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15.4.16

ONDE UMA BARCA VEIO A POETA BUSCAR (A MANDADO), Luiz Filho de Oliveira




– psiu! – diz seo rio –  
vamos passear em mim
enquanto eu não vou... sim?

– sim – disse a mavioso convite (e mais disse!) –
vou embarcar assim sem a tal da catacrese – rio nativo
e navegar-te rio de muitos dito rio de minha terra
nossa! tanta terra! de tantos poetas & de gente tanta
que rio – rio – porque te-reverso uma margem apenas
emerso duma taba de imenso contentamento poti
como um piaga a desafiar-te-desafinar – rio grande

pois sei: és do filósofo antigo
o não-mesmo-rio-porque-passaste
e depois que a tua ira foi apascentada por Leonardo
– estando poeta-mentecontínua-revolucionário –
ficou mais fácil ir ter contigo ao teu catre alegorizado
mesmo agora em estado leito lento paciente porque
se canos & projetos já te-levaram as lavadeiras – rio dejeto
a largo canto canto o largo das águas em verso de monge velho

mas à margem de tuas melhores canetadas – rio verba
aquiagora levas a hidromassagem aos motéis urbanos (um caso)
onde secamente em programas as garotas falam falsas propagandas
beiravidando contra o rumo do mundo de Mundoca novamente    
e marginália mundana a cidade ainda te-reduz (o descaso)
de água e cais e caminho e mesa e banho
a esgoto latrina lixeira tema de campanhas
campanas pro dinheiro mesmo!

não mais Letes (esquece!)
nem Estiges nem Infernos  (estigmas do poético)
nestes versos te-quero música apenas: let’s play that!

e mais que o mar da costa – rio dádiva
vem e silva selvas de brisa vivas
e se o mar é longe e longo em linha
tu – rio – és doce e não amaro a toda a vida
linguagem para tudo quanto praias:
praio doce coroa & brotinhos

no averedado da verdade de teu chão – rio – caminho
e em filme grave gravo estas palavras em eco
lógico: não caço garças nem choro em coro
só aporto lado a lados: leito ladino (trino) se
margem a margens (imagens emergindo)
te-desavesso os versos líquidos – rio fio

todavia se a nado não cheguei a
nada de novo sob teu céu sobre as águas
liquido: aceito passear em ti nessa barca
por onde tropica o sol destas praças
(veio)

pronto, seo moço?

(rio)


(De Teresina a Timon, sôbolo rio Parnaíba, abarcando-o.)






Via Deleituras em 25 de novembro de 2009

12.4.16

RÉCITA, Francisco Miguel de Moura


                                            Para o amigo Ozildo Barros

1


Lixo atômico!
Ai, minha terra Francisco Santos!...
                                           Picos!...
Em vez de plantar mandioca
Vai plantar o câncer.
Ai dos meus rios,
Ai das minhas fontes,
            Pontes
     Lençóis freáticos!
O país do não come,
O país do não veste,
O país do não ouve,
O país do não chove,
- Piauí, triste/teste/toste.
Vamos receber o lixo do luxo,
Vamos receber o câncer dos ossos,
Vamos receber o câncer dos olhos,
Dente por dente, por dentro, olho por olho.

Meu grito contra o lixo atômico
É um grito histriônico:
- À merda, bomba! – Todas as bombas!


       
2


Não se pode mais plantar
                              batatas
Nas chapadas de Francisco Santos.
Não se pode! Não se pode!
Lá vão depositar o lixo dos “estranjas”...
No Piauí, não se pode, não se pode!

Ai, pátria do “não chove”,
Não come,
Não dorme.
Aí vem a bomba e sua carga
Amarga!
Molhemos nossos olhos, olhemos
Nossos próprios ossos.
Ai das nossas águas rio arriba,
                                 rio abaixo!..
Ai, Parnaíba, “velho monge”
Das nossas terras!
Ai do nosso sangue! Dói.
Morrendo nos veios, nos vales, nas chapadas,
Não se pode mais plantar mandioca,
Não se pode mais plantar mais nada.
                                      Nem poesia.
Ai, não se pode, não se pode, não se pode!


                         
3


Lixo atô-mico!
Luxo atômico para são paulo!
                                        r i o
                        brás     íl     ia...
Lixo para o Piauí,
Lixo, bicho!
Gente do Piauí come lixo
                        o  pobre,
                           opóbrio!
                        o burguês.
Não esse lixo-luxo-energia
                des-man-te-la-da.
Fora o lixo atômico,
fora toda a lixívia!

Quem não sabe que o bicho e o homem
                                             não comem?

FORA, POLÍTICOS E CIENTISTAS
QUE SÓ ENTENDEM DO ATÔMO,
MAS NADA DO HOMEM!
                   
NEM do ab(do)mem.



Francisco Miguel de Moura
Poemas recitados pelo autor, em 23.10.1986, no bar Nós & Elis, logo que soube que o lixo atômico viria a ser despejado nalgum lugar do Piauí. Francisco Miguel de Moura nas noites em outubro, andava com o também poeta Ozildo Barros e baixavam no bar Nós & Elis, em Teresina, para conversar, recitar e revolucionar o tempo e o ambiente. Via blogue do autor.


