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28.1.16

UM ESTRANHO EM TERESINA, Cunha e Silva Filho




Estive há pouco em Teresina e desta feita me achei um peixe realmente fora d’água, um estranho no ninho. Não que o desejasse, mas a culpa, leitor, é unicamente minha. Quem manda não a ter frequentado mais amiúde.

Da janela do hotel, lá fora, dava uma espiada para o que poderia ver que valesse a minha atenção ou curiosidade. Pois não é que procurei e achei. Era a visão de uma mulher, em plena tarde de um sol escaldante, caminhando, caminhando, caminhando, debaixo de uma sombrinha. Claro que não foi só aquela mulher que portava uma sombrinha para abrigar-se do sol abrasante. Não me lembro de outras vezes que andei por Teresina de reparar nesse costume local, aliás, bem justo e necessário, de usar uma sombrinha contra o rigor solar. Esse hábito me parece ser apenas feminino, já que não vira nenhum homem utilizando um guarda-sol.

Aqui no Rio de Janeiro, usar uma sombrinha ou guarda-chuva, em pleno calorão, não é comum como na “Cidade Verde”. Lá é hábito; aqui, é exceção, chega mesmo a ser constrangimento para quem dele faz uso com receio de se ver vítima de um gaiato qualquer perguntar-nos se está por acaso chovendo. O carioca sofre, mas não abre o guarda-sol. “Os cariocas somos pouco dados” aos guarda-chuvas, ou chapéu de sol ou muito menos a uma sombrinha, para nos intrometermos, sem sermos chamados, no labiríntico intertexto machadiano.

Das últimas vezes que fui a Teresina não me passava pela cabeça um persistente temor de violência. Não me queira por isso na conta dos paranoicos, dessas criaturas que, nas grandes cidades, passam a ter medo de tudo diante da disparada da violência dos últimos anos.

Confesso-lhe, leitor, porém, que, em Teresina, só andei mais em carro particular que, no meu caso, era do meu amigo, o ensaísta M. Paulo Nunes, de sorte que não me expus à sanha de algum pivete ou assaltante.

Num final de manhã, notei que, no hotel, não dispunha de papel para escrever, nem de caneta; a que trouxera comigo na viagem se perdeu não sei onde. Lá fui às ruas de Teresina. Algumas delas eu conhecia de priscas eras. Com o tempo, a gente perde um certo traquejo de andar por ruas de nossa cidade. Entretanto, o “eu” do presente era outro, e as ruas, à altura em que as podia identificar, não ficavam em trechos por mim palmilhados com assiduidade no passado.

Mesmo assim, criei coragem e, vendo o nome de uma rua e de outra, alguma, conhecida, outra, não, fui dar na bela Av. Frei Serafim, que divide dois lados de parte da cidade. Indaguei aqui, ali e, por fim, consegui encontrar uma papelaria. Comprei um caderninho escolar de poucas folhas e uma caneta azul. Lembrei-me, então, que teria que comprar um exemplar da edição daquele dia do jornal Meio-Norte. No hotel, depois do café, já havia passado uma vista no exemplar que me interessava, aquele no qual havia uma reportagem sobre mim a propósito de conferência que iria fazer na Academia Piauiense de Letras. A reportagem tinha sido feita no dia anterior por ocasião do lançamento, no Museu Odilon Nunes, de mais um número da excelente revista Presença, com apresentação de M. Paulo Nunes. Procurei o exemplar em mais de uma banca até que o encontrei. A reportagem exibindo foto minha, saíra bem escrita, mas continha um erro. A jornalista que me entrevistara omitira do meu nome literário, a palavra “Filho”. Sem querer, virei o nome de papai. Ainda bem que estava em boas mãos paternas e na mídia jornalística que ele tanto amava.

Voltando a Teresina, tópico principal desta crônica, pude observar outras coisas. Me convenci por completo  de que sou um estranho na cidade. Perdi mesmo o bonde da história de Teresina.

A minha Teresina não é a de hoje. Ela ainda existe e se estende por todo o velho centro da urbe. Lá vejo, intactos, alguns pontos de referências; o Theatro 4 de Setembro, o Rex, a Praça Rio Branco (o relógio!), o prédio do Arquivo Público (ó tempos da infância!) da rua Coelho Rodrigues e que, hoje, comporta também o Conselho Estadual de Cultura, a Praça Pedro II, o Karnak, a Praça João Luis Ferreira, o antigo Prédio dos Comerciários (que, um dia, fora o mais alto edifício da cidade), a Praça do Liceu (ah, sim, Landri Sales!), o Liceu Piauiense, as igrejas de São Benedito, a minha preferida, a do Amparo, a das Dores, a Praça da Bandeira, muito modificada e maltratada, e principalmente as queridas e amorosas ruas da velha Teresina, nas quais tudo nelas me leva inexoravelmente ao passado. Ah, ia-me esquecendo, o velho rio Parnaíba, o Poti (agora com sua enchente e suas vítimas). Enfim, esse passado soterrado no tempo, me está, contudo, vivo e ora me leva à alegria, ora à melancolia. 

O que não se circunscreve a essas ruas, a esses prédios, a essas arquiteturas variadas alcançadas pela minha geração não parece fazer parte da minha memória. A Teresina nova, trepidante, dos arranha-céus não me atrai. Essa Teresina verticalizada se iguala às outras metrópoles, vira mesmice. Nada tem a ver comigo em Teresina.

Relendo os belíssimos poemas de Paulo MachadoPost card/57” e “Post card/77” extraídos do livro Tá pronto, seu lobo? e “Nas ruas da minha cidade há lições? (É preciso aprendê-las)", retirado do livro A paz no pântano (1982), que se encontram na antologia A poesia piauiense no Século XX, de Assis Brasil, vejo que a poesia de Paulo Machado, de alguma forma, me conforta e não me deixa esquecer essa Teresina. Os dois primeiros poemas citados se valorizam pela riqueza semântica resultante de sua arquitetura contrapontística em termos de realidades espaciais semelhantes aliadas a realidades temporais diversas. O terceiro poema, ainda inserido na categoria do tempo fluído, reforça o tom rememorativo de viés rebelde na transposição da realidade histórico-social. Poemas de grande impacto estético que, em mim, despertam, de certa forma, por coincidência ou não do fenômeno poético, quase a mesma sensação provocada por aquela maneira de descrição pulsante, vibrátil, vigorosa, do realismo inusitado de Cesário Verde (1855-1886), como seriam exemplos os versos abaixo do poema “Post card/57":


                                    No mercado central pretas carnudas
                                    Vendiam frito de tripa de porco
                                    Fígado picado e caninha.


Os novos bairros, avenidas, artérias, em suma, o espalhamento topográfico horizontal da cidade me espanta e ao mesmo tempo me dá a sensação de que estou em outro lugar, que nada tem mais a ver comigo, e com o meu espólio (triste espólio devorado pelo tempo!) de relembranças. Estas, por definitivo, vou encontrar num cruzamento qualquer da minha própria Teresina da memória.



