”.

Começou a ser impresso na Tipografia d’A Imprensa. A partir do número 42, de 11-09-1870, na tipografia do próprio Davi Caldas, e por ele mesmo. De 1872 em diante, trazia o subtítulo: “Órgão Republicano da Província do Piauí”, como consequência do Manifesto Republicano lançado no Rio.

Poucos foram os artigos literários ou doutrinários publicados no jornal. Como todos os da época, limitava-se mais a criticar os atos governamentais e refletir pequenas lutas políticas do interior da Província. Para livrar-se de problemas com o Código Criminal do Império, na parte relativa à imprensa, comentava os fatos do dia como se tivessem acontecido na China ou na Turquia, tratando os personagens por paxás ou mandarins, utilizando conhecida figura de retórica.

Entre 1864 e 1867, quando eleito deputado provincial, fez brilhante carreira burocrática. Assim, criada a Escola Normal pela Resolução nº 565, de 05-08-1864, foi da mesma nomeado professor. Por Portaria de 01-06-1866, passou a Oficial da Secretaria da Presidência. Depois, por Portaria de 27-07-1867, promovido por merecimento a Oficial Maior da Secretaria do Governo, além de obter, por concurso, uma cadeira de geografia no Liceu Provincial. De todas essas funções foi despojado com sua adesão ao republicanismo. Restou-lhe a cadeira de professor, por ser vitalícia. Mas entendendo que, sendo republicano, não podia servir ao Império, requereu jubilação.

O famoso jornal Oitenta e Nove surgiu como simples mudança de nome d’O Amigo do Povo. Saiu precisamente em 01-02-1873. Trazia um artigo de fundo sob o mesmo título, no qual o autor não preconizava de modo categórico, mas sutilmente deixava expressa a ideia profética de que a República seria proclamada em 1889. Com esta interpretação ficou o acontecimento gravado, de forma lendária, na memória do povo. A técnica usada foi, através de alusões e de premissas históricas, achar possivelmente sucedesse aquilo que real e sinceramente se desejava.

Abdias Neves não admitiu a profecia. Analisando o assunto, declara que: “Desse título, Oitenta e Nove e da má interpretação de seu artigo inicial, formou-se a lenda de que Davi Caldas havia feito a futura mudança de forma de governo, em 1889”. Contudo, não resta dúvida tratar-se de matéria merecedora de melhor estudo. O cristianismo admite a profecia. Cristo foi profeta. Maomé afirmou haver com ele se encerrado o ciclo dos profetas. Quem sabe...

Estas interpretações extravasaram do Piauí. Viriato Correia escreveu um trabalho sobre a figura de Davi Caldas, publicado em 1934, sob o título de O Propagador Desconhecido. Em 1907, a revista Kosmos, do Rio, publicou o fac-símile da primeira página d’O Oitenta e Nove, contendo o famoso artigo. O mesmo fac-símile foi publicado, também, na edição dominical d’O Correio da Manhã, do Rio, de 07-12-1969.

Este controvertido jornal durou quase dois anos. Mas, por falta de recursos, em todo esse tempo só saíram 31 números, sendo o último em 21-12-1874.

Visto tratar-se de discutido documento histórico, trancrevemos, a seguir, na íntegra, o famoso artigo; extraído da revista Alvorada, de Jônatas Batista, neto de Davi Caldas, de 15-11-1909.


“OITENTA E NOVE.

"Assaz problemático há de parecer a muitas pessoas este título numérico, que escolhemos para denominar o nosso periódico, pobre sucessor d’O Amigo do Povo, que resolvemos suprimir depois de havermos publicado o número 89: designação esta que importa um símbolo, a representação sintética de uma ideia capital, fácil de penetrar, aos que estão iniciados nas proveitosas lições da história.

"Na verdade, Oitenta e Nove é a data gloriosa com que no século passado, em o velho mundo, inscrevera-se de modo positivo, claro e brilhante, os Direitos do Homem, até ali não reconhecidos devidamente pelas egoístas classes privilegiadas, que tão indignamente monopolizavam, com a coroa, todo o bem-estar social.