10.4.16

VOLLEY BAR, William Melo Soares




volley bar
rock e pelada
coroas do parnaíba

nêgo valti
dava o mote
piau frito
e outras coisas

o pôr do sol
o sorriso
menina flor da paisagem
Piedade oferecia
rabo de tatu gostoso

volley bar
sorriso e farra
vida efêmera
eterna areia

volley bar
sorriso e farra
vida efêmera
eterna areia

volley bar
gente bonita
lâmina d'água
à flor da areia



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

9.4.16

TERESINA, ANOS 70, William Melo Soares


Quintais de plantas e pássaros
menino chupando o dedo
ou picolé Amazonas
Arnaldo histórias em quadrinhos
humor sangrento no traço
da rua do Barrocão

Davi Aguiar os passos
dos malucos da cidade:
sexo, drogas e rock'n roll.

Domingo dia de clássico
rivengo no Lindolfinho
Carlos Said comentando
para o bom entendedor
pastel da Maria Divina
quem comeu nunca morreu

Seu Cornélio pão de queijo
arretado de sabor
a turma da palmeirinha
baixa da égua Sambão
coroas do Parnaíba
piau frito e pedaleiros
Dom Avelar Oração
Por um Dia feliz.


William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

2.4.16

NÓS & ELIS & GERALDO BRITO, Geraldo Brito




Numa ligeira regressão, chegamos ao ano de 1984. Muita tensão, embora os dias da ditadura militar estivessem praticamente contados, eis que chegou o dia 25 de abril, dia da votação na câmara dos deputados, da emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para o ano seguinte, ou seja, 1985. Passei o dia em casa ensaiando para acompanhar a cantora Cláudia Simone, que iria interpretar uma canção de uma compositora que não me lembro agora o nome, no festival organizado pelo Diretório Acadêmico da UFPI. Chegou a noite e fui pro Theatro 4 de Setembro para o dito festival. Ao sair do Theatro, indaguei a respeito da votação, que ainda não tinha acontecido e isso ao redor da meia-noite. Tal fato só foi acontecer às duas da madruga já no dia 26. Resultado: a emenda não foi aprovada. Decepção geral principalmente por alguns deputados que ficaram em cima do muro e não compareceram. Mas, tudo isso só pra lembrar que nessa noite seria inaugurado o bar Nós e Elis, onde antes funcionara o Quinas Bar (local onde houve um incidente envolvendo o meu amigo Peinha do Cavaco, que foi torturado pelas garras da algoz ditadura militar). Todavia nessa noite não compareci ao evento (não me lembro agora a razão), mas logo, logo, tornei-me um assíduo frequentador do bar e também um dos músicos que mais participaram da agenda da casa. Fantásticas noitadas aconteceram ali. Lembro de uma em 1985, por ocasião da presença da cantora Gal Costa em Teresina, apresentando o seu show BEM BOM. Após o show a equipe técnica da cantora compareceu em peso ao bar, onde as atenções foram voltadas para o técnico de som Rogério Costa, irmão da cantora Elis Regina. Detalhe: todos os copos do bar eram padronizados com fotos de Elis, o que foi o bastante para irritação de Rogério, que argumentava o fato da imagem da cantora estar vinculada a bebidas. Rogério, procurou o proprietário do bar Elias Ximenes, que após horas de conversa conseguiu conciliar tudo.

Outro incidente aconteceu no finalzinho do ano de 1985. Quatro rapazes chegaram ao bar por volta das 21h, sentaram e após umas e outras começaram a aprontar, fazendo aposta para ver quem conseguia acertar num pobre gatinho indefeso que estava passeando numa cerca de madeira que circundava o ambiente. Um deles atirou e errou o alvo, o que foi o necessário para o Elias ficar uma fera e imediatamente chamar uma viatura da polícia. Com a presença dos “ôme”, os vândalos fugiram, sendo perseguidos pela viatura e acompanhado por vários clientes do bar, que clamavam por justiça. Mas, a polícia prendeu os rapazes e após um tempo de interrogatório, diziam-se policiais federais. O delegado Torres requisitou o superintendente da polícia federal, que ao chegar à Delegacia, desmascarou os mentirosos e ainda descobriu que o líder do bando era Paulo Andrade, filho de Castor de Andrade.

Esse aconteceu com próprio Edvaldo Nascimento, de quem vocês também estão tentando arrancar algumas informações. Era, acho eu, 1986, tempo em que o Nascimento, estava a todo vapor com shows na coroa do Parnaíba, Theatro 4 de Setembro, Feira de Arte Popular, sei lá em quantos lugares ele passou. O Negão (apelido carinhoso do Ed), era um bom frequentador do bar, porém como compositor, não era muito bem quisto pelo Elias, até então. Mas, eis que uma noite o Ed, após realizar um daqueles shows contagiantes (no tempo em que tinha dois ótimos performáticos back vocal: a Edneide Magalhães e o Vicentim), segue para o Nós e Elís, com objetivo de relaxar um pouco e também ouvir a gravação do show, feita pelo Zé Dantas, ainda em fita cassete. No palco do Nós, tinha um rack de som para shows incluindo um tape-deck para som ambiente onde tocava principalmente músicas gravadas pelas Elis. Edvaldo ou mesmo a Edna, não lembro, subiu ao palco e colocou pra rodar a fita do show. E ficamos a curtir detalhes da gravação, quando chega o saudoso Elias Jr. esbravejando em bom tom: "quem colocou essa fita aqui? isso é contra os princípios do ambiente! aqui não toca rock and roll!". Edvaldo, ficou na dele (ainda era caladão e só emitia uma ou outra frase monossilábica), mas a Edna, como é do seu temperamento, não ficou calada e começou a argumentar com Elias, que estava outra vez enfurecido. Após acusações de ambas as partes, Elias, perdeu as estribeiras e mandou essa: "fora daqui você e seu roqueiro!". Só não lembro se, após esse compulsório convite, os dois ainda continuaram no bar, talvez sim.


