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25.7.23

Perambulando pelos bares noite a dentro, por Geraldo Almeida Borges




Teresina é uma cidade repleta de bares e botecos por todos os lados e por todas as esquinas. O bar Café Avenida não ficava em nenhuma avenida, como reparou o poeta Edmar Oliveira. Hoje seu espaço não passa de um estacionamento do Luxor Hotel. Nos seus de tempos de glória era frequentado principalmente pelos sírio-libaneses, a comunidade árabe, no final da tarde, na saída do expediente comercial. Era como se o bar fosse uma extensão da casa deles, de tanto que ficavam à vontade. Ali, conversavam em seu idioma natal. Ninguém compreendia patavina do que estavam dizendo, provavelmente falavam de seus negócios.

Como tudo tem seu tempo, chegou a minha vez de começar a frequentar e conhecer os bares da cidade. Mas, antes de me sentar no bar Carnaúba e começar a beber com os amigos, preciso falar de um bar muito mais antigo. Chamava-se bar Carvalho e ficava na praça Rio Branco. Ainda o alcancei. Foi lá que tomei a minha primeira cerveja na companhia de um tio. E fiz a minha iniciação etílica. 

Voltemos ao bar Carnaúba, que foi o primeiro com o qual me habituei. Ali, sentados, com os amigos, os cotovelos em cima da mesa, copos espumando de cerveja, servidos por uma garçonete bonita, sorridente, e que todo freguês desejava. Discutíamos sobre política e putaria. O bar ficava do lado do Theatro 4 de Setembro. Teve o destino de quase todos os bares, um dia desapareceu. Mas a gente sempre encontrava um bar de portas abertas, como um templo nos esperando.

Um dia encontrei um bar onde demorei mais tempo bebendo. Este parece que não ia se acabar tão cedo. Também se  acabou. Era o Gelate, que ficava na avenida Frei Serafim, defronte da casa de sobrado do poeta Durvalino Couto. Ali bebia a turma dos meninos que escreveram as edições do jornal Gramma, e que marcou profundamente a história cultural piauiense. O dono do bar era o Raimundo. O seu tira-gosto era delicioso. Mas só começava a servi-lo quando já estávamos na terceira cerveja. Ninguém sabia de que era feito. Estalava na boca como torresmo. Um dia ele nos revelou o segredo do tira-gosto. Falou para mim que era tripa de galinha torrada.

Andando de bar em bar, perambulando pelas ruas de Teresina e falando dos bares que não existem mais, podemos citar o bar Acadêmico, que ficava na praça Pedro Segundo, o bar do Setenta e um, que ficava na esquina do Fripisa, no chamado Alto da Moderação, onde funcionou o antigo Mercado Novo, o bar e livraria Punaré perto da praça João Luiz Ferreira, do professor e sociólogo Antônio José Medeiros. 

Quem bebe nunca se lembra de todos os bares e botecos por onde andou, embora tenha os seus preferidos. Bendito esquecimento. No momento me recordo do bar do Sebastião, perto do beco, na saída do beco. Era um boteco onde se tirava água do joelho em uma lata detrás de um biombo de madeira. Ali tomei muita cachaça com o meu primo Alberoni Lemos. Tinha os bares da Paissandu, dos cabarés. Toda casa de tolerância era um bar, onde, geralmente, se bebia na companhia de mulheres; também se acabaram. Tinha o bar da Maria Tijubina para o mais discretos. Para os mais escandalosos, era Maria Tabaco de Sola. Muitos artistas e intelectuais em visita a Teresina terminavam a noite por lá para comer panelada, ou mão de vaca, eram levados pelo Açaí Campelo. Ficava à margem da estada de ferro, no Mafuá. Alguém deu na veneta de fazer um curado para o Metrô, e lá se foi o bar da Maria.

Tinha o bar da Ria Ana, com suas mesas rústicas, na calçada, cobertas com toalhas quadriculadas; era o bar da moça Rita Maria, ou melhor, Ritinha. O bar do meu primo Humberto, no bairro Porenquanto, com suas cadeiras na calçada debaixo das sombras das mangueiras, onde o poeta Sid Abreu dava o ar de sua graça, bebendo dose de pinga e recitando poesia. Tenho certeza que me esqueci de muitos bares, onde me embriaguei. Lembrei, agora mesmo, foi bar do Tetéu, que ficava no coração da praça Saraiva. E funcionava a noite toda. Não posso me esquecer do bar do Santana. Este parece que ainda existe. Talvez seja um dos bares mais antigos de Teresina. Já mudou de lugar algumas vezes. Mas sempre levava os seus fregueses. Faltava falar no bar Nós e Elis. Pronto. Está falado. Já foi até objeto de um livro. A palavra para ele é saudade. Momento de curtição, existencialismo, e muitos encontros inesquecíveis. Ficamos sem o bar e perdemos uma grande estrela. mas não vamos perder os bares, embora eles desapareçam, da noite para o dia, outros os substituem, e até parecem os mesmos, com os seus garçons solícitos, nos enchendo os copos de cerveja com colarinho ou sem colarinho.



Geraldo Almeida Borges
em Província Submersa - Crônicas Teresinenses (século XX) 
Personagens, mitos e monumentos
Editora Caetés: Rio de Janeiro, 2011.


21.3.20




Naquele dia mamãe apareceu mais cedo na escola. Acabara de sair do leito de vovô, no HGV. Não fizemos perguntas, já sabíamos que ele havia partido. Caminhamos abraçados pela Frei Serafim, suando, na cola de um caldo de cana com pastel. Tudo vai ficar bem, ficaremos mais unidos. A gente segurando o choro. Depois do caldo, mamãe comprou uns quadrinhos antigos ao lado dos correios. Ainda hoje comigo aquelas histórias

Rodrigo M Leite, via blogue do autor,
Da série: Estrelas ou Poemas Esquecidos Incrustados no Ferro

22.7.18

POST CARD - TERESINA, Paulo Machado







POST CARD 57


na praça marechal deodoro
às nove horas falavam
da u d n e do american-can

um louco jaime fazia ponto no cruzamento
da barroso com a senador pacheco sem saber
que há tempos existia a guerra fria

quinta-feira era dia de matar o tempo
na praça pedro segundo enquanto sapos
copulavam nos lajedos do tanque

nas tertúlias do clube dos diários
uma geração embarcava no marasmo
esquecendo tudo mais

nos canteiros da avenida frei serafim
os cupins construíam suas casas
fiando estranha quietude

no bar carnaúba o sol roía o marrom
das tabículas das mesinhas ao passo que
os homens de casimira cinza faziam planos

na paissandu os bêbados
pregavam a subversão
e um bolero esquentava as entranhas da noite

nas calçadas da simplício mendes
um rosto magro madalena deixava brotar
estranhamente um sorriso largo de espera

no mercado central pretas carnudas
vendiam frito de tripa de porco
fígado picado e caninha

no caís do parnaíba piabas
cor de prata saltavam das águas salobras
como no sonho dos meninos



