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18.3.21

Estranha Formosura, por Chico Castro, Ronaldo Bringel & Roraima




Estou cheio de ternura 
Meu coração de poesia
Vai andando pelas ruas
Um pé na solidão
Outro na literatura

Estou grávido de aventura
Quero o silêncio da sala
A majestade da lua
Um olho na razão
Outro na magia pura

Que estranha formosura
Aos caprichos de uma dama
Dei meus votos de candura
E navegamos como plumas muito além
Das escrituras

Meu coração de poesia
Vai andando pelas ruas...


1º lugar na categoria não estudante do Festival Chapadão (2008)
Enviado por Chico Castro

9.4.20

Chico Castro responde ao poema "Vermelha Vila Vagarosa", de Rodrigo M Leite


Em 27 de agosto de 2013, enviei por e-mail, ao poeta Chico Castro, o seguinte poema:


Vermelha Vila Vagarosa

entre cacarejos dos galos vizinhos
dança metálica das folhas secas no átrio
alto-falante a caminhonete anuncia
ESTREIA DO CAMPEONATO DE FUTEBOL MUNICIPAL
aderimos ao musgo
lesmas de uma antiga parede esverdeada que somos
quintal da casa empestada de netos
frutas airosas, inocentes desejos
tudo bem
um pouco mais de velocidade
meninos afoitos ao rio
redes com renda de crochê balouçando nos alpendres
movimentos despropositados da argila manhosa, dos aguapés chapados de erva:
num aluvião onírico
todos executamos ritmo das águas


A resposta do poeta, em verso:


muito bacana
a composição
linhas retas corações tortos
cidades cheias de corações mortos

a vermelha é foda
eu, nonato, mestre dim
a lua o sol a esquina
os anjos de mestre dezim
a luz do arrebol

a poesia é bobagem pura
coisa de malandro ocupado
não há remédio para a sinecura
ofício para quem vive desligado

e ponto final quando ainda não morreu a vírgula
uma exclamação que não interroga
um verbo que não vacila
uma reticência que não derroga

Chico Castro
Petrópolis, em 28 de Agosto de 2013

28.1.16

CARTÃO POSTAL 80, Chico Castro




Espirrei:
Lixo da mais pura aspirina.
Sou:
De papel passado em cartório,
que tal?

Um homem urbanizado
entre prédios, luzes e avenidas
carros-galos
som sobre som sobre sonho
ufa:
não me ouço mais
nem gritando comigo mesmo.



Chico Castro
em O Livro da Carona 
Teresina: Edição do autor, 1994

6.9.14

MEU NÓS & ELIS, Chico Castro


O belo texto da Patrícia se refere a um período posterior aos primórdios do Nós & Elis. Porque, diz ela, a sua inserção nas noites do bar se deu quando o mesmo se encontrava sob a administração da família Fonteles, vale dizer, da médica Nazaré Fonteles, suas irmãs e irmãos.

Em 1989 (ano em que se deu o show da Patrícia que ainda era Melo), eu morava no Rio de Janeiro e recebi a visita do cantor Terra Francisco, à época namorado da Nazaré. O Terra foi à Cidade Maravilhosa gravar o seu primeiro LP, ao qual dei uma modesta contribuição.

Como sou (bem) mais velho do que a Patrícia, tive a sorte de conhecer o bar desde o começo. Só pra se ter uma ideia, no dia 25 de abril de 1984, quando da votação das diretas, eu e mais uma pá de gente, estivemos lá torcendo. Além de frequentador assíduo era também um dos últimos a sair; ficava tomando as eternas saideiras como o dono, meu amigo Elias do Prado Júnior, de saudosa memória.

Vi muita gente famosa de hoje dando os seus primeiros passos na música popular brasileira feita no Piauí. E também ouvi muitas estórias e fui testemunha de muitos fatos que a minha prudência de cinquentão (fiz 56 anos dia 10.12.2009) não me permite mais revelar em público.

O certo é que o Nós & Elis deixou um lastro de glória e de vitória para a cultura piauiense. Lá, eu e muitos poetas fizemos vários happenings, madrugada adentro. Aliás as mulheres mais bonitas de Teresina estavam bem ao alcance de nossas cobiças libidinosas. A comida era boa e farta. No começo, o Elias dava uma prato a mais para quem pedia um jantar. Pagava religiosamente os músicos, um dos primeiros, se não o primeiro, a fazer tal prática uma questão pessoal.

Era no tempo em que a zona leste não tinha os espigões de hoje. Nem a violência. Saíamos para acender nossos baseados bem na pracinha que ficava ao lado do bar. Muitas vezes vim a pé para casa, só pelo prazer de andar pelas ruas desertas de Teresina, sem medo algum, ou pelo simples motivo de desejar acender mais um, antes do merecido sono. Ou por ter gasto todo o dinheiro com as eternas saideiras em companhia do Elias.

É isso. O Nós & Elis marcou um tempo que nenhum esquecimento pode apagar.


Chico Castro
em "No Nós & Elis: A Gente Era Feliz – e sabia"
Teresina: Gráfica Halley, 2010
Organizado por Joca Oeiras

3.2.16

"Lucidamente", Chico Castro




Lucidamente
te encontrei Help pela cidade
foi a maior felicidade
a maior camaradavagabundagem.

Sua avemente
você me deixou
show
show
muito louco
louco
louco.

Anda menina ama
deixa o fio teu riso passar
passarinhar passarinhar passarinhar.

Suavemente
luciacidamente
eu voo.



Chico Castro
em O Livro da Carona 
Teresina: Edição do autor, 1994

5.3.12

O CASO DO BUROCRATA MR-7 E SUA AMANTE LEE DIAMOND, Chico Castro


"Sou chefe de pessoal de uma
grande empresa,
dessas que têm autorização especial
dos órgãos estatais
para a exploração da flora  da fauna
piauienses.
"Possuo um apartamento
financiado pela Caixa Econômica Federal
nas melhores condições de
pagamento do mercado:
* 4 quartos
* living com varanda
* suíte com vídeo deck e bar
integrados
* sauna e sala de repouso
* salão de ginástica equipado
* quadra de esportes
* sala de estudos para crianças
* playground e jardim
* salão de recepções
* lavanderia exclusiva e vaga na
garagem".
"De segunda a sexta-feira trabalho
que nem um condenado,
enquanto minha mulher tenta
mudar de cara
na Emê Clínica e Estética
sonhando em fazer aquela
viagem ais EUA
que eu havia prometido ano
passado".
"Nos fins de semana eu me divirto.
Pego o meu carrinho comprado
numa dessas concessionárias da vida
e vou para o Nós e Elis. Lá eu
bebo, bebo, bebo, até
ficar quase de porre, os braços, as
pernas, a cabeça
aos trancos e barrancos, depois de
conversar sempre com a mesma
gente".
"No sábado à tarde, recebo e faço
algumas ligações, marco encontros,
vejo alguma revistas e jornais que
eu não pude ler no decorrer da semana,
e no domingo a minha sogra vem
almoçar aqui em casa
para o bel-prazer da minha mulher
que tem, finalmente, com quem
conversar".
"Depois do Fantástico, eu vou
dormir
pensando no meu benzinho, porque
amanhã é segunda-feira
e a vida, dizem os meus amigos, não
está para brincadeira".