Geraldo Brito



NOTA DO EDITOR, Joca Oeiras:

Um ano se passou desde que comecei a pedir que as pessoas escrevessem sobre o Bar Nós e Elis. A maioria absoluta dos que escreveram, nos mais diversos contextos, citaram, em suas crônicas, o músico Geraldo Brito. O João Cláudio Moreno considera, mesmo, ser impossível falar do Nós e Elis  sem falar dele. A Vera Mascarenhas, viúva do Elias, disse, em sua crônica: “De todos os cantores e músicos que se apresentaram, não posso deixar de citar Geraldo Brito que, em nome dos demais, presto homenagem”. O texto acima, de autoria do GB deixa muito a desejar, não pelo o que nele está escrito, até pelo contrário, mas pelo fato de ser de autoria de alguém que escreve bem, viu tudo, sabe de tudo e que tem, segundo dizem, uma prodigiosa memória. De minha parte eu fiz o possível para conseguir mais. Ninguém escreve obrigado, no entanto.

DESCENDO O PARNAÍBA, Antônio Chaves




Nas águas, vê que límpidas bonanças...
Que verde o destas árvores florindo!
Parece o verde dessas esperanças
Que em nossos corações brotam sorrindo.

Como as almas sonâmbulas e mansas
Dos lírios virginais que estão dormindo,
Quantas almas de cândidas crianças
Há nas estrelas que já vêm surgindo!

Tu és um quadro desta Natureza!
Minha alma, ao ver em ti tanta beleza,
De ti somente se tornou cativa...

Sem sol a flor sucumbe, morre a planta...
Dá que eu sinta, portanto, ó minha Santa,
O sol do teu amor! Faze que eu viva!



Antônio Chaves
em Nebulosas (1916)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995

DO TEMPO DO NÓS E ELIS, Ico Almendra


Sou do tempo do Nós e Elis
Com tanta música e pureza
Do tempo em que o Raízes ficava
Na antiga avenida Fortaleza
De quando para se aprender acordes
Se olhava para a mão esquerda do Geraldo
A cidade era realmente verde
Mas sempre teve o Blues do Edvaldo
De músicos tão raros
Como André Luiz e Zezinho Piau
Roraima, Boy e Jabuti
E outros tantos etc. e tal
Das gincanas do Colégio Andreas
Feitas perto do fim do ano
E das acirradas disputas
Contra o Colégio Diocesano
Quando o prédio mais alto que havia
Era o do Ministério da Fazenda
E as crianças ainda acreditavam
Que Cabeça de Cuia era mais que uma lenda
De quando a gente ainda conseguia
Andar pelos calçadões do centro
E todos os bares da cidade
Ficavam abertos noite adentro
Do tempo do Festival Setembro Rock
Em pleno Centro de Artesanato
Dos santos do Mestre Dezinho
Das obras de Mestre Nonato
Ainda me lembro que numa sala do Royal
Vi, pela primeira vez, Brigitte Bardot
Pois no outro cinema, o Rex
Só passava filme pornô
À tarde, no bar do Seu Cornélio
Que tinha o melhor pão de queijo
Vendo as meninas passarem
Sorrindo e mandando beijo
No Sorvetão ou no Elefantinho
Sorvete ruim não havia lá
Araticum e Bacurí
Sapoti ou Maracujá
Do tempo em que Luiz Correia
Só duas praia tinha então
E até a de Atalaia
A gente chamava de Amarração
A outra era do Coqueiro
Praia tranquila, de mais encanto
De bares com o Alô Brasil
E a casa do Gerson Castelo Branco
Se tem algo que permaneceu
Agora como era antes
Foi o calor do B-R-O Bró
E suas temperaturas escaldantes
Do Parnaíba à ladeira do Uruguai
Do Mocambinho ao Saci
A cidade ainda era pequena
Era fácil andar por aqui
Eu sei, se passaram os anos
Pois sou do tempo do Nós e Elis
Mas, com certeza, não me engano
Naquele tempo eu era feliz


Ico Almendra 
em 11 de outubro 2008
via Portal do Sertão | Fundação Nogueira Tapety

31.3.16

PORTAL DA CIDADE, Cineas Santos




Portal da cidade, a Praça Saraiva era o desaguadouro natural dos que chegavam a Teresina na década de 1960. Paus-de-arara, mistos, jardineiras despejavam passageiros empoeirados e sonolentos no meio da praça, enquanto os chapeados disputavam, no grito, a bagagem dos que tinham algo a transportar. Mocinhas ágeis e prestativas se prontificavam a levar o “chegante” à “pensão mais em conta”, nunca esquecendo de garantir ser o estabelecimento  “um ambiente totalmente familiar”. Quem vinha a negócio fretava carros de aluguel (jipe, rural-willys), mais pose que necessidade, já que as distâncias a percorrer eram pequenas. Os que necessitavam de cuidados médicos, quase sempre muito pobres, armavam redes sujas nos galhos das árvores em busca do refrigério da sombra. Os que vinham tentar a sorte – náufragos e deserdados – limitavam-se a zanzar a esmo como moscas tontas.