POST CARD 77


na marechal deodoro
às nove horas há velhos com suas memórias
recompondo o tempo

quinta-feira é um qualquer
e na praça pedro segundo a mudança notável
é a da posição da estátua que parece sorrir

no cruzamento da barroso com a senador pacheco
há um sinal que não raro
encrenca desafiando a rotina

não há tertúlias no clube dos diários
as baratas medrosas saem das boca-de-lobo
admiram os caixotes de cerveja empilhados e fogem

nos canteiros da avenida frei serafim
putas acenam com gestos medidos
a fome é mais forte que o medo

não há bar carnaúba mas os homens
de casimira cinza continuam fazendo planos
cogitando não aceitando irreverências

a paissandu agoniza
os bêbados já não falam tanto
e a frieza da noite venceu o calor dos boleros

madalena morreu de câncer
e nas calçadas da simplício mendes
não há nada que lembre a sua presença

no mercado central negrinhos descarnados
catam laranjas e limões podres
em plena manhã de maio

o parnaíba continua lavando as almas pagãs
dos meninos fujões
roendo as pedras do cais com a mesma raiva



Paulo Machado
em Post Card

25.6.18

TERESINA - Bucólica visão dos anos sessenta, Herculano Moraes


i
g
r
esbelta
j
cal
massa
tijolão
tinta e telha

erguida no alto da jurubeba por frei serafim
vozes, cânticos, ritos, missas, congresso, oração
o santo negro abençoando a cidade de
Aparecida
c
degraus                   r                   degraus
degraus              u              degraus
degraus           z           degraus

fone                          carnaúba                       karnak
casa                                                              poder
casa                          carnaúba                       jardim
escola                                                           piscina
esquina                          estátua                         carnaúba
decetê                                                          esquina
casa                          carnaúba                       parada
casa                                                           casa
casa                          carnaúba                          casa
pão                                                            coop
esquina                        semáforos                      endemias


Herculano Moraes
em Legendas, 1ª edição
Edição do autor: Teresina, 1995

11.4.16

"As Feras" ou "David Vai Guiar" (1972)








(...) fiz um filme que hoje é mais conhecido como Davi Vai Guiar ou Davi a Guiar, que no começo eu chamava de As Feras porque resolvi filmar tudo quanto era de maluco na cidade (na época havia uma gíria, “fera”, para designar se o cara ou a garota eram malucos) e criei um personagem chamado Inspetor Pereira, que era um policial perseguindo essa galera, esses cabeludos, essa rapaziada. Era um filme muito engraçado. (...) Eu quis fazer um filme em que eu filmava todos os malucos, todos os doidões de Teresina da década de 1970. Então eu filmei os meus amigos, filmei o grande bar da época que era o Gelatti – que ficava aqui na Frei Serafim – filmei o subúrbio, filmei gente fumando maconha, filmei meus amigos hippies, filmei os cabeludos, as meninas de minissaia, as namoradas, as namoradas dos meus amigos, usando como pontuação do filme um pensamento bem característico que era um inspetor de polícia perseguindo essa galera. O Inspetor Pereira era, digamos, o fio condutor da narrativa. Isso foi legal porque as projeções se tornavam um festival de gargalhadas, as pessoas se reconhecendo e havendo até mesmo uma torcida a favor dos malucos!

Durvalino Couto Filho em entrevista concedida a Jaislan Honório Monteiro 
Revista dEsEnrEdoS
Ano IV - número 15 - Teresina - Piauí - 2012



[...]



David Vai Guiar representa um clássico exemplo dessa flanância investigativa pela cidade. Trocadilho com o nome do principal protagonista —David Aguiar—, o título remete às intenções centrais do filme: utilizar as noções de guia e contra-guia para, a partir de um deslocamento sobre a cidade de Teresina, ir dando visibilidade e afrontando aos instrumentos panópticos de controle do espaço urbano, como os sinais de trânsito. A cidade que emerge na tela, composta por um cenário bucólico que revela pacatos bate-papos de final de tarde nas calçadas, é repentinamente submetida a uma vertigem expressa por motocicletas e automóveis que deslizam por suas ruas em alta velocidade. Ao som ao mesmo tempo agressivo e melancólico da banda de rock Pink Floyd o protagonista sorri quase furiosamente, enquanto, cabelo ao vento e a pretexto de guiar sua motocicleta, arrasta os olhares na contramão. O argumento do filme se concentra em um esforço para ler os signos da cidade com base em uma afronta aos regulamentos. Urubus, por exemplo, são apropriados como instrumento de uma estética minoritária, problematizadora da própria noção de belo. O destaque, entretanto, em David Vai Guiar, tanto quanto em O Terror da Vermelha, é dado às tabuletas de trânsito, as quais são consumidas sempre no sentido da negação.

Edwar de Alencar Castelo Branco
em Táticas caminhantes: cinema marginal e flanâncias juvenis pela cidade.



[...]



Produção: Arnaldo Albuquerque e Durvalino Couto Filho
Câmera: Arnaldo Albuquerque, Durvalino Couto Filho e Edmar Oliveira
Roteiro e direção: Durvalino Couto Filho

28.1.16

UM ESTRANHO EM TERESINA, Cunha e Silva Filho




Estive há pouco em Teresina e desta feita me achei um peixe realmente fora d’água, um estranho no ninho. Não que o desejasse, mas a culpa, leitor, é unicamente minha. Quem manda não a ter frequentado mais amiúde.

Da janela do hotel, lá fora, dava uma espiada para o que poderia ver que valesse a minha atenção ou curiosidade. Pois não é que procurei e achei. Era a visão de uma mulher, em plena tarde de um sol escaldante, caminhando, caminhando, caminhando, debaixo de uma sombrinha. Claro que não foi só aquela mulher que portava uma sombrinha para abrigar-se do sol abrasante. Não me lembro de outras vezes que andei por Teresina de reparar nesse costume local, aliás, bem justo e necessário, de usar uma sombrinha contra o rigor solar. Esse hábito me parece ser apenas feminino, já que não vira nenhum homem utilizando um guarda-sol.

Aqui no Rio de Janeiro, usar uma sombrinha ou guarda-chuva, em pleno calorão, não é comum como na “Cidade Verde”. Lá é hábito; aqui, é exceção, chega mesmo a ser constrangimento para quem dele faz uso com receio de se ver vítima de um gaiato qualquer perguntar-nos se está por acaso chovendo. O carioca sofre, mas não abre o guarda-sol. “Os cariocas somos pouco dados” aos guarda-chuvas, ou chapéu de sol ou muito menos a uma sombrinha, para nos intrometermos, sem sermos chamados, no labiríntico intertexto machadiano.

Das últimas vezes que fui a Teresina não me passava pela cabeça um persistente temor de violência. Não me queira por isso na conta dos paranoicos, dessas criaturas que, nas grandes cidades, passam a ter medo de tudo diante da disparada da violência dos últimos anos.

Confesso-lhe, leitor, porém, que, em Teresina, só andei mais em carro particular que, no meu caso, era do meu amigo, o ensaísta M. Paulo Nunes, de sorte que não me expus à sanha de algum pivete ou assaltante.

Num final de manhã, notei que, no hotel, não dispunha de papel para escrever, nem de caneta; a que trouxera comigo na viagem se perdeu não sei onde. Lá fui às ruas de Teresina. Algumas delas eu conhecia de priscas eras. Com o tempo, a gente perde um certo traquejo de andar por ruas de nossa cidade. Entretanto, o “eu” do presente era outro, e as ruas, à altura em que as podia identificar, não ficavam em trechos por mim palmilhados com assiduidade no passado.

