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31.8.10

O MERCADO CENTRAL DE TERESINA NA HISTÓRIA, Reinaldo Coutinho


Ele faz parte da própria vida da cidade de Teresina, ao lado de magníficas construções oitocentistas da Praça Marechal Deodoro ou Praça da Bandeira. Quem dentre os teresinenses nunca andou no entremeio das bancas e quiosques de verduras, carnes, ferragens, utensílios domésticos e artesanatos do Mercado Central de Teresina, também conhecido como Mercado Velho ou Mercado São José? Antes da eclosão dos supermercados por ali as famílias, geralmente carregando sacolas ou cestos de fibras, escolhiam criteriosamente as melhores frutas e verduras e as carnes mais frescas, sem esquecer a pechincha. A urbe teresinense já gravitou em torno dele, que continua sendo um ponto de referência histórico, cultural e alimentício da Cidade.

Os alicerces do Mercado Velho foram implantados com a própria edificação da cidade pelo Conselheiro José Antônio Saraiva (1823-1895) em 1852, no então ponto de gravitação urbana da Cidade, a atual Praça da Bandeira. O logradouro foi chamado inicialmente de Largo do Palácio em alusão ao Palácio Governamental aí localizado. Depois, passou a denominar-se de Praça da Constituição. Mais tarde, Praça Marechal Deodoro da Fonseca, denominação que permanece nos dias atuais (FUNDAC). Claro que no seu início o velho mercado era uma simples feira que rapidamente se transformou numa robusta edificação.


 IMAGEM DE 1910 DA PRAÇA DA CONSTITUIÇÃO. VEMOS O MERCADO CENTRAL (1), ANTIGA SEDE DO GOVERNO PROVINCIAL E HOJE MUSEU DO PIAUÍ (2), ANTIGO TRIBUNAL DE JUSTIÇA E HOJE LUXOR HOTEL; IGREJA N.S. DO AMPARO AINDA SEM AS TORRES, CONSTRUÍDAS SOMENTE NOS ANOS 1950 (4). FOTO: G. MATOS, ACERVO DO ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO

UMA IMAGEM BASTANTE ANTIGA, DO INÍCIO DO SÉCULO XX DO MERCADO CENTRAL, 
OBSERVANDO-SE AS PORTENTOSAS E SIMÉTRICAS ARCADAS /  IMAGEM: FUNDAC


Segundo a FUNDAC, o Mercado apresenta com a tipologia organizacional de uma antiga feira, com um pátio central e corredores internos e externos, destinados a lojas e açougues. Com traços arquitetônicos imponentes marcados por seus arcos em sequência e paredes de grande espessura, característica da arquitetura românica, atualmente encontra-se descaracterizado e “mascarado” por elementos construtivos que o fazem passar despercebido.

Consta historicamente que o edifício foi construído pelo doador do terreno logo após a fundação da Cidade, Sr. Jacob Manoel de Almendra Junior (1796-1859), Tenente-Coronel Comandante do 1º Batalhão de Infantaria.

Segundo a FUNDAC, com o passar dos anos sofreu várias intervenções, desprovidas de preocupações estéticas em preservar o seu estilo arquitetônico original, estando assim bastante descaracterizado. Permanece, entretanto, como um grande centro de comercialização dos mais variados produtos oriundos do território piauiense e de outras regiões brasileiras.

A edificação compreende atualmente uma quadra inteira, em parte com dois pavimentos, e abriga ainda em seu entorno pela Rua João Cabral um oceano de barracas dos mais variados produtos, notadamente alimentícios. Tem sua frente voltada para a Rua Areolino de Abreu; os fundos para a Rua Lisandro Nogueira (ex Rua da Glória), o lado direito para a Rua Riachuelo e o lado esquerdo para a Rua João Cabral. Inúmeras construções nas quadras vizinhas do mercado também orbitam em função de sua atratividade histórica.