Chico Castro
em O Livro da Carona 
Teresina: Edição do autor, 1994

12.1.16

TERESINA VISTA DA COROA DO RIO PARNAÍBA, Chico Castro


da coroa do parnaíba
vejo teresina se mexer
indiferente flor na ponta de um fuzil
com todas as suas dores e seus apitos
vejo teresina se mexer
da coroa do parnaíba
depositário de tensões da semana:
peladas, barracas, flertes, putas
e da polícia que impede
os bêbados morrerem mais cedo
como se a vida que teresina
face a face impõe
fosse vida, fosse via
de coroa do parnaíba
vejo teresina se mexer
sem nenhum devir.


Chico Castro
em CAMISA ABERTA e OUTROS ASTRAIS 
Teresina: 1976

19.12.15

PROPOSTA, Chico Castro


eu quero ter uma cidade
como o sol que bate numa laranja
solitária em sua geografia
de laranja
eu quero ter uma cidade
com a mesma convicção
de quem elabora um objetivo fatal
eu quero ter uma cidade
que seja só cidade
que viva como qualquer cidade não
que morra como qualquer cidade


Chico Castro
em CAMISA ABERTA e OUTROS ASTRAIS 
Teresina: 1976

12.1.16

ELZANO SÁ NO DIA-RIO-I, Chico Castro


dia correr de cavalos
a certeza de não mais voltar
dia-rio correr como o rio
matar como o rio
no dia-rio, cedo, a manhã aflora, no dia-rio
ser maior que a fantasia
ser maior que o relógio tic-tac
frio dia-rio
dia-rio a certeza da sorte má
no dobrar de uma esquina
em qualquer rua de teresina


Chico Castro
em CAMISA ABERTA e OUTROS ASTRAIS 
Teresina: 1976

16.10.13

UMA POÉTICA CONSEQUENTE - Entrevista com Paulo Machado realizada pelo poeta Elias Paz e Silva


Elias Paz e Silva – Paulo, sobre a gênese da tua lavoura poética – a realização dos teus poemas – quais os processos predominantes?

PM – Eu considero que a minha poesia tem a predominância da função épica sobre as funções líricas e dramáticas. Talvez, por esta razão, eu tenha, na condição de poeta, me comportado como um observador de episódios humanos, vivenciados dentro de um espaço urbano, especificamente a cidade de Teresina. Estas notícias humanas são sempre relacionadas a cidadãos e cidadãs anônimos. Estes episódios relatados buscam ressaltar o que, talvez, seja a característica da espécie humana. Sobre este aspecto, eu procurei sempre um distanciamento, para que as minhas virtudes ou meus defeitos não interferissem, ou interferissem o mínimo possível, na elaboração do texto. Texto construído a partir do que emana das próprias personagens. Como técnica de elaboração do texto, eu procurei, conscientemente, utilizar uma linguagem concisa, objetiva e realista. Para tanto, eu preferencialmente usei verbos e substantivos, refutando o máximo possível o uso de adjetivos. Em termos de construção da linguagem poética, eu entendo que as figuras de estilo usadas por mim são, predominantemente, as de pensamento e as que se referem à criação de imagens. Dentre as primeiras, talvez a mais predominante seja a ironia. E dentre as segundas, talvez as mais predominantes sejam a metáfora e a metonímia. Raramente, eu lanço mão de figuras de estilo que remetam a uma riqueza polifônica, como ecos, aliterações e assonâncias. Daí que, talvez, a minha poesia, vinculada à classificação dos textos, é logopeia e, num segundo momento, a melopeia e, quase inexistente, a fanopeia.

Elias Paz e Silva – Que seriam as imagens, então...

PM – É. Ressaltando que há um jogo de pensamento. E isto remete à própria etimologia grega do que seja poema – que é “aquilo que se faz”, e é uma construção verbal de tamanho pequeno, mas sempre com a insistência de um enredo. Existe uma narrativa, o caráter narrativo. E a etimologia da palavra poeta, que é exatamente “aquele que faz”.

“DAÍ QUE, TALVEZ, A MINHA POESIA, VINCULADA À CLASSIFICAÇÃO DOS TEXTOS, É LOGOPEIA E, NUM SEGUNDO MOMENTO, MELOPEIA E, QUASE INEXISTENTE, FANOPEIA”.

Elias Paz e Silva – Então, você procura resgatar o sentido etimológico, original da expressão poética. É este o seu projeto, como disse o Chico Castro, achar a poesia no seu estado de pureza e graça?

PM – Sim. Inclusive vendo, tentando ver, a expressão poética em episódios que, comumente, são vistos como antipoéticos. Onde estaria a poesia num episódio urbano relacionado à morte de um cidadão anônimo por atropelamento, numa avenida da cidade? Mas, e se nós pegarmos aí o episódio morte, como sendo uma das incógnitas para a espécie humana: o que vem a ser a morte? por que morremos? e o que nos faz morrer? A morte absurda de um ser humano, dentro do espaço urbano de uma cidade, onde as pessoas que lidam com o trânsito – aquelas que têm a responsabilidade de discipliná-lo, não o disciplinam bem; e as que têm a responsabilidade de seguir as orientações de sinalização, não as seguem. É que, na verdade, os responsáveis pelos episódios de morte, somos nós próprios: não é o fato de existirem ciclistas, pedestres, motociclistas e condutores de automóveis ou de caminhões, ou de ônibus, que faz com que aconteça ou deixe de acontecer acidentes. E, depois, como é que esse episódio é recepcionado por outros seres humanos... que eu destaco, em dois momentos, o episódio um, um poema que faz referência ao episódio de morte de um ciclista por atropelamento, e o episódio de um pedestre. Tanto o ciclista quanto pedestre, eles são apenas uma atração de curiosidade para os outros seres humanos que habitam a cidade, mas em nenhum momento há manifestação, por exemplo, de solidariedade, com a prestação de socorro. Então, isso, que teria sido um material antipoético, eu tentei - não sei se consegui, eu procurei transformar em poesia. Como também episódios humanos menores, também considerados menores e até antipoéticos, como a presença de uma. mendiga numa rua do centro da cidade, que pessoas passam por ela diariamente e nem se apercebem da existência dela; até mesmo quando ela deixa de existir, as pessoas também não se apercebem dessa inexistência - é o caso do resgate de vida da Madalena, que era uma mendiga que fazia ponto de mendicância na Simplício Mendes, no centro antigo, no perímetro urbano da cidade de Teresina. Ou a presença do que, hoje, seriam meninos de rua (não por outras razões, no momento em que eu presencie o episódio, eram negros, e eu os evoquei como sendo "negrinhos descarnados"), que estavam a catar laranjas e limões podres no mercado central da cidade de Teresina...