Mesmo assim, criei coragem e, vendo o nome de uma rua e de outra, alguma, conhecida, outra, não, fui dar na bela Av. Frei Serafim, que divide dois lados de parte da cidade. Indaguei aqui, ali e, por fim, consegui encontrar uma papelaria. Comprei um caderninho escolar de poucas folhas e uma caneta azul. Lembrei-me, então, que teria que comprar um exemplar da edição daquele dia do jornal Meio-Norte. No hotel, depois do café, já havia passado uma vista no exemplar que me interessava, aquele no qual havia uma reportagem sobre mim a propósito de conferência que iria fazer na Academia Piauiense de Letras. A reportagem tinha sido feita no dia anterior por ocasião do lançamento, no Museu Odilon Nunes, de mais um número da excelente revista Presença, com apresentação de M. Paulo Nunes. Procurei o exemplar em mais de uma banca até que o encontrei. A reportagem exibindo foto minha, saíra bem escrita, mas continha um erro. A jornalista que me entrevistara omitira do meu nome literário, a palavra “Filho”. Sem querer, virei o nome de papai. Ainda bem que estava em boas mãos paternas e na mídia jornalística que ele tanto amava.

Voltando a Teresina, tópico principal desta crônica, pude observar outras coisas. Me convenci por completo  de que sou um estranho na cidade. Perdi mesmo o bonde da história de Teresina.

A minha Teresina não é a de hoje. Ela ainda existe e se estende por todo o velho centro da urbe. Lá vejo, intactos, alguns pontos de referências; o Theatro 4 de Setembro, o Rex, a Praça Rio Branco (o relógio!), o prédio do Arquivo Público (ó tempos da infância!) da rua Coelho Rodrigues e que, hoje, comporta também o Conselho Estadual de Cultura, a Praça Pedro II, o Karnak, a Praça João Luis Ferreira, o antigo Prédio dos Comerciários (que, um dia, fora o mais alto edifício da cidade), a Praça do Liceu (ah, sim, Landri Sales!), o Liceu Piauiense, as igrejas de São Benedito, a minha preferida, a do Amparo, a das Dores, a Praça da Bandeira, muito modificada e maltratada, e principalmente as queridas e amorosas ruas da velha Teresina, nas quais tudo nelas me leva inexoravelmente ao passado. Ah, ia-me esquecendo, o velho rio Parnaíba, o Poti (agora com sua enchente e suas vítimas). Enfim, esse passado soterrado no tempo, me está, contudo, vivo e ora me leva à alegria, ora à melancolia. 

O que não se circunscreve a essas ruas, a esses prédios, a essas arquiteturas variadas alcançadas pela minha geração não parece fazer parte da minha memória. A Teresina nova, trepidante, dos arranha-céus não me atrai. Essa Teresina verticalizada se iguala às outras metrópoles, vira mesmice. Nada tem a ver comigo em Teresina.

Relendo os belíssimos poemas de Paulo MachadoPost card/57” e “Post card/77” extraídos do livro Tá pronto, seu lobo? e “Nas ruas da minha cidade há lições? (É preciso aprendê-las)", retirado do livro A paz no pântano (1982), que se encontram na antologia A poesia piauiense no Século XX, de Assis Brasil, vejo que a poesia de Paulo Machado, de alguma forma, me conforta e não me deixa esquecer essa Teresina. Os dois primeiros poemas citados se valorizam pela riqueza semântica resultante de sua arquitetura contrapontística em termos de realidades espaciais semelhantes aliadas a realidades temporais diversas. O terceiro poema, ainda inserido na categoria do tempo fluído, reforça o tom rememorativo de viés rebelde na transposição da realidade histórico-social. Poemas de grande impacto estético que, em mim, despertam, de certa forma, por coincidência ou não do fenômeno poético, quase a mesma sensação provocada por aquela maneira de descrição pulsante, vibrátil, vigorosa, do realismo inusitado de Cesário Verde (1855-1886), como seriam exemplos os versos abaixo do poema “Post card/57":


                                    No mercado central pretas carnudas
                                    Vendiam frito de tripa de porco
                                    Fígado picado e caninha.


Os novos bairros, avenidas, artérias, em suma, o espalhamento topográfico horizontal da cidade me espanta e ao mesmo tempo me dá a sensação de que estou em outro lugar, que nada tem mais a ver comigo, e com o meu espólio (triste espólio devorado pelo tempo!) de relembranças. Estas, por definitivo, vou encontrar num cruzamento qualquer da minha própria Teresina da memória.



Cunha e Silva Filho
via Portal Entretextos

1.1.16

De Uruguaiana à Rio Branco, de Aquidabã à Pedro II: a mudança de nome é também ressignificação das liturgias e ritos das sociabilidades, por Nilsângela Cardoso Lima



As primeiras décadas do século XX são marcadas por sensíveis transformações no espaço urbano brasileiro, através da revitalização das cidades.

No Piauí esse processo se configura pela alegação de novos hábitos e costumes relacionados ao viver em cidade. Particularmente em Teresina a onda progessista se dá por meio da criação e valorização de espaços de convivência e lazer: praças, ou passeios públicos, salas de cinema, bares, teatros, cafés, clubes etc. Ruas cada vez mais limpas e saneadas, iluminação com luz elétrica e telefone, são avanços da mesma época que também chegam. Permaneceriam ainda por muitos anos outros espaços tradicionais de sociabilidade, tendentes a ser menos valorizados, tipo adros e salões das residências da aristocracia.

Bem exemplifica essas mudanças, a reconstrução da praça Uruguaiana, depois Rio Branco, entre os anos 1909 e 1913; reconstrução que lhe confere a condição de passeio público predileto da capital; na década seguinte, esse logradouro se tornaria centro da atividade comercial local. Note-se que a valorização urbana da área dos fundos da velha matriz do Amparo em detrimento da parte da frente – o adro das festas de antes – é emblemática das transformações mentais do tempo.


Igreja de Nossa Senhora do Amparo, vista da Praça da Bandeira
/ fonte: página TERESINA MEU AMOR)

Em especial, a juventude de elite frequentava esse espaço das sete às dez da noite, quando, ouvindo o ‘sinal’ do apito da usina elétrica se recolhia aos lares. A Praça Rio Branco, ajardinada e com coreto, atrai a elite, mas também setores populares marginalizados; a segmentação é bem evidente, conforme o uso das áreas mais ao norte ou mais sul, por uns e outros.


Praça Rio Branco / fonte: página TERESINA MEU AMOR)

Por estar localizada num ponto central da cidade e próximo a outros pontos de aglomeração e lazer, como por exemplo, a própria Igreja do Amparo, o Café Avenida e o Bar Carvalho, a Rio Branco caracterizava-se também como sala de espera de encontros previamente marcados, antes de dirigirem-se as pessoas aos referidos cinemas, teatros, cafés, bares e a outros locais de entretenimento da cidade.

Os anos 1930 chegam e com eles a perda de hegemonia da Rio Branco como lugar privilegiado do lazer dos teresinenses, isto em função da reforma da Praça Pedro II, antes chamada Aquidabã, em 1936. Com a reconstrução da Pedro II, e também a construção de prédios de arquitetura moderna ao redor dela, como o Cine Rex e o Cinema São Luis, além da revalorização do tradicional Teatro 4 de Setembro, torna-se ainda mais aprazível o clima da P2 para o “footing” da sociedade teresinense.