Cunha e Silva Filho
via Portal Entretextos

5.4.14

CORAÇÕES DA TERRA, por Menezes y Morais




...

compadre salgado maranhão
destrói do teu cérebro essa ideia suicidade

q os trabalhadores te querem em luta
i a poesia te quer vivo
nesses tempos de anistia ampla
y corações restritos

...

nossos amigosão pessoas bonitas
na dimensão da fala dialética grito
o cineas vem de uma gleba seca com a
água de sua ternura
o william se fez poeta engajado pra
alegria da poesia
o eduardo não acredita no amanhã pra
desespero de mais um dia
todos lindos
todos livres na prisão do dia
nesses tempos de anistia ampla
y corações mesquinhos

o arnaldo albuqueque
o fernando s. costa
o albert piauí desenham os sóis dessas noites frias

armadas de fuzis e bombas de hidrogênio

(aquelas q matam os homens e
conservam intactas as propriedades do rei)
e o luiz bello afirma que precisamos
criar o ministério da paz
e o povo bebe tanta pinga e fuma
tanto medo só pra ter coragem
nesses tempos de anistia restrita
e corações gerais

a marleide
cabelos dourados baloiçando

ventos do céu

dessadjetivada democra-
                                cia mina dos olhos
                                  imperialistas

a beth rego
o rubervam du nascimento a profissão dos peixes
no tempo
o sussurro o grito o homem da rua
timon a voz do trovão
a ana miranda a rosinha lobo as cores
dos sonhos
o pólen do sol
o zémagão

viajamos na constelação de vênus e foi tão bonito
e até hoje nos amamos e acreditamos
na decadência final
de tudo a-kilo
e eu sou um sol e vou parir um crepúsculo

nesses tempos de anistiampla
y corações aflitos

o chico casto de camisaberta
na filosofia do tiro
a leila a homeopatia
memórias da ilha do fundão
postais do paraíso
a ednólia fontinele o bernardo silva
o arimatan a elnora o teotônio do sax
o zeferino alves neto a rosa o sales
herculano moraes o pds
o chico miguel de moura o universo das águas
o emerson araújo
a janete dias baseada na era
o candeia o varanda o fruta madura
as asas do rubens costa
a vida operária
a canção permanente
raimundo alves lima
o clebe montezuma o kenard kruel a
pedra do sal
o fred maia da gota serena brilhando tranquilo

o antônio nobre (da dilertec) resiste na sua
dignidade branca
e o contista pedro celestino
conhece a história dos incêndios das
casas de palha
terror burguês em teresina
o wilton santos da cerca de arame do diadema e
do caco de vidro
a comadre nazaré leite desaflitadeolhosaberto
acampomaior
o otacilomendes
amaria da Inglaterra
o sal o suor
o repente o oriente
a verdura da terra
e na
        praça pedro II
os jornais a televisão e as revistas
informam q o mundo vai mal
o erlich cordão o jamerson lemos a poética
da necessidade
o paulo moura o wellington careca o
joão evangelista
o preço da liberdade
a eline menezes
o geilbert chaudanne
pássaros
terra do sol
     conquistada
o ubirajara dias (biroca) o genésio
araújo (tlinta e tlês)
o júlio pança o leo

o diário do piauí foi um jornal apaixonado
o beto pirilampo a rosilândia a sulika
a cultura orgânica
oroque moreira e seu gosto na berlinda
o fabio ator
o fim do mundo início de tudo é cedo ainda
e a dora parente luta pela felicidade
geral trabalhada
a coragem pra suportar os ataques
epilépticos do sono
o élmar carvalho poeta da vila e da liberdade

o j. barros o feitosa costa o heyden cunha
o raimundunho da medicina
sonhacom as transformações da espécie
e vive pela materialização do sonho
e a gildes silveira fala da cidade
grávida de sol e de fome
e o poeta hardi filho acredita
                                              o amor
é o pão que faz o homem
e o joão batista e a sandra almeida o tarciso
                                                                  prado
                                 
                               o sol no zênite
a dor de ser feliz q nos consome
o domingos bezerra
a rosa rubra sorrisonhos
fiapos de canções regados a cerveja
praça da liberdade
enquanto o império fatal marcha lento
pro necrotério do hospital
getúlio vargas
nesses tempos de anistia restrita
y corações de neocid
...
o gérmen da vida a força latente a
corrente do meu coração
o fábio torres a laranja partida ao meio
o laurence o eneas o providência o
pierri baiano o pão de centeio
parcelle eugênio o victor martins o
paulo pelicano
o assis linhares e o feitosa lit a mareília
o coqueiro o caetano
o santana e silva o teatro de rua
antes do golpe de 64
o geraldo borges e a história em
quadrinhos
lida no bar do gelati
quando a avenidatinhamais serafins
o zé afonso a opressão a guerra dos cupins
o ocimar barbosa o josemar nerys
          filhos do povir
o celso teodósio patrício
o zé o zé de luna a marieta a zuita o nael
          as meninas mocinhas-em-flor
a socorro magalhães a nonata o jacinto
a socorro araújo
o ar o gesto o laço o fato concreto
sonhos d'esperança
a certeza de que só existe q não foi criado
..........
pássaros-paisagens e botboletas
brincam no azul de altos
o bairro piçarra o ginásio álvaro fereira
              o cabaré da maroca
o maestro luiz santos a neguinha o
marquinho a mary o zaquee
o primeiro e o segundo amor a política estudantil

a sinuca a ternura da "tia" maria
solar estrelado
onde a gente se reunia messes tempos
de anistia
y corações do amanhecer
o chico alberto
o o.g. rêgo de carvalho a estrela azul
no céu da tarde

o wellington mendes a joana o iago
o exemplo luminoso: a solidariedade

o padre pedro maione
o padre sandro
o padre costinha
o pão o ecangelho a encarnação do verbo

o preço da vida
sabor dovinho
um camponês deseja a terra e a chuva
explode em flôr
o merlong nogueira o fonseca a travessia
o wellington o dce livre o me autônomo

a fufpi sitiada
o antônio josé da livraria punaré
a guerra do jenipapo a chapada do corisco
as sete cidades
teresa cristina
o deusdeth nunes a "mãe" ana o
mingau dos astronautas
os pastéis da maria divina
e a cervejinha bem gelada da maria tijubina

sol a pique
luadentro
viver teresina

...



Menezes y Morais
Teresina 150 anos (fascículos do Jornal O DIA)
Teresina: 2002


28.1.16

MANHÃ DE SOL NAS CLASSES, Guardia Nova







todo domingo renovo o sal
sol e desgraça na capital

vou de novo só pra ver
pelo salão de festa
olha o corpo que dança
pela força que resta

uma tá preta sem parasol
outra vermelha no futsal

bate 36 poses
na beirada azulada
no rasinho piscina
no fundo engole água

embaixo do sol
pode acontecer
isso e muito mais amor

péra deixa chegar fevereiro
penso direto na hora de tá lá
vou cantando vou chegar primeiro
deixa despelar a cara

pela manhã produtora
hora duradoura dourando sem mar
numa cena obscena
outra dança pra moda
não enxergo a saída
quem atou minha vida aqui

debaixo do sol
pode acontecer
isso e muito mais amor



(...)



Primeiro LP da Guardia, gravado em 2013 com produção de Jan Pablo e Cavalcante Veras, com exceção a "Melvin Jones" produzida por Dmitri Petit e Jan Pablo. Todos os instrumentos presentes no disco foram tocados e programados por Cavalcante Veras, Dmitri Petit e Jan Pablo. Participação especial de Bruno Marques na bateria de "Setenta e Seis" e Makeh (Violante) na voz de "Vestida de Branco".



Guardia Nova (2013)
Jan Pablo/Cavalcante Veras
Canis Vulgaris Records

10.4.20

Canção do Exilado, Gregório de Moraes


De tarde o sol se pondo além das matas
Meu povo à porta conversando, rindo
O sol brincando se escondendo, lindo
O murmurar feliz das cataratas!
Meu pensamento chora estas lembranças
No exílio amargo são meu amuleto
Ó venturosos dias de bonanças
Benditas horas que guardar prometo.

A minha mãe trazendo a lamparina
Iluminando os rostos dos seus filhos
Os benfazejos derradeiros brilhos
Raios de sol banhando Teresina!
Meu pensamento chora estas lembranças
No exílio amargo são meu amuleto
Ó venturosos dias de bonanças
Benditas horas que guardar prometo.

Dos palmeirais, endeixas carinhosas
Frases de amor, aqui pelas estradas
Um boi mugindo além para as quebradas
Do Parnaíba as águas suspirosas
Meu pensamento chora estas lembranças
No exílio amargo são meu amuleto
Ó venturosos dias de bonanças
Benditas horas que guardar prometo.