Elias Paz e Silva - Paulo, nesse sentido, a tua poesia, o teu poema, a tua poética é um testemunho histórico - aquilo que você viu, captou e transformou isto em emoção estética.

PM - Quase sempre, porque às vezes também lanço mão de informações obtidas de outros...

Elias Paz e Silva - Mas também é história.

PM - Sim. Também é história contemporânea o episódio não presenciado ou testemunhado por mim, resgatado de relatos, do relato oral de outras pessoas que testemunharam estes episódios, a não ser quando, num determinado momento, eu trabalhei, especificamente, com o que também é dito como algo antipoético, e tem a ver, no caso, com a história pessoal - seria resgatar um documento em relação ao meu avô... e eu tentei também, a partir do documento, com a linguagem, inclusive através da qual o documento tinha sido escrito, transformá-lo numa matéria poética...

“NO MEU CASO, EU TENTEI TRABALHAR COM O FATOR DETERMINANTE TEMPO, COMO CONDUTOR DA ELABORAÇÃO DOS TEXTOS”.

Elias Paz e Silva - E o tempo, Paulo - no “Libertinagem” você trabalha com tempos verbais -, como entra a questão do tempo, o tempo histórico, o tempo não-linear, do tempo eterno, como que entra no teu trabalho?

PM - Bom... Isto é a partir de uma informação que, por leituras - e eu sempre fui um ser orientado para leitura, tive esta oportunidade de ler desde criança - cheguei a uma conclusão - através de muitas leituras - de que a literatura, qualquer que seja ela, de qualquer nação, se faz a partir de um trabalho de reconstrução de memória ( - as memórias individuais que, reconstruídas, dão como resultado a memória coletiva). A partir desse ponto de vista, é que eu elenquei o tempo como sendo, talvez, o fator determinante da produção literária, no meu caso, poética, (pra outras pessoas, poderia ser a reconstrução através de uma prosa de ficção, de um romance ou de um conto ou de uma novela). No meu caso, eu tentei trabalhar com o fator determinante "tempo", como condutor da elaboração dos textos. Na confecção, por exemplo, de “Tá pronto, seu lobo?”, o livro foi planejado de tal sorte que o primeiro poema que abre o livro, que é o “Post card 57/77”, à época era o poema escrito mais próximo da data de lançamento do livro, e o último poema - o “Libertinagem” - é o que tinha sido escrito a um tempo maior, mais distante da data de publicação do livro. Haja vista que todos os poemas, os 22 poemas que compõem o “Tá pronto, seu lobo?”, todos foram escritos e reescritos num interstício de tempo entre 1974 e 1977 (o livro foi editado em janeiro de 78).

Elias Paz e Silva - Paulo, no teu percurso poético, vemos incursões épicas, líricas e até na estética concreta; como está se processando isso na tua construção literária?

PM - Eu estou tentando dar continuidade a dois projetos paralelos. Um primeiro, que é a continuidade do trabalho iniciado com “Tá pronto, seu lobo?”, e num segundo momento com "A paz do pântano"; e um outro, que é a elaboração de poemas não-discursivos, que até este momento continuam inéditos, não foram publicados nem mesmo em jornais ou revistas...

Elias Paz e Silva - ...Aquela antologia “Baião de todos” tem três poemas que são desta estética não-discursiva...

PM - Exato. Ali é uma mostra do que estou tentando fazer, na outra vertente. Existem outros poemas; no momento oportuno, se eu tiver condições, ponho a público, através de um livro.

Elias Paz e Silva - Historiador, advogado, poeta: como é que você convive, Paulo, com a multiplicidade?

PM - Na verdade, a atividade como advogado tem uma característica que a aproxima das outras duas: porque eu tenho tentado compreender a estrutura agrária brasileira e tenho tentado uma. especialização, a meu modo, como agrarista. Essa atividade me levou à necessidade de conhecer, pelo menos dentro das minhas limitações, o processo histórico brasileiro e piauiense. Fato que me conduziu, por exemplo, a realizar uma pesquisa sobre o extermínio e a espoliação das nações nativas, que habitaram o Piauí no século XVII até meados do século XVIII. No trabalho eminentemente literário, essa orientação para a História só fez me ajudar, me deu chance de fazer algumas reflexões para que eu pudesse transformá-las, ou pelo menos tentar, transformá-las em texto literário, no caso específico um texto literário com a feição poética.

“NA VERDADE, EU SOU MAIS FREQÜENTEMENTE POETA QUE UM FICCIONISTA...”.

Elias Paz e Silva - Você enveredou também pelo campo da ficção. A tua ficção tem essa mesma matriz, essa mesma origem?

PM - Tem. Na verdade, eu sou mais freqüentemente um poeta que um ficcionista, mas as poucas experiências que eu tive com a elaboração de contos foram realizadas com esta mesma perspectiva. O conto “O anjo proscrito" é uma revisão de um episódio histórico do período republicano. E os outros contos, curtos, com personagens anônimos, eles são sempre orientados para a vertente histórica, brasileira ou teresinense, especificamente.

Elias Paz e Silva - Que referenciais estéticos, políticos e ideológicos você usou para cunhar a expressão "Geração pós-69"?