Em virtude do espaço físico, o Mercado Central não pode mais se expandir, contrastando com o desenvolvimento e crescimento da cidade. Em consequência, sua expansão vem sendo feita através de barracas que se espalham em torno do velho mercado e no prolongamento das ruas que lhe dão acesso (FUNDAC).

Houve uma série de ampliações e ainda construção de anexos, provocando descaracterizações arquitetônicas ao longo das décadas, e hoje o Mercado abriga, além das atividades usuais, lanchonetes, restaurantes, sapatarias, lojas de artesanato, farmácias, lojas de redes e confecções, além de incontáveis barracas dos mais variados produtos no entorno de sua quadra.


3.12.15

1854, mercado central são josé




as vielas tomadas pelos negociantes
berram suas cores sujas na sombra do grande galpão

há uma inquietante majestosidade na estrutura antiga;
os olhares não pousam, mas a vida punge no abandono

o cheiro do artesanato em couro e dos peixes à venda,
eternos na mente do menino comprando banquinhos com o pai

as paredes e as colunas jogadas no esquecimento
denunciam um século e meio da memória da cidade

no silêncio de seu olhar, o menino se pergunta
quantos universos cabem lá dentro:

mercado central são josé,
o mercado velho de teresina...



Lucas Rolin
enviado pelo autor

1.11.11

TERESINA NO PASSADO, Guaipuan Vieira


No final de maio de 1996, retornei a Teresina, integrando a Comissão de Intercâmbio Cultural de Fortaleza, a convite da Academia de Letras Vale do Longá. Ficamos hospedados no Hotel São José, à margem direita do rio Parnaíba, no coração da Verde Capital. Além da Ala Feminina da “Casa de Juvenal Galeno”, estavam o diretor desta, o escritor Alberto Santiago Galeno e o poeta Paulo de Tarso. Alberto me pedira para levá-lo ao Mercado Central, pois desejava comprar um chapéu de vaqueiro feito no Piauí. Eram quinze horas de sábado. O silêncio pairava no centro, devido o final de semana. Mesmo sabendo que àquelas horas seria impossível encontrar o mercado aberto, tive que atender o pedido.

Alberto, que caminhava a passos lentos e, cambaleando, estava calado, mas observador. Paulo, que nos acompanhava, admirava os velhos casarões e o rio que solitário descia entrecortado pelas coroas, indagou a Alberto:

- Doutor, o senhor conhecia Teresina?

Ele, sem pensar, duas vezes respondeu:

 - De passagem. Guaipuan não nos conta a sua história.

A responsabilidade pesou-me nos ombros. Calado, como menino repreendido, não sabia por onde começar. As recordações refletiam à mente. Mas uma luz me surgiu dos anos 60. Tive que superar o desafio, e conjugar costumes, tradições e modos de vida de um povo que, embora embriagado pelo vício e prostituição, deixara página de sua história, vez por outra folheada por algum pesquisador.

 - Isso aqui foi a famosa Palha de Arroz. O nome vem das torrefações. Nesse meio funcionou o baixo meretrício, o Q.G. era o cabaré Barrinha, conhecido por “tabaco”, freqüentado pelos “porcos-d’água”, que eram os ajudantes das embarcações.

Paramos um pouco, sob a sombra de oitizeiros, direcionados para o sul, a uma distância de 200 metros. Articulando, mostrei-lhes onde funcionava a usina termelétrica, que fornecera energia para toda a cidade, até a década de 60, substituída por uma caldeira a diesel, vinda de Alagoas, não esquecendo seus ritmados apitos como de uma maria-fumaça, que até as 21 horas servia-nos de relógio, quando num toque de despedida saudava a noite, que paulatinamente ia em busca do novo dia. Nessa época, o rio Parnaíba era navegável. De longe também se ouvia o rugir dos vapores, lanchas e alvarengas vindos do sul do Estado, transportando mercadorias e passageiros, em direção ao Porto, que ficava limitando a Praça da Bandeira, por onde iremos passar.