Velhas casinhas à sombra da ventura
Há nisto tudo: amor, felicidade
Uma orvalhada vida de saudade
Quem em vão no exílio minha fé procura!
Meu pensamento chora estas lembranças
No exílio amargo são meu amuleto
Ó venturosos dias de bonanças
Benditas horas que guardar prometo.

Meu céu é triste, triste, meu calvário
Viver distante das glebas que quero
Quero voltar à terra que venero
Dai-me de casa o velho itinerário!
Meu pensamento chora estas lembranças
No exílio amargo são meu amuleto
Ó venturosos dias de bonanças
Benditas horas que guardar prometo!


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970

31.12.12

TERESINA QUE ME FASCINA, Hélio Soares Pereira


Quem cortou tuas tranças
   te deixou mais linda
Cabelos soltos
   ao vento
       olhar penetrante

Teus pontos de encontro
   são tantos!
De quando em quando
   vestem novas roupas
       feitas de sol e de lua

Toda nua
   vejo-te às vezes
       e te penetro
           no eco faminto
                            de mim
lendo Torquato Neto
   quebrando a monotonia
                                  dos passos
                         além da vidraça
                             embaçada
                                 no tempo

Relax total
   entre amigos
       no shopping
ou com a garota
   que surfou minhas ondas
       sonoras
           e calientes


Gelar a garganta
   num ponto antigo
      em blablablás
          confortantes
Saborear sorvetes
   na avenida
       bacuri cajá
           ou murici

São prazeres
   que tenho de ti
       São caminhares curtidos
           fins de semana
               potycabana
Ao sol de largo olhar
   bebo meus dias


Naturais lembranças
   ainda me resguardam
       do estresse
           bombardeando nas veias
               o colesterol
                   das horas vazias

Teu sol de agora
    brilha
        novos horizontes
e deixa
   guardados na sombra
       teus passos cansados


Hélio Soares Pereira
em Antologia escritores III
Teresina: UBE / PI, 2003

3.11.11

EVOCAÇÕES III, Lucídio Freitas


III

A saudade me aterra...
E que vontade eu sinto de chorar,
Distante do meu lar,
Vendo outro céu, vendo outro sol, vendo outra gente,
Tão diferente
Da gente boa lá da minha Terra!

A minha Terra... À noite, nas estradas,
Boêmios trovadores,
Desfolhando canções aos pés das namoradas,
Falam dos seus amores,
Enquanto o rir no Azul, nos seus cochins de prata,
As estrelas, em bando,
Ora cantam também e adormecem cantando
Ao som embalador da serenata.

Noite... O Vento, num suave murmúrio,
Passa serenamente,
Uma canoa desce lentamente,
Ao sabor da corrente,
Branda, leve, sutil, sobre as asas do rio.

Alguém passa, de rede a tiracol,
E vai, a noite inteira, trabalhar
Sem queixas e sem mágoas,
Para, ao vir da manhã, ao desabrochar do sol,
Quando as aves despertam pelos ninhos,
À casa regressar,
Trazendo o pão para a mulher e os dois filhinhos
- Áureo pão que arrancou do seio bom das águas...

E lá se vai, depois, de foice e enxada no ombro,
Murmurando do amor as alegres cantigas,
Embriagado da luz que pelos campos erra,
Resoluto e fiel, em doudo desassombro,
Colher do milho verde as douradas espigas,
Longe dos homens maus, da inveja vil, da guerra
Espalhando, feliz, outras novas sementes,
Encorajando os companheiros descontentes...
E à noite ei-lo de novo à procura da choça,
Vibrando de prazer,
De regresso da roça,
Trazendo o pão para os filhinhos e a mulher,
Áureo pão que arrancou do seio bom da Terra...

A vida da cidade embriaga e atordoa...
No campo a vida é assim humanamente boa,
Humanamente simples e perfeita:
É a caça, é a pesca, é o plantio e a colheita,
É a foice e o facão, a espingarda e a canoa.

E que gente modesta é a gente do sertão!
É toda coração,
é bondade infinita, é suprema bondade,
Riso, delicadeza, ingenuidade,
Fé, alegria, amor, perdão,
Afeto e caridade.

Vendo alguém padecer, o sertanejo,
Humildemente pobre,
Todas as mágoas do infeliz encobre
Com a carícia de um beijo.

E agora, estas paisagens relembrando,
Sinto, de quando em quando,
Uma vontade enorme de chorar,
E este desejo mais em mim se aferra,
Vendo outro céu, vendo outro sol, vendo outra gente,
Tão diferente,
Da gente boa lá da minha Terra!...


Lucídio Freitas
em POESIA COMPLETA
Teresina: Convênio APL/UFPI (1995)

3.2.15

HINO DE TERESINA


Risonha entre dois rios que te abraçam,
Rebrilhas sob o sol do Equador;
És terra promissora, onde se lançam
Sementes de um porvir pleno de amor.

Do verde exuberante que te veste,
Ao sol que doura a pele à tua gente,
refulges, cristalina, em chão agreste;
Lírio orvalhado, resplandente.

"Verde que te quero verde!"
Verde que te quero glória,
Ver-te que te quero altiva,
Como um grito de vitória!

O nome de rainha, altivo e nobre,
Realça a faceirice nordestina
Na graça jovial que te recobre,
Teresa, eternizada TERESINA!

Cidade generosa- a tez morena,
Um povo honrado, alegre, acolhedor;
A vida no teu seio é mais amena,
Na doce calidez do teu amor

"Verde que te quero verde!"
Verde que te quero glória,
Ver-te que te quero altiva,
Como um grito de vitória!

Teresina, eterno raio de sol
Manhãs de claro azul no céu de anil;
És fruto do labor da gente simples,
Humilde, entre os humildes do Brasil!

"Verde que te quero verde!"
Verde que te quero glória,
Ver-te que te quero altiva,
Como um grito de vitória!


Cineas Santos
Letra do Hino de Teresina/PI 
Conforme Lei n° 2.408 de 14.07.95, 
Que “Institui o concurso para escolha do Hino Municipal de Teresina”


22.1.16

FAZIA SOL... NO RIO NÓS DOIS...




Naquele dia lá no rio nós dois
quais dois delfins espadanando nágua,
brincávamos com puerícia louca,
sorríamos sem meditar em mágoas.
Eu via as curvas brancas dos teus seios
de líquidas pérolas matizadas...
Ai! vibraram em mim tamanhos desejos,
meu corpo ardia - volúpias alarmadas!
O sol tão brando "curiava" ao longe
perlongando as curvas do maiô escasso
com a sutileza dos intrusos raios...
Nós dois sorríamos um sorriso lasso
esquivantemente a devolver carinhos...
e o sol ao longe olhando com olhar devasso!