PM - Bom... em primeiro lugar, referencial histórico-cultural, porque a geração cultural que surgiu depois do fechamento do ciclo da geração de 60, no âmbito da literatura, foi rotulada por jornalistas e ensaístas como sendo a geração do mimeógrafo (incluindo aí tanto novelista, contista e poeta, mas excluindo as outras expressões artísticas) ou por outros como sendo a "geração marginal". Desde o primeiro momento, ao tomar conhecimento dessas rotulações, eu entendi que elas eram errôneas - e aí precisaria dar uma re-orientação. Eu peguei um fato político-cultural universal no ano de 69, que foi a chegada do homem à lua, como sendo um fato que definia um corte cronológico, no que aconteceu antes e no que deveria acontecer depois desta data. E algumas manifestações na área de cultura (algumas delas inclusive realizadas no Brasil, com destaque, inclusive, para uma forma nova de se fazer jornalismo impresso, que é em 69 o surgimento do Pasquim). E, me parece, ser menos equivocado chamar produção cultural todas as manifestações artísticas realizadas a partir da década de setenta, a geração "Pós-69". Talvez a mídia de informação mais freqüente para os produtores culturais tenha sido exatamente o jornal "O Pasquim", com uma linguagem jornalística própria e que tinha como finalidade servir de uma trincheira de resistência. Em relação especificamente à poesia brasileira de expressão piauiense, eu peguei como referência para a rotulação da geração um fato estético e literário: a materialização de um livro do Hindemburgo Dobal Teixeira, "O Dia Sem Presságio". É um livro de 69, ganhou inclusive um prêmio nacional, foi editado no ano seguinte, em 1970. Nele, a gente vê o trabalho do poeta para a concepção de uma poesia com rigor estético e uma preocupação com a renovação das formas poéticas.

“ANTES DELA (A GERAÇÃO PÓS-69) NÃO EXISTIAM NO PIAUÍ CARTUNISTAS, CHARGISTAS E QUADRINISTAS”.

Elias Paz e Silva - Como você analisa a produção literária da "Geração pós-69", em termos estéticos?

PM - Da maior expressividade. Não reconhecida, ainda, pelos centros acadêmicos e pelas instituições, mas com vitória, com êxito, em vários campos da manifestação artística. Inclusive, no caso específico do Piauí, com o surgimento dos primeiros chargistas, dos primeiros quadrinistas, na esfera cultural do Piauí, que são todos pertencentes a esta geração. Antes dela não existiam no Piauí cartunistas, chargistas e quadrinistas.

Elias Paz e Silva - E a produção literária dessa geração, Paulo, ela resiste ao tempo, ela se mantém, na tua concepção, na tua ótica?

PM - Sim. Há obras produzidas por integrantes da geração que são, indiscutivelmente, referenciais estéticos para o processo cultural piauiense. A divulgação tem sido feita, inclusive, de uma forma conseqüente, porque desatrelados dos órgãos públicos responsáveis pela elaboração e execução da política cultural.

Elias Paz e Silva - Esclareça-nos, Paulo, o projeto Pulsar de cultura.

PM - Na verdade, não se trata de um movimento, como algumas pessoas andaram, erradamente, rotulando. A revista "Pulsar" é um veículo de divulgação do ideário da geração. As pessoas que estão produzindo a revista, deliberadamente, iniciaram as atividades em um núcleo de produção cultural, onde não se faz apenas a edição de livros, mas há pessoas trabalhando com outras manifestações artísticas: teatro, cinema, as artes plásticas, as artes gráficas e a literatura. Essas pessoas têm buscado dar seqüência à divulgação de suas idéias com mídias alternativas, e uma delas é um foro da internet - há um sitio na internet dedicado à Geração "Pós-69".

“RUPTURA ESTÉTICA PRINCIPALMENTE EM RELAÇÃO À FORMA”.

Elias Paz e Silva - Paulo, qual a ruptura, dentro do projeto estético, literário, existencial, em relação às gerações que a anteciparam, em termos de produção literária piauiense?

PM – Ruptura estética principalmente em relação à forma. Na literatura brasileira de expressão piauiense a concepção de um novo conto, de uma nova novela e de um novo fazer poético, onde não há mais a presença das formas fixas e tradicionais de expressão da literatura.

Elias Paz e Silva – Como você vê a inclusão do livro “Tá pronto, seu lobo?” no vestibular da UFPI? Em que isso contribui para a divulgação da tua obra e para compreensão do teu trabalho?

PM – Eu vejo como um enfoque circunstancial e de caráter transitório. No ano de 2002, aparentemente houve uma maior atenção, por parte de algumas instituições e por um conjunto de leitores para o livro, pelo fato de ele ter sido incluído na relação de livros que provavelmente possam ser explorados pelos elaboradores das provas de Comunicação da Universidade Federal do Piauí. Mas, em termos de realização, eu não tenho nenhuma esperança, nenhuma ilusão de que possa ter contribuído para uma melhor compreensão do que já foi escrito. O livro, na verdade, ele tem quase um quarto de século de existência, ele foi tornado público em janeiro de 1978, mas os 22 poemas que o compõem foram produzidos no interstício de tempo de 74 a 77. E neste lapso de 24 anos, a contar da primeira edição, eu acho que ele foi muito pouco lido, pouquíssimas pessoas refletiram sobre os textos. Na verdade ele permaneceu durante todo esse considerável lapso de tempo com uma única edição – a segunda edição veio acontecer agora, em 2002. E eu tenho tentado acompanhar, na medida do possível, a vendagem dos exemplares, e você constata que ela é muito pouco expressiva. Foram editados dois mil exemplares; desses, 100 foram entregues a mim, para que eu desse a destinação que achasse mais condizente, e os outros 1.900 foram postos à disposição dos prováveis leitores. Se nós considerarmos que são cerca de 20.000 vestibulandos (aproximadamente), para que a edição fosse esgotada bastaria que dez por cento dessas pessoas se dispusessem a adquirir o livro, o que infelizmente não aconteceu.

Elias Paz e Silva – Paulo, diga o que você gostaria de dizer para o leitor da tua obra, para as pessoas que têm acompanhado teu trabalho literário, que têm acompanhado a tua ação como cidadão, como intelectual, como pessoa.

PM – Bom, o conjunto de 22 poemas que foram rotulados de “Tá pronto, seu lobo?” e editados em 1978, é uma mostra de que eu, como escritor, de uma forma honesta, assumi o compromisso de realizar. Ficaria satisfeito se eu tivesse um maior número de leitores. Eu acho que nenhuma pessoa que escreve se contenta com o fato de escrever e, posteriormente, ser editado, sem que haja o retorno com a leitura, mas também não acho que haja nada de anormal nisso, não... Um envolvimento de cerca de 30 anos de trabalho literário (eu iniciei a escrever, conscientemente, com o propósito de fazer literatura, em 72), eu acho que até é um tempo muito pequeno – três décadas dizem muito pouco. Pode ser que os poemas permaneçam e sejam, no futuro, mais lidos e compreendidos.

“NA VERDADE, ESSA REESCRITURA É UMA CARACTERÍSTICA QUE EU TENHO E GOSTO DE EXERCER, DE QUE O TEXTO SEJA CONTINUAMENTE REESCRITO”.

Elias Paz e Silva – Eles foram reescritos, não é, Paulo?

