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3.2.16
PESADELO ATROZ, Nogueira Tapety
Mal sabe ela que todo esse desregramento
é o véu sob o qual minha tortura oculto,
Pois quem vive como eu de tormento em tormento,
Necessita viver de tumulto em tumulto...
O que eu busco ao bordel, é a paz do esquecimento,
Mas na noite do vício em as mágoas sepulto,
Como um raio a luzir, de momento a momento,
Fere-me o pensamento o clarão do seu vulto.
Foi o vício o recurso extremo, o último apelo,
Que lancei, torturado, ao rumores do mundo,
Para me libertar deste amargo desvelo.
E quanto mais me excedo e em rumores me afundo,
Mais se arraiga em minh'alma este atroz pesadelo,
Este afeto infeliz cada vez mais profundo.
Teresina, 1915
Nogueira Tapety
em Arte e Tormento (1990)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995
"Lucidamente", Chico Castro
Lucidamente
te encontrei Help pela cidade
foi a maior felicidade
a maior camaradavagabundagem.
Sua avemente
você me deixou
show
show
muito louco
louco
louco.
Anda menina ama
deixa o fio teu riso passar
passarinhar passarinhar passarinhar.
Suavemente
luciacidamente
eu voo.
Chico Castro
em O Livro da Carona
Teresina: Edição do autor, 1994
29.1.16
ESTIGMAS, Carvalho Neto
devolva
meus sapatos rotos
que já não tenho estradas sem fim.
devolva o ciclo dos ventos
onde jovens valsavam suas esperanças
e risos
ao sabor das águas e dos mitos
flores de beira rio.
devolva as escrituras
não as do mar morto
as gravadas na cerâmica
bela e frágil
do poti velho.
devolva o princípio mágico
o verbo, o poema.
Carvalho Neto
em REVISTA PRESENÇA
Ano XXI, número 35, Teresina, 2006
28.1.16
CARTÃO POSTAL 80, Chico Castro
Espirrei:
Lixo da mais pura aspirina.
Sou:
De papel passado em cartório,
que tal?
Um homem urbanizado
entre prédios, luzes e avenidas
carros-galos
som sobre som sobre sonho
ufa:
não me ouço mais
nem gritando comigo mesmo.
Chico Castro
em O Livro da Carona
Teresina: Edição do autor, 1994
25.1.16
TERESINA, Fernando Ferraz
Verde cartão-postal,
iluminada entre espelhos
de rios que se encontram,
Teresina absorve e emite luz
adubando e cultivando a vida
na energia do calor de seu povo
e no coração dos que dela se encantam.
Fernando Ferraz
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão
23.1.16
TERESINA
para g.c.
Levei horas em teu caminho
e ao te encontrar
mergulhei
pela tenras flores de tuas mãos
Vi que estavas em cada pequena fresta
de meu impreciso contorno
Adestrei minha vontade voraz de devorar tuas palavras
em cada canto teu descobri uma saudade
daquilo que eu jamais conhecera
Ana Paula Pedro
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão
DEFINIÇÃO, por Torquato Neto
Teresina:
ausência
de uma presença...
presença
da mesma ausência
só memória na memória
sempre viva.
só saudade... só distância
só vontade.
...e um ardor medonho no peito.
(Rio, 23/08/62)
22.1.16
FAZIA SOL... NO RIO NÓS DOIS...
Naquele dia lá no rio nós dois
quais dois delfins espadanando nágua,
brincávamos com puerícia louca,
sorríamos sem meditar em mágoas.
Eu via as curvas brancas dos teus seios
de líquidas pérolas matizadas...
Ai! vibraram em mim tamanhos desejos,
meu corpo ardia - volúpias alarmadas!
O sol tão brando "curiava" ao longe
perlongando as curvas do maiô escasso
com a sutileza dos intrusos raios...
Nós dois sorríamos um sorriso lasso
esquivantemente a devolver carinhos...
e o sol ao longe olhando com olhar devasso!
Humberto Guimarães
em JUVENÍLIAS
20.1.16
A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune
aos "filhos de ninguém", personagens desta história,
heróis da cidade destruída e vítimas do ódio,
da especulação imobiliária e da maldade dos homens
PRIMEIRO MOVIMENTO
Teresina chora
I
Tremeram as palhas da cidade
na loucura de 41
amanhecera
era noite nas sarjetas da mente
e queimava o brilho de estandartes
subiram ruas e era triste a vida
disseram alegrias e não chegaram
todos pediam ação
no muros, nos papéis
nas esteiras-camas
no silêncio da polícia
e na certeza
todos pediam ação
e era cedo
e era longe
mais que perto se fez o tormento
e das palhas ao vento se viu a vida
entre corpos, entre mentiras
lágrimas, potes, trapos
e todos queriam ação
a mesma ação de peso
a loucura da satisfação
amanhecera!