Humberto Guimarães
em JUVENÍLIAS

19.4.24

"DE VOLTA PARA CASA, episódio I - poema flagrante", por Élio Ferreira



1


estou de volta
estou de volta para casa
como se tivesse a volta para os becos e quintais

estou de volta
de volta para casa
e deus é um menino preto de carapinha
q colhe ervas cidreiras
e brinca com os meninos numa luta corpo-a-corpo
e se enlameiam correndo atrás do besouro “cavalo-do-cão”

estou de volta:
as paredes da casa impregnadas de nosso cheiro
e a gente a se amar a partir de palavrões:
amor na lua cheia - canções
e o poema sem utilidade nenhuma para girassóis:
a tarde inicia as taiobas (coisas de monturo)
a tarde meninos a cobiçarem o arco-íris
a tarde um menino: mamãe arranca aquele
arco-íris pra mim!

estou de volta
um grilo griligrirrigrilama anoitece os homens
vive para o ferro sua dimensão de grilo:
um grilo na noite 100% grilo
um grilo na noite não sei quantos % esmeril
enche a noite o canto grilo:
engridente encravado na medula



2


o canto
(pedra ou metal)
flagra repiques a martelos
a outras falas
e a mim mesmo

o canto
o galo madrugada endoidou
comeu a flor da bigorna
comeu a estrela d’alva
comeu o chiqueiro: o bodejar amanhecendo
os quintais mistura a gritaria a casa toda:
a menina quase morta
quando acaba a essa hora da noite:
“e Zé P... não tinha nem vergonha
de se banhar no olho-d’água do Escurador”
- água boa pra se beber e outras serventias
agora toda empestada
- e a gente correndo da lepra:
escorrega a dor o coradouro
a Mesa-de-pedra
a roupa quarando no lajeiro
e a dor da fome não tinha cura:
vivia sol-a-pino



3


(a fala de dona Neném da Vereda Grande)

do amanhecer ao por do sol
a molecada gritando: Neném doida – “todo o transporte endoidou
derrubou – oh! não me mate na minha casa
- não me mate na minha casa”!
frechou numas cajás das cajás q frechou o galo
não sei q horas da madrugada – “e eu não tinha
nem água pra beber 1983 – me escondi:

o cercado todo ganhou!
todo ganhou”!
foi no comecinho de agosto e eu disse minha alma
do pai Joaquim – valei-me!
e o fogo ia tomando conta: lá estava
pior do q aquele lugar – rezo
todo o santo dia – q se chama o inferno
- minha cabeça onde bebi
água no asilo de suspensão às 3h da madrugada – oh
lugar pequeno pra caber gente: são cinco psiquiatras
é uma cabarezada na jardineira
o resto do inferno – a seca toda descansou
em abril
– e tem mais de não sei quantos mil homens
e a fome chega é assim ãããããããg nhang tem-tem-tem – ôi!
quem foi dona Neném?
a fome acompanha este defunto-sem-choro – não tenho
caderneta de nenhum coronel
menino – o jeito desses homens: “tira a
roupa – porra! tira a roupa – escrota! eu estou
te matando! eu estou te comendo”! – e eu não sabia
pra onde dava e eu não sabia de q jeito estava
e a malhada estava cruzada pelo diabo – entrou
sexta-feira – não posso gastar palavras:
minha sina - dizem
é morrer de uma febrezinha



4


Seu Né Preto – espere por mim
com banhos de alecrim
com histórias de Trancoso
com cantigas de passarinho
com 7 gerações bumba meu boi no terreiro:
não era gente debaixo não
– era boi mesmo:
cheio de artimanhas.
seu Né Preto:
me ensine a fazer uma gaiola
um papagaio de papel e o caminho daquela serra
onde se caçava alecrim

seu Né Preto – pouco se espera dos quintais:
senão a morte das fibras
a antropofagia das lombrigas
e o cocoricoooo do galo de Calcutá abanando a tarde
anoitece o nosso caralho
espantalhos na rua do Ouro
o ouro arrancado na mesa-de-pedra:
o “Escurador” não cura
nem lava a dor a roupa lavada
resvala a vida no lajeiro



5


por si mesmo o galo
e a sina de ser galo
(faz a vez do cavalo e do vaqueiro)
insulta outro galo
fere o espaço a goela
como o ferreiro fere o aço
a fogo
a talhadeira
a marreta
a martelo
mira o girassol o galo desafia o
girassol gira para o sol o galo
cisca a tarde o galo
defensor do quintal o galo
(entre fedegosos e ervas-cidreiras)
apunhala o inimigo outro galo
na marginalidade do monturo.

não o chamaria espadachim
não o chamaria cavaleiro medieval
não o chamaria gladiador
(à espera do toque de clarim)
chamo-o cangaceiro armado a punhal
afia a lâmina no lajeiro
o galo
empina a musculatura
o galo
canto de entardecer
o galo
desafio para outros quintais

estou de volta
como se tivesse a volta para os becos e quintais
e deus é um menino preto de carapinha.



Elio Ferreira
Em Floriano, Piauí, 1985
Inédito em livro
Publicado originalmente em: 
REVISTA SPHERA - Habitações do Encantado

18.3.20

BAIÃO DE TODOS: poetas repensam a vida, num diálogo civilizatório, por Menezes y Morais




O poeta William Carlos William (1883-1964) assegura: “Os poetas enxergam com os olhos dos anjos”. Poeta, criador de Arte, é construtor, lapidador de civilização, nos assegura o conceito antropológico de cultura. Os 48 poetas reunidos em Baião de Todos (poesia, 2016) mostram isto em seus discursos poéticos.

A dicção poética questiona e repensa a Vida. Os poetas dialogam entre si, questionam a civilização, repensam a Poesia, a sociedade, o País, o mundo. O diálogo entre poetas, a reflexão sobre a sociedade moderna, o engajamento político, são temáticas perenes entre os Poetas dignos deste nome.

A Poesia não é feita apenas palavras – para lembrar os poetas Stefane Mallarmé e Paul Valéry, no final do século XIX e início do século XX – mas, sim, de palavras com significados e significantes – para lembrar São Tomás de Aquino, in Confissões (sua biografia, escrita por volta do ano 400 da nossa era).

TEMA TABU?

A segunda metade do século XX provou que se faz Poesia sem palavras. Neste surpreendente século XXI a Poesia parece regressar exclusivamente à carpintaria da palavra, depois que todas as vanguardas ficaram datadas, como, por exemplo, entre nós, a Poesia Concreta, Neoconcreta, Poesia Práxis.

No retorno à palavra, a Poesia também é feita de ideias (sem cair no panfletismo), de propostas lúdicas, de críticas civilizatórias, gritando alto ou sussurrando (em suas imagens e metáforas) em nome da Vida: todos os temas cabem no poema. Da dor ao prazer, da civilização à barbárie. Enfim: o Poeta fala de Poesia, da sua e da nossa humanidade.

UM POUCO DE CADA UM

Baião de Todos (2016) começa com Adriano Lobão Aragão, que remete o leitor às Sagradas Escrituras: “Estando Ruth posta em tormento em meio ao trigo alheio”, num poema de suave beleza estética. Aragão também é blogueiro.

Na sequência, Alcenor Candeira Filho, que o tempo consagrou mestre do fazer poético, em minha opinião. Sua temática vai do metapoema (Teoria do Poema), à morte, à vida, se revelando em plena maturidade estética. Depois, a jornalista Ananda Sampaio, de que nos ficou as imagens:

“Horas que acumulam dias”, “Roendo um dia/ que não quer acabar”, e “O homem clama por um sinal divino”. Ananda também nos remete à Bíblia – “aquele preso dentro da baleia”, (o profeta rebelde Jonas). A poeta fecha com Náufrago, um poema perfeito.

RUA DO POETA

Na sequência, Caio Negreiros. Ele tem, entre outros, um livro com um bom título (A Decadência das Horas). Caio também é fotógrafo. O poema dele não tem título, mas uma imagem bonita – “uma gota de sol” – e ao final acena à solidão urbana e universal, remetendo o leitor ao poeta Carlos Drummond de Andrade – “não é rima ou solução”. Da poeta Carmen Gonzáles, nos sensibilizou o poema Estrela Guia.

Carvalho Neto, outro poeta esteticamente amadurecido – também é odontólogo e letrista – salpica o tema “rua”, ofertando imagens como “amor inquilino”, “minha rua é do tamanho da saudade”, “minha rua, universo de dor contida”, para desaguar no poema Estação: “na velha estação, aguardo / o bilhete desbotado/ da viagem que não fiz”. Meu amigo Carvalho Neto é um poeta que publica com regularidade.