PM – Foram reescritos, mas sem que a proposta primeira tenha sido modificada ou comprometida. Na verdade, essa reescritura é uma característica que eu tenho e gosto de exercer, de que o texto seja continuamente reescrito. Isso tem acontecido sempre.

Elias Paz e Silva – Recentemente, Paulo, o crítico e poeta Chico Castro lançou “As travessuras do mamulengo”, que é um ensaio sobre o livro “Tá pronto, seu lobo?”; qual a visão que você tem deste ensaio e em que ele contribui para melhorar o entendimento, a compreensão da tua proposta literária?

PM – Eu compreendo que o ensaio feito pelo Chico Castro fornece algumas pistas de leitura, que podem ser aproveitadas por qualquer leitor, não somente os que estejam circunstancialmente comprometidos com a realização do vestibular na Federal, agora em 2003. Há, também, um ganho, no sentido de que pode acontecer que o livro do Chico, de alguma maneira, atraia a atenção dos prováveis leitores para o conhecimento da própria obra “Tá pronto, seu lobo?”. Pelo que me parece, também, oportuno dizer é que o Chico Castro é um integrante da “Geração pós-69”, então seria uma reflexão feita por um integrante da Geração sobre uma obra poética produzida por outro integrante, que pertence à mesma geração. Essa é uma das coisas importantes.


Elias Paz e Silva e Paulo Machado
via Recanto das letras

18.3.20

BAIÃO DE TODOS: poetas repensam a vida, num diálogo civilizatório, por Menezes y Morais




O poeta William Carlos William (1883-1964) assegura: “Os poetas enxergam com os olhos dos anjos”. Poeta, criador de Arte, é construtor, lapidador de civilização, nos assegura o conceito antropológico de cultura. Os 48 poetas reunidos em Baião de Todos (poesia, 2016) mostram isto em seus discursos poéticos.

A dicção poética questiona e repensa a Vida. Os poetas dialogam entre si, questionam a civilização, repensam a Poesia, a sociedade, o País, o mundo. O diálogo entre poetas, a reflexão sobre a sociedade moderna, o engajamento político, são temáticas perenes entre os Poetas dignos deste nome.

A Poesia não é feita apenas palavras – para lembrar os poetas Stefane Mallarmé e Paul Valéry, no final do século XIX e início do século XX – mas, sim, de palavras com significados e significantes – para lembrar São Tomás de Aquino, in Confissões (sua biografia, escrita por volta do ano 400 da nossa era).

TEMA TABU?

A segunda metade do século XX provou que se faz Poesia sem palavras. Neste surpreendente século XXI a Poesia parece regressar exclusivamente à carpintaria da palavra, depois que todas as vanguardas ficaram datadas, como, por exemplo, entre nós, a Poesia Concreta, Neoconcreta, Poesia Práxis.

No retorno à palavra, a Poesia também é feita de ideias (sem cair no panfletismo), de propostas lúdicas, de críticas civilizatórias, gritando alto ou sussurrando (em suas imagens e metáforas) em nome da Vida: todos os temas cabem no poema. Da dor ao prazer, da civilização à barbárie. Enfim: o Poeta fala de Poesia, da sua e da nossa humanidade.

UM POUCO DE CADA UM

Baião de Todos (2016) começa com Adriano Lobão Aragão, que remete o leitor às Sagradas Escrituras: “Estando Ruth posta em tormento em meio ao trigo alheio”, num poema de suave beleza estética. Aragão também é blogueiro.

Na sequência, Alcenor Candeira Filho, que o tempo consagrou mestre do fazer poético, em minha opinião. Sua temática vai do metapoema (Teoria do Poema), à morte, à vida, se revelando em plena maturidade estética. Depois, a jornalista Ananda Sampaio, de que nos ficou as imagens:

“Horas que acumulam dias”, “Roendo um dia/ que não quer acabar”, e “O homem clama por um sinal divino”. Ananda também nos remete à Bíblia – “aquele preso dentro da baleia”, (o profeta rebelde Jonas). A poeta fecha com Náufrago, um poema perfeito.

RUA DO POETA

Na sequência, Caio Negreiros. Ele tem, entre outros, um livro com um bom título (A Decadência das Horas). Caio também é fotógrafo. O poema dele não tem título, mas uma imagem bonita – “uma gota de sol” – e ao final acena à solidão urbana e universal, remetendo o leitor ao poeta Carlos Drummond de Andrade – “não é rima ou solução”. Da poeta Carmen Gonzáles, nos sensibilizou o poema Estrela Guia.

Carvalho Neto, outro poeta esteticamente amadurecido – também é odontólogo e letrista – salpica o tema “rua”, ofertando imagens como “amor inquilino”, “minha rua é do tamanho da saudade”, “minha rua, universo de dor contida”, para desaguar no poema Estação: “na velha estação, aguardo / o bilhete desbotado/ da viagem que não fiz”. Meu amigo Carvalho Neto é um poeta que publica com regularidade.

ALÉM-FRONTEIRA

O poeta seguinte é Chico Castro, também professor, ensaísta e historiador. Chico Castro tem dois belos poemas que se somam ao enriquecimento estético de Baião de Todos: Dallas para que te quero, e Trapo Chique. Além de Chico Castro, um nome conhecido nacionalmente, a letra C tem mais nomes da literatura piauiense que ultrapassaram as fronteiras (literárias) nordestinas. Por exemplo, Cineas Santos.

São de Cineas os poemas Desobediência Civil, Consulta, Convalescença e a obra-prima Poema Inevitável. São poemas dignos deste nome. Deixaram em mim as imagens: “Meu pai me queria lavrador / adubo na semente do seu chão (...) eu queria ser o vento/ pra bolinar o teu corpo”. “A linha principal não leva a nada/ (...) esta linha transversa me leva a você”. “Há muito não se houve meu uivo lancinante/ varando a madrugada”.

Climério Ferreira é outro nome nacional. Ele brinda o leitor com os poemas Pássaro Perdido, Eu sou meu próprio universo, e O Choro da História. Climério (Cli, assim o chamava a eterna Nara Leão) também é compositor, cantor, letrista e professor. O Brasil agradece.

SURPRESAS 

Uma surpresa para mim, entre os poetas piauienses que ainda não conheço pessoalmente, é a cantora, compositora, produtora cultural, Cláudia Simone: fala em “colchão de sonhos”, indaga “Quem foi que masturbou minha inocência?” E afirma: “A vida se encarregou de mostrar / que o amor nunca acaba onde deveria estar”.

