A CIDADE MORTA
IX
Um dia escavarão esta cidade
nas sobras do futuro
mas não encontrarão o sorriso da garota da praia
nem o instante de felicidade que tiveram um homem e uma
[mulher numa noite de intenso verão.
Acharão talvez um slide colorido da paisagem
mas que não dará ideia do que foi a cidade
nem o seu povo
microfilmado dia a dia
em congestões de tráfego, abusos de poder e falta de amor.
É difícil que encontrem um documento válido
da incompreensão que gerou
tantas incompreensões
mas encontrarão pedras fundamentais e pedras finais
e talvez vestígios de uma catástrofe de concreto
mas
— e as catástrofes íntimas
e o que cada um em si morreu no cada dia,
o que restará?
E o que encontrarão do esforço de eternidade
que (cada um) fizemos para não morrer?
E de nossa linguagem, quem terá os cantos?
E dos nossos destinos, quem reconstituirá os sonhos?
E de nossa angústia, quem verá os traços?
E de nossa solidão, qual será a ruína?
Passarão pelos escavadores apenas fantasmas inapreensíveis
e a memória repousará incógnita
sob árvores de pedra
e estilhaços de metal.
dez. 66
Álvaro Pacheco
em O SONHO DOS CAVALOS SELVAGENS (1967)
Belo poema. Acho q no fundo no fundo toda Musa acaba sendo esquecida. Mas os signos são belos tanto "musa" quanto "esquecida". Realmente as palavras lindas nos dá um frisson.
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