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18.10.13

CIDADE GRANDE




Dando (m)urros
no vazio
por causa da dor
              da doidice
da vida
da vivida mediocridade
entre ruas
       nuas sujas tristes
as ladras
   ladram como cães
e os cães
gemem como homens.
Na (c)idade
do lobo
o lobo-homem
é o lobisomem
           do homem.
Tudo é
ferro feio (en)ferrujado
ferindo feridas
já abertas.
Na cidade
na cilada
das suas ruas
surgem (g)ritos
lavados em sangue
lavrados a ferro e fogo.
Soltam berros
soltam (b)urros
prendem os b'rros
que incomodam.
Na cidade grande
onde não existe
pôr-de-sol
o homem gira e pira
sem (gira)sol.



em Poemágico, A Nova Alquimia
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985

28.7.23

CARTOGRAFIA INFINDA, por Renata Flávia




Era dia de muito sol, como todos os dias
Quando Assis Brasil cruzava a Praça da Integração no Parque Piauí
M. Leite descrevia os urubus e o cheiro forte do mercado, quarteirões abaixo
Um ônibus marrom desce a Av. Maranhão
O centro brota no vão dos dedos de colegiais
Entre a beira e a coroa
Todos os dias é rio e cais
Arnaldo aparece de batom na capa do jornal anunciando a prainha que vem
Até hoje, a manhã recita Da Costa quando as barbas de um monge escorrem
[no Parnaíba antes das 7 horas
Todos os dias
O abandono cresce na fuligem do trânsito
Enquanto O.G. atende no Banco do Brasil da Álvaro Mendes, 1313
Chico faz o mesmo até às 4 da tarde
Quando desabotoa os dois primeiros botões da camisa rumo à Pedro II
Essa praça, onde H. Dobal caminha em círculos
Está entregue ao vazio
De frente, drogas, ratos e lixos circulam livremente onde antes havia poltronas de cinema
A 100 metros dali Paulo Machado enfrenta o poema da Teodoro Pacheco, 1193
No sentido contrário Genu reinventa fantasmas no último casarão da Antonino Freire
É dura a caminhada
Fontes Ibiapina passa na lateral da Central de Artesanato antes de descrever o incêndio
[e o salto metálico
Na Rua São João 1042 Torquato arruma as malas para partir, pois cansou
Não chore, Teresina é assim mesmo
Foi Faustino primeiro, depois tantos mais
Apesar de ser lindo o laranja neon desse sol que cai



Renata Flávia
Poema inédito em livro
Enviado pela autora


18.2.16

PÉS-DE-VENTO, Cinen de Sousa




Pelas quintas, quintais e passeios
ainda o benevolente
verde da cidade.
Carnaubeiras da Antonino Freire,
na Vila Poti, amendoeiras,
oitizeiros resistem pelas calçadas do centro
e alamedas.
O caneleiro secular! Algarobas, jatobás, figueiras.
Por que não dizer num alto-falante
que há mais que o verde
um roseiral, colibris e pôr-do-sol
entremeio
a esta Cidade-planeta
de risco aberto, um caso de amor e mil amantes
e esta cor do sol pelo firmamento
como pés-de-vento
que brota livre e engravida pessoas.



Cinen de Sousa
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

2.11.11

TERRA QUERIDA, Mário Bento Gonçalves


Minha Terra Natal! Querida Terra,
De um povo bom, trabalhador e honrado!
É um trecho do Brasil, que um poema encerra,
De luar divino e céu todo estrelado.

De vale em vale, assim, de serra em serra,
Brilhando ao sol do Norte, ao sol dourado!
Bendita sejas tu na paz, na guerra,
A glória, no presente e no passado.

Bendita sejas tu, entre dois rios:
Parnaíba e Poti - sublime e pura,
Rica e feliz de carnaubais sombrios!

Bendita sejas tu, ó Teresina!
O amor, quanto mais longe, mais tortura,
Por que a saudade o coração domina...


Mário Bento Gonçalves
em Antologia de Poetas Piauienses
Wilson Carvalho Gonçalves (org.)
Teresina, 2006

18.1.16

SOL DE MINHA TERRA




Trago n'alma o sol de minha terra
a luz maior, claridade em mim
no som do Parnaíba que se encerra
o trilhar de um caminhar sem fim

carrego, imune, a força mais pura
a saudade do amor eternal
traçada nas glórias da loucura
do meu sonho alegre e jovial

trago, enfim, a lembrança das ruas
os quintais da infância e as luas
que no Poti vivem em transe

e sufoco as tormentas cruas
que fizeram as dores nuas
da dor de ti que me confrange.



Afonso Lima
Palmas/TO, julho de 2009
em A CIDADE EM CHAMAS: poema trágico de um crime impune
Teresina: Multiservice, 2010

1.12.11

O CABEÇA DE CUIA, João Ferry


Com o sol a pino, um dia, no Poti,
Um pescador voltou da pescaria;
Vinha fulo, porque no seu pari;
Um peixinho sequer, nele caía.

