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22.10.13

BIBELÔ, Elias Paz e Silva


bibelô
o brinquedo preferido
das crianças e velhos

travestido de mulher
resmungar maneiro
o alvo predileto das pedras e insultos

bibelô
um homensério
que o amor corrompeu
antes mesmo dos rapazes alegres
já era a graciosa das ruas

6.9.14

OS DOIDOS DA MINHA MEMÓRIA, por Edmar Oliveira


Manel Avião, Manelão, avião, ão, ão. Vrummmmm. E lá se ia Manel conduzindo um avião imaginário na mão direita, que já, já, virava asa e, abrindo os braços em duas asas, Manel era o próprio avião, que encantava os meninos que viam o Manelão como cena de cinema que ele fazia o voar na imaginação. Manel voava de verdade. E a lenda se espalhava na cidade. Na Piçarra, diziam, invadiu uma casa e roubou um rádio. Na Palha de Arroz seduzia meninos e meninas, que as mães zelosas não deixavam chegar perto do avião. Podiam ser levadas pra longe e se perder na escuridão da noite. Manel contava histórias. Histórias de cinema que se passavam em Teresina. Não sei que fim levou. O avião, com certeza, lhe levou embora...

Nicinha, pequenina, enfeitava-se de fantasias de carnaval durante todo o ano. Todo dia, toda aglomeração, discurso político, conversa de bêbados, papo de vagabundos, qualquer ajuntamento de gente fazia aparecer o pipoqueiro, o sorveteiro e Nicinha. E aí vinha ela. Numa elegância exagerada, maquiagem intensa, óculos de gatinha, fita colorida no cabelo, vestido de tafetá azul celeste. Qualquer que fosse o dia do ano Nicinha vestia a fantasia da terça gorda do Carnaval. Me encantava a sua presença. Era a marca de que o que estava acontecendo tinha importância. A porta do Teatro, o Bar Carnaúba, a Pedro II, o Café Avenida, eram lugares que só existiram pela presença de Nicinha. Me contaram que teve uma morte violenta com requintes de crueldade. E o criminoso nunca foi encontrado. Quem poderia fazer mal a um beija-flor tão bonito? Mas na minha infância tinha menino que engolia coração de beija-flor pra ficar guabes. Guabes, pra quem não conhece piauiês, é ficar com boa pontaria na baladeira. Baladeira, um piauiês tão bonito, é estilingue ou bodoque noutras pronúncias. E Nicinha e o beija-flor nunca fizeram mal a ninguém, mas morreram do mesmo jeito...

Bibelô era um bibelô. Genial quem inventou o apelido. Era um homem pequeno e delicado que se vestia de mulher, mas de forma tão fina, delicada, suave, diria mesmo harmoniosa. Não tinha o exagero de Nicinha. Era uma espécie de Carmem Miranda contida, pois que não tinha o exagerado da notável. Seus balangandãs, quinquilharias, indumentárias e adereços não agrediam aos olhos. Mais parecia um Matogrosso no início de carreira nos Secos & Molhados. Às vezes um turbante lhe tornava palestino. Uma maquiagem discreta fazia aparecer a Maria Bonita. Lembro da tristeza nos seus olhos. Aparecia e desaparecia nos portões, nas casas, nas mercearias. Pedia um café. Comentava alguma coisa e ia embora. Parecia não querer incomodar com sua presença. Mas assim mesmo tinha inimigos implacáveis que o perseguiam. Lembro de alguns de seus machucados provocados por agressões. Ele incomodava por ser diferente de tudo. Não era um travesti transformado pelas roupas femininas. Parecia um Rodolfo Valentino maquiado para entrar em cena. Não sei quando saiu de cena da cidade. Por certo com a discrição que o caracterizou...

E outros existiram. Mas estes marcaram minha existência de forma decisiva. É como se eles reafirmassem Teresina dentro de mim. E na cidade de minha infância, embora pequena, nunca encontrei os três no mesmo espaço. Cada um tinha seu pedaço de cidade para fazer sua aparição e performance. Só consigo reuni-los na memória: Bibelô dos olhos tristes, Nicinha com alegria estampada no corpo pequenino de beija-flor, Manelão voando no céu azul intenso das nuvens de algodão da cidade verde...