A praça era uma imensa feira livre onde se vendia quase tudo: de animais vivos a óleo de puraquê, “a farmácia que o freguês carrega no bolso”, garantiam os camelôs. Sem maior esforço, podiam-se encontrar ali especialistas nas mais diversas atividades: borracheiro, barbeiro, soldador, amolador de tesoura, cozinheiro, raizeiro, vidente e benzedor, sem contar a legião de marreteiros e descuidistas, prontos a engrupir os desavisados. Pedintes de todas as idades esparramavam-se no chão, recitando desgraças “de cortar coração”.

Numa manhã esplendente (2 maio de 1965), despejaram-me na Praça Saraiva. A poeira da estrada embaçava-me a visão e o medo latejava em cada milímetro do corpo. Por intuição, percebi o que me esperava: fome, indiferença, solidão. Uma cigana decrépita, cheirando a sarro de cachimbo, prontificou-se a ler-me a mão, mas uma das “agenciadoras de hóspedes” foi mais rápida e me arrastou para a Pensão Nova, na Paissandu. O cartão de visitas da pensãozinha era um inconfundível cheiro de urina que se fazia anunciar na calçada. Na portaria, um negro velho, com ar de mãe preta, fazia as honras da casa. Foi direto e conciso: “O pernoite, com direito a café da manhã, custa dois cruzeiros. Pagamento adiantado”. De posse do dinheiro, desmanchou-se em mesuras: “Se precisar de alguma coisa, é só chamar. Eu sou que nem téu-téu: não durmo nunca!” e piscou, malicioso…

À noite, enfurnado num quartinho escuro e quente, sob o fogo cerrado das muriçocas, eu nem suspeitava que aquela ruazinha de aspecto sórdido fosse o caminho mais curto entre o Clube dos Diários e o prazer. Estrela, Fascinação, Amambay… Proxenetas, cafetinas, prostitutas, tangos, rumbas, boleros, perfume barato, bebida “batizada”, estrias camufladas, boêmios, bêbados, pedintes. A dois quarteirões da pensãozinha ordinária, diluíam-se todas as fronteiras. A Paissandu era o único espaço democrático da cidade: bem-nascidos e bundas-sujas dividiam, equitativamente, generosas rações de sífilis…

Aos poucos, a cidade mostrava suas múltiplas faces. Em meio às agruras, alguns encantos: o Parnaíba, o verde, as mulheres. Eu vinha de uma terra sem rios e sem lembranças de rios. Ver tanta água fluindo rumo ao desconhecido me pareceu um desperdício. O verde dos quintais me enchia os olhos: “um oásis sem deserto”. Quanto às mulheres… por elas, fiquei e não me arrependo. Com o tempo, a cidade foi-se adonando de mim, até me fazer esquecer que um dia morei em outro lugar. Teresina me basta.



Cineas Santos
Crônica de abertura de TERESINA PARA AMADORES
Livro ainda no prelo

30.3.16

RIO QUE DESÁGUA NO CORAÇÃO, Nelson Nunes




Rio, vida que corre lânguida
e incansavelmente banha a terra
e a alma do povo que te chama Parnaíba
Rio, de onde nasces e por onde vens
avolumando-te, cavando no chão o teu leito
vens, também, cravando na terra o nosso destino

Eu, minúscula embarcação, quando te navego hoje
e no afago de tuas águas serenas e calmas
sinto as mãos do velho Monge cansado de perdoar
vou, pouco a pouco, perdendo a esperança
a fé, que nas pedras teu limo ajudou a cultivar,
de que os homens te deixarão envelhecer em paz.



Nelson Nunes
em O RIO – Antologia Poética
Edições Corisco, 1980

18.2.16

RUMO NORTE (1979) - Irene Portela






01 - De São Luiz a Terezina - João Do Vale & Helena Gonzaga - 0:00
02 - Sanharó - João Do Vale & Luis Guimarães - 3:16 
03 - Sabiá - João Do Vale, Luis De França & José Cândido - 5:33 
04 - Nécio Costa - João Do Vale - 7:20
05 - Passarinho - João Do Vale & José Lunguinho - 10:23
06 - Fogo No Paraná - João Do Vale & Helena Gonzaga - 13:33
07 - Lua Peixe - Irene Portela - 17:14 
08 - Até Quando - Irene Portela - 19:18
09 - Dia De Festa - Irene Portela - 21:31
10 - Alcântara - Irene Portela - 23:46
11 - Folha Verde - Ricardo Gouveia & Irene Portela - 25:13
12 - Na Hera Dos Muros - Irene Portela & R. Parreira - 28:09
13 - Guerreiro - Irene Portela - 31:12 



[...]



DE SÃO LUIZ A TEREZINA | Irene Portela 
Composição de João do Vale & Helena Gonzaga 


Peguei o trem em Teresina
Pra São Luís do Maranhão
Atravessei o Parnaíba
Ai, ai que dor no coração

E a trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Bom dia Caxias
Terra morena de Gonçalves Dias
Dona Sinhá avisa pra seu Dá
Que eu tô muito vexado
Dessa vez não vou ficar

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Boa tarde Codó, do folclore e do catimbó
Gostei de ver as cabroxas de bom trato
Vendendo aos passageiros
"De comer" mostrando o prato

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Alô Coroatá
Os cearenses acabam de chegar
Meus irmãos, uma safra bem feliz
Vocês vão para Pedreiras
Que eu vou pra São Luís

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Peguei o trem em Teresina
Pra São Luís do Maranhão
Atravessei o Parnaíba
Ai, ai que dor no coração

E o trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa



[...]