é necessário insistir; amanhecera
e cada pingo desse inverno
caía como punhal em cada dor
a chuva, o frio, o cobertor
a palha era o teto de sossego
e já não se podia pensar
e já não se permitia verdade
era ela, magra na escuridão das águas
triste no chorar dos céus
que gemia
era ela, na eterna espera
nos tormentos seus
que se quedava em Karnak
era ela, a criança Teresina
omissa nas brasas dos baús
nos ossos dos perdidos
nas carnes de Luzia
que se via violentada
e era ela, mais do que tudo era ela
na eleição dos seus líderes
na aceitação da imposição
que clamara piedae
amanhecera
e cresciam os dias
e nem mesmo a insistente chuva
nem mesmo a solidão do cais
fizeram de Evilásio Vilanova
a paralisação do gesto
é que do medo dos casebres
se formou a gana
a tara de se ter presente
o suplício de um tempo
e do Parnaíba, as águas eram cheias
e de Getúlio, a força era tudo
pois era glória...
o tempo todo lhe rendiam palmas
se pelas ruas da pobreza
serpenteiam chicotadas
carrega o fardo da miséria
sufoca o apelo da terra
fazendo pouco o cismar dos dias
em meio ao tormento da desilusão
e por mais que emudecessem as cinzas
ficou marcada a história dessas vidas
em que se baseou essa vergonha
- chega!
basta a dor desse dia negro
(basta dessa "chuva" maldita)
começara!
raiou o claro em pingos dessa trama
pediu - trágico - a trágica forma
fez-se agora o labirinto
e não bastaram os gritos dos afoitos
é que estamos em terra firme
em meio a agonia
no mandato de alegoria
na estrutura de um torpe Brasil
como em ti perto
como em ti morte
mata - geme - sofre
é dia
e a chuva grita contra os deuses
mas não se decidia a tempo
essa loucura é antiga
é espada rasgando o ventre
é espera de mil séculos
é verdade de agora
e és tu, só tu, Teresina
que de dentro das chamas
nos abre o véu do tormento
dessa angústia presente
que destrói a grande luta
e nem Evilásio
nem Leônidas
nem vida, nem morte
nem medo, nem Luzia
nem Mathias
nem nada
te fez esquecida
é que hoje começara
e tua vida queima dolente
era um tempo de dor
e por aqueles dias o fantasma do calor
rondava casebres de palha
e não se sabia a que momento
se manisfestria as garras da covardia
e enquanto se lamentava nas ruas do Mafuá
já se previam a indecisão de ser
já se tramavam nos gabinetes
o passo da piromania
os jornais escreveram tantas estórias
e do grito da oposição
nada abalava a marcha
dos troncos idos e dos marginais
em busca de mentira, crime e ódio
a brasa,o solo
o tempo, a mão
o escuro, o claro
o dia - ação
encapuzados empunharam tochas
e o sono dos infelizes seres
interrompeu-se
e de dentro da fumaça
o tossir sem rumos, o chorar das mães
- o rádio, o baú de roupas, a bilheira
meu filho, Deus, meu filho é cinzas
de mais distante nas perdidas horas
o fumo sobe - Teresina implora
por mais distante dos tempos de agora
a pira surge - Teresina cora
e por mais distante das perdidas horas
a "chuva" espalha-se - Teresina chora
chora, chora
chora
chora
a "chuva" queima
Teresina chora.
Afonso Lima
em A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune
PRIMEIRO MOVIMENTO: Teresina chora, I
Teresina: Multiservice, 2010
NOTÍCIAS ESPARSAS
Dos países longíquos
chegam notícias de amor e morte.
Na rua onde moro,
neste momento, há quem jogue cartas,
desfira socos em canalhas, cometa adultério,
morra de tédio.
(Muitas Coisas estão em minha rua,
não em mim)
Raimundo Alves Lima (RAL)
em CANÇÃO PERMANENTE
Edição do autor: Teresina, julho de 1982
18.1.16
TRIBUTO A TORQUATO NETO
hoje que você se foi
e ninguém pode negar
o que está feito,
as palavras guardadas no peito
são flores navalhas
no chão do real
e um poeta conhece
o tamanho da fúria
capaz de gerar um furor
que as palavras são flor e punhal.
hoje que você se foi
e o tempo de chorar
também já foi-se embora
no verde final da nossa flora,
as palavras são flores de fogo.
e um poeta conhece o tamanho do verso
capaz de abolir o acaso,
que as palavras são lances de dardos.
hoje que você se foi
os bois que berravam na chapada
viraram sócios do açougue.
as mídias e os midas de sempre
silen$ifraram a nossa dor.
e neste cenário de real pavor,
como num lance de touradas,
o troféu é entregue ao matador.
Salgado Maranhão
em Punhos da Serpente
Achiamé: Rio de Janeiro, 1989
SOL DE MINHA TERRA
Trago n'alma o sol de minha terra
a luz maior, claridade em mim
no som do Parnaíba que se encerra
o trilhar de um caminhar sem fim
carrego, imune, a força mais pura
a saudade do amor eternal
traçada nas glórias da loucura
do meu sonho alegre e jovial
trago, enfim, a lembrança das ruas
os quintais da infância e as luas
que no Poti vivem em transe
e sufoco as tormentas cruas
que fizeram as dores nuas
da dor de ti que me confrange.