Alegre a velha mãe o aguardava
Com o almoço frugal que de costume,
Para o filho querido preparava,
Quando vinha feliz com seu cardume.

Neste dia, zangado, o belo moço,
Tratou mal a velhinha e aos palavrões,
Recusou-se aceitar seu almoço,
Uma ossada gostosa de pirões.

Em vão a velha mãe bondosamente,
Com mimos, com carinho e com amor,
Procurou acalmar o imprudente,
Que tomando um osso, um "corredor"...

Bateu na velha mãe, em louca fúria,
Esmurrou-lhe a cabeça veneranda
E cobrindo-a de apodos e de injúria,
Mostrou sua alma vil, negra e execranda.

Com a dor, a velhinha atordoada,
No terreiro de casa ajoelhou,
Filho ingrato, cruel desnaturado,
E mil pragas do céu invocou...

Filho maldito, o rio há de tragar-te,
E entre todas as suas agonias,
De monstro que tu és, para salvar-te
Haverás de engolir 7 Marias...

E o filho como um louco caiu n'água
No lugar "Poti Velho" e ali sumiu-se,
E a velhinha chorando a sua mágoa,
Ao sol quente, de dores, sucumbiu-se.

E é voz corrente que o Poti gemendo,
Quando a cheia do rio em fúria desce,
O "Cabeça de Cuia", um monstro horrendo,
Nas águas a boiar sempre aparece.

E ao que consta, até hoje, o imprudente,
Não conseguiu tragar uma só Maria...
E há de viver assim eternamente,
Um fantasma de dor e agonia.


João Ferry
em Antologia de poetas piauienses
Wilson Carvalho Gonçalves (org.)  
Teresina, 2006

22.10.13

TER É SINA II, Elias Paz e Silva


cidade sem memória
sol e sombra do nada
sitia os deserdados

                  o fogo o terror nas casas de palha
                  os pedaços da doméstica
                  quarentinha bibelô nicinha

guerra silenciosa e
capital redistribui os espaços
da fome e dá forma à frei serafim

                  os anos fiados em miséria
                  perdidos à sombra do tempo
                  perpetuados à luz do dia
                  fabricados armazenados

teresina: claudino & cia
tajra tajra tajra taJRa tajra tajra

                  à igreja do santo negro
                  submersa em lendas
                  superpõe-se as torres
                  do amparo e a crença dos fiéis

paisagem artificial
se interpõe à brisa libertina
espigões tramam a colheita diária
de calor e cansaço

                  um monumento à morte
                  potycabana anfiarte
                  divisa a linha da vida
                  na miragem das coroas

ao lírico por do sol
avermelhando as cortinas
o rio se dá assoreado fulminado
entre navios sonâmbulos
paruaçu, rio de sonho, salve, salve.

                  um pescador de horizontes
                  senamora sete moças virgens
                  sobre o neon de natal da ponte

pára-raios vigiam o mito
coriscos já não riscam noite
não se pode dizer de lendas
antenas sensíveis decifram céu de enigmas


Elias Paz e Silva
via Recanto das Letras

26.11.11

NOSSO RIO, Hardi Filho


O rio corre calmo e permanece
em nós úmida música, lembrança.
O nosso rio ao sol, ao luar, parece,
às vezes, lerdo, à proporção que avança.

O lixo posto em suas margens desce,
escorre e em grande parte se remansa,
pára em bolsões de ciscos e apodrece
à vista da social intemperança.

Assoreado, o nosso rio empanca
aqui e ali, e quase andando, manca,
e raso e lento obriga-se a desvios.

Apesar disso os peixes, água arriba
e abaixo, abundam no meu Parnaíba,
que é o mais lindo e o melhor dos rios!


Hardi Filho
em Tempo Nuvem 
Teresina, 2004

14.4.14

Thiago E - síntese biográfica





Thiago E nasceu em Teresina, PI (1986). É poeta de testes, músico, layoutman. Autor de Cabeça de Sol em Cima do Trem (livro e disco). Integra a banda Validuaté, com a qual lançou os álbuns Pelos Pátios Partidos em Festa, Alegria Girar, Este Lado Para Cima e Validuaté ao vivo – DVD e CD. Graduou-se em Letras na UFPI. É editor da revista Acrobata.

16.10.18

Severo - Suor, Violento Precário (2018)





1. Ele tá jurado (vinheta)
2. Herança do Homem  00:23
3. Só chove sol (vinheta)
4. Quando a Lua Aparece  05:04
5. Trabalhador nunca se esconde no meio do povo (vinheta) 
6. Um Tipo de Mágica  08:53
7. Samambaia (vinheta)
8. Cajueiro Brabo, Maracujá Cabôco 14:20
9. Sacudir em Volta  18:34

Gravado no Estúdio Audmus, Teresina - PI , entre dezembro de 2017 e abril de 2018 (exceto voz, gravada em Blackroom Estúdio); Técnico responsável: Júnior Audmus
Mixado/Masterizado em Blackroom  Estúdio, São Luís - MA, Técnico responsável: Sandoval Filho