Depois de mais de dez anos de carreira, sem conseguir gravar, foi descoberta pelo produtor Marcus Vinícius, como compositora, intérprete e diretora musical do espetáculo "A missa do vaqueiro". Em 1979, lançou pelo selo Marcus Pereira seu primeiro disco, "Rumo norte", interpretando diversas composições de sua autoria, entre as quais "Lua peixe", "Dia de festa", "Guerreiro", além de diversas composições de João do Vale, como "De Teresina a São Luís (trem do Maranhão), em parceria com Luís Gonzaga, "Sabiá" e "Fogo no Paraná". Via Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira.

2.2.16

II OS DIAS, H. Dobal




Sobre as águas de um rio onde vareiros
silenciaram suas mágoas.
Sobre outro rio cantado
por lavadeiras,
e o riozinho proclamado
pelos buritizeiros,
sobre os brejos sem nome
onde os riachos começam,
sobre todas as águas
o espírito perene.

Sobre o espírito das águas
que memoraram os dias,
sobre um rio perdido onde os bichos do mato
beberam o fim da tarde,
sobre um vale pastoral onde os rios pensam
sobre a música de vida
dos rios reduzidos a um nome
                                         PARNAÍBA
sobre os rios plenos,
os dias consumidos.



H. Dobal
em O DIA SEM PRESSÁGIOS
Rio de Janeiro: Editora Artenova Ltda. 1969

28.1.16

UM ESTRANHO EM TERESINA, Cunha e Silva Filho




Estive há pouco em Teresina e desta feita me achei um peixe realmente fora d’água, um estranho no ninho. Não que o desejasse, mas a culpa, leitor, é unicamente minha. Quem manda não a ter frequentado mais amiúde.

Da janela do hotel, lá fora, dava uma espiada para o que poderia ver que valesse a minha atenção ou curiosidade. Pois não é que procurei e achei. Era a visão de uma mulher, em plena tarde de um sol escaldante, caminhando, caminhando, caminhando, debaixo de uma sombrinha. Claro que não foi só aquela mulher que portava uma sombrinha para abrigar-se do sol abrasante. Não me lembro de outras vezes que andei por Teresina de reparar nesse costume local, aliás, bem justo e necessário, de usar uma sombrinha contra o rigor solar. Esse hábito me parece ser apenas feminino, já que não vira nenhum homem utilizando um guarda-sol.

Aqui no Rio de Janeiro, usar uma sombrinha ou guarda-chuva, em pleno calorão, não é comum como na “Cidade Verde”. Lá é hábito; aqui, é exceção, chega mesmo a ser constrangimento para quem dele faz uso com receio de se ver vítima de um gaiato qualquer perguntar-nos se está por acaso chovendo. O carioca sofre, mas não abre o guarda-sol. “Os cariocas somos pouco dados” aos guarda-chuvas, ou chapéu de sol ou muito menos a uma sombrinha, para nos intrometermos, sem sermos chamados, no labiríntico intertexto machadiano.

Das últimas vezes que fui a Teresina não me passava pela cabeça um persistente temor de violência. Não me queira por isso na conta dos paranoicos, dessas criaturas que, nas grandes cidades, passam a ter medo de tudo diante da disparada da violência dos últimos anos.

Confesso-lhe, leitor, porém, que, em Teresina, só andei mais em carro particular que, no meu caso, era do meu amigo, o ensaísta M. Paulo Nunes, de sorte que não me expus à sanha de algum pivete ou assaltante.

Num final de manhã, notei que, no hotel, não dispunha de papel para escrever, nem de caneta; a que trouxera comigo na viagem se perdeu não sei onde. Lá fui às ruas de Teresina. Algumas delas eu conhecia de priscas eras. Com o tempo, a gente perde um certo traquejo de andar por ruas de nossa cidade. Entretanto, o “eu” do presente era outro, e as ruas, à altura em que as podia identificar, não ficavam em trechos por mim palmilhados com assiduidade no passado.

Mesmo assim, criei coragem e, vendo o nome de uma rua e de outra, alguma, conhecida, outra, não, fui dar na bela Av. Frei Serafim, que divide dois lados de parte da cidade. Indaguei aqui, ali e, por fim, consegui encontrar uma papelaria. Comprei um caderninho escolar de poucas folhas e uma caneta azul. Lembrei-me, então, que teria que comprar um exemplar da edição daquele dia do jornal Meio-Norte. No hotel, depois do café, já havia passado uma vista no exemplar que me interessava, aquele no qual havia uma reportagem sobre mim a propósito de conferência que iria fazer na Academia Piauiense de Letras. A reportagem tinha sido feita no dia anterior por ocasião do lançamento, no Museu Odilon Nunes, de mais um número da excelente revista Presença, com apresentação de M. Paulo Nunes. Procurei o exemplar em mais de uma banca até que o encontrei. A reportagem exibindo foto minha, saíra bem escrita, mas continha um erro. A jornalista que me entrevistara omitira do meu nome literário, a palavra “Filho”. Sem querer, virei o nome de papai. Ainda bem que estava em boas mãos paternas e na mídia jornalística que ele tanto amava.

Voltando a Teresina, tópico principal desta crônica, pude observar outras coisas. Me convenci por completo  de que sou um estranho na cidade. Perdi mesmo o bonde da história de Teresina.