Afonso Lima
Palmas/TO, julho de 2009
em A CIDADE EM CHAMAS: poema trágico de um crime impune
Teresina: Multiservice, 2010
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12.1.16
ANZOL
Moro em Teresina
jangadeando jangadeando
Moro em Teresina
à trezentos metros da praia.
Coqueiros estão ali
ao azul próximos
próximos coqueiros, vê?
Verdes carrapichos, matinhos
n'areia, serp, serp.
Moro em Teresina.
5 da manhã morde-me
a praia.
Morde-me quente ali
à trezentos metros.
Ali a praia salga-me
os pêlos, salga-me
a língua, salga-me.
em NOS SUBÚRBIOS DO ÓCIO (1996)
A CIDADE PERDIDA, Álvaro Pacheco
Sobrevivem alguns terraços
mas não as madrugadas
e nem as melodias dos boleros.
Conversam os fantasmas
com medo de lembrarem
os instrumentos do edifício
da vida que veio depois.
Os pórticos
à luz do dia e os terraços
ao entardecer informam:
mudaram-se
Álvaro Pacheco
Teresina, agosto de 1986
em O SONHO DOS CAVALOS SELVAGENS (1967)
ELZANO SÁ NO DIA-RIO-I, Chico Castro
dia correr de cavalos
a certeza de não mais voltar
dia-rio correr como o rio
matar como o rio
no dia-rio, cedo, a manhã aflora, no dia-rio
ser maior que a fantasia
ser maior que o relógio tic-tac
frio dia-rio
dia-rio a certeza da sorte má
no dobrar de uma esquina
em qualquer rua de teresina
Chico Castro
em CAMISA ABERTA e OUTROS ASTRAIS
Teresina: 1976
Teresina: 1976
19.12.15
PROPOSTA, Chico Castro
eu quero ter uma cidade
como o sol que bate numa laranja
solitária em sua geografia
de laranja
solitária em sua geografia
de laranja
eu quero ter uma cidade
com a mesma convicção
de quem elabora um objetivo fatal
com a mesma convicção
de quem elabora um objetivo fatal
eu quero ter uma cidade
que seja só cidade
que viva como qualquer cidade não
que morra como qualquer cidade
que seja só cidade
que viva como qualquer cidade não
que morra como qualquer cidade
13.12.15
A CIDADE MORTA
IX
Um dia escavarão esta cidade
nas sobras do futuro
mas não encontrarão o sorriso da garota da praia
nem o instante de felicidade que tiveram um homem e uma
[mulher numa noite de intenso verão.
Acharão talvez um slide colorido da paisagem
mas que não dará ideia do que foi a cidade
nem o seu povo
microfilmado dia a dia
em congestões de tráfego, abusos de poder e falta de amor.
É difícil que encontrem um documento válido
da incompreensão que gerou
tantas incompreensões
mas encontrarão pedras fundamentais e pedras finais
e talvez vestígios de uma catástrofe de concreto
mas
— e as catástrofes íntimas
e o que cada um em si morreu no cada dia,
o que restará?
E o que encontrarão do esforço de eternidade
que (cada um) fizemos para não morrer?
E de nossa linguagem, quem terá os cantos?
E dos nossos destinos, quem reconstituirá os sonhos?
E de nossa angústia, quem verá os traços?
E de nossa solidão, qual será a ruína?
Passarão pelos escavadores apenas fantasmas inapreensíveis
e a memória repousará incógnita
sob árvores de pedra
e estilhaços de metal.
dez. 66
Álvaro Pacheco
em O SONHO DOS CAVALOS SELVAGENS (1967)
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11.12.15
"As árvores da Avenida Santos Dumont"
As árvores da Avenida Santos Dumont
dividem o céu entre sol e semáforos
Parece que a beleza esconde toda dor
e descanso a cabeça cheia de nada
Suas folhas não ligam para o casal no bar
nem os passageiros que decolam com medo
em outro voo do Aeroporto Petrônio Portela
Passeio, sem pressa, respiro, o sangue circula
Minhas pernas percebem o cair da temperatura
Interessante percorrer a anatomia dos sentidos
Jamais entenderei tal alegria flutuante
Todo limite é miragem nessa parte da cidade
Sem saber, as árvores crescem alterando
meu corpo por diferentes estados emocionais
Thiago E
poema enviado pelo autor
"As árvores da Rua Álvaro Mendes"
As árvores da Rua Álvaro Mendes
não existem para o aprendizado dos hábitos
Na calçada quebrada em que caminho
seus troncos engrossam, alheios às pessoas
Há profundas rachaduras nas cascas dos caules
Olhando aqui, ou tocando nelas, é possível
conhecer suas rugas – as ruas do tempo vivido
O sol não tem ouvidos para reclamações.
Essa parte da cidade de brasa e sombra
melhora o pensamento em modificação:
aquele encanto claro de palavra nova
transmitindo mais surpresas que entendimentos
Passei a ter resistência aos poluentes urbanos
poema enviado pelo autor
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6.12.15
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