Do mesmo modo que a Praça Rio Branco oferecia um espaço propício a “namoricos” e ao desfile das moças com as últimas novidades da moda do Rio de Janeiro e dos cinemas, a Praça Pedro II se revela como o mais novo espaço para o divertimento da sociedade. O clima atrativo da praça, com seus jardins floridos e carnaubal decorativo, era ponto de encontro e desencontro de rapazes e moças, senhoras e senhores, constituindo-se na “única praça do mundo na qual jovens da época desfilavam em redor de um círculo, para deleite de seus admiradores”.


Praça Pedro II
/ fonte: página TERESINA MEU AMOR

As noite na Praça Pedro II decantavam uma iluminação pública, com animação de bandas da polícia e do exército, nas quintas-feiras e aos domingos, executando peças musicais. Nessa praça também eram promovidas as comemorações cívicas da cidade, além de comícios e outro agitos; palco, também, onde, em determinada época, certa intelectualidade trocava ideias e sabedorias.

Deve-se ressalta que a própria estrutura física original da praça resultava em contribuir, a exemplo da Rio Branco, para uma segregação social, quanto à sua utilização. Separada transversalmente por uma “rua”, tinha dois ambientes: a “praça de baixo”, local privilegiado para as chamadas ‘moças da sociedade’, enquanto que a “praça de cima”, também chamada de “praça das curicas”, era frequentada, em geral, por empregadas domésticas e pessoas do mesmo nível social. Era comum ouvir-se falar que na “praça de cima” as classe populares se divertiam, sendo ponto onde as moças mais pobres e soldados se encontravam.

O passei público de Teresina, também, pode ser visto como um refúgio para o público feminino que se encontrava no limite do espaço privado. O traçado requintado e atrativo das praças proporcionava um encontro de sociabilidades e de conveniências sociais. Mas é inafastável que o passeio público foi marcado por esse “apartheid” social invisível, mas muito presente dentro dos espaços de lazer e convivialidade da capital.

De outra parte, as festas e bailes eram atrativos que faziam parte do lazer teresinense, sendo realizados por ocasiões de aniversários, casamentos, viagens, vitórias políticas, dentre outras ocasiões que promovessem o encontro da “fina flor da sociedade” local. Tais festas possibilitavam que rapazes e moças demonstrassem os requintes da sua educação, bem como, consistiam em lugares elegantes, entre outras coisas, dadas as vestimentas da pessoas que os frequentavam. Os bailes eram festas tradicionais do lazer na cidade feitos em casas particulares, em decorrência da falta de locais apropriados para o divertimento na cidade.

A partir de 1920, eventos do tipo passaram a ser realizados em casa particulares e vão sendo transferidos para os clubes e salões que surgem na cidade. Pode-se destacar o Clube dos Diários, fundado em 1922, que passa a ser o local de encontro, lazer e diversão da elite teresinense, constituindo-se em local mais apropriado para os grandes bailes, também para as magnas sessões solenes da cidade, conferências e congêneres, além de récitas, concertos etc.

Voltando ao teatro e sobretudo ao cinema, como se viu, desde as primeiras décadas do século XX estão eles incorporando aos ritmos da cidade, sendo o Royal e Olímpia destacados cinemas da cidade, - ainda antes da idas e vindas da P2 e da abertura do moderno Cine Rex, inaugurado em 1939. Ambos apresentavam filmes mudos, exibidos de forma seriada. Devido a isto, as casas de espetáculo conseguiam manter uma clientela animada e constante, uma vez que as pessoas não queriam perder nenhum capítulo do filme. Entretanto, o cinema falado em Teresina é inaugurado em 12 de dezembro de 1933, com a exibição do filme americano “Doce como Mel”, no teatro 4 de Setembro. Este cinema apresentaria posteriormente filmes americanos e filmes de caubói. A chegada do cinema falado provocou mudanças no comportamento da sociedade, na medida em que as casas de cinema, até então existentes, começam a perder público para o 4 de Setembro, pois a elite e as pessoas de maiores recursos passam a assistir filmes ali.

Ressalte-se que, embora o cinema falado constituísse num dos importantes focos de entretenimento da cidade, não houve, de imediato, uma preocupação de se construir um lugar um lugar apropriado para a exibição de filmes. Os locais onde funcionavam os primeiros cinemas eram geralmente casas particulares e adaptadas. Nesse sentido, a inauguração do Cine Rex, casa de espetáculo própria e literalmente cinematográfica, dá orgulho aos teresinenses, sendo considerado “o mais bonito e moderno” que possuía a cidade.


Praça Pedro II, ao fundo Teatro 4 de Setembro (à esquerda) e Cine Rex (à direita)
/ fonte: página TERESINA MEU AMOR

Todavia, desde sua chegada, o escurinho do cinema foi alvo de reclamações de alguns setores da sociedade teresinense, principalmente daqueles ligados à igreja católica, por ser considerado um lugar de perdição para as moças de família. Logo, o ambiente do cinema propiciava a intensificação de flertes entre rapazes e moças. Do mesmo modo que o cinema, através de suas histórias romanescas, influenciava o imaginário do público feminino referindo-se aos relacionamentos amorosos.

Nesse contexto, a febre avassaladora do cinema, proporcionada pelo poderio dos Estados Unidos, faz com que a representação dramática teatral perca lugar para tal, não só pela concorrência, mas por falta também de quem a levasse adiante.

Nesse sentido, nos anos trinta do século XX, a arte cênica perde ainda mais espaço no lazer cultural de Teresina, quando o T4S é arrendado aos irmãos Ferreira, Alfredo e Miguel, para, como referido acima, a exploração do cinema na cidade. Tal medida criou um desestímulo maior aos amadores que demoravam a montar algum espetáculo. Além do que, o teatro em Teresina caracterizava-se como uma forma de lazer cara, dado o elevado preço dos ingressos e pela exigência do toalete. O T4S, única casa teatral da cidade, não permitia, assim, uma maior participação popular.

Uma dimensão interessante do lazer em Teresina ligado à revalorização e/ou criação desses novos espaços de sociabilidades, é o carnaval, a que se dá, então, uma nova roupagem e novas linguagens. As mudanças se deram, inclusive, na sua forma de apresentação, pois perde alguns elementos considerados ‘levianos’ para a participação do público feminino e católico, sobretudo na percepção da igreja, para quem o carnaval era “um atentado à moral e aos bons costumes, um perigo para as famílias cristãs e mesmo um causador de muitas ruínas”. Mas o carnaval se imporá desde então, ganhando a crescente participação da elite que, organizada em bailes, corsos e carros ornamentados, desfilava pela Praça Rio Branco, depois pela PedroII, e em tempo recentes, na Avenida Frei Serafim e, atualmente, com bastantes diferenciações, na Marechal Castelo Branco.

Durante a década de 1920, reitere-se, um dos elementos de muita valorização dos corsos foi o automóvel, então incorporado ao cenário urbano. Nas manifestações carnavalescas de rua participavam todas as camadas sociais que queriam se divertir. Todavia, sobreviviam as festas patrocinadas pela elite, geralmente feitas em clubes fechados ou em residências familiares, configurando-se num carnaval elegante e de acesso limitado. Eram bailes à fantasia ou máscaras, onde as pessoas se divertiam ao “som de orquestras que tocavam marchas e tangos”. Embora consideradas uma festa profana por excelência, os bailes carnavalescos, à medida que iam tomando um caráter ‘civilizado’ e familiar, facilitariam a presença das mulheres.