A minha Teresina não é a de hoje. Ela ainda existe e se estende por todo o velho centro da urbe. Lá vejo, intactos, alguns pontos de referências; o Theatro 4 de Setembro, o Rex, a Praça Rio Branco (o relógio!), o prédio do Arquivo Público (ó tempos da infância!) da rua Coelho Rodrigues e que, hoje, comporta também o Conselho Estadual de Cultura, a Praça Pedro II, o Karnak, a Praça João Luis Ferreira, o antigo Prédio dos Comerciários (que, um dia, fora o mais alto edifício da cidade), a Praça do Liceu (ah, sim, Landri Sales!), o Liceu Piauiense, as igrejas de São Benedito, a minha preferida, a do Amparo, a das Dores, a Praça da Bandeira, muito modificada e maltratada, e principalmente as queridas e amorosas ruas da velha Teresina, nas quais tudo nelas me leva inexoravelmente ao passado. Ah, ia-me esquecendo, o velho rio Parnaíba, o Poti (agora com sua enchente e suas vítimas). Enfim, esse passado soterrado no tempo, me está, contudo, vivo e ora me leva à alegria, ora à melancolia. 

O que não se circunscreve a essas ruas, a esses prédios, a essas arquiteturas variadas alcançadas pela minha geração não parece fazer parte da minha memória. A Teresina nova, trepidante, dos arranha-céus não me atrai. Essa Teresina verticalizada se iguala às outras metrópoles, vira mesmice. Nada tem a ver comigo em Teresina.

Relendo os belíssimos poemas de Paulo MachadoPost card/57” e “Post card/77” extraídos do livro Tá pronto, seu lobo? e “Nas ruas da minha cidade há lições? (É preciso aprendê-las)", retirado do livro A paz no pântano (1982), que se encontram na antologia A poesia piauiense no Século XX, de Assis Brasil, vejo que a poesia de Paulo Machado, de alguma forma, me conforta e não me deixa esquecer essa Teresina. Os dois primeiros poemas citados se valorizam pela riqueza semântica resultante de sua arquitetura contrapontística em termos de realidades espaciais semelhantes aliadas a realidades temporais diversas. O terceiro poema, ainda inserido na categoria do tempo fluído, reforça o tom rememorativo de viés rebelde na transposição da realidade histórico-social. Poemas de grande impacto estético que, em mim, despertam, de certa forma, por coincidência ou não do fenômeno poético, quase a mesma sensação provocada por aquela maneira de descrição pulsante, vibrátil, vigorosa, do realismo inusitado de Cesário Verde (1855-1886), como seriam exemplos os versos abaixo do poema “Post card/57":


                                    No mercado central pretas carnudas
                                    Vendiam frito de tripa de porco
                                    Fígado picado e caninha.


Os novos bairros, avenidas, artérias, em suma, o espalhamento topográfico horizontal da cidade me espanta e ao mesmo tempo me dá a sensação de que estou em outro lugar, que nada tem mais a ver comigo, e com o meu espólio (triste espólio devorado pelo tempo!) de relembranças. Estas, por definitivo, vou encontrar num cruzamento qualquer da minha própria Teresina da memória.



Cunha e Silva Filho
via Portal Entretextos

27.1.16

SOB OUTROS CÉUS, Da Costa e Silva


IV



Eu sou tal qual o Parnaíba: existe
Dentro em meu ser uma tristeza inata,
Igual, talvez, à que no rio assiste
Ao refletir as árvores, na mata...

O seu destino em retratar consiste,
Porém o rio tudo o que retrata,
De alegre que era, vai tornando triste,
No fluido espelho móvel de ouro e prata...

Parece até que o rio tem saudade
Como eu, que também sou desta maneira,
Saudoso e triste em plena mocidade.

Dá-se em mim o fenômeno sombrio
Da refração das árvores da beira
Na superfície trêmula do rio...



Da Costa e Silva
em Pandora (1919)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995

20.1.16

SIGLAS POÉTICAS & OUTROS LANCES





APEP - CCEP - LOTEPI?
$ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $... e só!
FDP - H.G.V. - CRP?
Briga... bate/mata... prende.
FAGEP - IAPEP - FAZENDA?
E a renda? Onde é que está a renda?
UFPI - CODIPI - CCNIPE - COHAB?
? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? ?... e Itaraté II!
PTB - PSD - PC do P?
Quem disse que Paulo César voltará pro Parnaíba?
COBAL - PMT - CBD - FRIPISA?
"E eis a relação dos congelados..."
CEPISA - AGESPISA - TELEPISA e o Bacalhau?
Eternos preços de semana-santa.
PETROBRÁS - OPEP - e IDI AMIM?
Em cartaz: "Em busca de um crioulo doido".
OTEP - DDT - Prece Poderosa?
"Há no ar um estranho perfume que mata".
PIEMTUR - ODD ou OMO?
Prefiro sabão de coco. É muito mais útil...
FUNAI - FEEMA e SUDAM?
"Temos índio a molho-pardo e Juruna grelhado com
batatas fritas".
Bah! Com tanta sigla,
tanta inoperância
e tantos projetos estatísticos



Venâncio do Parque
em VIA CRUCIS - Verso e Prosa

LENDAS, Clóvis Moura


         Chegam lendas, chegam lendas,
lacustres lendas, telúricas
lendas renascem na noite.
Acordamos assustados
(somos apenas crianças)
e vemos pela janela
milhões de bichos na noite.
Vem o Cabeça de Cuia
dançando de madrugada,
vem a moça que morreu
no Parnaíba afogada:
com o seu vestido de noiva
que não pôde ser usado.
Os espíritos que puxam
carros cheios de correntes.
E os tesouros enterrados
pelos avós decadentes...
E os avisos dos amigos
que morreram de repente...
E o homem que virou bicho
porque bateu na semente...