Recomeçamos a caminhada. Ao cruzarmos a rua Paissandu, fizemos outra parada. Não poderia esquecer de citar que fora o núcleo dos tradicionais cabarés, como “Estrela”, “Fascinação”, “Imperatriz”, “Nove Horas”, “Gerusa”, “Raimundinha”, “Joana de Paiva”, entre outros. Subimos na rua em direção à Praça Pedro II. Na mente conduzia a surpresa que Alberto tanto esperava. Uma outra parada não fazia mal. Afinal, procurava descrever Teresina no passado, mostrando-lhes os pontos que serviram de concentrações desses personagens.

 - Onde estamos? Indagou-me.

 - Olhe, nessa casa comercial, “Rádio Ion”, foi o bar do Zé Cazuza. Às 12 horas de uma sexta-feira de 1948, o tenente Wanderley bebia aqui. Ao perceber a passagem de Zezé-Leão, o chamou. Depois de uma ligeira conversa, lembrou-lhe que em certa ocasião tinha-o prendido. Zezé, calmamente, embora entrecortado do insulto, perguntou-lhe se ia demorar no bar. Ele, ufano de autoridade, respondeu-lhe que sim. Zezé, enfatizou:

 - Voltarei logo.

Em questão de 20 minutos, o lúgubre estúpido, armado com um revólver 38, mudava o ritmo da cidade. A rádio Pioneira, que funcionava na rua Senador Teodoro Pacheco, aqui, próximo, em primeira mão, divulgou o acontecimento em reportagem exemplar de Carlos Said. No dia seguinte, as manchetes dos principais jornais: “ZEZÉ-LEÃO MATA TENENTE WANDERLEY E FOGE".

- Ah, foi assim! Sua fama chegou no Ceará, exclamou Alberto.

Paulo, aproveitando a deixa, nos contou que seu tio-avô, Cel. Domingos Gomes de Freitas, que residia em Tauá CE, tinha um criado que era o responsável pela compra de mantimentos (gêneros alimentícios) da Casa Grande. Segundo seu avô, certa ocasião, o criado, chegando de viagem, já na entrada do município, fez uma ligeira parada numa venda para beber uma pinga. Ao pagar a dose, foi surpreendido pois já estava paga. Ele então perguntou ao dono da venda o nome do desconhecido para agradecer. Esse, ouvindo, respondeu-lhe:

“José de Área Leão
A onça sussuarana
das matas do Piauí".
- E você quem é, caboclo?
Sem bater pestana, que nem um bom improvisador, informou-lhe:

“Eu sou um cachorro preto
da zona do cariri
acuador de onça sussuarana
das matas do Piauí”.
E até logo!!!

Zezé baixou a cabeça, bebeu outra pinga e exclamou: “muito bem!” Um dos seus seguranças indagou-lhe: “Pega o homem, coronel?!

-“Não. Cachorro que acua onça é respeitado".

Continuamos a caminhada. Logo estávamos na Praça Pedro II. Ali, para mim, foi um pesadelo. Não controlava as ideias, que se misturavam com as lembranças, dificultando concatenar o raciocínio, porque a Praça continuava sendo o cordão umbilical dos que edificaram a invejável história da terra.

De um lado, o Centro de Artesanato, guardando consigo lembranças do velho quartel da polícia militar. Do outro, o Cine Rex, solitário, que nem ancião, nem parecia que vencera os seus concorrentes: Cine Guarany, Olímpia, São Luís, Rio Branco, entre outros. Um cartaz lembrava Alfredo Ferreira que foi o fundador do cinema em Teresina, e o primeiro filme exibido, que era norte-americano e falado, tinha como título: “Doce como Mel.”