Uma pergunta se impõe: e o povo pobre da cidade, as classes populares como se divertiam? Embora essas formas de lazer em Teresina implicassem, em geral, no entretenimento da elite, as pessoas menos favorecidas, quando não participavam perifericamente dele, forjavam outras formas de lazer. Vale ressaltar que todas as camadas sociais foram, senão inseridas, influenciadas por esses novos símbolos do progresso e da civilização que as cidades ditas modernas ditavam.



Nilsângela Cardoso Lima
via Teresina 150 anos – 1852/2002 / Fonseca Neto (coord.)
Teresina: Gráfica e Editora Júnior, 2002


3.12.15

a cidade frita é um alucinógeno, Lucas Rolim


[procurando um bar na frei serafim]

o calor de 1000fps derrete a cidade em super slow motion
a liquidez dos pedestres e do dia evapora diante de pupilas detonadas

as retinas absorvem delírios litúrgicos no compor das multidões
a balburdia dos pés pavimenta a bad trip dos passantes

os pombos engolem a luz e espalham-na pelos picos das cabeças:
regurgitam quarenta e 1 graus de insolações nas epidermes secas

nos olhos, o ruminar da lisergia induzida pela sensação térmica
cria imagens psicodélicas que se perfazem na dança solar

a expansão dos ossos colapsa a estrutura das marquises
calçadas desenham o efeito do calor ao longo do corpo
e homens-camaleão deslizam pela sombra no horário de almoço

o dia ácido amplifica as alucinações dos estudantes
no torpor dos malabares, dos carros e dos mendigos
*A Cidade Frita: livreto do poeta Rodrigo M Leite
Poema enviado pelo autor

25.11.15

SOBRE IDENTIDADE, CARNAVAL, PERDAS E CINZAS, por Ací Campelo



Agora que já foi decretado o fim dos desfiles das Escolas de Samba de Teresina - e que meus ouvidos cansaram de perguntas se sou a favor ou contra - posso escrever e recordar algumas lembranças e lançar algumas questões.

Sou um apaixonado pelo carnaval, combina com meu jeito tímido e extrovertido, afinal de contas é no carnaval que podemos fazer tudo aquilo que queremos, pois é naquele espaço de dias da embriaguez, da música e da alegria que todos somos iguais, ou quase. Há mais de 40 anos moro no Bairro Mafuá, pertinho da Vila Operária um dos berços do samba piauiense. Convivi desde os anos 70 com escolas e blocos carnavalescos, pó de maizena e lança-perfume. Teresina era uma festa no carnaval: River Atlético Clube, Cabos e Soldados, Jockey Clube, União Artística Piauiense, Clube Pirantinga, Classes Produtoras, Flamengo, Marques, Baixa da Égua, Palmeirinha, Frei Serafim e os desfiles das Escolas de Samba, imperdível, meu velho! Triste foi quando parou tudo nos anos 80. Teresina parecia ter escurecido sem as festas de momo, uma escuridão que desnorteou os tamborins e calou as cuícas; um amargor na goela dos puxadores de samba-enredo e uma tristeza sem fim nos corações dos compositores e dos foliões.

Veio os anos 90. As fantasias guardadas e o peito dos apaixonados pelo carnaval batendo cada vez mais forte, desistir nunca! Esperança e ritmo na cadência do samba. As forças se aglutinaram e, em 1993, aconteceu um evento denominado Reviver Carnaval, um Seminário realizado pela Fundação Cultura Monsenhor Chaves e a Secretaria de Esportes e Lazer - Semel, na Casa da Cultura de Teresina, tudo acompanhado por uma exposição de fotos, fantasias carnavalescas. Foi a partir dali os tamborins começaram a esquentar. Participei de uma mesa onde estava Marcos Peixoto, o super-produtor cultural que fazia a Micarina com grandes trios baianos, nada que impedisse nosso carnaval de existir. O seminário foi todo documentado, e ali estavam todos os presidentes de escolas de samba e pessoas apaixonadas pelo carnaval deixando suas idéias e opiniões. O carnaval tinha voltado para a alegria de todos, principalmente minha. Tenho o documento, quem quiser ler me peça uma cópia.

1994, todas as Escolas de Samba na Avenida Frei Serafim. Mauro Monteiro, um gigante, dando tudo de si como organizador. O povo de Teresina invadiu a Frei Serafim, que ficou pequena, veio Marechal Castelo Branco, brilhante ideia, mais espaço e conforto. Em 1997, um ingrediente a mais: o corso carnavalesco e o caminhão das raparigas-atrizes piauienses representando, criação da FCMC, sob a responsabilidade de Cecilia Mendes, Afonso Lima, Laria Sales, Ací Campelo, Daniel, Wellington, uma festa! No começo, dois caminhões apenas, dez anos depois o corso tomaria conta da cidade. Mas, e agora? Como ser feliz no carnaval se não vai mais existir desfiles? Como ficará o corso? Aliás, corso pra que?

O mais terrível de tudo é negar a tradição. Escolas de Samba sempre existiram em Teresina, há mais 50 anos, não é, então, uma tradição? Não é uma história? Por isso é que às vezes penso que nós somos culpados pela nossa incrível capacidade de negar a nós mesmo. Estamos sempre acabando com aquilo que construímos, com aquilo que pode sugerir nossa identidade cultural, nossas raízes, nossas heranças, então, ficamos navegando e boiando sem paradeiro, na busca de qualquer tábua de salvação, num desrespeito total à construção de nossa cidadania. No Piauí, o gosto pessoal de alguns quando se apoderam do poder paira sobre o gosto dos outros. Não gosto, não quero, não tem pra ninguém. Mesquinhez pura.

Fico comigo a lembrar do bloco do Pererê, alô Ral! Do bloco da Tijubina do Mafuá, criado por Ubirani Rocha, do qual banquei o letrista dos sambas e, por último, do Baião de Boi, do Severinos Santos, onde desfilei nos últimos três anos. E o Bosco com sua Escola de Samba da qual me homenageou, me colocando no Samba Enredo? E o príncipe do carnaval, senhor da glória Manuel Messias. Onde vamos dançar agora? E pra quem? Não irei aos bairros vê escolas de samba desgarradas fazendo coro para trios elétricos, nada contra, absolutamente. Acho que até os próprios bairros irão estranhar, afinal de contas muitos deles se dirigiam a avenida para vê as escolas, não é verdade?

Mas, vamos com calma. A identidade de um povo é construída pedra sobre pedra e, às vezes, ficam só as pedras, para renascer das cinzas matando a tirania. Que viva o carnaval!