Produção Musical: Severo e Pedro Ben

Arranjos/
Guitarras: Pedro Ben
Baixo: Cauê de Lima
Bateria: Javé Montuchô (Um Tipo de Mágica), Nildo González ( Sacudir em Volta, Herança do Homem,  Cajueiro Brabo Maracujá Cabôco,  Quando a lua aparece)
Percussões: Arnaldo Boa Esperança
Piano/ Teclas: Sandoval Filho (Um Tipo de Mágica / Herança do homem)
Cuíca: Márcio Cuíca (Herança do homem)
Sax Tenor: Raniel Silva (Quando a lua aparece)

All lyrics composed from by Severo 

Toadas incidentais / vinhetas

*Ele tá jurado (Boi Estrela Dalva - PI)
*Ponto de Gira / Maresia  (domínio público)
*Samambaia (Toada de cabôco / Jayro Almeida Rodrigues. Oxóssi é Rei. Gravadora Cáritas (K7), 1985

Capa (web): Severo
Foto: Alexander Galvão
Tipografia: Philip Marinho
Arte da Capa: Pedro Leonardo

2.11.11

EVOCAÇÕES, Lucídio Freitas


IV


Têm as águas, aqui, estrondosos e estampidos,
Gritos de dor e gritos de agonia,
O mar, quer seja noite ou seja dia,
Fala somente,
Desumanamente,
A linguagem sombria dos gemidos.

O mar feio, disforme,
Simbolizando o mal, o ódio, a vaidade,
Bem se parece
Com a alma sangrenta e informe
E incalma
Desta grande Cidade,
Que desconhece
O amor - rebento original da alma...

O mar me aterroriza
Com seus rancores e ais incompreendidos
Vendo-o, suponho que ele sintetiza
O pranto amargo dos desiludidos,
Os gestos infernais dos oprimidos
Que a sede e fome morrem sobre a terra,
Porque o mar, no seu bojo ermo e profundo,
Encerra
Todos os sofrimentos deste mundo...
Causam-me horror e medo o barulho do mar.

Quando lhe escuto os uivos,
Levantam-se a tremer os meus cabelos ruivos,
Na alma sinto a correr um frio de gelar...

E ainda diz-me o destino, hediondo, a blasfemar,
Que eu tenho de morrer de um naufrágio no mar...

A Minha Terra... Uns doces movimentos,
Preguiçosos, suaves, sonolentos,
Têm as águas da terra em que nasci...
Jamais as vi
Rebentar em furor indômito de guerra,
Em desesperos e estertores...
As águas mansas lá da minha Terra
Só nos falam de pássaros e flores...

O Parnaíba, ao pôr do sol, encanta
A alma e o olhar.
Ele, claro, a descer, divinamente canta,
Rendilhado de esplêndida beleza,
Levando à flor da correnteza,
A boiar; a boiar.
Ramos de flores de reais matizes,
A epopeia de todos os felizes,
O almo esplendor de nossa Natureza...

Desce, e com o olhar o acompanhamos.
Desce, circula se envolvendo aos ramos
E ao nosso olhar se perde...

E, que saudade sente, e que saudades
Leva da noiva que é a Cidade Verde
- A mais linda de todas as cidade...


Lucídio Freitas
em POESIA COMPLETA
Teresina: Convênio APL/UFPI (1995)

21.3.20

Geraldo Brito e a história da música no Piauí: entrevista, por Laís Lustosa


"O #Abraçaço chega em Teresina, Piauí.
Na foto, com o poeta Geraldo Brito em Teresina, em 1979"
Fonte: Caetano Veloso via Facebook

Geraldo Brito é uma pessoa de múltiplos talentos: violinista, guitarrista e arranjador desde a década de 1970. Ele fez a primeira versão de Go Back, de Torquato Neto e traz muitas influências de jazz e blues. É professor de violão e guitarra da Escola de Música de Teresina desde 1984.

O senhor acha que o piauiense tem consciência da história da música do Piauí, dos anos 60 pra cá?

G: Não, não tem. Hoje ninguém tem. Eu acho que agora, a partir da década de 2000, houve essa procura, está se formando mais essa coisa do apanhado histórico. A faculdade resgatando, os alunos indo atrás. Eu acho que a partir dessa década de 2000 a gente pode retomar isso. Eu quero lançar um livro com coisas que eu escrevi, informações dessas décadas passadas. Nos anos 60, começaram a aparecer os chamados conjuntos, depois passou a ser grupo, hoje é banda. Mas eles estão copiando, tipo cover, faziam uma banda para tocar música que ouviam no rádio. Eu acho que essa minha geração nem se preocupou com isso, bateu essa coisa de fazer tudo autoral, fazer composições próprias.

O senhor acha que os músicos piauiense de hoje tem preocupação em estudar música?