O Theatro 4 de Setembro, guardião da cultura, silencioso, trazia consigo recordações da luta ferrenha que travou para se desligar do cinema, para ser o que é: palco de espetáculos teatrais. Ao lado, a Galeria das Artes, num oculto quadro, descrevia o saudoso Bar Carnaúba, cercado de artistas e intelectuais. As horas corriam. Alberto, mergulhado no impressionismo, esquecia a compra do chapéu. Paulo não perdia nada da explanação. Anotava, na agenda, os subsídios para a história do município.

Guia turístico, contador de história ou causos. Sei lá quem eu era. Prosseguimos. Seus entusiasmos aumentavam. Embora quisesse parar a narração, não podia. Sempre algo chamava a atenção.

O silêncio recordava-me os tempos idos, quando menino, de calça curta, procurando remédio nas farmácias Santo Antônio, Lili e São Pedro, de Pedro Vasconcelos. Não encontrando, ia direto à farmácia “Coleta’, onde Jaime da ‘botica” fazia a manipulação de medicamentos. Naquele tempo era assim. Com essa reflexão sobre o passado, logo chegamos à Praça Rio Branco. Estava a esmo. Não parecia o logradouro de concentração de poetas populares, da ceguinha Maria Viana, no órgão, interpretando canções bregas; de aposentados driblando a velhice, tentando afeiçoar a nova geração. A brisa fria da tarde os enchia de indagações, estava num árduo ofício, não podia dissolver fatos do folclore teresinense.

-Nesse prédio da Caixa Econômica, funcionou o comércio do Carcamano, à noite tinha uma preta velha vendendo manuê; a fatia do bolo custava um tostão, e media um palmo. Tornou-se admirada pelo pessoal de vida noturna, através dos improvisos de propaganda:

“Chega gente, está na hora
Compre logo o manuê,
Compre mesmo, sem demora.
Manuê da preta velha
Tem segredo de essênça,
Inda mais com bom café
Muda até sua presença”.

Observa-se, de certa forma, que a cultura popular, destacando-se a poesia, nasce da necessidade de sobrevivência dessa gente. A não importância desses fatos contribui veementemente para o anonimato do autor, o que aconteceu com modinhas, adágios e alguns provérbios.

-Com certeza, enalteceu Alberto. Tive que ser breve nas citações, haja vista que algo mais nos aguardava. Estamos na Praça da Bandeira.

Recorda-me o pequeno zoológico, a feira dos pássaros e a do troca-troca. Nessa época chamava-a de bacia, por formar um círculo e ser de baixo relevo. Deu guarida a grandes circos, como Garcia, entre outros. Hoje, as grades que a cercam, nos reflete a ligeira impressão de que é prisioneira, e que nada tem de majestosa! Vê-se silente, concentra suas atenções no Teatro de Arena, palco dos acontecimentos culturais, de ação preservadora das tradições da terra.

Veja “Domingos Fonseca”, do alto, sussurra a poética sem jaça, em louvação aos poetas que versejam “sua poesia”, nos Festivais de Violeiros do Nordeste. Eram 17h30min, os pardais começavam a harmoniosa sinfonia sobre os frondosos oitizeiros, em contemplação a mais um dia que se findava. Apressamos os passos, cruzamos o Mercado Central, logo saímos no desativado Cais do rio Parnaíba. De retorno ao hotel, oportunidade em que falei sobre o Velho Monge, das extintas carrancas e dos banhos aos domingos nas piscosas águas, onde as coroas são atraentes praias, que desfilam preciosas sereias, musas inspiradoras que nos confortam a alma, principalmente quando se tem um bom anzol. Alberto, satisfeito, sorriu. Paulo ficou ansioso para conhecê-las. Seguimos para o hotel, contemplando o pôr do sol, rica beleza natural. Alguns minutos, como se fora beber água, os deixei à vontade. Próximo ao hotel, Alberto exclamou:

-Gostei bastante do passeio e da sua narração. Só me falta o chapéu!


Guaipuan Vieira