Ací Campelo,
em 27 de julho de 2009
via blogue do autor


28.7.15

PESCARIA ÀS SEIS DA TARDE NO BALÃO DA IGREJA DE SÃO BENEDITO, por Rubervam Du Nascimento



Um rio nos separa na pista de danças luzentes e procissões de veículos rio não de águas de carros. Na cidade de Teresina, tem um igreja cuja frente, fica voltada para uma avenida, que juntando-se com outras pequenas ruas no mesmo perímetro, vai dar no rio Parnaíba, - o maior rio da bacia hidrográfica da região Norte do Brasil, responsável pela separação geográfica entre os estados do Maranhão e do Piauí, e, o fundo, vai dar para outra artéria, considerada a mais elegante e luxuosa da nossa capital, - a Avenida Frei Serafim. Nesse ponto, - tanto pela frente como pelo fundo da igreja, - outrora, o "trottoir" (paqueração, pescaria) de proxenetas, gays, lésbicas, drag queens, travestis e principalmente prostitutas era intenso. A procissão de veículos motorizados era maior que a procissão de andores, mas dentro desses veículos estavam no volante - obviamente motoristas, - que não estavam ali para pescar luzes de holofotes de carro nem muito menos  pistas de rolamentos de veículos, eles estavam ali para pescar gente de rostos, carne, osso e espinha.



Rubervam Du Nascimento
em Guia Turístico Afro-cultural da Região Meio-Norte; Piauí e Maranhão
de Antônio Julio Lopes Caribé


18.11.14

a paz do pântano, por Paulo Machado



Nas ruas da minha cidade há lições?
           (É preciso aprendê-las)

Desfazer o enigma da Rua Grande,
Onde os revolucionários depredaram o bonde
E apagaram os gestos dos ditadores,
Numa rubra manhã de outubro.


(A malha da história sendo tecida pelas mãos operárias)


Lembrar o fantasma de um coronel loquaz
que acrescia cores às suas façanhas
e vadiava pela Rua da Estrela,
atravessando paredes,
sumindo na cinzentura da tarde.


Os paralelepípedos da Rua da Glória
tinham a densidade do sono nas tardes de verão.


Insisto:
aprender as lições que há nas ruas da minha cidade.
Na Rua Bela, era proibido amar.
(Há tempos proíbem as lições de liberdade, no meu País.)


Na Rua dos Negros, francesas faziam amor
com os filhos dos coronéis.


Na Rua Paissandu, havia sol nos corações dos amantes.


O tempo não apagou o que falavam os operários
da Companhia de Fiação, nos dias de cinza da ditadura Vargas.

Diziam coisas reais
aprendidas no galope das máquinas
e no silêncio das horas, nas noites insones.


O imperialismo saia do Cine Olympia
para as mesas do Bar Carvalho;
a Casa Inglesa penhorava a vida dos camponeses.


Não importa que o presente me apunhale.
Desafio o ódio
dos que desconhecem como é difícil penetrar
no âmago das verdade proibidas
e acreditar nos homens.


Caminho solitariamente pelas ruas da minha cidade
e guardo-me para desvendar seus segredos.
Como é difícil compreender
os mistérios de uma cidade,
mesmo que seja uma pequena cidade
situada na zona tórrida,
no nordeste do Brasil.


A Avenida Frei Serafim divide a cidade em duas fatias de medo.


Aos domingos a cidade está deserta e dócil
ao carinho da procura.

Parece que seus habitantes partiram
e nada deles restou.


A cidade, desabitada, treme de gozo
aos afagos dos estranhos,
mas nunca se entrega inteiramente.


Impossível dizer quantas faces tem a cidade.


A constância do azul, no céu da cidade,
ensina que é preciso renascer das cinzas da noite,
porque a vida é um contínuo amanhecer.


A cidade e as tragédias familiares,
as muitas dores abafadas,
as vergonhas que as famílias guardam
no fundo das gavetas.


Minha cidade já viu morrer
muitos homens e silenciou.
E este silêncio ensina
que não basta ver a morte de homem
para aprender que a vida
se escreve com a melhor letra.


As ruas da minha cidade ensinam lições de solidão?


Conheço minha cidade,
como conheço o meu corpo.

Meu corpo propõe insurreições
e persiste, insubmisso, entrincheirado
nas ruas da cidade ensolarada.


A cada dia que passa,
a cidade torna-se difícil.

Os que a amamos,
Sentimos sua renúncia.


Enfurecida, a cidade é uma loba no cio.


Escapo à armadinha do tempo:
aprendi a árdua lição
de que as palavras são potros bravos.


Aprendi a inventar amanhãs,
moldando o futuro
com minhas angústias de homem.

Aprendi que sou um náufrago em mim mesmo
e já não procuro meu avesso
nos fracassos acumulados.


O presente insiste em me apunhalar.
Vejo minha cidade:
ancoradouro de fúrias invisíveis,
e seus horizontes repetidos.



Paulo Machado
em "a paz do pântano"
Oficina de Arte: Teresina, 1982


17.8.14

FANTASMAS DO VELHO BALNEÁRIO DOS DIÁRIOS




Fantasmas, fantasias oníricas de viciados em drogas, inumeráveis pichações e imundície velam o antigo casarão de dois pavimentos, abandonado na Praça Ocílio Lago, onde funcionava o Balneário do Clube dos Diários, no Jóquei. Só os despojados, como o idealista, advogado, escritor e jornalista, Kenard Kruel, topariam a proeza de resgatar o prestígio do vetusto patrimônio, transformando-o em centro de manifestações artísticas.  E o show já começou. Exige apoio de autoridades e amantes das artes. Kenard iniciou a limpeza, atende compromissos no local, organiza arquivos da Fundação Nacional de Humor. O médico José Aírton juntou quatrocentos amigos, festejou seu aniversário ali, conseguindo 12 mil reais para a instituição. Construtoras prometem reformas.

A Fundação Nacional de Humor projeta, para breve, show e escola de humor na praça, museu de arte contemporânea, além de festivais de cartuns, caricaturas, quadrinhos.

A geração atual pouco ou nada sabe sobre aquele bucólico prédio e sua praça, urbanizada há algum tempo. A tarefa inicial de Kenard Kruel já espantou boa parte das miragens e lucubrações.

Entre as décadas de 1950 e começo de 60, o Bairro do Jóquei praticamente não existia. Imensa floresta cobria quase toda a Zona Leste de Teresina. Só a velha ponte de madeira, onde, hoje, se ergue a Ponte Wall Ferraz, servia de passagem sobre o Poti. Construiu-se outra ponte, a Juscelino Kubistchek, de concreto, na segunda metade dos anos 50, ligando a Avenida Frei Serafim à Zona Leste. Coronel Miranda, proprietário do jornal O Dia, juntou grupo de notáveis amigos, fundaram o chique Jóquei Clube, com manhãs dominicais lotadas de banhistas, além das corridas de cavalos e tertúlias semanais. Endinheirados adquiriam lotes enormes e arborizados, construíam modernas residências, desfrutavam a noturna temperatura serrana.

O Jóquei Clube atraiu expressivos associados do Clube dos Diários. Em resposta, líderes diaristas, comandados por Moisés Cadah, doutor João França, Edgar Nogueira, general Gaioso, Durvalino Couto, João Carneiro e Camilo Santos Hidd, fundaram o Balneário Clube dos Diários, que se estendia da atual Praça Ocílio Lago à Avenida N. S. de Fátima, onde se ergue um supermercado. Duas piscinas e bar ocupavam o segundo pavimento do prédio. Aos domingos, música ao vivo. Filhos de sócios iam do centro da cidade, de ônibus, lotavam o balneário a partir das 9 da manhã de domingo, até 2 da tarde. Certa manhãzinha, ainda escura, Hermínio Conde, neto de Antonino Freire, governador no início do século XX, dirigiu-se ao Balneário ainda deserto. Num salto do trampolim, faleceu.  Meu cunhado Marcos Hidd, filho de Camilo Santos, parece delirar, recordando um tempo, quando Teresina começava a se esbaldar nos recentes balneários, Jóquei, Diários, logo mais o Iate Clube. Ainda se curtiam deliciosas manhãs, nas praias alvíssimas e límpidas águas do Poti e Parnaíba.   