G: Há. Hoje tem mais essa preocupação. Por exemplo, no tempo que eu comecei e outros músicos bem antes de mim não tinham essa facilidade que tem hoje. Hoje você pega uma música que você se interessa, vai ver na Internet, está tudo divulgadinho. Tablatura, partitura, letra, do jeito que você quer. Vídeo aula, por exemplo, os alunos veem exatamente o que os músicos estão fazendo. Então, isso tem proporcionado bons músicos. Hoje só não toca bem quem não quer, basta ter uma inclinação para tocar. A nossa formação era percepção auditiva. Botava o disco com aquelas vitrolas que tinham a rotação 45 rpm. Hoje não, está tudo aí.

Dos anos 70 pra cá, quais foram as principais variações de estilo da música piauiense, que o senhor pode perceber?

G: Quando a gente começou a fazer música, no meio dos anos 60 começou aquela coisa dos Festivais universitários. E só aconteciam no Rio de Janeiro, São Paulo, aqueles festivais famosos onde apareceram Chico Buarque, Caetano Veloso. Mas a partir dessa década surgiram vários em várias outras universidades. E, com essa facilidade, com essa adesão e explosão dos festivais, ficou em alta essas músicas do Fagner, Belchior, Geraldo Azevedo, música mais regionalista. Então nós absorvemos essa informação, de ouvir essa música. A gente fazia muita música mais regional. Aí vieram outras correntes que faziam músicas tipo blues. Tinha a corrente que fazia mais rock’n’roll e corrente que fazia a MPB mais tradicional. Hoje tem pessoas que começaram a trabalhar com xote, com baião. Hoje já tem até maracatu que é um ritmo de Recife, de Pernambuco.

Na sua opinião, quais são os três maiores nomes da música piauiense nos anos 70? E quais são os três maiores nomes de hoje?

G: Eu gostava muito do Cruz Neto, do Magno Aurélio, que é compositor e do Aurélio com o Zé Rodrigues. Esses três eu gostava muito. Hoje, eu estou ouvindo muito as músicas do Wagner Lacerda.  Eu gostei do disco novo, é o primeiro que eu gostei.  Acho legal essa coisa meio nordeste meio rock’n’roll. E tem um disco agora que eu achei legal, de um parceiro meu, chamado Glauco Luz, cantado pela Carol Costa. É um disco muito legal.

Na década de 70, havia uma preocupação de intelectualizar as letras das músicas. O senhor acha que isso aconteceu no Piauí também?

G: Isso era uma coisa geral. Começou com o Geraldo Vandré, Chico Buarque. Isso lá em 68, só veio eclodir aqui nos 70. As músicas da época faziam protestos. Antes de um show, tinha que passar todas as letras e levar na polícia federal. Chegando lá, eles passavam uma semana pra julgar, pra censurar ou não. E na hora do show, aquela música que você mais tinha mais gostado, chegava a hora de tocar e havia a censura. Então isso marcou. Ainda bem que quando foi em 85, na época que o Tancredo era presidente, realmente acabaram com a censura. Apesar de nesse governo terem censurado o filme Je vous salue Marie, de um cineasta francês chamado [Jean Luc] Godard. Foi um absurdo, a Igreja entrou na questão. Viram o filme como algo muito pejorativo e houve essa censura. Mas de lá pra cá não. Semana passada, o Caetano Veloso chamou o Lula de analfabeto. Eu não gostei muito, apesar de eu gostar muito do Caetano. É o outro lado da liberdade de imprensa, coisas que você jamais imaginaria ver ou ouvir nos anos 60 até 80.

O senhor acha que os piauienses não valorizam a música feita aqui, os artistas locais?

G: É. Eu não vejo isso com tanto gosto como eu vejo com a música do Ceará. Você chega lá, toca muito, principalmente nas rádios, universitárias. Por onde eu ando no nordeste, eu vejo que toca bastante. Aqui que eu acho que não. A rádio Cultura toca mais, outras rádios alternativas… Mas, mesmo assim, ninguém se liga muito. Que isso mude, daqui pra frente, que haja mais procura, maior interesse nas músicas. Houve uma lei daquela vereadora, Trindade, na época que era vereadora dela que obrigava as rádios a tocarem 20% da programação de música piauiense.  Mas elas ficaram com raiva e não tocavam na programação normal, tocavam no domingo, num momento qualquer rapidamente. Agora até toca muita música brasileira, mas a música americana é bem mais forte. Mas mesmo assim, as rádios tocam uns forrós que vêm de Fortaleza, e não tocam nada da gente.

Quanto aos recursos técnicos disponíveis para gravação e distribuição da música piauiense, você acha que são satisfatórios?

G: Antes não tinha, mas hoje já tem vários estúdios, como o estúdio do Márcio Menezes, que fica lá na Morada do Sol, é o Bumba Records. Eu, por exemplo, estou gravando um projeto instrumental no estúdio da Rádio Pioneira. Hoje já dá pra fazer isso legal.

O senhor foi contemporâneo de Torquato Neto. Como o senhor avalia a contribuição dele para a música popular local e nacional como um dos expoentes do movimento tropicalista?

