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18.2.16

RUMO NORTE (1979) - Irene Portela






01 - De São Luiz a Terezina - João Do Vale & Helena Gonzaga - 0:00
02 - Sanharó - João Do Vale & Luis Guimarães - 3:16 
03 - Sabiá - João Do Vale, Luis De França & José Cândido - 5:33 
04 - Nécio Costa - João Do Vale - 7:20
05 - Passarinho - João Do Vale & José Lunguinho - 10:23
06 - Fogo No Paraná - João Do Vale & Helena Gonzaga - 13:33
07 - Lua Peixe - Irene Portela - 17:14 
08 - Até Quando - Irene Portela - 19:18
09 - Dia De Festa - Irene Portela - 21:31
10 - Alcântara - Irene Portela - 23:46
11 - Folha Verde - Ricardo Gouveia & Irene Portela - 25:13
12 - Na Hera Dos Muros - Irene Portela & R. Parreira - 28:09
13 - Guerreiro - Irene Portela - 31:12 



[...]



DE SÃO LUIZ A TEREZINA | Irene Portela 
Composição de João do Vale & Helena Gonzaga 


Peguei o trem em Teresina
Pra São Luís do Maranhão
Atravessei o Parnaíba
Ai, ai que dor no coração

E a trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Bom dia Caxias
Terra morena de Gonçalves Dias
Dona Sinhá avisa pra seu Dá
Que eu tô muito vexado
Dessa vez não vou ficar

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Boa tarde Codó, do folclore e do catimbó
Gostei de ver as cabroxas de bom trato
Vendendo aos passageiros
"De comer" mostrando o prato

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Alô Coroatá
Os cearenses acabam de chegar
Meus irmãos, uma safra bem feliz
Vocês vão para Pedreiras
Que eu vou pra São Luís

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Peguei o trem em Teresina
Pra São Luís do Maranhão
Atravessei o Parnaíba
Ai, ai que dor no coração

E o trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa



[...]



Depois de mais de dez anos de carreira, sem conseguir gravar, foi descoberta pelo produtor Marcus Vinícius, como compositora, intérprete e diretora musical do espetáculo "A missa do vaqueiro". Em 1979, lançou pelo selo Marcus Pereira seu primeiro disco, "Rumo norte", interpretando diversas composições de sua autoria, entre as quais "Lua peixe", "Dia de festa", "Guerreiro", além de diversas composições de João do Vale, como "De Teresina a São Luís (trem do Maranhão), em parceria com Luís Gonzaga, "Sabiá" e "Fogo no Paraná". Via Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira.

24.10.16

NAS PEGADAS DO RIO, Humberto Guimarães


CAPÍTULO XI (trecho) 
VOGANDO NAS ÁGUAS BARRENTAS


Um dia, perambulando por Benedito Leite, onde era bastante conhecido, chegou à quitanda do senhor Benigno para comprar cachaça, tendo a oportunidade de assistir ao final de uma transação que o dono da quitanda estava a fazer com João Costa, um rico boiadeiro de São Félix do Maranhão, cidade vizinha a Loreto.

João Costa e sua família eram os donos políticos da cidade, sendo temidos e obedecidos por todos os munícipes .

Pois bem. Julião fez como se não tivesse nenhum interesse no negócio, esperou que o boiadeiro recebesse o dinheiro, pediu a cachaça e saiu a seguir.

Imediatamente procurou seu filho Santero e um outro comparsa que não se sabe o nome e, tomando a estrada para São Félix, que margeia o rio Balsas, ficaram de tocaia a alguns quilômetros da Forquilha - local onde o Balsas se derrama no Parnaíba. Mais exatamente, esconderam-se por trás da "Pedra dos 30 Trinta Bois".

João Costa, com seu revólver 32, Smith niquelado, cabo de madrepérola, à cintura, e seus sapatos à moda - um lado branco e outro marrom, montando seu cavalo arisco, sela coberta de cochonil branco e cincha vistosa, satisfeito com o bom negócio que fizera, ruma agora, tranquilo, para casa.

Ao atingir a "Pedra dos Trinta Bois", é assaltado pelos três patifes, sem poder reagir. Matam-no. Roubam-lhe. A seguir pegam o cadáver. atam-lhe uma pedra ao pescoço e o fixam com cordas por baixo de um pau que está semi-coberto pela águas, à margem, recoberto de limo.

E fogem, como só eles sabem fugir.

Passa o tempo. A família sabe que João Costa saiu de Benedito Leite em direção a São Félix, mas ali jamais chegara. Não há duvida de que ele fora assassinado. Entretanto, nem sinal de pista.

Contudo certo dia um vaqueiro vai passando pelo local a tanger um boi encaretado, quando avista, boiando, um pé de sapato branco e marrom. Facilmente descobre o cadáver por baixo do pau, já totalmente estragado, a pele largando dos ossos, a fedentina se espalhando, insuportável, quando o procura remover.

Leva a notícia a Benedito Leite, que entra em comunicação com São Félix. A família da vítima vem aprestar-lhe o enterro. Tem a intenção de levar o corpo para o cemitério de sua cidade, mas o adiantado estado de putrefação não o permite. Assim, os restos mortais de João da Costa são enterrados por trás da "Pedra dos Trinta Bois", bem onde se esconderam seus assassinos.

E nada dos criminosos, apresar da caçada intensa que a família promove. Só algum tempo depois o acaso facilita as coisas, pondo a falta de cautela num dos matadores, o Santero, que, num botequim de São Félix, numa estúpida afronta, embriaga-se, faz baderna e expõe o revólver, que não teria jamais condições de comprar. A arma é logo reconhecida por circunstantes. A família da vítima é avisada e na mesma noite Santero é preso. Depois de um arrocho policial que mal começou, Santero dá o serviço: Julião tinha descido num "macaco" para tucuns, com um carrego de farinha e rapadura, seu mesmo. O outro tinha desaparecido para Goiás.

Policiais de Benedito Leite e de Uruçuí vão a Tucuns e, sem dificuldade, pegam Julião numa venda de cachaça, já se aprestando para a volta a pé. Ao chegarem a Uruçuí, o delegado não o aceita, diz que a ocorrência fora do lado do Maranhão, e julião é levado para Benedito Leite, onde é juntado ao filho, no interior da cadeia.

Numa meia-noite velha sem lua, aconchavados com os soldados, que relaxaram a guarda, os jagunços chegam e ali mesmo matam Santero enforcado e o deixam pendurado às grades por um fio de arame farpado, - a fixação de um facies de desespero, a língua numa projeção flácida: terrível máscara de morte. A seguir pegam Julião e colocam-lhe o "anjinho" - instrumento de tortura que consiste num aro de ferro que é colocado em torno da cabeça, com um parafuso de cada lado, à altura das têmporas. Colocam o instrumento abraçando a cabeça do sujeito e vão arrochando os parafusos que, ao passo que o conjunto vai-se apertando, vão penetrando até saltarem os olhos das órbitas oculares entre gritos e impropérios, entre choro e ranger de dentes, numa dor física inominável.

O silêncio da noite foi quebrado pelo gritos de Julião, logo abafados pelo tufo de estopa que entupiu sua boca e calou sua voz. Quando os olhos do negro saltaram das órbitas, cortaram-lhe a língua com uma faca dentada. Depois, começando pelo dedos dos pés e das mãos, foram-lhe cortando junta por junta. Na sanha dessa vingança não ouviram o último suspiro do negro, mas ao darem-no por morto, continuaram a cortá-lo até não ficar junta com junta.


Humberto Guimarães,
Publicado no livro "NAS PEGADAS DO RIO"
COMEPI: Teresina/PI: 1982

11.6.21

Os Bares de Teresina, por Eugênio Rosa de Oliveira Ribeiro (2013)






Certa noite, pertinho do aniversário de 161 anos de Teresina, numa das cervejadas no Bar do Osvaldo, ficou uma pergunta no ar: O que ou quem mais representaria o jeito de ser da cidade de Teresina?

Conversando com o Conselheiro Fernando Porto, primeiro e único Comendador do Barrocão, veio a solução! Nossos bares e botecos são quem mais refletem a alma do Teresinense.

E por qual razão? Qual é a característica dos nossos botecos? O que os diferencia? Quais são eles?