Cyntia Osório encerra o índice da letra C. Dela, me ficaram as imagens: “Passeei pelo labirinto do tédio”, no “andar de quem tem asas”, “Existir é infinito”, imagens que marcam Penduricalho, um belo poema. Outra imagem de Cyntia Osório: “5 mg de desejos brancos para o cansaço”. A poeta também nos brinda com o belo Deslugar.

Outra surpresa é Demetrios Galvão, professor e historiador. Recanto é um poema perfeito. Em cine-mirante ficou-me a imagem “um olho filmando tudo”.

Em tempo: ganhei (como diria mestre Manuel Bandeira) o poema Cinema do Olho, musicado por Carlos Bivar Eduardo, com o qual fomos contemplados com um Prêmio SESC de Música 2007.

Demetrios Galvão nos brinda ainda com imagens como “liturgia de campo arrasado”, “exporta desertos”. O poema “a previsão do tempo é uma falácia” é um dos melhores deste Baião de Todos.

SEM GORGULHO

A letra D encerra com Diego Mendes Sousa, poeta da nova geração que usa as redes sociais para divulgar a literatura brasileira. Tinteiros de Mágoa é um poema perfeito, dividido com os títulos de tinteiros: da angústia; dos desertos, e do estranhamento. Evoé, Diego!

Ednólia Fonteles é outra poeta que se me revela em plena maturidade estética. Baião de Todos tem quatro poemas dela numerados com o título Quase Poema, um metapoema perfeito, sem gorgulho. Ednólia Fonteles deve ter um balaio de poesia inédita. Beijo, Ednólia.

Do amigo poeta Elias Paz e Silva ficaram-me a imagem “minha mão escreve / (no esgoto da cidade) / um poema tão grande / como a esperança”. E no poema Proposta, também sem gorgulho: “O dia foi duro amor / mas valia o suor da labuta / e a proposta de outro sol / como desculpa”. Lindaço, Elias.

NEGRITUDE

O também professor, o poeta e meu amigo Elio Ferreira traz o universo africano da “América Negra”. Tem o seu excelente (recitado por ele, com jogo de cintura e dicção bibopeana e onomatopaica) Abracadabra, de cujas imagens, fortíssimas, seleciono: “meu corpo apodrecendo no esgoto”, “meu corpo apodrecendo a céu aberto”, “você quer me ver no lixo”, e “teu corpo apodrecendo numa vitrine virim”.

O também juiz de direito Elmar Carvalho, meu amigo, nos oferece A Ero Moça, Noturno em Campo Maior, Perdição, e Sex-Appeal. Elmar Carvalho é fiel à proposta dos modernistas de 1922: precisamos conhecer o Brasil (no caso dele, o Piauí, Campo Maior, onde nasceu). H. Dobal, que também fixou paisagens campo-maionenses.

O meu amigo jornalista, poeta e professor Emerson Araújo é vida que segue: nos fala de “metáfora de plantão” (poema Novo Achado), faz metapoesia (Nova poética) e desagua em Junho em meu oficio, que me parece um poema sem gorgulho. Emerson tem vários livros publicados, entre os quais Címbalos, lutas e olhares (poesia, 2015).

Na nova safra de poetas está Ernâni Getirana, mistura o substantivo belicoso “guerrilha” (que seduziu muita gente boa no século XX) com o metapoema de Drummond (“lutar com palavras / é a luta mais vã...) no poema (es) talo, e nos apresenta Encontro, um poemeto perfeito.

GERALDO BORGES

O poeta Fernando Ferraz homenageia Cineas Santos in “Poesia como alimento”. Ele também nos brinda com duas pérolas poéticas: Ipês de Maria, e Teus Olhos. Depois dele, surge o também contista, cronista e historiador Geraldo Borges, outro escritor que se encontra em plena maturidade estética.

Os quatro poemas de Geraldo Borges também são termômetros da qualidade estética da coletânea: Viagem, Rio 1, 2 e 3 (sonetos). Nas quatro peças poéticas, Geraldo Borges transfigura lembranças de infância, e louva o nosso mítico, querido, maltratado (porém amado pelos poetas) rio Parnaíba.

Do também compositor (premiado) Glauco Luz nos ficou a lembrança de Carlos Drummond de Andrade in Dicotomia. Nele, o poeta Glauco oferta a imagem que se destaca – “socos do desalento”, além duma reflexão sobre a palavra (Palavra suja) e o melhor dele, em minha opinião, Poeira de Estrelas.

BISCOITO FINO

Contista e professora, Graça Vilhena nos brinda com quatro “biscoitos finos”, (diria Oswald de Andrade) da sua “oficina da palavra” (apud Cineas Santos): Poesia; Rua da Glória (ao Paulo Machado); O Garrafeiro (para Cineas Santos) e Carpete de Cordas. Graça Vilhena tematiza a Poesia e duas paisagens, geográfica e humana – no poema Garrafeiro.

Ficaram em mim as imagens: “Cerzindo os dias”, “pescar piabas no Poti”, “piabas prateadas nas garrafas”, “aquele instante que o tempo não deixa envelhecer” e “os dias são feitos de um longo esquecer”. Graça Vilhena é uma das melhores poetas brasileiras.

Admiro ainda sua parceria poética com William Melo Soares, no belo e clássico Passo a Pássaro (poesia, s. d), que tem capa de Paulo Moura, apresentação de Cineas Santos, de Rubervan Du Nascimento, e posfácio de Héctor Pellizzi.

Em tempo: aonde anda Héctor Pellizzi? Ele escreveu um miniensaio sobre o meu livro O Suicídio da Mãe Terra (contos, 1980), que eu vou publicar na segunda edição.

CAMINHO CRUZADO

Halan Silva vem na sequência, homenageia Charles Baudelaire, com a tradução do poema Remorso Póstumo. Mas, o poema sem título, em três partes, de Halan Silva, em Baião de Todos, é melhor que o traduzido do poeta francês. Que me perdoe o genial Baudelaire.

A poeta seguinte é Jasmine Malta. Arte-educadora, entre outras prendas, Jasmine faz Teresina de musa num poema, fala do calor e das “antigas lavadeiras”, que decoram a paisagem fluvial da Cidade Verde (ainda é?), que virou metrópole de concreto na passagem do século XX para o XXI.

Time is time é belo. Jasmine confessa noutro: “Eu gosto de homem que tem cheiro de homem.” / “O Homem que desconcerta os passos /quando cruza meu caminho”.

João Batista sequencia com quatro poemas: olhadela; vovó lavadeira, e enguias. O quarto, dias de brisa, tem um verso sublime: “a doçura de outros quintais”. E por falar em quintais, os quintais de Teresina do meu tempo desapareceram, as casas antigas foram demolidas e os quintais se transformaram em estacionamento. Concretados.