Chegam lendas, chegam lendas
com seu ritmos de renda.
Acordamos: nem a vela
que deixamos encontramos,


         Os sapos estão gelados
pelo mistério das lendas.
E os benditos dos finados
cantados solenemente
cortam o deslumbre da noite
e causam suor na gente
(somos apenas meninos
na madrugada que treme).

 
Clóvis Moura
em "Argila da Memória" (1962)

A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune


                                                            aos "filhos de ninguém", personagens desta história,
                                                            heróis da cidade destruída e vítimas do ódio,
                                                            da especulação imobiliária e da maldade dos homens


PRIMEIRO MOVIMENTO

Teresina chora

I


Tremeram as palhas da cidade
              na loucura de 41

amanhecera
era noite nas sarjetas da mente
e queimava o brilho de estandartes

subiram ruas e era triste a vida
disseram alegrias e não chegaram

todos pediam ação
no muros, nos papéis
nas esteiras-camas
no silêncio da polícia
e na certeza
todos pediam ação
e era cedo
e era longe
mais que perto se fez o tormento
e das palhas ao vento se viu a vida
entre corpos, entre mentiras
lágrimas, potes, trapos
e todos queriam ação
a mesma ação de peso
a loucura da satisfação

amanhecera!
é necessário insistir; amanhecera
e cada pingo desse inverno
caía como punhal em cada dor
a chuva, o frio, o cobertor
a palha era o teto de sossego
e já não se podia pensar
e já não se permitia verdade

era ela, magra na escuridão das águas
triste no chorar dos céus
que gemia
era ela, na eterna espera
nos tormentos seus
que se quedava em Karnak
era ela, a criança Teresina
omissa nas brasas dos baús
nos ossos dos perdidos
nas carnes de Luzia
que se via violentada
e era ela, mais do que tudo era ela
na eleição dos seus líderes
na aceitação da imposição
que clamara piedae

amanhecera
e cresciam os dias
e nem mesmo a insistente chuva
nem mesmo a solidão do cais
fizeram de Evilásio Vilanova
a paralisação do gesto
é que do medo dos casebres
se formou a gana
a tara de se ter presente
o suplício de um tempo
e do Parnaíba, as águas eram cheias
e de Getúlio, a força era tudo
pois era glória...
o tempo todo lhe rendiam palmas

se pelas ruas da pobreza
serpenteiam chicotadas
carrega o fardo da miséria
sufoca o apelo da terra
fazendo pouco o cismar dos dias
em meio ao tormento da desilusão

e por mais que emudecessem as cinzas
ficou marcada a história dessas vidas
em que se baseou essa vergonha

- chega!
basta a dor desse dia negro
(basta dessa "chuva" maldita)

começara!
raiou o claro em pingos dessa trama
pediu - trágico - a trágica forma
fez-se agora o labirinto
e não bastaram os gritos dos afoitos

é que estamos em terra firme
em meio a agonia
no mandato de alegoria
na estrutura de um torpe Brasil
como em ti perto
como em ti morte
mata - geme - sofre

é dia
e a chuva grita contra os deuses
mas não se decidia a tempo

essa loucura é antiga
é espada rasgando o ventre
é espera de mil séculos
é verdade de agora
e és tu, só tu, Teresina
que de dentro das chamas
nos abre o véu do tormento
dessa angústia presente
que destrói a grande luta
e nem Evilásio
nem Leônidas
nem vida, nem morte
nem medo, nem Luzia
nem Mathias
nem nada
        te fez esquecida
é que hoje começara
e tua vida queima dolente

era um tempo de dor
e por aqueles dias o fantasma do calor
rondava casebres de palha
e não se sabia a que momento
se manisfestria as garras da covardia
e enquanto se lamentava nas ruas do Mafuá
já se previam a indecisão de ser
já se tramavam nos gabinetes
o passo da piromania

os jornais escreveram tantas estórias
e do grito da oposição
nada abalava a marcha
dos troncos idos e dos marginais
em busca de mentira, crime e ódio

a brasa,o solo
   o tempo, a mão
     o escuro, o claro
o dia - ação

encapuzados empunharam tochas
e o sono dos infelizes seres
                      interrompeu-se
e de dentro da fumaça
o tossir sem rumos, o chorar das mães
- o rádio, o baú de roupas, a bilheira
meu filho, Deus, meu filho é cinzas

de mais distante nas perdidas horas
o fumo sobe - Teresina implora

por mais distante dos tempos de agora
a pira surge - Teresina cora

e por mais distante das perdidas horas
a "chuva" espalha-se - Teresina chora

chora, chora
chora
chora
a "chuva" queima
Teresina chora.



Afonso Lima
em A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune
PRIMEIRO MOVIMENTO: Teresina chora, I
Teresina: Multiservice, 2010

18.1.16

SOL DE MINHA TERRA




Trago n'alma o sol de minha terra
a luz maior, claridade em mim
no som do Parnaíba que se encerra
o trilhar de um caminhar sem fim

carrego, imune, a força mais pura
a saudade do amor eternal
traçada nas glórias da loucura
do meu sonho alegre e jovial

trago, enfim, a lembrança das ruas
os quintais da infância e as luas
que no Poti vivem em transe

e sufoco as tormentas cruas
que fizeram as dores nuas
da dor de ti que me confrange.