"Oitenta e Nove foi com efeito como que um grande dilúvio, sob o qual submergiu-se o monstruoso feudalismo, que ainda afrontava a França dos inumeráveis Luíses, qual lembravam os faraós do antigo Egito, isto em pleno século de Voltaire, de Rousseau e de Mably; ao passo que na sua caudal corrente via-se descer, à mercê das ondas, o recente berço da liberdade, recordando o de Moisés a flutuar sobre as águas do Nilo.

"Oitenta e Nove é ainda a data fulgurante da primeira conquista plebiscitária, incontestavelmente oficial pela democracia numa das mais belas porções do vastíssimo continente do Novo Mundo; quando por um magno decreto emanado diretamente do povo, há uns 83 anos, estreando-se então o cidadão, passou honrosamente, nas suas funções de arauto coletivo, segundo a qual George Washington foi elevado à dignidade temporária de Chefe dos Estados Confederados da União Americana, que hoje se ostenta no mundo civilizado como a mais admirável colmeia de cidadãos, e por certo uma das mais poderosas nações da terra!

"Finalmente, Oitenta e Nove recorda ainda, a nós os brasileiros, a primeira tentativa de independência no dilatado país descoberto por Pinzon e Cabral, tentativa que infelizmente abortou, apesar dos belos esforços dos patriotas mineiros, que acabaram por ser outros tantos mártires da liberdade, outras tantas vítimas imoladas ante o altar da devoção firme do trono, onde se achava exposta à veneração dos fiéis a mentecapta Maria, digna bisavó do atual Imperador do Brasil, a quem Deus guarde, quando muito, até 1889... Centenário três vezes venerando e assaz significativo para todos os republicanos convictos, que estejam de ânimo deliberado a persistir e semear a brilhante ideia; ativamento trabalhando, por período de 17 anos, sem jamais desesperar do resultado da constância, à semelhança desses pequeninos pólipos que hão construído imensos bancos de coral...

"É certo que o trabalho vence tudo, e o trabalho inteligente e apurado é sem contestação alguma a mais bela encarnação da fé, com a qual mudam-se os montes até, segundo disse Jesus Cristo e nós vimos já realizado neste século, a respeito dos Alpes Conteennes, depois da perfuração do Tabor e do Monte Cenis!...

"Devemos calcular os nossos passos e medir as nossas vistas, com a mesma calma imperturbável com que o astrônomo determina, para um tempo dado, a passagem de um planeta por um certo ponto da esfera celeste, produzindo tal fenômeno por ele previsto com admirável exação matemática!...

"Trabalhemos com a mesma boa vontade com que a abelha manipula o pólen das flores, quando trata de fabricar o seu mel; com a mesma constância com que a aranha estende, noite e dia, as suas teias, frágeis, embora com a mesma firmeza; enfim, como a formiga remove os inumeráveis grãos de areia que lhe obstruem a porta de sua morada subterrânea, quando transtornada esta por uma eventualidade qualquer...

"Sem descermos, pois, das nobres aspirações da humanidade, tratemos de avançar com ela, em busca do ideal da perfectibilidade, embora este pareça fugir-nos semelhante a uma miragem à medida que nos adiantamos na senda do futuro: pouco importa que nos chamem utopista, uma vez que esse nome tem sido de batismo, aplicado pelos homens de vistas curtas e recebido por todos os grandes trabalhadores do gênero humano. Utopista é ainda hoje considerado, por muita gente, o Divino Mestre, por haver pregado a caridade, isto é, a igualdade e a fraternidade entre os homens!

"Utopistas foram também:

"I - Guttenberg, o inventor da imprensa.

"II - Colombo, o descobridor do Novo Mundo.

"III - Copérnico, o autor de um novo sistema astronômico.

"IV - Galileu, o apóstolo da rotação da terra.

"V - Newton, o descobridor das leis da gravitação, o dissecador da luz.

"VI - Bartolomeu de Gusmão, o inventor do balão aerostático.

"VII - Arkwright, o fabricante da primeira máquina de fiar algodão.

"VIII - Watt, o autor do condensador.

"IX - Benjamin Franklin, o inventor do para-raios.

"X - Cugnot, a quem se deve a ideia da locomotiva a vapor, realizada por Stephenson.

"XI - Lesage, o pai da telegrafia elétrica, criada por Morse.

"XII - Fulton, o criador da navegação a vapor.