De João Batista sublinho ainda as imagens “o marulho dos teus olhos”, “coisa que o vento aluga e leva”, e “sem a pressa do repouso”. João Batista é um poeta atuante, produtor cultural e professor.


O alfabeto continua em movimento in Baião de Todos. Keula Araújo é a sequência. Organizou a coletânea com Cineas Santos. Keula também é professora e arquiteta. Dos seus poemas destaco o belo Do Amor, tem imagens como “sob o sol imorredouro/ da vontade”.

Para a poeta, o amor destrói os cárceres. Cantigas do Sem-Fim é um poema prenhe de ternura/ imagens – “jeito desarrumado /do jeito de respirar”, “um amor cru, mal passado/que não foi, nunca será”.

Teu Reino tem um verso para mim comovente: “Rompi com as horas / trespassadas de espera”. Keula Araújo é surpresa comovente entre os poetas piauienses que eu ainda não conheço pessoalmente.


O poeta seguinte é Kilito Trindade, vive hoje em Brasília. Ele também é produtor cultural e meu amigo. Kilito Trindade, uma doçura de ser humano.

In Baião de Todos Kilito Trindade publicou um poema sem título (ou dois?) que contextualiza “Eu bala perdida”, e o segundo “Apalavra chave desapareceu. A palavra (chave) AMOR”.

Também dele os poemas Anima, seguido doutro destitulado, que louva Guimarães Rosa: “É preciso sofrer depois de ter sofrido, / e amar, e mais amar, depois de ter amado”. Kilito é uma das realizações das promessas poéticas. Recita bem, à risca, no pulsar do planeTerra.

O poeta seguinte é Laerte Magalhães, também professor, tem quatro livros publicados. Dos seus poemas de Laerte destaco: Oração, e Das Dores, têm dicção bem humorada, de apelo ao imaginário auditivo. Os demais – Percussão, e Puta Poeta – tematizam a música, a dança. Eros é convocado.

SONETOS

Lara Matos dá continuidade, duma dicção poética de visão de mundo afiada, um olhar consciente na ponta da língua. Publicou os poemas Riscos, Mancha, e Ofélia.

Diz ela, poderosa: “Mas minha linha de vida curvada / como minhas costas / pela tenacidade dos sem-sorte/ recita uma canção há muito sabida”. E “Amo tanto que as palavras/ faltam/ Meu corpo cansado apenas / sussurra uma cantiga”... Evoé, Lara Matos.

O poeta-médico Leandro Fernandes é a sequência, com Soneto da Saudade, que se destaca entre o também soneto Chapada do Araripe, e o poema Cantiga.

BICICLETAR

Outra surpresa é Lívia Maria, 17 primaveras. Tem muito feijão-com-arroz pela frente. Entre outras observações que podem acontecer, destaco:

“Amar é ter uma bicicleta / mesmo morando no primeiro andar”, criticando “o amante visionário / embriagado pelo vinho da nudez e da loucura” Para Lívia Maria. “o poema é um vazio / no rosto indignado do poeta”. Vamos que vamos, Lívia.

Lucas Rolim é a continuidade, com os poemas o grande leão, louva-deus sobre a folha. o lobo, os caneleiros, a formiga e Terrários. Machado Júnior é o próximo, ele também é compositor, músico e publicitário. São dele os poemas Dom Quixote (para Flávio de Castro, in memoriam), Fé, Bela, e De Tudo um Tanto.

MARLEIDE LINS

Minha amiga Marleide Lins é a sequência alfabética. Também editora, vários livros publicados aqui e no exterior. Lirismo Antropofágico e Estações de Mim a meu ver sem gorgulho. Dor dos Deuses é seu terceiro trabalho nesta edição. A poeta Marleide está na 1ª edição de Baião de Todos, livro que a Avante Garde assina a programação visual.

Continuando a letra M, depois de Menezes y Morais - José Menezes de Morais - (não vou falar de mim mesmo), que publica o poema Domicilio Inviolável (pequeno elogio da rebeldia musical), entra em cena Nelson Nunes, com os poemas dignos deste nome – A miséria abunda, Na terra do sol, e Clarice. Nelson Nunes é advogado, tem vários livros de poesia publicados.

PAULOS

Quem aparece depois é o também professor, pesquisador, letrista, jornalista premiado Paulo José Cunha, meu amigo, com os poemas (dignos deste nome) Substâncias, Moto perpétuo (para Paulo Cunha, neto), Agora, e Chegue: “Apenas chegue/ e diga alguma coisa em meu ouvido/ como se nunca tivesse saído”.

Paulo Machado é o poeta seguinte: defensor público, historiador e contista. Assina in Baião de Todos os poemas Canção de Amor e Morte, O Rio (para o poeta Cineas Santos), e Cotidiano 2 (para Durvalino Filho). Nutro ternura e admiração por Paulo Machado, morei um tempo no mesmo bairro dele em Teresina, cidade que o poeta também transformou em musa, com belos poemas sobre algumas de suas.

Paulo Machado tem dois livros que considero pequenas obras-primas: Tá pronto seu Lobo, e A paz do pântano. Na sequência da letra P, o poeta meu amigo Paulo Moura, também chargista, compositor, designe gráfico, parceiro do meu compadre querido Cineas Santos no livro Aldeia Grande (1992).

Lembro-me dum bate-papo acervejado que eu e Paulo Moura travamos, numa mesa de bar em Teresina, ele criticando uma canção dos Beatles (Here comes the sun, de George Harrison), falando mal da letra – “arte pela arte” – e eu defendendo a declaração de amor à natureza: “Aqui chega o sol”.

Paulo Tabatinga encerra a letra P. É da nova geração de poetas piauienses que ainda não apertei a mão. Dia Claro, Meu poema, Província submersa e Crachá liberal são poemas poderosos. O olhar crítico do poeta sobre o cotidiano humano e geográfico também transborda ternura. Aleluia!


Rodrigo M Leite é outro nome da nova geração de poetas piauienses. Ele usa o formato fanzine e as redes sociais para divulgar Poesia. Dele e de outros poetas. Ainda não o conheço pessoalmente, só via e-mail, mas aprendi a admirá-lo, por esta e a qualidade estética do seu trabalho.

Rodrigo M Leite edita um blog, a musa esquecida, no qual resgata poemas que têm a Capital piauiense como tema. In Baião de Todos, tocou-me os poemas a casa rupestre (“a casa é centenária / mas está viva/ e / comunica perguntas / ao morador”) e café art bar, do qual cito estes versos: “da tarde que segue nervosa / homens surgem suados / carregados de preocupações / a tarde é consumida dentro de um café”).