A maioria de nossos bares é bem simples. Despojados, não muitos limpos (tem um com o nome “Bar do Imundo”), copo americano, cadeira de espaguete, ás vezes nem cadeira têm! E, apesar de serem um templo de celebração da mulher, são um ambiente eminentemente masculino.

O dono, geralmente mais grosso que lixa 40, contraria todas as lições do SEBRAE sobre a cortesia e atenção aos clientes.

No entanto, estes botecos são ponto de intelectuais, médicos, engenheiros, jornalistas, empresários, um sem número de pessoas conhecidas e bem sucedidas, além dos tradicionais cachaceiros dos diversos matizes.

Tem boteco frequentado pelas mesmas pessoas faz 40, 50 anos. Agora já são os filhos que estão tomando o lugar dos pais.

O Bar do Osvaldo, por exemplo, que funcionava perto da casa do estudante, antes de mudar para o Barrocão (ficou no lugar do bar do seu Luís Veloso, pai da primeira dama Lilian), foi frequentado por sucessivas gerações de estudantes (iam comprar ovo e sardinha!).

Muitos desses estudantes se formaram e, apesar de profissionais de sucesso, mantiveram o hábito de visitar o veterano da guerra (seu Osvaldo lutou no Suez).

No Osvaldo não há cadeiras, nem mesas. Quando aparece uma pessoa conhecida (só se for conhecida) ele tira detrás do balcão um tamborete e, assim, os fregueses se posicionam uns de frente para os outros nos dois lados do balcão.

O balcão de madeira do seu Osvaldo tem mais de cem anos e pertenceu ao comércio do senhor Adelino, depois fiscal de rendas do estado, pai do Agenor (engenheiro), Juscelino e Dilson Pinheiro (médicos já falecidos) que permaneceram, como o pai, assíduos frequentadores.

Local de encontro de muitos amigos como: Tancredo Serra e Silva, Edmar Mota e Bona, Peninha, Manoel Afonso, José Jucá Marinho, Bernardo Castelo Branco, Oscar Castelo Branco, Ivadilson, Raimundo Marvignier, Os irmãos Raldir, Bizarria e Roosevelt Bastos, José de Sousa Santos, Afonso Ferro Gomes Filho, João Agrícola dos Passos, Walter Moura, Alberoni Lemos Neto, Ismar Andrade, e muitos outros.

Dá tristeza saber que uma grande parte já se foi!

Outros bares formam uma verdadeira confraria. Um grande exemplo é o Santana. Reduto de famílias tradicionais, os clientes se sentem irmanados e muito amigos. É muito frequentado por empresários e profissionais liberais. Os membros promovem diversos eventos durante o ano: Carro dos Amigos do Santana no Corso, filme do ano, enduros e por aí vai... Tem cliente que começou criança tomando refrigerante no antigo endereço em frente à Igreja São Benedito.

Mas afinal, quais são os bares tradicionais de Teresina do passado e do presente? Eis alguns exemplos:

Maria Tijubina: ficava no Mafuá entre o muro do Cemitério São José e a linha do trem era frequentada por boêmios e notívagos muito conhecidos como José Lopes dos Santos e o mestre do cavaquinho da Rádio Difusora Caco Velho.

• Bar do 71: na Praça do Fripisa, o dono “o Neguin Baixo” só usava branco, roupa e chapéu. Era o ponto dos estudantes da Faculdade de Direito, que funcionava na praça, quando terminavam as aulas.

• Bar do Zé Garapa: na Piçarra onde funciona hoje a Jacaúna, ponto de encontro dos melhores jogadores de sinuca. O melhor jogador era o Raimundinho da Bindá. Seu irmão Antônio da Bindá era conhecido como o maior boêmio do Piauí e um grande cantor.

• Restaurante da Dona Maria Maior: localizado na Rua Paissandu, reduto boêmio. Quando terminavam os filmes, as tertúlias e o movimento da Praça Pedro II, os homens desciam. O nome oficial era Fála-se Hotel, possivelmente uma corruptela de Pálace Hotel.

Bar Carvalho: Muito famoso, frequentado pela elite, era da família do prefeito Firmino Filho e do vereador Inácio Carvalho, ficava na Praça Rio Branco e era considerado a melhor comida de Teresina.

• Bar do Cabecinha: No Cajueiro, antes funcionou na Santa Luzia com David Caldas, reduto do famoso Basilão dos Cajueiros.

Bar Carnaúba: dos irmãos argentinos Carlos e Osvaldo Fassi, ao lado do Theatro 4 de Setembro, totalmente feito de carnaúba. Em suas proximidades funcionava a Rádio Calçada, em frente a Lanchonete Americana, onde as decisões políticas do Piauí eram tomadas. Entre os seus frequentadores temos: Deputado Ciro Nogueira (pai), Dr. João Mendes Nepomuceno Neto, Prof. Magalhães (pai de secretario de segurança) dentre outros.

• Bar do porão do Clube dos Diários: onde existia um cassino

• Largo do Boticário, no Clube dos Diários: no corredor a esquerda de quem entra no Clube, reduto de escritores e intelectuais, até os garçons eram famosos: Raimundão (pai da delegada Vilma), Careca e Cirilo.

• Bar e Hotel Avenida: onde hoje é o Hotel Piauí (Luxor), frequentado pelos sírios e libaneses, nossos conhecidos carcamanos.

• Cantinho do Tufy: também de árabe, o dono era o Jesus Thomaz Tufy, exercia suas atividades na Rua Álvaro Mendes esquina com a Rua Simplício Mendes, foi a primeira lanchonete a vender esfirra e quibe na cidade.

• Bar e Restaurante do Auto Esporte Clube: Na Rua da Palmeirinha (Clodoaldo Freitas), lugar de quem queria comer uma boa panelada. Primeiro restaurante “delivery” de Teresina.

• Chicona do Poti Velho: figura folclórica fazia piaba frita e peixe de primeira (era quem fritava os peixes – bem poucos por sinal– de minhas pescarias no encontro das águas).

• Galinha da Júlia: única comida que se pode dizer que é genuinamente teresinense, funcionava perto do Hospital São Marcos. A galinha era feita em panela de ferro e lenha, recheada com mexidos e bastante condimentada. A receita morreu com ela, mas fez tanto sucesso que a tripulação da empresa aérea Real Aerovias, ao fazer escala em Teresina já vinha com a incumbência de levar a galinha para o Rio de Janeiro e outras cidades.

• Bar do Zé de Melo: em pleno funcionamento na Dom Severino, tão frequentado e querido que existe uma confraria organizada dos amigos do seu Zé.

VTS: Na Rua João Cabral, vende um peixe muito famoso e possuía uma seleta freguesia, exemplo: Totó Barbosa, Elisiário, Carlos Said e Nodgi Nogueira

E quantos outros! Miúda, Bar do Edverton, Gela Guela (a cerveja mais gelada da cidade), Rifona, Zé guela, Sapucainha, Coqueiro Verde, Bar do Gelatti, Pesqueirinho, Bar do Lula, Bar do João Veloso, Bar do Amauri (reduto de jornalistas), Bar da Tia Maria (no encontro das águas), do Ulisses, Zé Filho, Pé Inchado, Ribamar, do Pernambuco, Bar e Restaurante Acadêmico (do Pedro Quirino).

Em Teresina, o bar é tão importante que até candidatura de governador já foi decidida em um.

Até hoje, não há maior diversão para um teresinense da gema que encontrar os amigos no final da tarde e fins de semana, no seu boteco favorito, para trocar informações e esmaecer as tensões de um dia de trabalho.

Nem melhor local para se fazer amizades que duram toda a vida.

São os bares e botecos que fizeram a alegria dos teresinenses de ontem e de hoje.

E que refletem muito do nosso jeito simples e amigo de ser.



Eugênio Rosa de Oliveira Ribeiro
Em 10/08/2013 | Teresina/PI

Publicado no blogue do Poeta Elmar Carvalho "Recebi o vertente texto por WhatsApp. Não tendo o contato do autor, não lhe pude pedir autorização para a publicação em meu blog. Espero que ele não se aborreça. Quem me enviou o texto também não tinha o endereço virtual dele. Publiquei porque achei um texto muito bom e importante para a memória de Teresina."


