28.3.21

GRAVURA, por Carvalho Neto


nem vento, nem chuva
imóvel, a vista é uma foto
cinza.
o solo enruga-se, a vida envelhece.
esperança; vez em quando,
choveu... quando foi?

a palma resiste.
o homem resiste.
o homem é o boi.


Carvalho Neto
em "Remansos", 2014

25.3.21

Mãos Dadas, Chico Castro


O amigo do amigo do meu pai
É amigo do amigo do meu amigo
Pai do amigo do meu amigo
Amigo do meu pai meu amigo
É amigo do meu pai meu amigo 
Meu amigo meu pai meu amigo

O amigo do amigo do meu pai
Meu amigo meu pai meu amigo
É amigo do meu pai meu amigo
Amigo do meu pai meu amigo
Pai do amigo do meu amigo
É amigo do amigo do meu amigo
O amigo do amigo do meu pai.


enviado pelo autor

23.3.21

Aurorianas, Gregório de Moraes


               Sol de longe
               De cima da serra
               Dos lados distantes
               De mundos sem fim!
               Sol-menino
               Na janela - no quarto
               Que auroras trouxestes
               Que auroras - pra mim?


Manhãs dadivosas
Meu lar, minhas trovas
Histórias saudosas
Que o tempo guardou
Casinha esquecida
Nas flores perdida
Discreta - escondida
Canteiro de amor

Manhãs delirantes
Mamãe - como dantes
Saudosos distantes
Os tempos se vão
Meu pai trabalhando
Madeiras serrando
Auroras somando
No meu coração

Saudade-menina
Amor-Teresina
Assim pequenina
Tu lembras de mim?

Eu sou teu poeta
Teu grande profeta
Que luzes projeta
De Cantos assim!

Quintal de minha casa
Sobre o chão da cajazeira
enflorescida

..........................................................................
..........................................................................


Aquelas cantigas
De modas antigas
Amigos! Amigas

Catai outra vez
No chão alourado
De flores guardado
Cantai no passado
Quem forte me fez!

Cantai as bonanças
Cantai as esperanças
Alegres crianças
Cantai sem parar
Cabelos grisalhos
Os meus - qual retalho
São pingos de orvalhos
Viver - caminhar

Meu Deu que destino
"Do canto fiz hino"
Igreja meu sino
Relógio do "amém"!
Fiz louros versos
De sóis tão diversos
Cantei os inversos
Tristezas também.


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970

21.3.21

minha rua, meu pedaço, Carvalho Neto


minha rua
é do tamanho da saudade
que sinto agora e que em boa hora
foi vestida em prosa e verso
minha rua, universo, dor contida
longo abraço, hora da partida.
minha rua ficou triste
seca, descolorida, sorriso triste
para mim.
minha rua, meu pedaço
braço do rio Parnaíba
onde deságuam minhas ilusões
sem fim.


Carvalho Neto
em "Remansos", 2014

20.3.21

12, por Rubervam Du Nascimento



deu no jornal
urbanistas constatam
a mistura de concentração de renda
baixos salários
desemprego
e falta de boas escolas
criou guetos de classe média e alta
shopping center
condomínios de luxo

bem que tem
lojas CEM
pra vender aos mortos

ATMOSFERA BRASIL:
dia ensolarado em todo o país



Rubervam Du Nascimento,
Em Marco Lusbel Desce ao Inferno,
1º Lugar no 1º Concurso Blocos de Poesia
Rio de Janeiro, RJ (1998)


18.3.21

Estranha Formosura, por Chico Castro, Ronaldo Bringel & Roraima




Estou cheio de ternura 
Meu coração de poesia
Vai andando pelas ruas
Um pé na solidão
Outro na literatura

Estou grávido de aventura
Quero o silêncio da sala
A majestade da lua
Um olho na razão
Outro na magia pura

Que estranha formosura
Aos caprichos de uma dama
Dei meus votos de candura
E navegamos como plumas muito além
Das escrituras

Meu coração de poesia
Vai andando pelas ruas...


1º lugar na categoria não estudante do Festival Chapadão (2008)
Enviado por Chico Castro

PROFISSÃO POESIA, por Chico Neto




atravessar a tênue linha
entre o flâneur
e o flanelinha




poema inédito em livro
enviado pelo autor


17.5.20

Quinze pras nove, por Fernando Araújo




Quinze pras nove
ponteiro é quem move
a barra do dia
quem sabe é quem sofre

O corte na terra
engole a semente
o tempo transforma
dor em pão

É a força que denuncia
a tua fraqueza de espirito
querer tentar fugir pra algum lugar

É a força que renuncia
toda leveza dessa máquina
pra repensar o mundo bem devagar



Via blogue Fragmentos de Metrópole
Em 9 de janeiro de 2008


16.5.20

"fui tragada", Renata Flávia



fui tragada. me levaram em um dia cheio daquele sal que fica grudado na nossa pele em frente ao mar. nesse dia, nesse sal, fui tragada. um pedaço meu não quer voltar – nunca mais –, outro nem poderia. fiquei embaixo de escombros, um passado cheio de entulho e bagagens que nunca serão desfeitas. perdi os ossos. massa mole e crua digerida. quero a fórmula fácil. não suporto ameaça. quero o tato, o fogo de volta a esse corpo tragado. carnaval na esquina. teu corpo-poema se revirando em meu pensamento que rebola, bunda, costas, em tua cara de náufrago. meu corpo isca puxando de leve, de leve assim como o sal daquele dia pouco a pouco grudado e que já não sai. e já é pele sobre pele. calei quando explodi meu último artifício bélico. aos seus pés eu gritei músicas rápidas. três acordes, profanidades pelos pátios de guerra. meu sistema coronário parou de funcionar, baby. sou fogo. leoninamente fênix da cidade mais quente do mundo. nasci ali, entre o trago e a brasa. nasci ali na forma mais difícil de se segurar. faísca, caos, ar. uma mistura pronta pra



Renata Flávia, em Mar Grave, Editora Moinhos: 2018


17.4.20

Libido, por Fernando Araújo



Meu libido
lambendo meu álibi
no extremo trêmulo da inquisição
do Paquistão em Nova Deli
em Nova Iorque
ou embaixo do lençol

e a tempestade
trovando, trovões vibrantes
avivando a sua textura
na fissura uma brancura
esquisita no corpo do sol

Não, não quero cartaz
mãos que acenam pra traz
esse teu choro
que me ganha entre as entranhas
e me arranha a imagem do rosto
eu não sou assim
mas por mim
ainda digo bem feito

e quero postes reluzentes
em sacolas de lustre
comentários eruditos
sobre a vida no bar
o teu perfume na sacada
esfaqueia meu posto
pra um esgoto de papel


Via blogue Fragmentos de Metrópole
Em 9 de janeiro de 2008


15.4.20

20, por Rubervam Du Nascimento



na rua aberta do mundo
correm carros selvagens

faz barulho o operário morto

comércio amplia o movimento

passa troco
passa nota

passa restaurante
passa fio de cabelo na sopa

passa-montanhas nos rostos

passa bananeira

assustado espião na janela



Rubervam Du Nascimento
Em Marco Lusbel Desce ao Inferno,
1º Lugar no 1º Concurso Blocos de Poesia
Rio de Janeiro, RJ (1998)