"XIII - Daguerre, o pai da fotografia.

Foram igualmente utopistas, se bem que de ordem secundária, ou somente para uma pequena porção da humanidade:

"1º - O Conselheiro Antônio Saraiva, fundador de uma nova Capital para esta Província quando alguns não acreditavam que de uma chapada deserta do Piauí, pudesse surgir uma pequena cidade!...

"2º - O Conselheiro Junqueiro, a quem devemos a navegação a vapor do nosso Parnaíba, rio de leito sumamente arenoso e de canais mui variáveis...

"À vista de tudo isso, pois, um dia ainda virá, assim o cremos, em que a palavra utopia se tornará um termo obsoleto nos dicionários das nações cultas; seria isto, embora, na idade fabulosa em que os hotéis houverem substituído os laboratórios de quilo químico, depositando-se então um jantar completo numa espécie de carteira homeopática; nesse tempo em que chamar-se-á bárbaro, talvez, a quem quer que seja, que se ache exposto a morrer de indigestão, como o mais infatigável amador de papos de perus!...

"Enquanto, porém, não avançamos tanto, a ponto de chegar a uma idade quase angélica, sejamos permitidos ter a fé robusta de ver a República Federativa estabelecida no Brasil; pelo menos daqui a 17 anos, ou em 1889, tempo assaz suficiente, segundo pensamos, para a educação livre de uma nova geração, para a qual ousamos apelar, cheios da maior confiança.

"Contamos no entretanto, desde já, com a coadjuvação sincera de todos os apóstolos da convicção e da ideia que nos anima; bem como com os conselhos vigorosos dos mais dignos preceptores da mocidade.

"Tomamos por patronos de nossa causa patriótica:

"1º - Mirabeau, o eloquente orador que apareceu em França, por ocasião da Revolução de 1789.


"2º - Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, o grande mártir da nossa infeliz tentativa de liberdade em 1789.

"3º - George Washington, o primeiro Presidente dos Estados Unidos; e o primeiro magistrado livre de uma república em terras da América, eleito no referido ano de 1789...

"Sim, sejam estes os santos patronos da nossa causa!

"Que eles nos inspirem os mais belos argumentos para bem podermos persuadir aos que ainda estão em erro; a maior abnegação, para morrermos mesmo, se necessário for, defendendo as nossas ideias; finalmente o ensino do melhor sistema político a adotarmos, na direção dos públicos negócios, quando diretamente confiados ao próprio povo consciente da sua dignidade e dos seus direitos.

"Sentimos que em nosso crânio ferve, como num cadinho, a ideia da liberdade: que ela, depois de fundida, se consolide brilhantemente em nosso coração, como num vasto molde, para daí sair semelhante a uma fulgente estátua, perfeita e colossal, que em todo o tempo ateste a grandeza moral deste país em que nascemos; e que bem poderá exibir ao mundo uma série de construções ciclopeana em suas instituições, forjadas de novo pelos obreiros da democracia.

"A nossa oficina é a imprensa; nela pois vamos resolutamente começar, outra vez, a grande obra, talvez tentada em vão até este momento.

"Não queremos nem devemos deixar que se cubra de cinzas a fornalha ardente!

"Para alimentá-la, se preciso for, verteremos em combustível o nosso pão e o... dos próprios filhos ainda tenros!

"A Pátria exige atualmente os mais penosos sacrifícios.

"Que fique somente aos egoístas a glória de se tornarem nédios a mais não poder.

"Mãos à obra, com a coragem do que se acrisola."


Além dos minguados vencimentos de lente jubilado do Liceu, com tempo proporcional de serviço, a crença de Davi Caldas era proveniente das aulas particulares que dava. Sua tipografia quase nada rendia, porque sendo o governo o maior freguês, não lhe dava mais serviços. Como se isso não bastasse, nesse mesmo ano de 1874 morre seu cunhado, indo a irmã viúva com quatro filhos aumentarem-lhe os encargos de família.

Mesmo assim, ainda tenta novo jornal, O Papiro, de pequena duração e quase nenhuma repercussão.