Afonso Lima
Palmas/TO, julho de 2009
em A CIDADE EM CHAMAS: poema trágico de um crime impune
Teresina: Multiservice, 2010

16.1.16

O CLUBE DO VTS, de Gylberto Mariano




Numa piscadela, o Clube do VTS parece uma daquelas espeluncas de favelas onde se vende cachaça, com tira-gosto de frito de tripa e ovo com gema enegrecida pela ação prolongada da fervura da água. Apertado, com um rústico banco de marcenaria, não possui qualquer placa indicativa. Nem mesmo da Coca-Cola.

Quem tem a sorte de entrar no mais fechado clube de Teresina, vai descobrir que se trata de um lugar aconchegante, excelente para uma conversa descontraída. Não há televisão. Gravador, só para alguns e desde que a música seja genuinamente brasileira.

Diz-se clube para evitar a ação dos penetras. Na verdade, ali é uma confraria, onde só existem dois tipos de cervejas: a gelada, no ponto, e a quente, se algum maluco desejar.

O segredo do Sr. Vicente trindade dos Santos, nascido ali do outro lado do rio Parnaíba, em Timon, conhecido pelo singelo nome de VTS, é o atendimento, literalmente, personalizado, já que conhece as manias, desejos e defeitos de sua fiel clientela, mantida ao longo de quase trinta anos. Ele não tem nenhum empregado para servir os pra lá de cinquentões: São senhores boêmios, seresteiros, amantes da legítima música brasileira. A despeito disso, é difícil, quase impossível alguém do belo sexo aparecer por lá. Parece mais um clube do bolinha.

Além do tratamento “personalizado”, razão maior de seu sucesso, o Sr. VTS, a pedido, serve um peixe, chamado de dietético, sem similar no mundo. O segredo, bem é segredo mesmo. É uma delícia. Mesmo dispondo de um fogão de quatro bocas, ele nunca faz duas peixadas ao mesmo tempo. É na fila mesmo.

Lá tem presença marcada bons “gongozeiros”, acompanhados dos violões do Bruno e do Ludimar e, às vezes, do próprio Vicente. Com licença, vou citar alguns nomes: Irací, Sobrinho, Vitorino, o próprio Ludimar, que é repórter fotográfico. Há o que têm e sabem tudo – ou quasse – de música popular brasileira, pelo acervo que possuem (discos), como o advogado Gil, com mais de três mil títulos. 

Existem clientes metódicos, como o doutor Durwagner, famoso oculista da capital. Ele chega às 18:00 horas. Toma não mais que três Antarcticas e britanicamente, às 19:00 horas, retira-se com um polido boa noite.

É assim o VTS, que fica na Rua João Cabral, nº 30 – Sul.



Gylberto Mariano
em A SAIDEIRA: De bar em bar,
Teresina: julho de 1997

15.1.16

OBSTÁCULO EM DESATINO




Eita meu rio Poty amado
Soube cá do outro lado
Pelas ondas do Joel
Que andas desembestado
Feito jumento sem mãe

Não te cabes mais no leito
Perdeste a calma e o jeito
Põe-se tudo a devorar

Cabeça de Cuia anda apavorado
Com medo de se afogar
Na conversão dos vinténs
Parnaíba deságua de vez em ti
E não tarda

Eras isto o que querias
Na vez de uma veia louca
De artérias entupidas
Correr sem prumo em descida

Quero ver de novo tua floresta de pedras
Milenares, eu quero
Tua vadiagem na Curva São Paulo
Esquecestes de ser os dengos dos manguezais
Das encostas e das Ilhotas já perdidas

Água tua agora sim
Cabelo não há de ter
Deixastes que aterrassem as lagoas
A teu descanso
O Rogério Newton me contou

Ai meu rio Poty amado
Não mais prenuncias o cheiro dos cajus
De Fátima e dos Noivos
És um obstáculo para os shoppings da city
Agora um river out side
E a culpa é tua, só tua…



Acilino Madeira
em Portugal, 06 de maio de 2009

12.1.16

TERESINA ~ SÃO LUÍS ~ TERESINA




Teresina, você reduziu de ta~
manho, virou brinquedo, ma
quete de cidade daqui das nu
vens. Daqui de cima, você
pequenina passa e some dimi
nuta. Parnaíba~rio: risco
lírico no papel. Nossa Senho
ra das Dores, do Amparo, su
as espadas suas torres, espa
dam nossas bundas no céu. Te
resina limpa dominga azulada
verde mínima, daqui pego~te.


Tirirical da Cidade Antiga i
luminada de musgo e sol. Ao
contrário de Teresina, dila
tas na lupa da chegada. São
Luís, à medida que te sinto,
sinto pulsar forte tuas ve
ias; no ar te impero, te go
verno, frágil Ilha, no ar te
humilho. Ah velha Ilha! Doce
ilha de sal! Onde minha for
ça no teu chão? Miniatura on
de o gigante aéreo agora to
lo algemado transeunte? I
lha, meu passado te palmilha
espanto e encanto ~ brilhas
francesa menna, brilhas e
brilha meu amor nas tuas á
                                      guas



Jamerson Lemos
em NOS SUBÚRBIOS DO ÓCIO (1996)