ALÉM-FRONTEIRA

O poeta seguinte é Chico Castro, também professor, ensaísta e historiador. Chico Castro tem dois belos poemas que se somam ao enriquecimento estético de Baião de Todos: Dallas para que te quero, e Trapo Chique. Além de Chico Castro, um nome conhecido nacionalmente, a letra C tem mais nomes da literatura piauiense que ultrapassaram as fronteiras (literárias) nordestinas. Por exemplo, Cineas Santos.

São de Cineas os poemas Desobediência Civil, Consulta, Convalescença e a obra-prima Poema Inevitável. São poemas dignos deste nome. Deixaram em mim as imagens: “Meu pai me queria lavrador / adubo na semente do seu chão (...) eu queria ser o vento/ pra bolinar o teu corpo”. “A linha principal não leva a nada/ (...) esta linha transversa me leva a você”. “Há muito não se houve meu uivo lancinante/ varando a madrugada”.

Climério Ferreira é outro nome nacional. Ele brinda o leitor com os poemas Pássaro Perdido, Eu sou meu próprio universo, e O Choro da História. Climério (Cli, assim o chamava a eterna Nara Leão) também é compositor, cantor, letrista e professor. O Brasil agradece.

SURPRESAS 

Uma surpresa para mim, entre os poetas piauienses que ainda não conheço pessoalmente, é a cantora, compositora, produtora cultural, Cláudia Simone: fala em “colchão de sonhos”, indaga “Quem foi que masturbou minha inocência?” E afirma: “A vida se encarregou de mostrar / que o amor nunca acaba onde deveria estar”.

Cyntia Osório encerra o índice da letra C. Dela, me ficaram as imagens: “Passeei pelo labirinto do tédio”, no “andar de quem tem asas”, “Existir é infinito”, imagens que marcam Penduricalho, um belo poema. Outra imagem de Cyntia Osório: “5 mg de desejos brancos para o cansaço”. A poeta também nos brinda com o belo Deslugar.

Outra surpresa é Demetrios Galvão, professor e historiador. Recanto é um poema perfeito. Em cine-mirante ficou-me a imagem “um olho filmando tudo”.

Em tempo: ganhei (como diria mestre Manuel Bandeira) o poema Cinema do Olho, musicado por Carlos Bivar Eduardo, com o qual fomos contemplados com um Prêmio SESC de Música 2007.

Demetrios Galvão nos brinda ainda com imagens como “liturgia de campo arrasado”, “exporta desertos”. O poema “a previsão do tempo é uma falácia” é um dos melhores deste Baião de Todos.

SEM GORGULHO

A letra D encerra com Diego Mendes Sousa, poeta da nova geração que usa as redes sociais para divulgar a literatura brasileira. Tinteiros de Mágoa é um poema perfeito, dividido com os títulos de tinteiros: da angústia; dos desertos, e do estranhamento. Evoé, Diego!

Ednólia Fonteles é outra poeta que se me revela em plena maturidade estética. Baião de Todos tem quatro poemas dela numerados com o título Quase Poema, um metapoema perfeito, sem gorgulho. Ednólia Fonteles deve ter um balaio de poesia inédita. Beijo, Ednólia.

Do amigo poeta Elias Paz e Silva ficaram-me a imagem “minha mão escreve / (no esgoto da cidade) / um poema tão grande / como a esperança”. E no poema Proposta, também sem gorgulho: “O dia foi duro amor / mas valia o suor da labuta / e a proposta de outro sol / como desculpa”. Lindaço, Elias.

NEGRITUDE

O também professor, o poeta e meu amigo Elio Ferreira traz o universo africano da “América Negra”. Tem o seu excelente (recitado por ele, com jogo de cintura e dicção bibopeana e onomatopaica) Abracadabra, de cujas imagens, fortíssimas, seleciono: “meu corpo apodrecendo no esgoto”, “meu corpo apodrecendo a céu aberto”, “você quer me ver no lixo”, e “teu corpo apodrecendo numa vitrine virim”.

O também juiz de direito Elmar Carvalho, meu amigo, nos oferece A Ero Moça, Noturno em Campo Maior, Perdição, e Sex-Appeal. Elmar Carvalho é fiel à proposta dos modernistas de 1922: precisamos conhecer o Brasil (no caso dele, o Piauí, Campo Maior, onde nasceu). H. Dobal, que também fixou paisagens campo-maionenses.

O meu amigo jornalista, poeta e professor Emerson Araújo é vida que segue: nos fala de “metáfora de plantão” (poema Novo Achado), faz metapoesia (Nova poética) e desagua em Junho em meu oficio, que me parece um poema sem gorgulho. Emerson tem vários livros publicados, entre os quais Címbalos, lutas e olhares (poesia, 2015).

Na nova safra de poetas está Ernâni Getirana, mistura o substantivo belicoso “guerrilha” (que seduziu muita gente boa no século XX) com o metapoema de Drummond (“lutar com palavras / é a luta mais vã...) no poema (es) talo, e nos apresenta Encontro, um poemeto perfeito.

GERALDO BORGES

O poeta Fernando Ferraz homenageia Cineas Santos in “Poesia como alimento”. Ele também nos brinda com duas pérolas poéticas: Ipês de Maria, e Teus Olhos. Depois dele, surge o também contista, cronista e historiador Geraldo Borges, outro escritor que se encontra em plena maturidade estética.

Os quatro poemas de Geraldo Borges também são termômetros da qualidade estética da coletânea: Viagem, Rio 1, 2 e 3 (sonetos). Nas quatro peças poéticas, Geraldo Borges transfigura lembranças de infância, e louva o nosso mítico, querido, maltratado (porém amado pelos poetas) rio Parnaíba.

Do também compositor (premiado) Glauco Luz nos ficou a lembrança de Carlos Drummond de Andrade in Dicotomia. Nele, o poeta Glauco oferta a imagem que se destaca – “socos do desalento”, além duma reflexão sobre a palavra (Palavra suja) e o melhor dele, em minha opinião, Poeira de Estrelas.

BISCOITO FINO

Contista e professora, Graça Vilhena nos brinda com quatro “biscoitos finos”, (diria Oswald de Andrade) da sua “oficina da palavra” (apud Cineas Santos): Poesia; Rua da Glória (ao Paulo Machado); O Garrafeiro (para Cineas Santos) e Carpete de Cordas. Graça Vilhena tematiza a Poesia e duas paisagens, geográfica e humana – no poema Garrafeiro.

Ficaram em mim as imagens: “Cerzindo os dias”, “pescar piabas no Poti”, “piabas prateadas nas garrafas”, “aquele instante que o tempo não deixa envelhecer” e “os dias são feitos de um longo esquecer”. Graça Vilhena é uma das melhores poetas brasileiras.

Admiro ainda sua parceria poética com William Melo Soares, no belo e clássico Passo a Pássaro (poesia, s. d), que tem capa de Paulo Moura, apresentação de Cineas Santos, de Rubervan Du Nascimento, e posfácio de Héctor Pellizzi.

Em tempo: aonde anda Héctor Pellizzi? Ele escreveu um miniensaio sobre o meu livro O Suicídio da Mãe Terra (contos, 1980), que eu vou publicar na segunda edição.

CAMINHO CRUZADO

Halan Silva vem na sequência, homenageia Charles Baudelaire, com a tradução do poema Remorso Póstumo. Mas, o poema sem título, em três partes, de Halan Silva, em Baião de Todos, é melhor que o traduzido do poeta francês. Que me perdoe o genial Baudelaire.

A poeta seguinte é Jasmine Malta. Arte-educadora, entre outras prendas, Jasmine faz Teresina de musa num poema, fala do calor e das “antigas lavadeiras”, que decoram a paisagem fluvial da Cidade Verde (ainda é?), que virou metrópole de concreto na passagem do século XX para o XXI.

Time is time é belo. Jasmine confessa noutro: “Eu gosto de homem que tem cheiro de homem.” / “O Homem que desconcerta os passos /quando cruza meu caminho”.