8.11.11

João Ferry - síntese biográfica, por Assis Brasil


"A poesia de João Ferry tem duas fases. A do parnasianismo 
multiforme e a da compreensão e assimilação dos novos rumos 
da poesia, procurando libertar-se dos processos matemáticos 
da métrica e da forma". Herculano Moraes


Nasceu João Francisco Ferry em Valença do Piauí, no dia 16 de abril de 1895, onde estudou as primeiras letras com seu pai, o professor José Francisco Ferreira da Silva, no Colégio São José. Com apenas instrução primária, João Ferry parte logo para o trabalho no comércio aos 12 anos de idade. Com a experiência no setor, em breve seria guarda-livros em importantes firmas comerciais piauienses, como a Agência de Rossbach Brasil Companhy, Joaquim Luz & Cia. e Ney Ferraz & Cia., de Teresina.

Enquanto prepara seu livro de versos, Princípios, que será publicado, de parceria com Luís da Paixão Oliveira, em 1914, João Ferry faz uma proveitosa incursão pelo interior de seu Estado, tendo trabalhado em Paraíso (hoje Miguel Leão), Pimenteira, São Pedro do Piauí (como vereador) e nos últimos dias de vida na prefeitura de São Miguel do Tapuio.

Interessando-se também pelo teatro e pelo jornalismo, fundou em sua cidade natal O Lépido, jornal de crítica literária, sendo um dos lançadores do jornal Cidade de Floriano, considerado por Fenelon Castelo Branco um dos melhores da imprensa nacional. Por outro lado, João Ferry teve o seu momento de glória no teatro, quando suas peças era encenadas em todo o Estado e representam de fato os primórdios do gênero no Piauí.

Poesia simples, sem rebuscamentos das escolas em voga, embora a paga do tributo da rima, João Ferry desenvolve também uma espécie de ironia diante dos problemas dos problemas da existência, com a compreensão dos simples e dos ingênuos que tanto marcaram a poesia popular de Hermes Vieira, Hermínio Castelo Brando e mesmo Ovídio Saraiva. Gostava de juntar prosa e versos nos seus livros, com é o caso de Em busca de luz, de 1922, que traz a comédia Quem tudo quer tudo perde, já encenada em quase todos os municípios do Estado do Piauí.

Patrono da Cadeira 38 da Academia Piauiense de Letras e membro da Associação Profissional dos Jornalistas e do Cenáculo Piauiense de Letras, João Ferry morreu em Teresina no dia 22 de setembro de 1962.



em A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995


15.10.18

TERESINA ANTIGA, A. Tito Filho


Nos festejos de São João acendiam-se inúmeras fogueiras e se enfeitavam as ruas de patis. Defronte do palácio do governo exibia-se o boi do Manoel Foguista. A cidade tinha mais casas de palha do que de telhas. Quase não havia muros nos terrenos, cercados de talos de buriti. Fabricavam-se cigarros de duas marcas: CONDOR e REI DE PAUS. Principais operários da fabricação: Antônio Cazé, Leônidas Carvalho e Domingos Ferreira. Fazedor de imagens de santos, Vitor. As quadrilhas nos bailes eram marcadas pelo funileiro Gervásio, de fraque. Fabricante de violão, Lourenço Queirós. BANDAS DE MÚSICA: a dos Almeidas, a do Azevedo, a de pau de corda, composta de violão, flauta e pandeiro, entre outros instrumentos, propriedade de Pedro Tonga. A professora de música Ana Bugyja Britto mantinha orquestra para tocar nas novenas e aniversários. As bandas da Polícia e do Exército exibiam-se nas retretas da praça Rio Branco, dividida em duas áreas, a da alta-roda, ou gente de PRIMEIRA, e  a de segunda classe: ÁGUA. Denominavam-se cargueiros os animais carregadores de água do rio para as residências, vendida de porta em porta. Pessoas ilustres apanhavam o precioso líquido no seus próprios animais. CAVALOS. O cidadão Boeiro, morador no Barracão, fundou uma escola para que os cavalos aprendessem a marchar, esquipar, trotar. Dia de domingo realizava-se corrida desses quadrúpedes do centro da cidade até a Catarina. Esporte dos ricos. Boeiro vendia fumo de corda. Homem de posses. Emprestava dinheiro até ao Estado em dificuldades. ARROZ. A primeira máquina de beneficiar arroz pertenceu ao cidadão Manoel da ria São José, hoje Félix Pacheco. Ainda trabalho se dava às pisadeiras, no pilão, iniciavam a tarefa pelas três da madrugada no bairro Vermelha. CABARÉS. Animados. Danças até de madrugada. Cada rapariga tinha sua alcova, com cama, rede, penteadeira. Serviço de bar. Mulheres sempre novas. Havia intercâmbio de prostitutas de São Luís, Fortaleza e Teresina. Principais lupanares: Rosa Branca, Raimundinha Leite, Gerusa, na década de trinta e quarenta. Famoso também o cabaré da Calu na Piçarra. No carnaval as meninas alugavam caminhão e participavam do corso pelas ruas da cidade. As mais aplaudidas pelos machacás. CINEMAS. Quando me entendi, eram 3 as casas exibidoras: Royal, para molecada, bancos de madeira, sem encosto, o "Olímpia", na praça Rio Branco, da elite. Muita elegância nas sessões dominicais. A princípio, fitas mudas acompanhadas de música por artistas da terra, e o Theatro 4 de Setembro, que inaugurou o cinema falado em Teresina, a partir de 1933. Depois surgiram o "Rex", o "São Raimundo", o "São Luís", o "Royal", segundo deste nome. Muito namoro em todos eles. Namoro forte. O Teatro e o "Olímpia" ofereciam, sábado e segunda-feira, respectivamente, entrada gratuitas as meninas da Escola Normal. Os gajos pagavam. Na escuridade das salas de projeção, nesses dias saudosos, vigorava a bolinação. Uma pouca vergonha, rapazes agarrados nos seios das garotas. Uma graça Teresina. Boa de viver. Inesquecível para os que a conheceram nas suas graças e atrativos.


via Jornal O DIA
em 04 de novembro de 1988

22.10.13

O SUCO DO ABRAHÃO, por Wellington Soares





Quando criança, minha obrigação semanal era ir à novena com dona Mundica, ali na Vila Operária, zona norte de Teresina. Toda terça-feira, se a memória não me trai, estava eu lá, cercado de santos e anjos, aprendendo que melhor do que os pecados cometidos é a sensação de leveza do perdão alcançado. Em troca, exigia apenas algumas moedas para comprar uns picolés Amazonas e uns poucos alfinins, chantagem aceita e cumprida rigorosamente por mamãe, mas só atendida após a celebração religiosa. Com o espírito confortado e o corpo alegre, retornava feliz para casa, saboreando cada um daqueles momentos com incontido prazer. Já deitado na rede, pensava, mesmo não conhecendo ainda Bandeira, que a noite podia descer, a noite com os seus sortilégios.

Agora, sem compromisso e por vontade própria, troquei as novenas de outrora pelos refrescos deliciosos do mestre Abrahão, situado nas proximidades do Instituto de Educação. Toda semana apareço lá, como um montão de gente também, para assinar o ponto: tomar um refresco - que de tão espesso parece mais um suco - e comer um pastelzinho caseiro. Dos sabores, prefiro os de cajá e bacuri, sem igual e que nos levam aos céus. O de abacate é bom nem falar, covardia pura, o negócio é tomar aos poucos e devagarinho, lambendo os beiços e pedindo mais outro. Para quem está resfriado, ou precisando de um reforço no estoque de vitamina C, a casa prepara um suco de laranja no capricho, feito ali na presença do freguês, com mel de italiana usado como açúcar. Na hora do prejuízo, depois de ter enchido a pança, é quem vem a parte melhor de tudo: uns nadinha de reais, um ou dois, com direito a troco ainda, "muito obrigado" e "volte sempre".

E não é que volto mesmo!?, na primeira distração das pelejas do trabalho, estou lá novamente, esperando a vez de ser atendido, não só para saborear os refrescos, mas, sobretudo, as palavras de sabedoria do mestre da Rui Barbosa com a Manuel Domingos. Com a invejável experiência de vida que tem, ele nos serve gratuitamente, apesar da pouca escolaridade, lições importantes de humildade, dedicação e amor ao próximo. Através de cartazes afixados nas paredes do comércio, Abrahão da Silva Gama - o popular ASIGA -, este maranhense de São João dos Patos que reside em Teresina há mais de cinquenta anos, planta nas retinas das pessoas mensagens perturbadoras e educativas, difíceis de esquecer pelo humor sarcástico e engraçado que destilam: "Prove que é orelhudo, preferindo um refrigerante de 1 real e renunciando a um suco por apenas 75 centavos". Ou, então, aquela dirigida aos que têm a mania de consumir sem querer pagar, tentando sair de fininho e sem dar na vista: "Pagar antes está na moda e virou samba! Siga o ritmo e receba nosso agradecimentos".

O mais impressionante, acreditem, é que os preços e a qualidade permanecem, ao longo dos anos, quase sempre os mesmos, um tantinho de nada e uma gostosura que só provando. Com ou sem crise econômica, a clientela festeja e solta foguetes. Todos entram e saem dali com a barriga contente e o bolso satisfeito. Um ambiente, aliás, bonito de se ver e estar, com as mais distintas classes e raças harmonizadas pela fome de comida e saber, instante sublime porque guarda algo de misterioso e primitivo. A imagem comovente de homens e mulheres unidos em torno do sagrado alimento da caça e das reflexões existenciais, que os fortaleciam enquanto comunidade ávida de desbravar as naturezas em geral, sem as distinções ainda absurdas e inaceitáveis que surgiram depois.

Sempre que converso com Seo Abrahão, a quem chamo respeitosamente de mestre, me vêm à lembrança os versos antológicos de Bertold Brecht, nos quais o poeta e dramaturgo alemão exalta os que transformam a vida em uma permanente e apaixonada luta, não só no campo político como em qualquer atividade abraçada com amor e determinação: "Há aqueles que lutam um dia, e por isso são bons; / Há aqueles que lutam muitos dias, e por isso são muito bons; / Há aqueles que lutam anos, e são melhores ainda; / Porém há aqueles que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis". O mestre Abrahão pertence, sem dúvida e na opinião de todos que o conhecem, ao seleto grupo dos que foram escolhidos e vieram com a nobre missão de serem imprescindíveis. Ainda bem que - para nossa eterna e grata felicidade - ele desembarcou por essas bandas da Chapada do Corisco, e acabou se tornando um dos nossos mais queridos e legítimos filhos.



Wellington Soares
Por um triz 
Teresina: Fundação Quixote, 2007

4.5.22

Pra Acender seu Coração, por Chico Castro



Não sou quem vc pensa, meu rapaz!
Vc não nem me vê
Kd vc?
Tenho um pix, sou mix...
Já fui pó de giz...
Agora
Faço as unhas, corto cabelo
Faço massagem, selagem, tiro os pelos
Boto a bunda pra rebolar...
E vc nem olha!
Se até um cego me vê passar!
Sou mulher...
Gosto de gracejo
De Catherine Deneuve...
Compro roupa nova
Da moda,
Um biquíni cavadão...
Faço festa de São João
Quando vejo vc chegar...
Por que não posso me rebolar?
Pra chamar sua atenção?
Qualé, meu irmão, tem disso, não..
Joga essa prosa fora...
Não sou submissa,
Sou artista...
Pra acender seu coração,
Faço festa de São João
Um biquíni cavadão
Quando vejo vc passar
Pra chamar sua atenção...



Chico Casto, 05.02.2022
Enviado pelo autor


4.12.11

A RUA, por Torquato Neto




Toda rua tem seu curso
Tem seu leito de água clara
Por onde passa a memória
Lembrando histórias de um tempo
Que não acaba

De uma rua de uma rua
Eu lembro agora
Que o tempo ninguém mais
Ninguém mais canta
Muito embora de cirandas
(oi, de cirandas)
E de meninos correndo
Atrás de bandas

Atrás de bandas que passavam
Como o rio Parnaíba
Rio manso
Passava no fim da rua
E molhava seus lajedos
Onde a noite refletia
O brilho manso
O tempo claro da lua

Ê São João ê Pacatuba
Ê rua do Barrocão
Ê Parnaíba passando
Separando a minha rua
Das outras, do Maranhão
De longe pensando nela
Meu coração de menino
Bate forte como um sino
Que anuncia procissão

Ê minha rua meu povo
Ê gente que mal nasceu
Das Dores que morreu cedo
Luzia que se perdeu
Macapreto Zê Velhinho
Esse menino crescido
Que tem o peito ferido
Anda vivo, não morreu
Ê Pacatuba
Meu tempo de brincar
Já foi-se embora
Ê Parnaíba
Passando pela rua
Até agora
Agora por aqui estou
Com vontade
E eu volto pra matar
Esta saudade
Ê São João, é, Pacatuba
Ê rua do Barrocão.



Torquato Neto
em Torquatália, do lado de dentro
Paulo Roberto Pires (org.)
Rio de Janeiro: Rocco, 2004



27.1.16

ZEZÉ LEÃO, VALENTE E TEMIDO, Arimatéa Carvalho




José Leão (Zezé Leão): Se Pernambuco teve Lampião, no Piauí reinou Zezé Leão. A frase rimada serve para ilustrar a fama dessa figura histórica, polêmica e discutida. Filho de uma das mais importantes famílias piauienses, a Arêa Leão, José nasceu em 1901 e morreu em 1956, num episódio cruel e que dá bem a dimensão do tipo de realidade que cercou seus 55 anos de vida.

Zezé Leão foi morto pela polícia no município de Água Branca e teve o seu corpo dilacerado. No Cemitério São José, onde foi enterrado, os coveiros contam que seu corpo chegou dentro de um saco, tamanha a mutilação sofrida.

A polícia fazia parte da trajetória de Zezé Leão de duas formas. A primeira foi bastante honrosa. Em 1930, após liderar ao lado dos irmãos Miguel, João e Júlio a Revolução no Piauí, ele recebeu o título de capitão da Brigada Militar que, mais tarde, viria a ser a Polícia Militar. Como militar, Zezé foi valente e temido.

Seu segundo envolvimento com os militares, no entanto, revelou-se desastroso. Próximo do Quartel Militar, que funcionava no prédio do Centro Artesanal, na Praça Pedro II, Zezé reencontrou-se com o capitão Vanderlei numa mesa de bar. O oficial já havia detido Zezé por homicídio. Segundo registro da época, o "Lampião do Piauí" matara um soldado. Gole vai, gole vem, surge uma discussão a respeito da prisão do Zezé. Bem mais alto e forte, o capitão dá um soco no valente jovem. Horas depois, o militar estaria morto. Zezé foi à sua casa, pegou uma arma, voltou a abateu Vanderlei.

A prisão de Zezé Leão não representou o fim de sua história de mortes e coragem. Folclore à parte, a maioria das mortes não ocorreu por crueldade ou capricho. A origem de sua fama de matador está num conflito de terras envolvendo sua família, os Arêa Leão, e o coronel José Liberato, outro grande latifundiário da região do município de São Pedro - que depois daria origem a um punhado de cidades como Água Branca, Hugo Napoleão e Miguel Leão (homenagem ao mais velho dos quatro irmãos homens da família).

A briga entre os Arêa Leão e Liberato pela posse de terras se alastrou por mais de uma década no interior do Estado. Foi o conflito armado que provocou o aparecimento do bando de jagunços, profissionais contratados para executar "serviços" e proteger as fazendas. Zezé Leão e seu bando ficaram famosos, mas há grande diferença entre ele e Lampião: enquanto o primeiro era latifundiário e de família tradicional, o outro era um nômade errante.

As mortes de ambos os lados terminaram em processo na Justiça. O julgamento do coronel José Liberato ocorreu no Tribunal de Justiça que, à época, instalava-se no prédio do hoje Museu do Piauí, em frente à Praça da Bandeira, no centro de Teresina. Liberato era acusado pelos Arêa Leão de homicídio e o evento mobilizou toda a capital. Os advogados do coronel, Adolfo Alencar (tio do empresário Valter Alencar) e Mário José Batista, também eram brigados, o que provocou uma curiosa defesa: cada profissional usou uma tese. Liberado foi absolvido. Ainda hoje a vida de Zezé Leão é tabu. Sua família se recusa a comentar o assunto.