Vivendo no limite extremo da pobreza, mesmo assim sua fibra patriótica e seu desprendimento dos bens materiais não o abandonaram. Em 1876, abalada e humilhada a Nação com a insolência da Inglaterra, na questão Christie, Davi dirigiu-se ao Presidente da Província, oferecendo como contribuição para poder revidar aos ingleses, 10% de seus minguados vencimentos de professor jubilado. O ocorrido ficou consignado no ofício da Presidência, que segue: “Of. – 2ª Seção – número 486, de 26-06-1876. – Ao Inspetor do Tesouro Provincial. – Comunicando que o cidadão Davi Moreira Caldas, em data de 3 de junho último, cedeu em benefício dos cofres da Província, por tempo indeterminado, 10% dos vencimentos que percebe, como lente jubilado do Liceu, a contar de 1º daquele mês”. (O Piauí, nº 305, de 26-06-1876).

Pereira da Costa e João Pinheiro citam ainda um outro jornal de Davi, O Bom Menino. Nas pesquisas que fizemos, não encontramos referência a este jornal. Pode muito bem ter sido uma folha estudantil, impressa em sua tipografia.

Em 1877 veio a terrível seca e Davi passou a meditar visando a descobrir medidas destinadas a afastar para sempre este flagelo. Mesmo assim, sua preocupação a respeito dos assuntos políticos persistia. Lançou O Ferro em Brasa, cujo primeiro número saiu em 27-08-1877. Era impresso em papel vermelho. Teve curta duração, porque foi feito unicamente para apreciar e exprobrar o fato denunciado na Câmara Federal pelo deputado Cesário Alvim, de que o Ministro da Fazenda, Barão de Cotegipe, fazia parte da firma comercial Gustavo Massei & Cia., reputada como contrabandista. Foi seu último jornal.

Em fins de 1877, sofrendo, além das amarguras próprias, o drama da seca, não chegou a ficar louco como querem alguns de seus biógrafos, mas foi perdendo o contato com a realidade e vivendo de abstrações, entre estas a procura das leis de nova ciência que engendrou: a conscienciologia.

Deixou um grande espólio literário, que infelizmente se perdeu, como afirma Abdias Neves em Pátria, nº 66, de 22-01-1904. Salvaram-se somente alguns versos e artigos em jornais, além do relatório do estudo que fez do rio Parnaíba, inclusive o delta, por ter sido publicado pelo governo, em livro, no ano de 1867.

Licurgo de Paiva, o poeta-boêmio, amigo de Davi, e que lhe assistiu os últimos momentos, segurando-lhe a mão, diz que ele morreu cantando Gloria in excelsis Dei. Diz-nos mais que no dia de sua morte, de manhã, exclamou: “É chegado o dia de vos dar as minhas contas... Sabathot... Sabathot... Sabathot!... três vezes sábio... três vezes santo!...”. Na hora extrema, estendeu a mão em direção à mulher e filhos, descrevendo uma cruz, e disse: “Agora... recebam todos a minha santa bênção!”.

Mas nem a morte fez arrefecer a vingança dos áulicos imperiais contra o grande republicano. Como a igreja católica era ligada ao Estado, Davi, apesar de grande crente em Deus, e membro da Irmandade do Santíssimo Sacramento, era oficialmente considerado ateu, e, como tal, não teve o direito de ser enterrado no cemitério. Cavaram-lhe um túmulo em frente ao portão principal do cemitério São José, debaixo de um velho jatobazeiro ali existente, túmulo que alma caridosa mandou cercar com grade de ferro. Só na década de 1930, quando do calçamento da rua, foram exumados seus ossos e transladados para dentro do cemitério, assim como outros túmulos de protestantes junto ao seu existentes.

A situação em que deixou a família pode-se imaginar pela notícia dada, 15 dias após a sua morte, no jornal O Semanário, nº 50, de 19-01-1878: “Diversos amigos do finado Davi Caldas subscreveram uma mensalidade para sua desolada família, que ficou em extrema pobreza”.

Entre os descendentes de Davi Caldas, estão os poetas e jornalistas Jônatas e Zito Batista, filhos de Rosa e de Jericó Caldas Batista, e o conhecido radialista Álvaro Lebre.



Celso Pinheiro Filho, em
HISTÓRIA DA IMPRENSA NO PIAUÍ
Teresina: Zodíaco Editora, 1997


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