PESCADOR DE MITO, Wellington Soares
O pescador já pensava em desistir, pois não fisgara nada até ali, depois de horas brincando com a paciência, quando sentiu a vara envergar de repente, sob um peso insuportável, mergulhando a cara no fundo do rio.
Como os anos de pescaria falam mais alto, resolveu cansá-lo primeiro para, em seguida, tirá-lo fora. Só aí deparou-se, para espanto dele, não com um peixe grande, como era o mais provável, mas com a figura disforme do Cabeça de Cuia, mito de sua terra natal, apresentado geralmente como temor dos filhos malcriados.
Sob protestos da mulher, que alegava tratar-se de uma lenda e não de um peixe, mandou prepará-lo no capricho, com leite de coco e muito tempero, degustando-o com enorme apetite.
Ao final, apresentou-se no museu da cidade como o homem que tinha comido o Cabeça de Cuia. Hoje as pessoas que visitam o museu observam, com certa estranheza, aquele homem rude, de sorriso aberto e inscrição no peito, e não entendem o motivo de sua alegria.
em LINGUAGEM DOS SENTIDOS
Teresina: 1991