A Fundação Nacional de Humor tenta resgatar alguns sonhos que se perderam com o crescimento e modernização de Teresina. Se não cuidar, fantasmas e fantasias oníricas cuidarão do lixo.



José Maria Vasconcelos
via blogue do poeta Elmar Carvalho
em 16/08/14

6.4.14

NÃO TRAZ A RÉGUA LÍRICA, por Adriano Lobão Aragão



não traz a régua lírica
a rua olavo bilac
existe numa esquina da
frei serafim uma placa
gritando anjo torto
mas quando passam os carros
eles não ouvem nem vêem
as mulheres nuas
pintadas ao lado da prefeitura
agora com poemas
nas paradas de ônibus
e pessoas de olho
na avenida pra ver o ônibus chegar
recolhendo mais uma
paisagem humana
pros outros dias seguintes



Adriano Lobão Aragão
em Uns Poemas 
Teresina: FCMC, 1999


DOIS MENINOS VESTIDOS EM CAMISAS DE POLÍTICOS, por Adriano Lobão Aragão



Dois meninos vestidos em camisas de políticos
sujos de rua menores
depravavam a poluída avenida Frei Serafim
com seus comentários
à funcionária da loja cujo nome ignoro
- priquito priquito priquito
e corriam e gritavam e depravavam
e mais ninguém ouvia


Dois meninos na rua lambendo coca+cola
                                        derramada pelo chão
no sinal da Duque de Caxias com a Petrônio Portela
em duas poças no asfalto quente
entre os carros passando por cima da lata de refrigerante
esmagada
sob o pó e poeira e fuligem
os dois meninos bebem coca+cola derramada na rua
ao meio+dia de hoje
e mais ninguém via



Adriano Lobão Aragão
em Uns Poemas 
Teresina: FCMC, 1999


11.11.13

AQUELAS FLORES AINDA SALTAM NO MEU CÉU!




Quase nenhum garoto do bairro Primavera do final da década de 70 e início da de 80 deixava de admirar os paraquedistas (o hífen foi retirado para não atrapalhar a queda) que executavam suas manobras lá pras bandas da curva do rio Poti, talvez perto da floresta de fósseis que há em seu leito, depois da ponte da Frei Serafim. Com seus paraquedas redondos, aproveitando a corrente de ar que os levaria até a pista do aeroporto, passando por cima de nosso bairro (que beleza!); aquilo era surpreendente para qualquer criança setentoitentona, e isso não era diferente para mim, que vinha, como já o-disse noutras vezes, de uma cidadezinha do interior, que me-madrastou mansamente: essa Alto Longá – domundopróximo – distante. Em Teresina, nesses idos, olhávamos os meninos para cima, à espera de todos (e, em expectativa, de um) pularem.

Hem-hém. Quão fácil era prender a atenção de crianças assim! Sim, tão pouco era necessário. E, imaginem só, assistir à audácia daqueles homens: o desafio de confiar em equipamentos, em tecnologia de afronta à gravidade – dane-se Newton; todos queríamos vê-los saltando davincianamente para um voo planado por asas de tecido sintético! Redondinhos. Sim, os paraquedas ainda eram os redondos, mesmo o italiano engenhoso tendo-os pensado piramidalmente mais pesados e quadrados e os nossos contemporâneos, mais leves e retangulares, com a possibilidade de o paraquedas ter manobrada a sua direção. Então, os meninos de olho no céu, à procura dos pontinhos coloridos que desabrochavam uma flor salva-vidas; perigosa ideia do desejo humano do voar, oqual, ainda hoje, renova suas asas com as penas de outra tecnologia, criada da ciência. Quer ler? Hoje, agosto de 2011, aposto se há tanto alguém nesta ilha terrena que ainda queira voar com o grego, usando as asas de cera que Dédalo criou para si e seu filho, Ícaro (não escrevo do paraquedas de Da Vinci, porque isso já foi feito; a foto que ilustra esse texto comprova-o!).

É, o não ter asas para voar deu ao humano a possibilidade de trabalhar com as mãos (estendam-se os braços), esses Oficiais de Justiça do cérebro. Foram essas mãos, por exemplo, que criaram essa possibilidade de sobreviver qualquer um que pule de qualquer lugar (estático ou célere) estando a tantos metros do chão. Claro que esse “qualquer um” foi somente para ilustração de que há pessoas que fazem isso. Mas não o-é para todos. Para nós, os meninos que observávamos estupefatos de alegria aquela loucura de se-atirar de um avião a mais de dois mil metros de altitude, ainda não havia nada que se-comparasse a isso. E, nesta linha mesma, me-vem à mente o nome dum homem (claro que havia outros com ele!); não, seu apelido. Louro. Loro (pra confirmar a nossa “morte do ditongo”, já praticada pelos espanhóis, de mais antiga língua). 

Quem era esse cara? Ainda hoje sei pouco sobre ele. Certa vez, aqui, em Teresina, encontrei um seu filho, um fotógrafo, de nome Cleyton, não lembro bem (sei que o-conheço), que falou qual era o verdadeiro nome de Louro, seu pai, mas infelizmente perdi isso em minhas agendas; foi mal, Cleyton (nem sei se seu nome é escrito assim), mas talvez alguém possa reconstituir os fatos dessa história teresina, que, junto-com os meninos, também eu vi. Isso, se não já o-tiverem feito. Talvez alguns poucos possam-se-lembrar de Louro e de seus companheiros de saltos. Eles são os primeiros em nossa capital? Eles, de fato e de saltos, não deixaram quaisquer seguidores pelos ares dessas suas quedas de -longe? Quem sabe? Sei que foram ousados. Nem sei se há ainda, aqui, nesta capital, algum grupo que pratique paraquedismo. Aliás, há paraquedismo ainda, aqui, em Teresina, como havia naquela época?

Vixe, eram muitos saltos! Acredito que fosse uma espécie de clube de paraquedismo. Não posso confirmá-lo, mas isto, sim: o Louro era “o Cara”. Era o nome que os caras (como os meninos nos-chamávamos) mais pronunciavam. Todos, abestalhados com aquela habilidade, que vem desde os acrobatas chineses, precursores do paraquedismo de “altas altitudes”, até a ideia-cabeça de Leonardo, o iníco de uma sequência de ousadias, que ofereceram ao público um Fausto De Veranzio, um Sebastan Le Normand, um Jean-Pierre Blanchard, que já saltava com paraquedas dobrável de seda, ou um André-Jacques Garnerin, o primeiro a desafiar as grandes altitudes, ou uma Genevieve Labrosse, a primeira mulher, e sua sobrinha, Elise, que fez mais de 40 saltos, o que, para a época, era algo surpreendente. Não; somente eles eram ousados a tal ponto no céu. Ah, esses saltos sempre foram perigosos, e nossa expectativa de meninos roía as unhas e nossos heróis tiveram que pagar o preço com suas próprias vidas-próprias e eu, de boca aberta ainda e olhos espremidos, calibrando o olhar, e este texto, por réquiem profano, saltando do meu cérebro, pulando com as mãos nesta tela. 