G: Eu fui contemporâneo assim, quando eu estava começando a fazer música, ele morreu, de maneira que eu só o vi de longe por aqui. Houve essa aproximação por parte dele com um grupo que estava fazendo jornal. Mas o interesse dele era de gente que estava começando a compor, e o Torquato saiu daqui logo. Tinha conhecido Caetano e Gil na Bahia, e daí surgiu o movimento Tropicalista com momentos muito marcantes naquela fase do Brasil, ao mesmo tempo em que faziam uma ponte com as coisas que estavam acontecendo lá fora, como os Beatles e Jimi Hendrix.

Como foi atuar no cenário cultural piauiense marcado pela censura militar?

G: Na época braba da ditadura mesmo, no tempo do AI-5, ano 68, não tinha ainda ninguém fazendo essas coisas. Quando se começou a fazer música, já estava no governo Geisel, tudo tinha censura. Então foi uma barra muito pesada que se passou. Tinha um jornal chamado Chapada do Corisco que acabou porque era muito perseguido. Se você tivesse um livro vermelho era censurado, tirado de circulação, porque se era vermelho, você era considerado socialista. Cheio de bobagem. Mas aí houve a anistia em 79. Já nos anos 70, o pessoal que tinha sido exilado começou a voltar.

O senhor sofreu algum tipo de represália nessa época?

G: Sofri, como eu já falei, fui censurado pelo governo. Fazia a música, mandava, ensaiva, e na hora eles não liberavam.

Mas eles diziam já na hora do show?

G: Por exemplo, hoje é sexta e o show seria domingo. Eu levo a música hoje, sexta. Liberavam ou não amanhã ou um dia antes. Já é sábado e não tem nem mais como ensaiar coisas novas. Era irritante por isso. Era uma coisa que violava os direitos humanos.

Eu vi que o senhor é formado em Administração pela UFPI. Por que o senhor resolveu seguir a carreira musical e não a carreira de administrador? O que pesou na escolha?

G: Eu comecei a compor em 72. Quando foi em 74 eu passei no vestibular. Foi uma época que a faculdade era uma coisa muito valorizada, todo mundo tinha que fazer. E eu também tinha interesse. Eu gostava de economia, queria entender economia, mas não tinha. O que mais se aproximava, onde a gente estudava teoria econômica, era administração. Não tinha nem o curso aqui, eu tive que fazer em Parnaíba, no campus da Universidade Federal. Quando eu estava no terceiro ano, a música já começou a ser algo muito forte. No terceiro ano, passei no vestibular para música, mas tinha que terminar administração. Mas a música me pegou mais de uma maneira muito forte. Hoje, não que eu me arrependa de ser músico, mas eu queria ter visto as coisas por um outro lado mais racional.

(...)

Geraldo Brito entrevistado por Laís Lustosa (laislm@hotmail.com)
Publicado originalmente em Entretenewsmento

6.11.13

A CIDADE REVISITADA & seus leões, por Rodrigo M Leite


três poemas 
à memória do amigo 
wellington trovão


tambores e fumaça
inauguram a dança do fogo

os filhos-do-sol
convidados ao meio-dia
riscam a praça em chamas

banhados de suor
bronzeados com pólvora



neon HOTEL


consertaram as lâmpadas queimadas
tabuleta, não te quero mais l.a. woman
tuas garotas topless vermelhas
teu bilhar solitário
os riscos nos muros danificados
meus beijos adocicados



retorno às causas natais


a cidade revisitada
já abriga os fantasmas dos amigos
seres feito sombras e lembranças
mistos nostálgicos, madrugada mais difícil
a cidade revisitada
ainda habitada pelos mesmos morcegos
os mesmos bares dissolvidos sempre cedo
atalhos apagados, segredos preservados
a cidade revisitada e sua pólvora
os ônibus os mesmos
enfurecidos na noite vermelha
selvagem coração, a cidade revisitada
transitória faixa emoção



Rodrigo M Leite
em A Cidade Revisitada & seus leões
Teresina: 2014


1.12.15

REMANSO, Gregório de Moraes


O Parnaíba imenso, adormecido
Pelas beiradas balsas deslizando
Balouçam leves, vão além singrando
Ao pôr do sol, do meu torrão querido

Velhas lembranças tenho revivido
O Mafuá, o Boi, os Reis, cantando
Pelo Cabral, tambores soluçando...
O canto do capote, vão, perdido!

É, tudo, sei, de outrora uma lembrança
Do meu alegre tempo de criança
Fazendo pescarias e caçadas!

Quisera ver outra vez minha terra
Andar a esmo qual pássaro que erra
Na imensidão perdida das chapadas!


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970

17.10.13

ROTEIRO SENTIMENTAL E PITORESCO DE TERESINA




É uma cidade, sem dúvida. Tem um comércio muito barulhento e uma indústria muito modesta. Tem lugar para os mortos: dois cemitérios, o da Vermelha onde são enterrados os indigentes, mas não somente eles, e o de S. José com muros brancos e portões de ferro. São cemitérios brasileiros sem o lirismo e a estética dos americanos. Tem as associações: religiosas, profissionais, filantrópicas, culturais, que também nesta cidade os homens são gregários: A Academias de Letras, a Ordem dos Advogados, o Rotary Clube, a Maçonaria. Tem o seu tédio aos domingos e os lugares onde se pode enganá-lo: a Socopo, projeto de uma cidade jardim a alguns instantes de Teresina, na estrada de União, com uma piscina de águas sulfurosas e outras instalações que transformaram em balneário o antigo centro de seu Juvêncio. Os que gostam do campo podem dar um passeio a Buenos Aires, um posto do Ministério da Agricultura, que fornece verduras e frutas à cidade e onde um tostão ainda é dinheiro: com ele podem ser comprados cinco maxixes.

E como é preciso chegar a uma conclusão há o recurso de citar Camus, por intermédio de Sartre: “Um processo cômodo de se conhecer uma cidade é procurar como se trabalha nela, como se ama, como se morre”. Talvez seja esta a verdade: só diretamente é que se pode apreender a vida íntima e real de uma cidade. Compreender as suas cousas. Saber que aquela casa da Rua Bela com uma frase na platibanda: “Homenagem ao lugar em que nasceu Luiz José de Souza”, representa apenas uma singela homenagem do dono da casa ao local em que nasceu o dono da casa. O dono, de bigodões, que é conhecido pelo nome mais modesto de Luiz Cabelo Duro, é relojoeiro de profissão, mas não conserta relógios de pulso porque é contra esta “moda idiota”. Nos seus vagares se apaixona pela astronomia e prepara o dossiê da cidade contando que terríveis segredos só a posteridade saberá um dia. Enquanto isto a cidade vive: a política picha os muros e solta foguetes. O espocar dos foguetes e ronqueiras marca todas as ocasiões festivas. As faíscas são derrotadas pelos pára-raios e o próprio calor pode ser combatido: as redes facilitam a vida. Desde que os armadores estejam na altura e na distância ideais, que lhes determina Huguinho, o maior conhecedor: a sua altura mais quatro dedos e quatro passadas suas mais um pé. Depois disso tudo estará bem. O carnaval é fraco. Também o futebol. A luz elétrica é boa, a água é melhor. O céu é imenso para os aviões e os urubus e nele um barbeiro da Rua Grande já viu o disco voador. A cidade completa cem anos. Já apareceu em um baião formoso e na Melodia Moura, de Mario de Andrade, Laura, que foi empregada na farmácia de D. Lili, falava de Teresina. O boi “Riso do Amor” dança em junho. Na última noite do ano dançam o réveillon no Clube dos Diários. Os dias se sucedem com o mesmo sol, as noites acompanham a lua. A vida é calma.

em Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina 
Prosa reunida | Teresina: Plug, 2007 [1952, 1ª edição]

26.7.23

As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino (fichamento)




Memória

As cidades e a memória 1

Diomira

"Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é que quem chega numa noite de setembro, quando os dias se tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas, e de um terraço ouve-se a voz de uma mulher que grita: uh!, é levado a invejar aqueles que imaginam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes".

As cidades e a memória 2

Isidoria

"O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade";

"Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações".

As cidades e a memória 3

Zaíra

"A cidade não é feita disso, mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado: a distância do solo até um lampião e os pés pendentes de um usurpador enforcado";

"A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata";

"Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras".

As cidades e a memória 4

Zara

"O seu segredo é o modo pelo qual o olhar percorre as figuras que se sucedem como uma partitura musical da qual não se pode modificar ou deslocar nenhuma nota";

"Essa cidade que não se elimina da cabeça é como uma armadura ou um retículo em cujos espaços cada um pode colocar as coisas que deseja recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, números, classificações vegetais e minerais, datas de batalhas, constelações, partes do discurso. Entre cada noção e cada ponto do itinerário pode-se estabelecer uma relação de afinidades ou de contrastes que sirva de evocação à memória".

As cidades e a memória 5

Maurília

"Para não decepcionar os habitantes, é necessário que o viajante louve a cidade dos cartões-postais e prefira-a à atual, tomando cuidado, porém, em conter seu pesar em relação às mudanças nos limites de regras bem precisas: reconhecendo que a magnificência e a prosperidade da Maurília metrópole, se comparada com a velha Maurília provinciana, não restituem uma certa graça perdida, a qual, todavia, só agora pode ser apreciada através dos velhos cartões-postais, enquanto antes, em presença da Maurília provinciana, não se via absolutamente nada de gracioso, e ver-se-ia ainda menos hoje em dia, se Maurília tivesse permanecido como antes, e que, de qualquer modo, a metrópole tem este atrativo adicional — que mediante o que se tornou pode-se recordar com saudades daquilo que foi."

Evitem dizer que algumas vezes cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo e com o mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si. Às vezes, os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os traços dos rostos; mas os deuses que vivem com os nomes e nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares acomodaram-se deuses estranhos.

É inútil querer saber se estes são melhores do que os antigos, dado que não existe nenhuma relação entre eles, da mesma forma que os velhos cartões-postais não representam a Maurília do passado mas uma outra cidade que por acaso também se chamava Maurília.