João Batista sequencia com quatro poemas: olhadela; vovó lavadeira, e enguias. O quarto, dias de brisa, tem um verso sublime: “a doçura de outros quintais”. E por falar em quintais, os quintais de Teresina do meu tempo desapareceram, as casas antigas foram demolidas e os quintais se transformaram em estacionamento. Concretados.

De João Batista sublinho ainda as imagens “o marulho dos teus olhos”, “coisa que o vento aluga e leva”, e “sem a pressa do repouso”. João Batista é um poeta atuante, produtor cultural e professor.


O alfabeto continua em movimento in Baião de Todos. Keula Araújo é a sequência. Organizou a coletânea com Cineas Santos. Keula também é professora e arquiteta. Dos seus poemas destaco o belo Do Amor, tem imagens como “sob o sol imorredouro/ da vontade”.

Para a poeta, o amor destrói os cárceres. Cantigas do Sem-Fim é um poema prenhe de ternura/ imagens – “jeito desarrumado /do jeito de respirar”, “um amor cru, mal passado/que não foi, nunca será”.

Teu Reino tem um verso para mim comovente: “Rompi com as horas / trespassadas de espera”. Keula Araújo é surpresa comovente entre os poetas piauienses que eu ainda não conheço pessoalmente.


O poeta seguinte é Kilito Trindade, vive hoje em Brasília. Ele também é produtor cultural e meu amigo. Kilito Trindade, uma doçura de ser humano.

In Baião de Todos Kilito Trindade publicou um poema sem título (ou dois?) que contextualiza “Eu bala perdida”, e o segundo “Apalavra chave desapareceu. A palavra (chave) AMOR”.

Também dele os poemas Anima, seguido doutro destitulado, que louva Guimarães Rosa: “É preciso sofrer depois de ter sofrido, / e amar, e mais amar, depois de ter amado”. Kilito é uma das realizações das promessas poéticas. Recita bem, à risca, no pulsar do planeTerra.

O poeta seguinte é Laerte Magalhães, também professor, tem quatro livros publicados. Dos seus poemas de Laerte destaco: Oração, e Das Dores, têm dicção bem humorada, de apelo ao imaginário auditivo. Os demais – Percussão, e Puta Poeta – tematizam a música, a dança. Eros é convocado.

SONETOS

Lara Matos dá continuidade, duma dicção poética de visão de mundo afiada, um olhar consciente na ponta da língua. Publicou os poemas Riscos, Mancha, e Ofélia.

Diz ela, poderosa: “Mas minha linha de vida curvada / como minhas costas / pela tenacidade dos sem-sorte/ recita uma canção há muito sabida”. E “Amo tanto que as palavras/ faltam/ Meu corpo cansado apenas / sussurra uma cantiga”... Evoé, Lara Matos.

O poeta-médico Leandro Fernandes é a sequência, com Soneto da Saudade, que se destaca entre o também soneto Chapada do Araripe, e o poema Cantiga.

BICICLETAR

Outra surpresa é Lívia Maria, 17 primaveras. Tem muito feijão-com-arroz pela frente. Entre outras observações que podem acontecer, destaco:

“Amar é ter uma bicicleta / mesmo morando no primeiro andar”, criticando “o amante visionário / embriagado pelo vinho da nudez e da loucura” Para Lívia Maria. “o poema é um vazio / no rosto indignado do poeta”. Vamos que vamos, Lívia.

Lucas Rolim é a continuidade, com os poemas o grande leão, louva-deus sobre a folha. o lobo, os caneleiros, a formiga e Terrários. Machado Júnior é o próximo, ele também é compositor, músico e publicitário. São dele os poemas Dom Quixote (para Flávio de Castro, in memoriam), Fé, Bela, e De Tudo um Tanto.

MARLEIDE LINS

Minha amiga Marleide Lins é a sequência alfabética. Também editora, vários livros publicados aqui e no exterior. Lirismo Antropofágico e Estações de Mim a meu ver sem gorgulho. Dor dos Deuses é seu terceiro trabalho nesta edição. A poeta Marleide está na 1ª edição de Baião de Todos, livro que a Avante Garde assina a programação visual.

Continuando a letra M, depois de Menezes y Morais - José Menezes de Morais - (não vou falar de mim mesmo), que publica o poema Domicilio Inviolável (pequeno elogio da rebeldia musical), entra em cena Nelson Nunes, com os poemas dignos deste nome – A miséria abunda, Na terra do sol, e Clarice. Nelson Nunes é advogado, tem vários livros de poesia publicados.

PAULOS

Quem aparece depois é o também professor, pesquisador, letrista, jornalista premiado Paulo José Cunha, meu amigo, com os poemas (dignos deste nome) Substâncias, Moto perpétuo (para Paulo Cunha, neto), Agora, e Chegue: “Apenas chegue/ e diga alguma coisa em meu ouvido/ como se nunca tivesse saído”.

Paulo Machado é o poeta seguinte: defensor público, historiador e contista. Assina in Baião de Todos os poemas Canção de Amor e Morte, O Rio (para o poeta Cineas Santos), e Cotidiano 2 (para Durvalino Filho). Nutro ternura e admiração por Paulo Machado, morei um tempo no mesmo bairro dele em Teresina, cidade que o poeta também transformou em musa, com belos poemas sobre algumas de suas.

Paulo Machado tem dois livros que considero pequenas obras-primas: Tá pronto seu Lobo, e A paz do pântano. Na sequência da letra P, o poeta meu amigo Paulo Moura, também chargista, compositor, designe gráfico, parceiro do meu compadre querido Cineas Santos no livro Aldeia Grande (1992).

Lembro-me dum bate-papo acervejado que eu e Paulo Moura travamos, numa mesa de bar em Teresina, ele criticando uma canção dos Beatles (Here comes the sun, de George Harrison), falando mal da letra – “arte pela arte” – e eu defendendo a declaração de amor à natureza: “Aqui chega o sol”.

Paulo Tabatinga encerra a letra P. É da nova geração de poetas piauienses que ainda não apertei a mão. Dia Claro, Meu poema, Província submersa e Crachá liberal são poemas poderosos. O olhar crítico do poeta sobre o cotidiano humano e geográfico também transborda ternura. Aleluia!


Rodrigo M Leite é outro nome da nova geração de poetas piauienses. Ele usa o formato fanzine e as redes sociais para divulgar Poesia. Dele e de outros poetas. Ainda não o conheço pessoalmente, só via e-mail, mas aprendi a admirá-lo, por esta e a qualidade estética do seu trabalho.

Rodrigo M Leite edita um blog, a musa esquecida, no qual resgata poemas que têm a Capital piauiense como tema. In Baião de Todos, tocou-me os poemas a casa rupestre (“a casa é centenária / mas está viva/ e / comunica perguntas / ao morador”) e café art bar, do qual cito estes versos: “da tarde que segue nervosa / homens surgem suados / carregados de preocupações / a tarde é consumida dentro de um café”).


Encerra a letra R, Rubervan Du Nascimento, poeta premiado, meu amigo, do qual também sinto saudade das nossas conversas, dos nossos agitos culturais (paralelos) com F. Eduardo Lopes, William Melo Soares, Miguel Soares (Jorbacilomar), os saudosos Josemar da Silva Neres, o poeta Zé Magão etc.

Rubervan Du Nascimento também rompeu as fronteiras nordestinas. Tem quatro livros publicados, entre os quais A Profissão dos Peixes (poesia, 1993). Ele migrou do Maranhão para Teresina, e, da musa tórrida advir (com licença de Mário Faustino) retirou para São Paulo. Rubervan nos presenteia com 4 Poemas Dispersos, dos quais me perseguem as imagens “ferida dos dias”, “na boca em êxtase”, e “da janela dos dentes”, para falar de cenas bucólicas, urbanas, briga de casais etc.