Ao Louro, estas “memórias póstumas”. Elas, que, pelo céu de minha boca passam palavras, puladas por mim, a sonorizar as imagens, que gravadas no “paraquedas do meu cérebro” ficaram a saltar. Não eram elas a borboleta preta nas rodas do quarto, mas pareciam floresinhas pequeninas (bem pituibinhas!) no céu do meu bairro, daquela cidade do tempo em que os meninos, na primavera das idades e no Primavera de suas casas, estavam de olho duro no céu. O salto que eu ainda espero é o de Louro. Como, hoje, o paraquedas pode ser manobrado pelo paraquedista, como tento fazer com estas palavras que saltam de mim num céu de página branca (papel ou tela), quero que ele caia dentro deste poema:



Outra inscrição para um túmulo no ar (o segundo voo)


Meninos,
nas matinês dos
domingos, lá pras
bandas da curva do
rio – com o Poti abaixo
(sim, uma garantia?) –, um
passarinho de metal desovava
no céu sementinhas; e vinham caindo
velocíssimas para, em seguida, abrirem-se
como florzinhas: pequeninas ilhas de cores teresinas,
paridas pelo voo dessas aves ocas, loucas pelas alturas terrenas!
Os meninos esperávamos, sobretudo, sobre todas as altitudes, pelo Louro,
o principal pontinho do grupo dos pulos nos ares do abismo, o príncipe dos
comentários dos caras do bairro, do Primavera  (sempre abismados, os meninos); entanto, estávamos tão abaixo de entendermos a altura dessa Física, de um artefato
saltado do entendimento davinciano e longíquo. Ah, seos meninos, eu vi também os
saltos do Louro pelo brancinzazul do céu do meu bairro soltos; primaveral flor do céu
que voa, e todas voam: o pouso sobre o desejo tão grande e tão baixinho (mítico?) de voar acima dos telhados dos olhos primaverinos. – Lá vai o Louro saltar!– Lá vem o louco! – Lá vai no vento indo. – Vai pro aeroporto. Esse foi o salto que caiu dentro do encanto dos meninos de boca aberta: – Quede os paraquedas? – Quedê? – Cadê? Que pena. Ninguém mais os-espera. Como flores soltas na corrente de ar: elas, pelos louros do desafio à queda-livre, presas dentro deste poema, dos céus das páginas, saltam nos









olhos
dum menino
teresino.



Luiz Filho de Oliveira
enviado pelo autor

5.11.13

Previsão do tempo, por Rodrigo M Leite




o morto esboçado no chão com sua moto
não é lembrado no mercado central
onde cresceu e não aparece há anos
o recém nascido evangelina rosa
grita primavera rouca
coro que anoitece os olhos do pai
pétalas de aço enferrujado
rasgam o asfalto frei-serafim meio-dia
quentura dos infernos
ônibus tiram fino das garotas cpi, todas iguais
a cidade respira pulmões encardidos
e o som vibrante de linhas com cerol nos postes mafuá
trilha o cotidiano de almas estendidas em varais



Rodrigo M Leite
em A Cidade Frita
Teresina: 2013 (versão atualizada)


22.10.13

ENIGMA NO AR, Elias Paz e Silva

para H. Dobal e Paulo Machado

que anjo sobre a cidade
anuncia coriscos na nuvem?
mensageiro do poente
o sol se declina em fogo no oriente
clarazul céu de enigmas
decifra homens taciturnos de esperança
os rios riscos primitivos
seca suas margens de areia e sonho
um artifício de paisagens
pontifica demolindo memórias antigas
à fome de justiça sobrevive
o rapaz da rua da glória
o que que há que não
se intui quando o vento de setembro na pele imita carros de fogo
uma aliança renovada
sustenta o arco-íris na retina dos habitantes
depois do verão solar
chuva de raios trovões no metal dos pára-raios das árvores secas
o relógio rosa da praça rio branco
ensina uma política de signos sob a velhice retórica
o mesmo anjo que circundou uma espiral
a margem da floresta de pedra a retidão da frei serafim silencia:
VIVER É VINGAR-SE DA MORTE!


Elias Paz e Silva
via Recanto das Letras

TER É SINA II, Elias Paz e Silva


cidade sem memória
sol e sombra do nada
sitia os deserdados

                  o fogo o terror nas casas de palha
                  os pedaços da doméstica
                  quarentinha bibelô nicinha

guerra silenciosa e
capital redistribui os espaços
da fome e dá forma à frei serafim

                  os anos fiados em miséria
                  perdidos à sombra do tempo
                  perpetuados à luz do dia
                  fabricados armazenados

teresina: claudino & cia
tajra tajra tajra taJRa tajra tajra

                  à igreja do santo negro
                  submersa em lendas
                  superpõe-se as torres
                  do amparo e a crença dos fiéis

paisagem artificial
se interpõe à brisa libertina
espigões tramam a colheita diária
de calor e cansaço

                  um monumento à morte
                  potycabana anfiarte
                  divisa a linha da vida
                  na miragem das coroas

ao lírico por do sol
avermelhando as cortinas
o rio se dá assoreado fulminado
entre navios sonâmbulos
paruaçu, rio de sonho, salve, salve.

                  um pescador de horizontes
                  senamora sete moças virgens
                  sobre o neon de natal da ponte

pára-raios vigiam o mito
coriscos já não riscam noite
não se pode dizer de lendas
antenas sensíveis decifram céu de enigmas


Elias Paz e Silva
via Recanto das Letras

21.10.13

SR. CORNÉLIO



Cornélio Evangelista da Costa, o Sr. Cornélio, que completa 90 anos no próximo dia 28 de agosto, disse que não tem saudades de tempos atrás. "Gosto da Zona Leste de Teresina pelos seus arranha-céus", afirma. Há quarenta anos, ele se instaurou no ponto mais badalado do centro da cidade, a esquina da Praça Pedro II com a Avenida Antonino Freire, a menor avenida do mundo, construída para homenagear o governador do estado entre 1910 e 1912. O cardápio ainda é o mesmo: pão de queijo e refrigerante. Ele mesmo cuida da lanchonete até hoje. É um observador do seu tempo e diz que até os costumes mudaram. "Uma coisa interessante, os homens circulavam o coreto da Praça Pedro II pela direita e as mulheres, pela esquerda, era assim que se paqueravam. Se você fosse deixar a moça na casa dela, era casamento feito", revela. Ex-vizinho de figuras ilustres como os governadores Helvídio Nunes e Leônidas Melo, ele relembra que a atual area nobre da cidade, a zona leste, era um local de veraneio, onde os comerciantes do centro mantinham sítios para passar o final de semana. "As pessoas mais ricas da cidade moravam na Avenida Antonino Freire e na Avenida Frei Serafim", lembra. Natural de São João dos Patos "MA", Sr. Cornélio ficou viúvo às vesperas de completar bodas de ouro. "Foi amor a primeira vista. Tenho três filhos, cinco netos e dois bisnetos", disse. Sr. Cornélio não tem planos de parar. Todos os dias, o forno da lanchonete Mary Lucy assa mais de cem pães de queijo que são consumidos ainda quentes.



Revista Veja 
Edição 2229 
Ano 44 - nº 32, em 10 de agosto de 2011