Desejo


As cidades e o desejo 2

Anastácia

"A cidade aparece como um todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer".

As cidades e o desejo 3

Despina

"A cidade se apresenta de forma diferente para quem chega por terra ou por mar".

As cidades e o desejo 4

Fedora

"Em todas as épocas, alguém, vendo Fedora tal como era, havia imaginado um modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto construía o seu modelo em miniatura, Fedora já não era mais a mesma de antes e o que até ontem havia sido um possível futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de vidro".

Símbolos


As cidades e os símbolos 1

Tamara

"Os olhos não vêem coisas mas figuras de coisas que significam outras coisas";

"O olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as suas partes";

"Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o que contém e o que esconde, ao se sair de Tamara é impossível saber".

As cidades e os símbolos 2

Zirma

"A cidade é redundante: repete-se para fixar alguma imagem na mente";

"A memória é redundante: repete os símbolos para que a cidade comece a existir".

As cidades e os símbolos 3

Zoé

"Assim — dizem alguns — confirma-se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares";

"Mas então qual é o motivo da cidade? Qual é a linha que separa a parte de dentro da de fora, o estampido das rodas do uivo dos lobos?".

As cidades e os símbolos 4

Ipásia

"Os símbolos formam uma língua, mas não aquela que você imagina conhecer".

As cidades e os símbolos 5

Olívia

"Você sabe melhor do que ninguém, sábio Kublai, que jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe uma ligação entre eles".

Delgadas


As cidades delgadas 2

Zenóbia

"Dito isto, é inútil determinar se Zenóbia deva ser classificada entre as cidades felizes ou infelizes. Não faz sentido dividir as cidades nessas duas categorias, mas em outras duas: aquelas que continuam ao longo dos anos e das mutações a dar forma aos desejos e aquelas em que os desejos conseguem cancelar a cidade ou são por esta cancelados".

Trocas


As cidades e as trocas 1

Eufêmia

"Não é apenas para comprar e vender que se vem a Eufêmia, mas também porque à noite, ao redor das fogueiras em torno do mercado, sentados em sacos ou em barris ou deitados em montes de tapetes, para cada palavra que se diz — como “lobo”, “irmã”, “tesouro escondido”, “batalha”, “sarna”, “amantes” — os outros contam uma história de lobos, de irmãs, de tesouros, de sarna, de amantes, de batalhas";

"E sabem que na longa viagem de retorno, quando, para permanecerem acordados bambaleando no camelo ou no junco, puserem-se a pensar nas próprias recordações, o lobo terá se transformado num outro lobo, a irmã numa irmã diferente, a batalha em outras batalhas, ao retornar de Eufêmia, a cidade em que se troca de memória em todos os solstícios e equinócios";

As cidades e as trocas 3

Eufêmia

"(...) das inúmeras cidades imagináveis, devem-se excluir aquelas em que os elementos se juntam sem um fio condutor, sem um código interno, uma perspectiva, um discurso. E uma cidade igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discursos seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa".

As cidades e as trocas 5

Esmeraldina

"Mas é difícil fixar no papel os caminhos das andorinhas, que cortam o ar acima dos telhados, perfazem parábolas invisíveis com as asas rígidas, desviam-se para engolir um mosquito, voltam a subir em espiral rente a um pináculo, sobranceiam todos os pontos da cidade de cada ponto de suas trilhas aéreas".

Olhos


As cidades e os olhos 1

Valdrada

"As cidades também acreditam ser obra da mente ou do acaso, mas nem um nem o outro bastam para sustentar as suas muralhas. De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas".

As cidades e os olhos 2

Zemruda

"Cedo ou tarde chega o dia em que abaixamos o olhar para os tubos dos beirais e não conseguimos mais distingui- los da calçada".

As cidades e os olhos 3

Bauci

"...contemplando fascinados a própria ausência".

As cidades e os olhos 4

Fílide

"Em todos os pontos, a cidade oferece surpresas para os olhos: (...)";

"Como todos os habitantes de Fílide, anda-se por linhas em ziguezague de uma rua para a outra, distingue-se entre zonas de sol e zonas de sombra, uma porta aqui, uma escada ali, um banco para apoiar o cesto, uma valeta onde tropeça quem não toma cuidado. Todo o resto da cidade é invisível".

As cidades e os olhos 5

Mariana

"Em toda a sua extensão, a cidade parece continuar a multiplicar o seu repertório de imagens: no entanto, não tem espessor, consiste somente de um lado de fora e de um avesso, como uma folha de papel, com uma figura aqui e outra ali, que não podem se separar nem se encarar".

Nome


As cidades e o nome 1

Aglaura

"Portanto, se quisesse descrever Aglaura limitando-me ao que vi e experimentei pessoalmente, deveria dizer que é uma cidade apagada, sem personalidade, colocada ali quase por acaso. Mas nem isso seria verdadeiro: em certas horas, em certas ruas, surge a suspeita de que ali há algo de inconfundível, de raro, talvez até de magnífico; sente-se o desejo de descobrir o que é, mas tudo o que se disse sobre Aglaura até agora aprisiona as palavras e obriga a rir em vez de falar";

"Por isso, os habitantes sempre imaginam habitar numa Aglaura que só cresce em função do nome Aglaura e não se dão conta da Aglaura que cresce sobre o solo".

As cidades e o nome 3

Pirra

"A minha mente continua a conter um grande número de cidades que não vi e não verei, nomes que trazem consigo uma figura ou fragmento ou ofuscação de figura imaginada".

As cidades e o nome 5

Irene

"A cidade de quem passa sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais dali; uma é a cidade à qual se chega pela primeira vez, outra é a que se abandona para nunca mais retornar; cada uma merece um nome diferente; talvez eu já tenha falado de Irene sob outros nomes; talvez eu só tenha falado de Irene".

Mortos


As cidades e os mortos 1

Melânia

"A população de Melânia se renova: os dialogadores morrem um após o outro, entretanto nascem aqueles que assumirão os seus lugares no diálogo, uns num papel, uns em outro".
Céu

As cidades e o céu 3

Tecla

"Por que a construção de Tecla prolonga-se por tanto tempo?, os habitantes, sem deixar de içar baldes, de baixar cabos de ferro, de mover longos pincéis para cima e para baixo, respondem: Para que não comece a destruição. — E, questionados se temem que após a retirada dos andaimes a cidade comece a desmoronar e a despedaçar- se, acrescentam rapidamente, sussurrando: — Não só a cidade".

As cidades e o céu 5

Ândria

"A cidade e o céu nunca permanecem iguais".



Ítalo Calvino
em "As cidades invisíveis"
Ilustrações de Matteo Pericoli
Companhia das Letras: 2017

10.4.16

VOLLEY BAR, William Melo Soares




volley bar
rock e pelada
coroas do parnaíba

nêgo valti
dava o mote
piau frito
e outras coisas

o pôr do sol
o sorriso
menina flor da paisagem
Piedade oferecia
rabo de tatu gostoso

volley bar
sorriso e farra
vida efêmera
eterna areia

volley bar
sorriso e farra
vida efêmera
eterna areia

volley bar
gente bonita
lâmina d'água
à flor da areia



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

30.1.12

ESPERAR A TARDE CAIR




Esperar a tarde cair
e atirar os olhos na grande avenida
como um animal faminto.
Assim como o sol que vai fugindo,
fugindo vai meu coração.
Até quando os mortos me lembrarão?
Quero apenas ver o mar,
Mas há tanto concreto nesse horizonte!

Pessoas vivem além das árvores
Com segredos e mistérios
Cortados pelos cantos dos pássaros.
Uma morte não acabará com o reino,
Nem o reino acabará com as mortes.

As horas não correm ontem
Porque hoje não tenho compromisso,
Mas meu desejo não é parar o tempo
Porque este vive em minhas veias.



Francisco Miguel de Moura Júnior
em A POESIA TERESINENSE HOJE
Teresina: FCMC, 1988

8.4.14

CIDADES RABISCADAS REMIX VOL. 1




a decomposição atroz e as vertigens.

fechar as janelas diante do simulacro e
se derramar pelos diversos andares da cidade
pelo hipertexto de suas entranhas
de suas tripas magnéticas
de sua fauna nervosa
de sua flora deserta em seu rizoma de concreto.

a decomposição atroz e as vertigens.

ruas lineares x o acaso dos dados na diáspora do sólido
o lado de dentro e o de fora de uma cartografia
buscar uma fenda para se esconder
no paradoxo luz / sombra
digerir o desejo das estátuas na dilatação ao sol
uma eternidade de enigmas adormecidos.

a decomposição atroz e as vertigens.



Demetrios Galvão
em Insólito 
Fortaleza: Editora Corsário, 2011

12.1.16

TERESINA ~ SÃO LUÍS ~ TERESINA




Teresina, você reduziu de ta~
manho, virou brinquedo, ma
quete de cidade daqui das nu
vens. Daqui de cima, você
pequenina passa e some dimi
nuta. Parnaíba~rio: risco
lírico no papel. Nossa Senho
ra das Dores, do Amparo, su
as espadas suas torres, espa
dam nossas bundas no céu. Te
resina limpa dominga azulada
verde mínima, daqui pego~te.


Tirirical da Cidade Antiga i
luminada de musgo e sol. Ao
contrário de Teresina, dila
tas na lupa da chegada. São
Luís, à medida que te sinto,
sinto pulsar forte tuas ve
ias; no ar te impero, te go
verno, frágil Ilha, no ar te
humilho. Ah velha Ilha! Doce
ilha de sal! Onde minha for
ça no teu chão? Miniatura on
de o gigante aéreo agora to
lo algemado transeunte? I
lha, meu passado te palmilha
espanto e encanto ~ brilhas
francesa menna, brilhas e
brilha meu amor nas tuas á
                                      guas



Jamerson Lemos
em NOS SUBÚRBIOS DO ÓCIO (1996)