Encerra a letra R, Rubervan Du Nascimento, poeta premiado, meu amigo, do qual também sinto saudade das nossas conversas, dos nossos agitos culturais (paralelos) com F. Eduardo Lopes, William Melo Soares, Miguel Soares (Jorbacilomar), os saudosos Josemar da Silva Neres, o poeta Zé Magão etc.

Rubervan Du Nascimento também rompeu as fronteiras nordestinas. Tem quatro livros publicados, entre os quais A Profissão dos Peixes (poesia, 1993). Ele migrou do Maranhão para Teresina, e, da musa tórrida advir (com licença de Mário Faustino) retirou para São Paulo. Rubervan nos presenteia com 4 Poemas Dispersos, dos quais me perseguem as imagens “ferida dos dias”, “na boca em êxtase”, e “da janela dos dentes”, para falar de cenas bucólicas, urbanas, briga de casais etc.


O meu amigo-irmão, compadre-poeta e letrista José Salgado Maranhão, equilibrista da vida, vem em seguida. É outro nome nacional (e de dimensão internacional) que enriquece esteticamente Baião de Dois. Nele, o poeta-protagonista com sua envolvente dicção, plena da sua peculiar atmosfera misteriosa, me perseguem imagens:

“Oráculo de atabaque e pergaminho”, “arrimo de vozes no lugar das unhas”, “feito um caju que apodrece/mas a castanha resiste’ (genial). Salgado também é coleciona prêmios literários – Jabuti, Academia Brasileira de Letras. Salve, salve poeta. Que lhe venham outras láureas.

Baião de Todos me apresentou Thiago E, também é músico e professor. Tem livro publicado e CD gravado. Dele, se cristalizaram em mim as imagens poéticas “a língua é um molusco, já não sabe se é carne ou um soluço – sem concha, se reinventa no escuro”, e “o mar sempre guarda um jardim dentro do bolso”.

PAREDES DO VERSO

Na letra V, Vagner Ribeiro nos remete a Virgílio, pela voz de Fernando Pessoa (“viver não é preciso” e também homenageia Guimarães Rosa, citando o clássico Grande Sertão: Veredas. A sequência é a artista plástica, professora, contista e poeta Vanessa Trajano. Ela surpreendeu-me com o poema Impronunciável. Perfeito, sem gorgulho.

De Vanessa Trajano também me sensibilizaram as imagens “tem horas que até o impulso é tarde”, “nas paredes do verso”, “amei cinco homens sem retorno”, “o poema permanece in vitro” e “na angústia dessa busca”.


O último autor deste Baião de Todos é o meu amigo-irmão William Melo Soares, um dos melhores poetas brasileiros da nossa geração. Wiliam nos presenteia com as pérolas pedra de fogo, Insônia, e Indomáveis. Também letrista, William tem vários livros publicados. Confessa que o seu tempo “é pedra de fogo”, que a mariposa “me dá lição de silêncio”, “no vasto campo da fala”.

Além da sua poesia em si, o flagrante delito autoral que ilumina de ternura e civilidade, William, a meu ver, é uma personificação do ser Poeta. Pela sua sabedoria quase ingênua, pela sua simplicidade, pela sua humildade, pela intuição e leveza. Explico melhor.

Cito dois exemplos históricos, envolvendo quatro poetas: para Carlos Drummond de Andrade, a materialização do poeta era Vinicius de Moraes. Para Mário Quintana, a personificação do poeta era Cecília Meireles. É claro que existem muitos poetas (de geração e geração) que se enquadram neste perfil.

William Melo Soares é um deles. Graças a Deus.

(...)



Menezes y Morais [Poeta, escritor, professor, jornalista e historiador piauiense. 12 livros publicados (mais 12 na gaveta), entre os quais o romance A Íris do Olho da Noite (Thesaurus), Por Favor, Dirija-se a Outro Guichê (teatro em um ato), na Micropiscina da Lágrima Feliz (poesia), A Luta é de Todos – História do controle dos gastos públicos no Brasil (Unacon), com Teresinha Pantoja] Via blogue do poeta Emerson Araújo



25.3.21

Mãos Dadas, Chico Castro


O amigo do amigo do meu pai
É amigo do amigo do meu amigo
Pai do amigo do meu amigo
Amigo do meu pai meu amigo
É amigo do meu pai meu amigo 
Meu amigo meu pai meu amigo

O amigo do amigo do meu pai
Meu amigo meu pai meu amigo
É amigo do meu pai meu amigo
Amigo do meu pai meu amigo
Pai do amigo do meu amigo
É amigo do amigo do meu amigo
O amigo do amigo do meu pai.


enviado pelo autor

4.5.22

Pra Acender seu Coração, por Chico Castro



Não sou quem vc pensa, meu rapaz!
Vc não nem me vê
Kd vc?
Tenho um pix, sou mix...
Já fui pó de giz...
Agora
Faço as unhas, corto cabelo
Faço massagem, selagem, tiro os pelos
Boto a bunda pra rebolar...
E vc nem olha!
Se até um cego me vê passar!
Sou mulher...
Gosto de gracejo
De Catherine Deneuve...
Compro roupa nova
Da moda,
Um biquíni cavadão...
Faço festa de São João
Quando vejo vc chegar...
Por que não posso me rebolar?
Pra chamar sua atenção?
Qualé, meu irmão, tem disso, não..
Joga essa prosa fora...
Não sou submissa,
Sou artista...
Pra acender seu coração,
Faço festa de São João
Um biquíni cavadão
Quando vejo vc passar
Pra chamar sua atenção...



Chico Casto, 05.02.2022
Enviado pelo autor


31.3.21

"o sem nome", Chico Castro


o sem nome
não tem olhos, mas vê
não tem pés, mas caminha
não é mago, mas adivinha
não tem boca, mas come.
o sem nome
será um sujeito, um predicado
uma oração sem aposto
qual será a cor do seu rosto?
será um ovni, um asteróide,
o super-homem?
será um substantivo, um verbo
um pronome?
por certo não é
um artigo qualquer.

o sem nome
não sabe o que quer
uma flor que se consome
no olhar de uma mulher.
O sem nome é um risco
um salto no abismo
Será Judas, Jesus ou Prometeu?
Uma maçã no meio do paraíso
A Eva que Adão comeu.

o sem nome
é ouro, mas não reluz
uma miragem no deserto
um sol de costas para a cruz.

O sem nome
É o rei do vai-e-vem
Sem nada ter, tudo tem.

algo que ninguém imaginaria
uma casa, um mar, uma floresta
um lugar onde nem o vento passaria.

o sem nome
entra sem bater
é um querer sem querer
sem pedir por favor
o nome do sem nome
é o amor.


enviado pelo autor