O meu amigo-irmão, compadre-poeta e letrista José Salgado Maranhão, equilibrista da vida, vem em seguida. É outro nome nacional (e de dimensão internacional) que enriquece esteticamente Baião de Dois. Nele, o poeta-protagonista com sua envolvente dicção, plena da sua peculiar atmosfera misteriosa, me perseguem imagens:

“Oráculo de atabaque e pergaminho”, “arrimo de vozes no lugar das unhas”, “feito um caju que apodrece/mas a castanha resiste’ (genial). Salgado também é coleciona prêmios literários – Jabuti, Academia Brasileira de Letras. Salve, salve poeta. Que lhe venham outras láureas.

Baião de Todos me apresentou Thiago E, também é músico e professor. Tem livro publicado e CD gravado. Dele, se cristalizaram em mim as imagens poéticas “a língua é um molusco, já não sabe se é carne ou um soluço – sem concha, se reinventa no escuro”, e “o mar sempre guarda um jardim dentro do bolso”.

PAREDES DO VERSO

Na letra V, Vagner Ribeiro nos remete a Virgílio, pela voz de Fernando Pessoa (“viver não é preciso” e também homenageia Guimarães Rosa, citando o clássico Grande Sertão: Veredas. A sequência é a artista plástica, professora, contista e poeta Vanessa Trajano. Ela surpreendeu-me com o poema Impronunciável. Perfeito, sem gorgulho.

De Vanessa Trajano também me sensibilizaram as imagens “tem horas que até o impulso é tarde”, “nas paredes do verso”, “amei cinco homens sem retorno”, “o poema permanece in vitro” e “na angústia dessa busca”.


O último autor deste Baião de Todos é o meu amigo-irmão William Melo Soares, um dos melhores poetas brasileiros da nossa geração. Wiliam nos presenteia com as pérolas pedra de fogo, Insônia, e Indomáveis. Também letrista, William tem vários livros publicados. Confessa que o seu tempo “é pedra de fogo”, que a mariposa “me dá lição de silêncio”, “no vasto campo da fala”.

Além da sua poesia em si, o flagrante delito autoral que ilumina de ternura e civilidade, William, a meu ver, é uma personificação do ser Poeta. Pela sua sabedoria quase ingênua, pela sua simplicidade, pela sua humildade, pela intuição e leveza. Explico melhor.

Cito dois exemplos históricos, envolvendo quatro poetas: para Carlos Drummond de Andrade, a materialização do poeta era Vinicius de Moraes. Para Mário Quintana, a personificação do poeta era Cecília Meireles. É claro que existem muitos poetas (de geração e geração) que se enquadram neste perfil.

William Melo Soares é um deles. Graças a Deus.

(...)



Menezes y Morais [Poeta, escritor, professor, jornalista e historiador piauiense. 12 livros publicados (mais 12 na gaveta), entre os quais o romance A Íris do Olho da Noite (Thesaurus), Por Favor, Dirija-se a Outro Guichê (teatro em um ato), na Micropiscina da Lágrima Feliz (poesia), A Luta é de Todos – História do controle dos gastos públicos no Brasil (Unacon), com Teresinha Pantoja] Via blogue do poeta Emerson Araújo



28.11.11

TERESINA, Cristino Couto Castelo Branco


Terra feliz e boa onde nasci chorando,
Onde vi o sol, os céus, as árvores, o mundo...
Onde vi o grande amor em mim desabrochando,
Amor do bem, da luz, do mistério profundo...

Terra feliz e boa onde de quando em quando
Rebrilha no zênite o espírito fecundo
Dos talentos de escol, que surgem quase em bando
Nesta zona de sol, que muito quero, a fundo.

Teresina gentil de ruas alinhadas,
Tens n'alma a placidez das loiras madrugadas,
A beleza, a frescura e o riso das mulheres.

És o trecho melhor da pátria brasileira,
Chapada de trovões, que serás a primeira
Habitação de Deus, dos homens, se o quiseres!


Cristino Couto Castelo Branco
em Antologia de poetas piauienses
Wilson Carvalho Gonçalves (org.)
Teresina, 2006

8.11.13

"Teresina é sol"




    Teresina é sol
           e dó
nenhuma outra nota
            dá.



enviado pela autora

6.12.15

A FÚRIA DO SOL




a fúria do sol
anima-se em outubro
nas folhas do ipê



Caio Negreiros
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

14.4.14

chuva® em teresina [ modo de usar ] ou [ o produto pra tomar ]




pesquisas confirmam que chuva® se apresenta na forma de pequenos caroços d’água que demoram que só... pra cair por aqui (ou virar um toró). haveria múltiplas aplicações para chuva® – porém existe o problema d’ela quase nunca aparecer, não podendo, assim, ser aplicada. sob esse céu-sol que sua nossa cidade, chuva® é um raro chiado, mas, quando chuvisca, bochicha e remexe a linguagem: pau d’água, pancada, ou procela varada, só com muita reza braba. seu joaquim, raimundim e seu vizim pedem um pouco de chuva® – acuda! mas veio foi um sereno e piorou o momento (repara o veneno): farelo d’água com sol de rachar faz é abafar; esquenta tudo e, mais ainda, a moleira que azucrina. estudos recentes atestam que chuva® é um cochicho – chiado baixinho, na boca do povo, talvez um boato que some de novo, um conceito empenado, bololô esculhambado, relaboque de desejos inventados: quem quer que chova está dentro de casa e não lavou roupa; quem não quer chuva® tem alguma mordomia ou resolve algo na rua. e, dependendo do que a pessoa está fazendo, ela muda o pensamento. neste entretanto de labacé e confusão, não há contraindicação: alguns fazem mandinga; outros passam os queixo, em teresina, dirdobrando – se não tem chuva® ou mar, vamos prum bar. ou vamos pra uma rede – uma rede social – de armador virtual brutal e total: no facebook compartilha-se a vontade por chuva®, até ciberprometendo pagar uma promessa, contudo, pós-moderna porque, o santo, depois a gente acerta; ou toda teresina trova no twitter toneladas da hashtag #chuvathe – entrando para o trending topics da tiração de "onda". e quem faz roça clama chuva® pra tentar matar a saudade da fartura. diz-se, apenas por aqui, na capital do piauí, chuva® tem o princípio ativo mais charmoso disponível – o de antever o incrível, o sublime intransferível – olhar pro céu, esperançoso, e o poema de um verso só dizer: tá bonito pra chover.



Thiago E
em Revista Piauí Terra Querida  
Agosto de 2012

2.2.16

PASSEIO PELA CIDADE DO SOL, Raisa de Caldas Castelo Branco




Sentada no banco da Praça da Bandeira
o vento todo precipitado
moldava as palavras
derramadas sobre a folha do Caneleiro.
Estiquei os dedos até agarrar
a outra ponta do tempo, e
uma gota de orvalho respingou
no canto norte da cidade.
Dois rios se uniram alegremente.
E o espaço nu e tímido,
agora escorria entre linhas
um quente marrom-esverdeado.
Aceitamos o convite.

Sutilmente
nos traços suaves do Mestre -
agarrei o sol intenso aderido ao sorriso
da senhora do lenço macramé.
E a luz que se esvaía dos poros
fez a alegria pertencer
à nervura sinuosa da folha.
Da ponta sobre o papel.
Das flores na cerâmica azul.
Do boneco Crispim
sobre a estante de madeira cor de cajuína.

Entretanto,
foi de tanto pousar no olhar do povo acolhedor
que a vida tomou as palavras pra si,
E eu, sentada no banco da mesma praça,
vislumbrei o seu mergulho eterno,
ziguezagueante,
sob o céu de Teresina.