11.11.11

TER-TE TERESINA


para manuel avião, nicinha e bibelô


ter-te
ter a sina da dívida
que tenho contigo
de não te devolver o amor que tens em mim

na marca dos quintais,
do cais do rio, do mercado,
o bolo-frito com café preto,
o troca-troca das bicicletas, dos passarinhos
trocar olhares na Praça Pedro II
até às nove horas,
depois descer a velha rua Paissandu
de romances venéreos,
aventuras nos seriados do cinema
e nas tertúlias do Clube dos Diários...

ter-te
ter a sina dividida
que tenho o castigo
do filho ingrato que mais usufruiu o teu caminho
na marca dos quintais
do beira-rio, do pecado,
Maria Izabel e o segredo
no troca-e-rouba um beijo, a flor dos descaminhos
roubar pitombas nos quintais
após às nove horas,
depois descer à Palha de Arroz
em encontros etéreos,
princesa dos rios de alfazema
não-se-pode um cavaleiro solitário...
ter-te
ter a sina dividida na dívida
personagens de tuas ruas,
muito mais te deram na tua tua construção
(sem nada em troca)
do que eu, que muito te tenho em mim...



em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

2.9.14

THERESINA, Geraldo Borges


Theresina. Chapada do Corisco. Por enquanto um passeio por tuas ruínas, cortes trilhos vias férreas trem na linha uma parada na estação esplanada um encontro em uma antiga esquina velhos tempos assombração para-raios trovões poty velho cadeia velha catanã cabeça de cuia morro do querozene morro do urubu morro da jurubeba cajueiro barrocão pacatuba memorare matadouro maria sapatão maria xerém manuel avião ou manelão cinema poeira jaime doido nicinha pedro cabeção geraldo come gente bibelô não se pode porca do dente de ouro braguinha vermelha do laurindo piçarra casa amarela rua paissandu quitadinha clube dos diários footing na praça pedro segundo gelado no mercado velho na banca de seu paulirio rosa do banco rio parnaíba casa dos sete tabacos estrada do gado cruzeiro seu caçula sua garapeira padeiro de madrugada leiteiro com seu leite batizado burro jumento caroça galinha caipira beiju de tapioca água de pote em caneco de alumínio areado mata-mosquito com bandeira amarela na porta campo de aviação feira de amostra ilhota catarina matinha mafuá maria tijubina palmerinha estrela glória beco do alberoni maria da inglaterra vapor gaiola fiação baixa da égua palha de arroz tabuleta alto da moderação capelinha de palha lucaia ônibus da macaúba tá na boca gregório pirajá santa rosa pipira sabiá banana passada em quibane para secar zezé leão bar imperial teresina cajuina por enquanto tens outra arquitetura novas paisagens e outros personagens de teu nome tiraram o H que era mudo mas me fez cantar.


Geraldo Borges
via Piauinauta

22.10.13

TER É SINA II, Elias Paz e Silva


cidade sem memória
sol e sombra do nada
sitia os deserdados

                  o fogo o terror nas casas de palha
                  os pedaços da doméstica
                  quarentinha bibelô nicinha

guerra silenciosa e
capital redistribui os espaços
da fome e dá forma à frei serafim

                  os anos fiados em miséria
                  perdidos à sombra do tempo
                  perpetuados à luz do dia
                  fabricados armazenados

teresina: claudino & cia
tajra tajra tajra taJRa tajra tajra

                  à igreja do santo negro
                  submersa em lendas
                  superpõe-se as torres
                  do amparo e a crença dos fiéis

paisagem artificial
se interpõe à brisa libertina
espigões tramam a colheita diária
de calor e cansaço

                  um monumento à morte
                  potycabana anfiarte
                  divisa a linha da vida
                  na miragem das coroas

ao lírico por do sol
avermelhando as cortinas
o rio se dá assoreado fulminado
entre navios sonâmbulos
paruaçu, rio de sonho, salve, salve.

                  um pescador de horizontes
                  senamora sete moças virgens
                  sobre o neon de natal da ponte

pára-raios vigiam o mito
coriscos já não riscam noite
não se pode dizer de lendas
antenas sensíveis decifram céu de enigmas


Elias Paz e Silva
via Recanto das Letras