Um dos filhos, Altamiranda, funcionário da Prefeitura Municipal de Teresina, informou que os irmãos ficaram magoados quando um escritor tentou publicar livro com o título "O Cangaceiro Zezé Leão". A família não divulgou o nome do escritor. Os jornais das décadas de 40 e 50 têm registros de episódios envolvendo Zezé Leão.

História Macabras e Cruéis, o folclore tratou de embaralhar o que é verdade e o que não passa de ficção na vida do temido Zezé Leão. A coragem do ex-militar deu origem à frase "valente que nem Zezé Leão", bastante comum no interior piauiense.

Conta-se que, no final da tarde, ele sentava-se no alpendre do casarão da fazenda Altamira, em São Pedro, e escrevia seu nome na fachada do imóvel usando o revólver. Embora seja difícil imaginar tamanha destreza com um revólver a ponto de desenhar letras com rajadas de balas, a história correu o Estado e hoje é contada como verdade.

Em outro episódio, Zezé Leão viu um negro assoviando e perguntou qual era a música. "É Asa Branca", respondeu o negro. O valentão mandou o rapaz assoviar até inchar os lábios e depois disse para ele ir embora. Quando o negro ia cumprir a ordem, Zezé o matou com sete tiros de revólver.

Segundo a tradição popular, Zezé teve duas orelhas arrancadas e penduradas num cercado, antes de ser morto, em 1956. Mas a versão oficial não registra o fato.

Entre as muitas histórias, duas são verdadeiras: Zezé Leão mandou dois de seus jagunços capturarem no Bairro Vila Operária, numa obra do colégio Leão XIII, dois trabalhadores que haviam fugido da fazenda da família. Os jagunços levaram os homens à força, alegando que eles tinham saído das terras de Zezé com dívidas. Os dois nunca mais foram vistos.

Além disso, o polêmico membro da família Arêa Leão destruiu um dos jornais de Teresina por motivos políticos, conforme relato do prefeito Wall Ferraz em seu livro de memória.

No Cemitério São José, na zona Norte de Teresina, os coveiros mais antigos relatam a fama de valentão de Zezé. Passando 42 anos de sua morte, o "Lampião do Piauí" sobrevive em episódios impressionantes, sejam verídicos ou fantasiosos.

De acordo com um deles, não foi a polícia que matou Zezé. Ele teria sido assassinado por um caboclo e só então os militares se apossaram de seu corpo.

O ex-capitão da Brigada Militar foi casado com dona Olinda e tem muitos herdeiros vivos, entre filhos, netos, bisnetos e sobrinhos. A maioria não gosta de lembrar o passado.

"Eu Conheci Zezé" - Zezé Leão era educado e gentil quando estava sóbrio. "O problema acontecia quando ele bebia", relembra o professor Moaci Madeira Campos, que conheceu o valentão pessoalmente e protagonizou um curioso episódio com o homem que virou sinônimo de coragem.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil vivia em estado de sítio informal. Os cidadãos precisavam de um salvo-conduto para viajar dentro do pais e o clima era de tensão. O professor Moaci Madeira Campos tentava visitar a noiva no interior e aproveitava o único caminhão que fazia o percurso. Quando o veículo chegou ao posto militar situado no Bairro Tabuleta, na zona Sul da Capital, a polícia mandou o motorista parar:

Foi exigido o salvo-conduto de todos os ocupantes do caminhão. Como o documento do professor estava com prazo vencido, o militar responsável pela fiscalização disse que não permitiria que ele prosseguisse. "Aí Zezé Leão virou para mim e disse: O senhor vai viajar sim, professor. Vamos ver se o senhor não viaja!", relata Madeira Campos. Ele confessa que ficou com medo da reação de Zezé, caso o militar resolvesse comprar a briga. "Mas, graças a Deus, fomos liberados e não aconteceu nada", conta o professor.

O segundo encontro entre Madeira Campos e Zezé Leão não foi menos interessante. Dono do Colégio Leão XIII, o professor recebeu a inesperada visita do ex-capitão. Ele estava bêbado e reclamava que havia discutido com o dono do colégio onde seus filhos estudavam. "Fiquei com medo que ele pedisse para transferir os alunos para meu colégio, pois não me relacionava tão bem com o dono do outro estabelecimento. Mas o convenci a não levar o caso adiante", diz.

Segundo Madeira Campos, Zezé era de "fino trato" e muito de sua fama surgiu dos conflitos armados entre a família Arêa Leão e o coronel José Liberato que, por incrível que pareça, era parente desse grupo familiar.



Arimatéa Carvalho
em Jornal Meio Norte, Alternativo, 
9 de agosto de 1998

4.2.12

BARRINHA QUE JÁ SE FOI, João Ferry


Barrinha, minha Barrinha
Viraste Palha de Arroz!
A palha não era minha
O rio levou depois

O rio, assim como o vento,
Depressa doido ficou.
Não houve chuva a contento
E o rio também secou.

Quando houve chuvas a granel
O rio sem paciência,
Cumpriu seu triste papel,
Levou tudo sem demência!

Na Vermelha, do Laurindo
Tanta gente brincou lá,
Que a Vermelha foi caindo
Descendo pro Mafuá:

O Mafuá cresceu tanto,
Mas, fez tantas confusões,
Que se acabou por encanto,
Como os bons Três Corações

Buraco da Velha foi
Também zona de alegria
Mas, adeus Bumba-meu-boi
Busca-pés e cantorias

O querido barrocão
Que nos deu Doutor Boeiros
Sucumbiu-se, foi ao chão
Dando vida aos Cajueiros.

Minhas saudades, porém,
Confesso, não me dão trégua,
Quando na mente me vem
O sol da Baixa da Égua.

São Raimundo! São Raimundo!
Frautas, luar, sonho e farra,
Virou poeira no mundo
Trazendo após a Piçarra!

Poti Velho, Teso Duro!
Poções, Noivos, e o Pau-Dágua!
Vamos ver, se temos furo,
Sem ter choro, sem ter mágoa.

Catarina e São Joaquim
Matadouro e Pirajá
Passeios bons do Angelim
Já não existem por cá.

Já não tem rua do Amparo
Nem da Estrela, nem da Glória,
Tudo mudou sua história.
Ficou tudo ao desespero!

Tudo se foi - Retrocesso!
Com fonte rara e divina
Veio em seguida o progresso
Engalanar Teresina.

Pedro Silva! Hoje tudo
Tudo! Tudo é diferente!
Tudo é grande e não me iludo,
Só nós dois somos gente!

Até mesmo a Não-Se-Pode...
Também assim é demais!
A nossa alma não sacode,
Ai, nunca mais! Nunca mais!


João Ferry
em A GERAÇÃO PERDIDA

de M. Paulo Nunes
São Cristovão/RJ: Artenova

21.10.13

SR. CORNÉLIO



Cornélio Evangelista da Costa, o Sr. Cornélio, que completa 90 anos no próximo dia 28 de agosto, disse que não tem saudades de tempos atrás. "Gosto da Zona Leste de Teresina pelos seus arranha-céus", afirma. Há quarenta anos, ele se instaurou no ponto mais badalado do centro da cidade, a esquina da Praça Pedro II com a Avenida Antonino Freire, a menor avenida do mundo, construída para homenagear o governador do estado entre 1910 e 1912. O cardápio ainda é o mesmo: pão de queijo e refrigerante. Ele mesmo cuida da lanchonete até hoje. É um observador do seu tempo e diz que até os costumes mudaram. "Uma coisa interessante, os homens circulavam o coreto da Praça Pedro II pela direita e as mulheres, pela esquerda, era assim que se paqueravam. Se você fosse deixar a moça na casa dela, era casamento feito", revela. Ex-vizinho de figuras ilustres como os governadores Helvídio Nunes e Leônidas Melo, ele relembra que a atual area nobre da cidade, a zona leste, era um local de veraneio, onde os comerciantes do centro mantinham sítios para passar o final de semana. "As pessoas mais ricas da cidade moravam na Avenida Antonino Freire e na Avenida Frei Serafim", lembra. Natural de São João dos Patos "MA", Sr. Cornélio ficou viúvo às vesperas de completar bodas de ouro. "Foi amor a primeira vista. Tenho três filhos, cinco netos e dois bisnetos", disse. Sr. Cornélio não tem planos de parar. Todos os dias, o forno da lanchonete Mary Lucy assa mais de cem pães de queijo que são consumidos ainda quentes.



Revista Veja 
Edição 2229 
Ano 44 - nº 32, em 10 de agosto de 2011

18.3.20

BAIÃO DE TODOS: poetas repensam a vida, num diálogo civilizatório, por Menezes y Morais




O poeta William Carlos William (1883-1964) assegura: “Os poetas enxergam com os olhos dos anjos”. Poeta, criador de Arte, é construtor, lapidador de civilização, nos assegura o conceito antropológico de cultura. Os 48 poetas reunidos em Baião de Todos (poesia, 2016) mostram isto em seus discursos poéticos.

A dicção poética questiona e repensa a Vida. Os poetas dialogam entre si, questionam a civilização, repensam a Poesia, a sociedade, o País, o mundo. O diálogo entre poetas, a reflexão sobre a sociedade moderna, o engajamento político, são temáticas perenes entre os Poetas dignos deste nome.

A Poesia não é feita apenas palavras – para lembrar os poetas Stefane Mallarmé e Paul Valéry, no final do século XIX e início do século XX – mas, sim, de palavras com significados e significantes – para lembrar São Tomás de Aquino, in Confissões (sua biografia, escrita por volta do ano 400 da nossa era).

TEMA TABU?

A segunda metade do século XX provou que se faz Poesia sem palavras. Neste surpreendente século XXI a Poesia parece regressar exclusivamente à carpintaria da palavra, depois que todas as vanguardas ficaram datadas, como, por exemplo, entre nós, a Poesia Concreta, Neoconcreta, Poesia Práxis.

No retorno à palavra, a Poesia também é feita de ideias (sem cair no panfletismo), de propostas lúdicas, de críticas civilizatórias, gritando alto ou sussurrando (em suas imagens e metáforas) em nome da Vida: todos os temas cabem no poema. Da dor ao prazer, da civilização à barbárie. Enfim: o Poeta fala de Poesia, da sua e da nossa humanidade.

UM POUCO DE CADA UM

Baião de Todos (2016) começa com Adriano Lobão Aragão, que remete o leitor às Sagradas Escrituras: “Estando Ruth posta em tormento em meio ao trigo alheio”, num poema de suave beleza estética. Aragão também é blogueiro.

Na sequência, Alcenor Candeira Filho, que o tempo consagrou mestre do fazer poético, em minha opinião. Sua temática vai do metapoema (Teoria do Poema), à morte, à vida, se revelando em plena maturidade estética. Depois, a jornalista Ananda Sampaio, de que nos ficou as imagens:

“Horas que acumulam dias”, “Roendo um dia/ que não quer acabar”, e “O homem clama por um sinal divino”. Ananda também nos remete à Bíblia – “aquele preso dentro da baleia”, (o profeta rebelde Jonas). A poeta fecha com Náufrago, um poema perfeito.

RUA DO POETA

Na sequência, Caio Negreiros. Ele tem, entre outros, um livro com um bom título (A Decadência das Horas). Caio também é fotógrafo. O poema dele não tem título, mas uma imagem bonita – “uma gota de sol” – e ao final acena à solidão urbana e universal, remetendo o leitor ao poeta Carlos Drummond de Andrade – “não é rima ou solução”. Da poeta Carmen Gonzáles, nos sensibilizou o poema Estrela Guia.

Carvalho Neto, outro poeta esteticamente amadurecido – também é odontólogo e letrista – salpica o tema “rua”, ofertando imagens como “amor inquilino”, “minha rua é do tamanho da saudade”, “minha rua, universo de dor contida”, para desaguar no poema Estação: “na velha estação, aguardo / o bilhete desbotado/ da viagem que não fiz”. Meu amigo Carvalho Neto é um poeta que publica com regularidade.

ALÉM-FRONTEIRA

O poeta seguinte é Chico Castro, também professor, ensaísta e historiador. Chico Castro tem dois belos poemas que se somam ao enriquecimento estético de Baião de Todos: Dallas para que te quero, e Trapo Chique. Além de Chico Castro, um nome conhecido nacionalmente, a letra C tem mais nomes da literatura piauiense que ultrapassaram as fronteiras (literárias) nordestinas. Por exemplo, Cineas Santos.

São de Cineas os poemas Desobediência Civil, Consulta, Convalescença e a obra-prima Poema Inevitável. São poemas dignos deste nome. Deixaram em mim as imagens: “Meu pai me queria lavrador / adubo na semente do seu chão (...) eu queria ser o vento/ pra bolinar o teu corpo”. “A linha principal não leva a nada/ (...) esta linha transversa me leva a você”. “Há muito não se houve meu uivo lancinante/ varando a madrugada”.

Climério Ferreira é outro nome nacional. Ele brinda o leitor com os poemas Pássaro Perdido, Eu sou meu próprio universo, e O Choro da História. Climério (Cli, assim o chamava a eterna Nara Leão) também é compositor, cantor, letrista e professor. O Brasil agradece.

SURPRESAS 

Uma surpresa para mim, entre os poetas piauienses que ainda não conheço pessoalmente, é a cantora, compositora, produtora cultural, Cláudia Simone: fala em “colchão de sonhos”, indaga “Quem foi que masturbou minha inocência?” E afirma: “A vida se encarregou de mostrar / que o amor nunca acaba onde deveria estar”.

Cyntia Osório encerra o índice da letra C. Dela, me ficaram as imagens: “Passeei pelo labirinto do tédio”, no “andar de quem tem asas”, “Existir é infinito”, imagens que marcam Penduricalho, um belo poema. Outra imagem de Cyntia Osório: “5 mg de desejos brancos para o cansaço”. A poeta também nos brinda com o belo Deslugar.

Outra surpresa é Demetrios Galvão, professor e historiador. Recanto é um poema perfeito. Em cine-mirante ficou-me a imagem “um olho filmando tudo”.

Em tempo: ganhei (como diria mestre Manuel Bandeira) o poema Cinema do Olho, musicado por Carlos Bivar Eduardo, com o qual fomos contemplados com um Prêmio SESC de Música 2007.

Demetrios Galvão nos brinda ainda com imagens como “liturgia de campo arrasado”, “exporta desertos”. O poema “a previsão do tempo é uma falácia” é um dos melhores deste Baião de Todos.

SEM GORGULHO

A letra D encerra com Diego Mendes Sousa, poeta da nova geração que usa as redes sociais para divulgar a literatura brasileira. Tinteiros de Mágoa é um poema perfeito, dividido com os títulos de tinteiros: da angústia; dos desertos, e do estranhamento. Evoé, Diego!

Ednólia Fonteles é outra poeta que se me revela em plena maturidade estética. Baião de Todos tem quatro poemas dela numerados com o título Quase Poema, um metapoema perfeito, sem gorgulho. Ednólia Fonteles deve ter um balaio de poesia inédita. Beijo, Ednólia.

Do amigo poeta Elias Paz e Silva ficaram-me a imagem “minha mão escreve / (no esgoto da cidade) / um poema tão grande / como a esperança”. E no poema Proposta, também sem gorgulho: “O dia foi duro amor / mas valia o suor da labuta / e a proposta de outro sol / como desculpa”. Lindaço, Elias.

NEGRITUDE

O também professor, o poeta e meu amigo Elio Ferreira traz o universo africano da “América Negra”. Tem o seu excelente (recitado por ele, com jogo de cintura e dicção bibopeana e onomatopaica) Abracadabra, de cujas imagens, fortíssimas, seleciono: “meu corpo apodrecendo no esgoto”, “meu corpo apodrecendo a céu aberto”, “você quer me ver no lixo”, e “teu corpo apodrecendo numa vitrine virim”.

O também juiz de direito Elmar Carvalho, meu amigo, nos oferece A Ero Moça, Noturno em Campo Maior, Perdição, e Sex-Appeal. Elmar Carvalho é fiel à proposta dos modernistas de 1922: precisamos conhecer o Brasil (no caso dele, o Piauí, Campo Maior, onde nasceu). H. Dobal, que também fixou paisagens campo-maionenses.

O meu amigo jornalista, poeta e professor Emerson Araújo é vida que segue: nos fala de “metáfora de plantão” (poema Novo Achado), faz metapoesia (Nova poética) e desagua em Junho em meu oficio, que me parece um poema sem gorgulho. Emerson tem vários livros publicados, entre os quais Címbalos, lutas e olhares (poesia, 2015).

Na nova safra de poetas está Ernâni Getirana, mistura o substantivo belicoso “guerrilha” (que seduziu muita gente boa no século XX) com o metapoema de Drummond (“lutar com palavras / é a luta mais vã...) no poema (es) talo, e nos apresenta Encontro, um poemeto perfeito.

GERALDO BORGES

O poeta Fernando Ferraz homenageia Cineas Santos in “Poesia como alimento”. Ele também nos brinda com duas pérolas poéticas: Ipês de Maria, e Teus Olhos. Depois dele, surge o também contista, cronista e historiador Geraldo Borges, outro escritor que se encontra em plena maturidade estética.

Os quatro poemas de Geraldo Borges também são termômetros da qualidade estética da coletânea: Viagem, Rio 1, 2 e 3 (sonetos). Nas quatro peças poéticas, Geraldo Borges transfigura lembranças de infância, e louva o nosso mítico, querido, maltratado (porém amado pelos poetas) rio Parnaíba.

Do também compositor (premiado) Glauco Luz nos ficou a lembrança de Carlos Drummond de Andrade in Dicotomia. Nele, o poeta Glauco oferta a imagem que se destaca – “socos do desalento”, além duma reflexão sobre a palavra (Palavra suja) e o melhor dele, em minha opinião, Poeira de Estrelas.

BISCOITO FINO

Contista e professora, Graça Vilhena nos brinda com quatro “biscoitos finos”, (diria Oswald de Andrade) da sua “oficina da palavra” (apud Cineas Santos): Poesia; Rua da Glória (ao Paulo Machado); O Garrafeiro (para Cineas Santos) e Carpete de Cordas. Graça Vilhena tematiza a Poesia e duas paisagens, geográfica e humana – no poema Garrafeiro.

Ficaram em mim as imagens: “Cerzindo os dias”, “pescar piabas no Poti”, “piabas prateadas nas garrafas”, “aquele instante que o tempo não deixa envelhecer” e “os dias são feitos de um longo esquecer”. Graça Vilhena é uma das melhores poetas brasileiras.

Admiro ainda sua parceria poética com William Melo Soares, no belo e clássico Passo a Pássaro (poesia, s. d), que tem capa de Paulo Moura, apresentação de Cineas Santos, de Rubervan Du Nascimento, e posfácio de Héctor Pellizzi.

Em tempo: aonde anda Héctor Pellizzi? Ele escreveu um miniensaio sobre o meu livro O Suicídio da Mãe Terra (contos, 1980), que eu vou publicar na segunda edição.

CAMINHO CRUZADO

Halan Silva vem na sequência, homenageia Charles Baudelaire, com a tradução do poema Remorso Póstumo. Mas, o poema sem título, em três partes, de Halan Silva, em Baião de Todos, é melhor que o traduzido do poeta francês. Que me perdoe o genial Baudelaire.

A poeta seguinte é Jasmine Malta. Arte-educadora, entre outras prendas, Jasmine faz Teresina de musa num poema, fala do calor e das “antigas lavadeiras”, que decoram a paisagem fluvial da Cidade Verde (ainda é?), que virou metrópole de concreto na passagem do século XX para o XXI.

Time is time é belo. Jasmine confessa noutro: “Eu gosto de homem que tem cheiro de homem.” / “O Homem que desconcerta os passos /quando cruza meu caminho”.

João Batista sequencia com quatro poemas: olhadela; vovó lavadeira, e enguias. O quarto, dias de brisa, tem um verso sublime: “a doçura de outros quintais”. E por falar em quintais, os quintais de Teresina do meu tempo desapareceram, as casas antigas foram demolidas e os quintais se transformaram em estacionamento. Concretados.

De João Batista sublinho ainda as imagens “o marulho dos teus olhos”, “coisa que o vento aluga e leva”, e “sem a pressa do repouso”. João Batista é um poeta atuante, produtor cultural e professor.


O alfabeto continua em movimento in Baião de Todos. Keula Araújo é a sequência. Organizou a coletânea com Cineas Santos. Keula também é professora e arquiteta. Dos seus poemas destaco o belo Do Amor, tem imagens como “sob o sol imorredouro/ da vontade”.

Para a poeta, o amor destrói os cárceres. Cantigas do Sem-Fim é um poema prenhe de ternura/ imagens – “jeito desarrumado /do jeito de respirar”, “um amor cru, mal passado/que não foi, nunca será”.

Teu Reino tem um verso para mim comovente: “Rompi com as horas / trespassadas de espera”. Keula Araújo é surpresa comovente entre os poetas piauienses que eu ainda não conheço pessoalmente.


O poeta seguinte é Kilito Trindade, vive hoje em Brasília. Ele também é produtor cultural e meu amigo. Kilito Trindade, uma doçura de ser humano.

In Baião de Todos Kilito Trindade publicou um poema sem título (ou dois?) que contextualiza “Eu bala perdida”, e o segundo “Apalavra chave desapareceu. A palavra (chave) AMOR”.

Também dele os poemas Anima, seguido doutro destitulado, que louva Guimarães Rosa: “É preciso sofrer depois de ter sofrido, / e amar, e mais amar, depois de ter amado”. Kilito é uma das realizações das promessas poéticas. Recita bem, à risca, no pulsar do planeTerra.

O poeta seguinte é Laerte Magalhães, também professor, tem quatro livros publicados. Dos seus poemas de Laerte destaco: Oração, e Das Dores, têm dicção bem humorada, de apelo ao imaginário auditivo. Os demais – Percussão, e Puta Poeta – tematizam a música, a dança. Eros é convocado.

SONETOS

Lara Matos dá continuidade, duma dicção poética de visão de mundo afiada, um olhar consciente na ponta da língua. Publicou os poemas Riscos, Mancha, e Ofélia.

Diz ela, poderosa: “Mas minha linha de vida curvada / como minhas costas / pela tenacidade dos sem-sorte/ recita uma canção há muito sabida”. E “Amo tanto que as palavras/ faltam/ Meu corpo cansado apenas / sussurra uma cantiga”... Evoé, Lara Matos.

O poeta-médico Leandro Fernandes é a sequência, com Soneto da Saudade, que se destaca entre o também soneto Chapada do Araripe, e o poema Cantiga.

BICICLETAR

Outra surpresa é Lívia Maria, 17 primaveras. Tem muito feijão-com-arroz pela frente. Entre outras observações que podem acontecer, destaco:

“Amar é ter uma bicicleta / mesmo morando no primeiro andar”, criticando “o amante visionário / embriagado pelo vinho da nudez e da loucura” Para Lívia Maria. “o poema é um vazio / no rosto indignado do poeta”. Vamos que vamos, Lívia.

Lucas Rolim é a continuidade, com os poemas o grande leão, louva-deus sobre a folha. o lobo, os caneleiros, a formiga e Terrários. Machado Júnior é o próximo, ele também é compositor, músico e publicitário. São dele os poemas Dom Quixote (para Flávio de Castro, in memoriam), Fé, Bela, e De Tudo um Tanto.

MARLEIDE LINS

Minha amiga Marleide Lins é a sequência alfabética. Também editora, vários livros publicados aqui e no exterior. Lirismo Antropofágico e Estações de Mim a meu ver sem gorgulho. Dor dos Deuses é seu terceiro trabalho nesta edição. A poeta Marleide está na 1ª edição de Baião de Todos, livro que a Avante Garde assina a programação visual.

Continuando a letra M, depois de Menezes y Morais - José Menezes de Morais - (não vou falar de mim mesmo), que publica o poema Domicilio Inviolável (pequeno elogio da rebeldia musical), entra em cena Nelson Nunes, com os poemas dignos deste nome – A miséria abunda, Na terra do sol, e Clarice. Nelson Nunes é advogado, tem vários livros de poesia publicados.

PAULOS

Quem aparece depois é o também professor, pesquisador, letrista, jornalista premiado Paulo José Cunha, meu amigo, com os poemas (dignos deste nome) Substâncias, Moto perpétuo (para Paulo Cunha, neto), Agora, e Chegue: “Apenas chegue/ e diga alguma coisa em meu ouvido/ como se nunca tivesse saído”.

Paulo Machado é o poeta seguinte: defensor público, historiador e contista. Assina in Baião de Todos os poemas Canção de Amor e Morte, O Rio (para o poeta Cineas Santos), e Cotidiano 2 (para Durvalino Filho). Nutro ternura e admiração por Paulo Machado, morei um tempo no mesmo bairro dele em Teresina, cidade que o poeta também transformou em musa, com belos poemas sobre algumas de suas.

Paulo Machado tem dois livros que considero pequenas obras-primas: Tá pronto seu Lobo, e A paz do pântano. Na sequência da letra P, o poeta meu amigo Paulo Moura, também chargista, compositor, designe gráfico, parceiro do meu compadre querido Cineas Santos no livro Aldeia Grande (1992).

Lembro-me dum bate-papo acervejado que eu e Paulo Moura travamos, numa mesa de bar em Teresina, ele criticando uma canção dos Beatles (Here comes the sun, de George Harrison), falando mal da letra – “arte pela arte” – e eu defendendo a declaração de amor à natureza: “Aqui chega o sol”.

Paulo Tabatinga encerra a letra P. É da nova geração de poetas piauienses que ainda não apertei a mão. Dia Claro, Meu poema, Província submersa e Crachá liberal são poemas poderosos. O olhar crítico do poeta sobre o cotidiano humano e geográfico também transborda ternura. Aleluia!


Rodrigo M Leite é outro nome da nova geração de poetas piauienses. Ele usa o formato fanzine e as redes sociais para divulgar Poesia. Dele e de outros poetas. Ainda não o conheço pessoalmente, só via e-mail, mas aprendi a admirá-lo, por esta e a qualidade estética do seu trabalho.

Rodrigo M Leite edita um blog, a musa esquecida, no qual resgata poemas que têm a Capital piauiense como tema. In Baião de Todos, tocou-me os poemas a casa rupestre (“a casa é centenária / mas está viva/ e / comunica perguntas / ao morador”) e café art bar, do qual cito estes versos: “da tarde que segue nervosa / homens surgem suados / carregados de preocupações / a tarde é consumida dentro de um café”).


Encerra a letra R, Rubervan Du Nascimento, poeta premiado, meu amigo, do qual também sinto saudade das nossas conversas, dos nossos agitos culturais (paralelos) com F. Eduardo Lopes, William Melo Soares, Miguel Soares (Jorbacilomar), os saudosos Josemar da Silva Neres, o poeta Zé Magão etc.

Rubervan Du Nascimento também rompeu as fronteiras nordestinas. Tem quatro livros publicados, entre os quais A Profissão dos Peixes (poesia, 1993). Ele migrou do Maranhão para Teresina, e, da musa tórrida advir (com licença de Mário Faustino) retirou para São Paulo. Rubervan nos presenteia com 4 Poemas Dispersos, dos quais me perseguem as imagens “ferida dos dias”, “na boca em êxtase”, e “da janela dos dentes”, para falar de cenas bucólicas, urbanas, briga de casais etc.


O meu amigo-irmão, compadre-poeta e letrista José Salgado Maranhão, equilibrista da vida, vem em seguida. É outro nome nacional (e de dimensão internacional) que enriquece esteticamente Baião de Dois. Nele, o poeta-protagonista com sua envolvente dicção, plena da sua peculiar atmosfera misteriosa, me perseguem imagens:

“Oráculo de atabaque e pergaminho”, “arrimo de vozes no lugar das unhas”, “feito um caju que apodrece/mas a castanha resiste’ (genial). Salgado também é coleciona prêmios literários – Jabuti, Academia Brasileira de Letras. Salve, salve poeta. Que lhe venham outras láureas.

Baião de Todos me apresentou Thiago E, também é músico e professor. Tem livro publicado e CD gravado. Dele, se cristalizaram em mim as imagens poéticas “a língua é um molusco, já não sabe se é carne ou um soluço – sem concha, se reinventa no escuro”, e “o mar sempre guarda um jardim dentro do bolso”.

PAREDES DO VERSO

Na letra V, Vagner Ribeiro nos remete a Virgílio, pela voz de Fernando Pessoa (“viver não é preciso” e também homenageia Guimarães Rosa, citando o clássico Grande Sertão: Veredas. A sequência é a artista plástica, professora, contista e poeta Vanessa Trajano. Ela surpreendeu-me com o poema Impronunciável. Perfeito, sem gorgulho.

De Vanessa Trajano também me sensibilizaram as imagens “tem horas que até o impulso é tarde”, “nas paredes do verso”, “amei cinco homens sem retorno”, “o poema permanece in vitro” e “na angústia dessa busca”.


O último autor deste Baião de Todos é o meu amigo-irmão William Melo Soares, um dos melhores poetas brasileiros da nossa geração. Wiliam nos presenteia com as pérolas pedra de fogo, Insônia, e Indomáveis. Também letrista, William tem vários livros publicados. Confessa que o seu tempo “é pedra de fogo”, que a mariposa “me dá lição de silêncio”, “no vasto campo da fala”.

Além da sua poesia em si, o flagrante delito autoral que ilumina de ternura e civilidade, William, a meu ver, é uma personificação do ser Poeta. Pela sua sabedoria quase ingênua, pela sua simplicidade, pela sua humildade, pela intuição e leveza. Explico melhor.

Cito dois exemplos históricos, envolvendo quatro poetas: para Carlos Drummond de Andrade, a materialização do poeta era Vinicius de Moraes. Para Mário Quintana, a personificação do poeta era Cecília Meireles. É claro que existem muitos poetas (de geração e geração) que se enquadram neste perfil.

William Melo Soares é um deles. Graças a Deus.

(...)



Menezes y Morais [Poeta, escritor, professor, jornalista e historiador piauiense. 12 livros publicados (mais 12 na gaveta), entre os quais o romance A Íris do Olho da Noite (Thesaurus), Por Favor, Dirija-se a Outro Guichê (teatro em um ato), na Micropiscina da Lágrima Feliz (poesia), A Luta é de Todos – História do controle dos gastos públicos no Brasil (Unacon), com Teresinha Pantoja] Via blogue do poeta Emerson Araújo



15.4.12

TRISTEESINA




luzes azuis cal-
                      cinantes
Vermelha
Cajueiros
Buraco da Velha
Baixa do Chicão
Barrocão
bairros da zona sul
       - de minha infância ...
tapete quadriculado
ruas planejadas na
                Chapada do Corisco:
risco vento balão de São João...
ruas de ruas
                        barros
                                     rocas
 caminhos
                    feitos
                                  (des)encontros
meta-
               morfoseados:
                                            tristes
                                                           resina



Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010

28.7.23

CARTOGRAFIA INFINDA, por Renata Flávia




Era dia de muito sol, como todos os dias
Quando Assis Brasil cruzava a Praça da Integração no Parque Piauí
M. Leite descrevia os urubus e o cheiro forte do mercado, quarteirões abaixo
Um ônibus marrom desce a Av. Maranhão
O centro brota no vão dos dedos de colegiais
Entre a beira e a coroa
Todos os dias é rio e cais
Arnaldo aparece de batom na capa do jornal anunciando a prainha que vem
Até hoje, a manhã recita Da Costa quando as barbas de um monge escorrem
[no Parnaíba antes das 7 horas
Todos os dias
O abandono cresce na fuligem do trânsito
Enquanto O.G. atende no Banco do Brasil da Álvaro Mendes, 1313
Chico faz o mesmo até às 4 da tarde
Quando desabotoa os dois primeiros botões da camisa rumo à Pedro II
Essa praça, onde H. Dobal caminha em círculos
Está entregue ao vazio
De frente, drogas, ratos e lixos circulam livremente onde antes havia poltronas de cinema
A 100 metros dali Paulo Machado enfrenta o poema da Teodoro Pacheco, 1193
No sentido contrário Genu reinventa fantasmas no último casarão da Antonino Freire
É dura a caminhada
Fontes Ibiapina passa na lateral da Central de Artesanato antes de descrever o incêndio
[e o salto metálico
Na Rua São João 1042 Torquato arruma as malas para partir, pois cansou
Não chore, Teresina é assim mesmo
Foi Faustino primeiro, depois tantos mais
Apesar de ser lindo o laranja neon desse sol que cai



Renata Flávia
Poema inédito em livro
Enviado pela autora