Raisa de Caldas Castelo Branco
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

17.10.13

INTRODUÇÃO




Esta cidade ardente, poucos homens a trazem na lembrança ou no coração. É uma cidade simples, tranquila. Aqui não há becos nem ladeiras, mistérios nem tradições. Cem anos não deixam acumular muita cousa na vida de uma cidade que já nasceu velha e que sempre teve o ar de uma aldeia grande, como notou um viajante ilustre e mal-humorado. Um ar que se transforma aos poucos com o correr do tempo e esta transformação indecisa mais o progresso ajudam a descaracterizar a cidade. Tem suas diferenças, é claro. O clima, as condições geográficas, a vida, as árvores. Outro viajante ilustre, porque gostasse de adjetivos ou porque realmente o impressionaram tantas copas verdes sobre os telhados desbotados, chamou-a Cidade Verde. Os naturais gostaram, o nome ficou. Hoje não existe mais aquele imenso arvoredo a que se referiam os cronistas do tempo, mas ainda se pode dizer que é uma cidade velada pelas árvores. Mangueiras e oitizeiros dão a sua sombra como frágil proteção contra o sol. O sol é muito claro, como se estivesse sempre em desespero, há excesso de luz nesta cidade. As cores se afirmam definitivamente, mas há predominância de tons claros. As casa claras e baixas, as roupas claras, os dias límpidos. Raros dias cinzentos e as chuvas, embora não sejam raras, chegam a ser uma distração. A marcha das estações é quase imperceptível. O tempo das chuvas e o estio. Em maio chegam brisas do Atlântico e dão à cidade um leve toque de primavera. Nesta época as madrugadas deixam um neblina tênue, que marca o fim do inverno. Depois é a soalheira. Meses mais tarde nuvens se formam ao nascente e começam as chuvas outra vez. Então alguns contemplativos descobrem que há bandos de aves voltando do Maranhão, cruzando o rio para o Piauí. São os patos e marrecas que voltam para as lagoas distantes. Assim se vai o tempo e a vida. O ritmo da vida é muito calmo. Os dias passam serenamente vazios, os rios descem o seu caminho, as nuvens seguem o seu curso, grandes cúmulos brancos na pura duração do azul. Os cafés se enchem de homens, os homens estão cheios de pó e de retórica, discutem política, negócio, amor e a vida dos outros. Há praças para os namorados, a quem a polícia não permite muitas expansões, cinemas, a missa dos domingos, os bailes, a cerveja e em qualquer lugar há sempre a música de um alto-falante. A cidade é aberta, sem segredos, acolhedora. Tem um ar de família que vem do fato de que quase toda gente tem relações ou se conhece. O que dá origem a uma intimidade deliciosa, como a daqueles dois que conversam em um dos cafés mais movimentados da cidade. Dizia um: "Ele é cretino, convencido, besta". Veio o garçom, bota a bandeja na mesa e entra naturalmente na conversa: "Quem é?" O que estava contando também responde naturalmente: "O Dr. F...".
em Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina 
Prosa reunida | Teresina: Plug, 2007 [1952, 1ª edição]

3.11.11

VIR VER OU VIR, por Torquato Neto




a coroa do rio poti em teresina lá no piauí. areia palmeiras de babaçu e
céu e água e muito longe, depois, um caso de amor um casal uns e outros.
procuro para todos os lados - localizo e reconheço , meu chicote na mão e
os outros: a hora da novela o terror da vermelha
o problema sem solução a quadratura do círculo o demônio a águia o núme-
ro do mistério dos elementos os quintais a minha terra é a minha vida!
o faroesteiro da cidade verde
estás doido, então? (sousândrade)
ela me vê e corre, praça joão luís ferreira
esfaqueada num jardim
estudante encontrado morto

ando pelas ruas tudo de repente é novo para mim. a grama. o meu caso de
amor, que persigo, êsses meninos me matam na praça do liceu. conversa com
gilberto gil
e recomeço a
vir ver ou
aqui onde herondina faz o show
na estação da estrada de ferro teresina-são luís um dia de manhã
ali
onde etim é sangrado



TRISTERESINA



uma porta aberta semiaberta penumbra retratos e retoques
eis tudo. observei longamente, entrei saí e novamente eu volto enquanto
saio, uma vez feriado de morte e me salvei
o primeiro filme - todos cantam sua terra
também vou cantar a minha



VIAGEM/LINGUA/VIALINGUAGEM



um documento secreto
enquanto a feiticeira não me vê
e eu pareço um louco pela rua e um dia eu encontrei um cara muito legal
que eu me amarrei e nós ficamos muito amigos eu o via o dia inteiro e a
poucos conheci tão bem.

VER

e deu-se que um dia eu o matei, por merecimento.
sou um homem desesperado andando à margem do rio parnaíba.

BOIJARDIM DA NOITE

êste jardim é guardado pelo barão. um comercial da pitu, hommage, à sa-
úde de luiz otávio.
o médioc e o monstro. hospital getúlio vargas. morte no jardim. paulo josé, meu primo, estudante de comunicação em brasília, morre segurando bravamente seu rolling stone da semana

sol a pino e conceição.

VIR
correndo sol a pino pela avenida

T E R E S I N A

zona tórrida musa advir

uma ponta de filme - calças amarelas
quarto número seis sete cidades



Torquato Neto
em Gramma, nº 2
Teresina, 1972



2.4.16

DESCENDO O PARNAÍBA, Antônio Chaves




Nas águas, vê que límpidas bonanças...
Que verde o destas árvores florindo!
Parece o verde dessas esperanças
Que em nossos corações brotam sorrindo.

Como as almas sonâmbulas e mansas
Dos lírios virginais que estão dormindo,
Quantas almas de cândidas crianças
Há nas estrelas que já vêm surgindo!

Tu és um quadro desta Natureza!
Minha alma, ao ver em ti tanta beleza,
De ti somente se tornou cativa...

Sem sol a flor sucumbe, morre a planta...
Dá que eu sinta, portanto, ó minha Santa,
O sol do teu amor! Faze que eu viva!



Antônio Chaves
em Nebulosas (1916)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995

23.3.21

Aurorianas, Gregório de Moraes


               Sol de longe
               De cima da serra
               Dos lados distantes
               De mundos sem fim!
               Sol-menino
               Na janela - no quarto
               Que auroras trouxestes
               Que auroras - pra mim?


Manhãs dadivosas
Meu lar, minhas trovas
Histórias saudosas
Que o tempo guardou
Casinha esquecida
Nas flores perdida
Discreta - escondida
Canteiro de amor

Manhãs delirantes
Mamãe - como dantes
Saudosos distantes
Os tempos se vão
Meu pai trabalhando
Madeiras serrando
Auroras somando
No meu coração

Saudade-menina
Amor-Teresina
Assim pequenina
Tu lembras de mim?

Eu sou teu poeta
Teu grande profeta
Que luzes projeta
De Cantos assim!

Quintal de minha casa
Sobre o chão da cajazeira
enflorescida

..........................................................................
..........................................................................


Aquelas cantigas
De modas antigas
Amigos! Amigas

Catai outra vez
No chão alourado
De flores guardado
Cantai no passado
Quem forte me fez!

Cantai as bonanças
Cantai as esperanças
Alegres crianças
Cantai sem parar
Cabelos grisalhos
Os meus - qual retalho
São pingos de orvalhos
Viver - caminhar

Meu Deu que destino
"Do canto fiz hino"
Igreja meu sino
Relógio do "amém"!
Fiz louros versos
De sóis tão diversos
Cantei os inversos
Tristezas também.


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970

22.10.13

HOMENS DE BRONZE, por Rubervam Du Nascimento




por que esse homem
vestido de bronze
na avenida central
em pleno meio-dia
não reclama de nada
sequer do calor do sol

o que ele olha
algum esqueleto no céu
não sabe ao certo
cegou antes
ao aceitar o posto
de vigia da noite

não me pergunte
o que eu acho
dos donos desta cidade
vestidos de bronze
que não mais se movem
nem para fugir do sol



Rubervam Du Nascimento
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão