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18.3.21

Estranha Formosura, por Chico Castro, Ronaldo Bringel & Roraima




Estou cheio de ternura 
Meu coração de poesia
Vai andando pelas ruas
Um pé na solidão
Outro na literatura

Estou grávido de aventura
Quero o silêncio da sala
A majestade da lua
Um olho na razão
Outro na magia pura

Que estranha formosura
Aos caprichos de uma dama
Dei meus votos de candura
E navegamos como plumas muito além
Das escrituras

Meu coração de poesia
Vai andando pelas ruas...


1º lugar na categoria não estudante do Festival Chapadão (2008)
Enviado por Chico Castro

7.4.14

NÓS E O "NÓS & ELIS"




A maior importância do Nós e Elis é, sem dúvida, ter dado início à profissionalização dos músicos de Teresina, que passaram a ter cachê fixo e negociado para tocar nos bares da noite da cidade. Este é um dos méritos de Prado Junior, parnaibano de boa cepa que aqui aportou, começou uma carreira de empresário, homem público e político venturoso, infelizmente interrompida por uma morte traiçoeira e prematura.

O Nós e Elis era o bar das canjas. Nós íamos para lá e nos revezávamos a noite toda tocando, enquanto os freqüentadores se divertiam, conversavam, paqueravam, namoravam, casavam, separavam – muitos romances começaram e terminaram ali, enquanto embalávamos a noite com nossas canjas. Havia sempre o artista principal ou grupo principal, previamente contratado e com cachê no final da noite pago religiosamente. O resto era na canja mesmo e, em noites especiais, quando o Elias tinha um ataque de loucura e de generosidade, ele mandava distribuir umas cervas extras ou uma garrafa de uísque – e nós vibrávamos e íamos ficando até altas horas, quando não até de manhã.

O bar era numa esquina-beco do tipo ferro de engomar. Apertadinho mas, no entanto, cabia todo mundo nos seus bancos compridos e desconfortáveis, com sua iluminação precária, seus banheiros apinhados de gente mijando, seus garçons sempre apressados.

Nessa época eu era namorado da Soraya (depois ela engravidou e casamos, claro) e passamos bons momentos ali. Gostávamos de ficar na “esquininha”, como chamávamos, perto da janela do bar onde ficávamos bebendo e pedindo direto ao Prado Junior, à sua simpática mulher ou a qualquer outro funcionário a nossa bebida. Os garçons ficavam putos porque este era um artifício nosso de beber sem pagar a comissão de 10%, e eles ainda tinham de disputar com a gente o exíguo espaço da janela que dava para o bar. Mas no fim todos se entendiam.

Numa determinada época o sucesso do bar era tanto, que Prado Junior resolveu fazer uma programação, todo dia era uma atração diferente – quarta-feira era poesia, domingo era rock, sexta era samba, não me lembro da ordem das atrações, mas havia dias que tinham até espetáculos teatrais, como vi aquela peça famosa estrelada pelo Fábio Costa e a Lari Sales, cujo título e autor me fogem nesse instante.

Vou tentar dizer os nomes dos músicos que tocavam direto lá: Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento, Emerson Boy, Júlio Medeiros, Paulo Aquino, Aurélio Melo, Bebeto e Carlinhos bateristas (e eu também, porra), Tim Fonteles, Jaboti Fonteles, Tânia Fonteles e toda a família Fonteles quando estava por aqui, Liminha, Roraima, Edgar Lippo, Márcio Menezes, Naeno, Assizinho, a rapaziada do samba & pagode comandadas pelo Porkovitch, Magno Aurélio, Rosinha Amorim, Rubens e Fátima Lima, Garibaldi e Carla Ramos, Patrícia (hoje) Mellodi – meu Deus do céu, eu não disse nem a metade e vou terminar fazendo injustiça com os que esqueci, perdão, amigos e amigas.

Apesar do espaço apertado do bar, logo atrás havia uma pracinha calma e tranqüila, com banquinhos feitos para namorar ou amarrar uma paquera (quando não uma transa mesmo, para logo mais num motel). A pracinha está lá até hoje, mas o espaço do Nós e Elis foi transformado em mais uma padaria, tudo bem, uma padaria, mas totalmente sem graça para mim. Passo lá e me dá saudade dos tempos em que ali a noite fervilhava, a gente era feliz – e sabia.



em "No Nós & Elis: A Gente Era Feliz – e sabia"
Teresina: Gráfica Halley, 2010
Organizado por Joca Oeiras

5.8.15

Ex Memória | Therezina Sem Memória






O documentário é resultado do trabalho de conclusão de curso Técnico em Rádio e TV pela Escola Comradio do Brasil. “Ex-Memória – Therezina Sem Memória” relata em depoimentos de membros das instituições publicas (federal, estadual e municipal), arquitetos e moradores, as causas e consequências da descaracterização do centro histórico e arquitetônico de Teresina. O documentário foi concebido através dos livros “Documentação da Arquitetura 160 anos de Teresina” de Alcília Afonso (KAKI) e “Teresina em Aquarelas” de Alcília Afonso e Rômulo Marques . Tudo numa linguagem que prioriza um olhar diferenciado sobre a realidade do centro arquitetônico da cidade. 


Realização: Ipê Produções Audiovisual e Comradio do Brasil
Co-Produção: Mafuá Filmes
Roteiro, Produção e Direção: Leide Sousa.
Trilha Sonora: Josué Costa, José Rodrigues e Manuel Nunes, Júlio Medeiros, Roraima. Arte de Paulo Moura. Fotos: Paulo Tabatinga, Aureliano Muller e acervo da Fundação Monsenhor Chaves-FMC 
teresinasemmemoria.wordpress.com

20.3.20

Nós & Elis: A noite de Teresina no bar da esperança e da cultura, por Antonio César da Silva Pinheiro


RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de apresentar Teresina, a capital do Piauí, observando a leitura do livro No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia. Livro que é um coletivo de autores, onde personagens do mundo cultural piauiense e nacional relembram bons e importantes momentos vividos num bar, contribuindo para a memória histórica de nosso povo. Palavras-chave: Teresina, bar, cultura, Nós & Elis, memória.

ABSTRACT: This paper aims to present Teresina, the capital of Piaui, noting the reading of the book We The People & The Elis was happy - and I knew. Book, which is a collective of authors, characters in the world where cultural and national Piauí recall good and bad times, contributing to the historical memory of our people. Words-Key: Teresina, bar, culture, Nós & Elis, memory.

Introdução

Em 2010, o artista plástico, pesquisador e blogueiro Joca Oeiras, paulistano, mas residente em Oeiras, organizou o livro No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia, com textos e crônicas escritas por personagens bem conhecidos da cultura e política piauiense. Esses autores relembram momentos entre os anos 1984 e 1994, tempo em que funcionou, nas proximidades da Universidade Federal do Piauí, o Bar Nós & Elis, reduto de estudantes, amantes da cultura ou a gente que procurava na noite de Teresina um lugar para seus drinques noturnos.

Idealizado pelo ex-deputado Elias Prado Jr., parnaibano, falecido durante exercício do mandato, em 2002, prestes a fazer 50 anos, o bar foi inaugurado em 1984, na efervescência da discussão sobre o fim da ditadura militar e campanha pelas Diretas - Já. Elias, fervoroso militante do movimento estudantil universitário em Brasília, retornava à sua terra cheio de sonhos e idéias, uma delas sendo abrir um espaço cultural pra confraternização entre amigos e proporcionar algo diferente para a noite teresinense, na época muito carente de opções. O bar seria fundamental para o início das carreiras de vários artistas piauienses, entre eles João Cláudio Moreno, Roraima, Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento, Patrícia Mellodi. Nas noites culturais, encontravam-se também jovens que discutiam os prováveis rumos políticos do país, entre eles o próprio Elias Prado Jr., Antonio José Medeiros, George Mendes e Wellington Dias, todos eles escrevendo suas memórias do bar neste livro.

Lendo essas memórias, observamos a transição que estava acontecendo no Brasil, e o Piauí contribuindo com a análise desse momento. Como diz o cineasta Eduardo Valente ao se referir ao filme Bar Esperança, o último que fecha, de Hugo Carvana, de 1983:

“Diante do desconhecido futuro, há apenas a certeza de que o tempo não está parando e que os melhores anos de sua juventude vão ficando para trás. É entre a melancolia dessa sensação e a euforia de um país que escapa das garras do regime militar que Bar Esperança se localiza, fazendo um retrato com a profundidade e a exatidão de poucos outros sobre uma época cheia de sentimentos contraditórios.”

O bar que veremos nesse livro analisado, é o bar onde se encontram os esperançosos e os melancólicos, discutindo paixões políticas e carnais, curtindo o som de artistas despontando e mudando o cenário da cidade.

A esperança equilibrista

O ano de 1984 marcou, na história brasileira, o momento onde o povo, cansado de uma ditadura que completava 20 anos, tomou as ruas do país pedindo o direito de votar para presidente. Teresina já manifestara sua vontade, numa manifestação em frente ao Palácio do Karnak, no dia 26 de junho de 1983, uma das primeiras manifestações do movimento.

“Naquele mesmo ano, em Teresina, políticos da esquerda aberta e clandestina, intelectuais de espírito libertário, a boemia culta, artistas, sindicalistas, jornalistas, professores e estudantes universitários corriam na contramão do regime moribundo, sendo subitamente presenteados com um lugar que lhes possibilitava a comunhão dos sonhos de independência, cultura irrestrita, vida plena e alegria: o Nós & Elis” (pág. 157)

Elias Prado Jr., que voltava ao Piauí depois de anos estudando em Brasília, abre esse bar, um ambiente multicultural, enfim um lugar onde se encontrar, beber, curtir, discutir. Num espaço pequeno, próximo à UFPI, nascia o Nós & Elis, nome dado em homenagem a Elis Regina, intérprete adorada pelo proprietário do bar, mas que também fazia referência a eles, eles os artistas que Elias desejava ver ali tendo suas carreiras lançadas. Música, teatro e poesia dividiam o palco, pequeno como pequeno era o bar. Embora pequeno, se comparado com os grandes espaços que temos hoje na capital, o bar tinha banheiro feminino e masculino separados, um ineditismo para a Teresina da época. Também inédito era o pagamento de cachê aos músicos, numa tentativa de dar condições aos artistas de seguirem suas carreiras e de criar uma cultura que a cidade não tinha.

O Nós & Elis transformou, de forma radical, a cultura teresinense no que diz respeito à música. Porque, até então, não havia a tradição da música ao vivo. O Elias, colocando, pela primeira vez na cidade, melhor ainda, pagando cachê, começa no Nós & Elis a profissionalização de músicos com trabalhos autorais e/ou intérpretes de um repertório de alta qualidade musical”. (pág. 22)

Elias Prado Jr. não era uma figura das mais fáceis. Gritava com quem quisesse “bagunçar” no seu bar. Numa briga com um cliente por causa de suas convicções políticas, resolveu fechar o bar. Elias era militante (depois deputado estadual) do PDT, grande admirador de Leonel Brizola e fazia política o tempo todo, conversando de mesa em mesa, discutindo e polemizando e não aceitaria alguém xingar seu adorado líder, em plena campanha presidencial de 1989. Discussão sim, mas com elegância. Jornais e artistas pediam a reabertura do espaço cultural, mas, homem de temperamento forte, não aceitava voltar atrás à palavra dada. Resolveu passar o bar para outras mãos, das irmãs Fonteles (Rita, Nazaré e Zezé), também de Parnaíba, estas permanecendo até 1991. Essa fase do bar também foi de enorme sucesso, permanecendo o objetivo para o qual foi criado. Com as irmãs Fonteles, o bar ganhou um produtor artístico, Moisés Chaves que cita o Nós & Elis como “um lugar pra ser lembrado, como coisas que havia e não existem mais, como foi o Beco do Prazer, a Feirinha da Praça Saraiva, o Vôlei Bar, o “quebra-bunda” do Teatro 4 de Setembro...”.

Por fim, em 1992, ganha nova administração, que não é mencionada no livro, talvez por lembrar a triste decadência que tomou lugar da fase áurea. O Nós & Elis não resistiu e acabou de forma melancólica, atraindo uma multidão de jovens que só queria saber do axé baiano no volume máximo. Quando fechou as portas, Teresina estava sendo dominada por uma onda barulhenta de músicas nacionais enlatadas. O lugar tanto fazia para os novos frequentadores. O que tinha sido bom acabou-se sem nenhuma despedida.

Subo nesse palco...

Uma das funções do historiador, segundo Peter Burke é “ser um ‘lembrador’, um guardião da Memória dos acontecimentos públicos, postos por escrito em benefício dos seus atores, para lhes dar fama, e também para benefício da posteridade que poderá, assim, aprender com o seu exemplo”.
Lembrar aqueles momentos no Nós & Elis é, para muitos, lembrar momentos decisivos de sua vida, apresentando pela primeira vez para um público suas criações. E qual a importância disso para a história da cidade? Ora, estamos nos referindo à sua história cultural, e sua conexão com os fatos históricos que aconteciam naquele período. Para a capital corriam todos os aspirantes a uma carreira, onde lá já se encontravam muitos. A juventude universitária, composta por estudantes de diversas cidades do interior do Piauí e de sua capital compunham suas canções, escreviam suas poesias, criavam sua peças. O palco do bar foi o lugar onde puderam expor suas obras, como diz o humorista João Cláudio Moreno:

“Pois é, por aqui em Teresina, houve um lugar assim, onde vivi horas memoráveis de minha vida e onde fiz meu primeiro show, em dezembro de 1989” (pág. 68)

João Cláudio Moreno viveu noites memoráveis, como diz, e discutiu política, militante comunista que já era na época e fez suas apresentações e viu muitos amigos se apresentarem, num clima festivo, onde não raras vezes se juntavam em grandes jams. Alguns frequentadores criavam coragem e pediam o palco para se apresentarem, dando as famosas canjas. As jams são as reuniões de vários artistas num mesmo palco, homenageando alguém com uma canção, e as canjas, amadores que resolveram subir ao palco, em boa parte das vezes, incentivados pelos amigos.

“Lembro do dia em que saí com alguns amigos e fomos até lá tomar uma cerveja e ouvir boa música. (...) Escolada e conhecida dos karaoquês do Jockey, fui convidada a dar uma canja. – Vai lá, Patrícia! Vai lá! Disse a mesa em coro. E eu fui. Um tanto tímida e me sentindo deslocada, pois meu mundo não era o artístico, era o das famílias ‘caretas’ e tradicionais de Teresina frequentadoras da Igreja de Fátima, do Padre Tony. Mas aquele lugar era diferente do resto, transpirava um universo distante que eu mal podia imaginar que seria o meu pra sempre.” (pág. 121)

Num lugar onde toda essa gente descolada se encontrava, o ambiente era muito liberal e democrático. O som rolava mesmo quando não tinha artista se apresentando, principalmente a MPB, e a MPB que tratava de temas políticos, a música de protesto de Chico Buarque, João Bosco, Gonzaguinha, Elis Regina. Na Teresina, mesmo contemporânea, não chegavam discos com muita facilidade, então lá os frequentadores também discutiam sobre as novidades do mundo musical e trocavam suas fitas, discos de vinil, enfim.

A poesia também tinha seu espaço, e era muito respeitada, inclusive tendo um dia, a Quarta Poética, reservado para declamações, às vezes tímidas, às vezes ousadas. Elias Prado Jr., inclusive, chegava a colocar pra fora gente que não respeitava os poetas. O artista foi muito respeitado naquele bar.

O bar é o lugar onde se mantém o contato social ou se afoga num copo de bebida, mas o bar em que o principal lugar é o palco, e um palco onde se apresentaram alguns dos principais nomes de nossa cultura piauiense é um bar diferenciado. O país mudava, o rock nacional explodia. Nesse ambiente, nos conta Edvaldo Nascimento:

“(...) o clima era de abertura política; a volta dos exilados, o fim a da censura e começando o rock’n roll dos anos oitenta com Barão Vermelho, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Lulu Santos e por aí vai... Nessa praia foi que eu construí um repertório específico para aquele espaço, no meio dos RPMs da vida. Eu colocava as minhas canções que, às vezes, eram confundidas com as outras bandas nacionais que faziam sucesso nas FMs. E com isso, agradava bastante!!!” (pág. 37)

Amanhã vai ser outro dia

O clima de abertura política e a expectativa que tomava de conta de corações e mentes de uma geração encontrou em Teresina um ambiente favorável. No dia 26 de junho de 1983, em frente ao Palácio do Karnak, sede do governo estadual ocorreu grande manifestação pelas Diretas-Já. Em Teresina, os grupos de estudantes, professores, políticos de esquerda e sindicalistas organizavam-se tanto pela campanha, como se organizavam para disputarem eleições, agora que os partidos poderiam ser formados, deixando para trás o bipartidarismo Arena/MDB. Em 1982, o PT já disputara as eleições para o governo do Estado, obtendo pequeno desempenho.

Havia, então, uma emergência em discutir o próximo passo, agora que poderiam levantar temas proibidos por duas décadas e debatidos em círculos clandestinos. Sindicatos, associações, centros acadêmicos e bancos de praça. Todo lugar poderia ser utilizado para o debate das idéias. E o debate era acirrado, pois várias denominações partidárias surgiram ou saíram da clandestinidade. Seus defensores, portanto, ávidos pelo debate, desejavam conseguir mais apoiadores de suas bandeiras, formar grupos cada vez maiores e com condições de chegar ao poder e implantar seus projetos.

No Nós & Elis, bar de propriedade de um adepto do confronto ideológico, militante do PDT, encontrava-se todo esse grupo de militantes e simpatizantes de partidos e movimentos sociais. Em alguns momentos, o bar era uma extensão dos embates ideológicos das salas de aula da UFPI. Discussões políticas eram travadas entre membros do PT, PCdoB e PDT, entre outros, conforme relembra Wellington Dias:

“Um bar. Uma casa de shows. Um refúgio para a juventude de então que fazia da noite diária da capital um brinde á libertação que se prenunciava sem qualquer sinal de dúvida. Felizmente, consta nos autos de minha militância sindical, universitária e partidária um sem-número de noitadas ali vividas, bebidas, discutidas e amadas. (...) A política estava no grito de todas as tribos que ali se incorporavam, na dança de um fogo cheio de aspirações. As faíscas eram comumente desprendidas do próprio cacique do Nós & Elis, o Elias Prado Jr. Polêmico defensor da abertura, o dono do bar alimentava constantes discussões entre os militantes do PCdoB e do jovem PT daquelas noitadas. Os engalfinhamentos envolviam calorosas discordâncias entre camaradas e companheiros que, nos dias de hoje, são convergentes em sua incessante manutenção da democracia que, enfim, nos acudiu.” (pág. 157, 160). 

Assim era o Nós & Elis. Arte e política convivendo entre boas doses e camaradagem.

Conclusão

A história de um bar entrecruzada com a história de uma cidade. Representando uma época e guardando na memória momentos festivos ou dolorosos, cheios de esperança ou vendo depois, ao longe no tempo, uma certa dose de desilusão, pelos planos elaborados e não cumpridos. Refeitos. Mas, ficou na memória de muitos que hoje são a elite cultural e política de um Estado. Bar pode não ter alma, mas tem aura. O que soprou naqueles tempos, naquele espaço, contribuiu para a formação de nosso Estado, culturalmente e politicamente.

REFERÊNCIAS

BURKE, Peter. A História como Memória Social In: O mundo como teatro – Estudos de antropologia histórica. Lisboa. Difel. 1992;
OEIRAS, Joca (org.). No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia. Teresina: Gráfica Halley, 2010;
OLIVEIRA, Dante de, LEONELLI, Domingos. Diretas Já! 15 meses que abalaram a ditadura. São Paulo: Record, 2004;
Site Bússola Escolar. Diretas – Já. Acessado em 05/01/2012 Disponível em <http://www.bussolaescolar.com.br/historia_do_brasil/diretas_ja.htm >
Site Fundação Nogueira Tapety. Acessado em 05/01/2012 Disponível em 
<http://www.fnt.org.br/noseelis.php >
Site Programadora Brasil. Bar Esperança, o último que fecha. Acessado em 05/01/2012. Disponível em < http://www.programadorabrasil.org.br/programa/156/ >
Publicado em OVERMUNDO

2.4.16

DO TEMPO DO NÓS E ELIS, Ico Almendra


Sou do tempo do Nós e Elis
Com tanta música e pureza
Do tempo em que o Raízes ficava
Na antiga avenida Fortaleza
De quando para se aprender acordes
Se olhava para a mão esquerda do Geraldo
A cidade era realmente verde
Mas sempre teve o Blues do Edvaldo
De músicos tão raros
Como André Luiz e Zezinho Piau
Roraima, Boy e Jabuti
E outros tantos etc. e tal
Das gincanas do Colégio Andreas
Feitas perto do fim do ano
E das acirradas disputas
Contra o Colégio Diocesano
Quando o prédio mais alto que havia
Era o do Ministério da Fazenda
E as crianças ainda acreditavam
Que Cabeça de Cuia era mais que uma lenda
De quando a gente ainda conseguia
Andar pelos calçadões do centro
E todos os bares da cidade
Ficavam abertos noite adentro
Do tempo do Festival Setembro Rock
Em pleno Centro de Artesanato
Dos santos do Mestre Dezinho
Das obras de Mestre Nonato
Ainda me lembro que numa sala do Royal
Vi, pela primeira vez, Brigitte Bardot
Pois no outro cinema, o Rex
Só passava filme pornô
À tarde, no bar do Seu Cornélio
Que tinha o melhor pão de queijo
Vendo as meninas passarem
Sorrindo e mandando beijo
No Sorvetão ou no Elefantinho
Sorvete ruim não havia lá
Araticum e Bacurí
Sapoti ou Maracujá
Do tempo em que Luiz Correia
Só duas praia tinha então
E até a de Atalaia
A gente chamava de Amarração
A outra era do Coqueiro
Praia tranquila, de mais encanto
De bares com o Alô Brasil
E a casa do Gerson Castelo Branco
Se tem algo que permaneceu
Agora como era antes
Foi o calor do B-R-O Bró
E suas temperaturas escaldantes
Do Parnaíba à ladeira do Uruguai
Do Mocambinho ao Saci
A cidade ainda era pequena
Era fácil andar por aqui
Eu sei, se passaram os anos
Pois sou do tempo do Nós e Elis
Mas, com certeza, não me engano
Naquele tempo eu era feliz


Ico Almendra 
em 11 de outubro 2008
via Portal do Sertão | Fundação Nogueira Tapety

7.4.14

NÓS ESTAMOS POR AÍ SEM MEDO - Por falar em Nós e Elis




“Nós estamos por aí sem medo”, diz uma canção que estou ouvindo agora, cujo trecho dá nome a esse texto que começo a escrever. Uma canção gostosa de ouvir chamada “Copacabana velha de guerra”, composta pela Joyce e cantada por Elis Regina.  Só ouvindo muita boa música pude relembrar daquele tempo de Nós e Elis. Do mesmo tempo que levou nosso templo. Tempo dos Boêmios, das musas e dos amantes da melhor canção brasileira, dos poetas perdidos à procura de, por que não, versos livres.  Da galera que vinha a pé ou de carona da UFPI, naqueles tempos da Universidade, “quando a rapaziada discutia a conjuntura nacional”. Era o nosso “bar esperança”, nunca fechado para nós e para o nosso mundo musical particular. Um bar sem paredes nem portas, só janelas sem tamanho, sempre abertas para todas as cores, para a melodia daquelas noites sem final e a harmonia que rolava entres todos que por ali habitavam. Sim, pois ninguém em sua plena consciência conseguia apenas visitar de vez em quando aquele bar e não se apaixonar por ele.

Comigo foi assim, como aquele amor platônico do adolescente tímido pela menina mais popular da escola.  Eu sempre estava por ali, tomando alguma, batendo papo, mas nada de mesa; ficava sempre circulando, de olho no que rolava no palco. De olho nas mãos e nos acordes do GB (Geraldo Brito) na batera do Carlinhos, do Bebeto, ouvidos ligados nas vozes de tantos cantores e divas e no contrabaixo (minha grande paixão) sempre bem acompanhado por grandes feras como Tim Fonteles, Robert, Júlio Medeiros, Lima Jr. e outros tantos.  Sonhando acordado me via fazendo parte daquilo tudo e me imaginava naquele pequeno palco que mais parecia um mundo inteiro a anos-luz de distância de quem apenas ensaiava alguns acordes com uma banda de rock de estudantes. Não lembro como foi, nem quando eu tomei umas a mais, criei coragem, pedi uma “canja”, subi lá e mandei ver. Nada de extraordinário para quem já estava acostumado a ouvir os melhores tocando o melhor da MPB e da nossa MPB-PI, mas depois daquela noite comecei a transformar a minha paixão platônica num dos grandes amores da minha vida: a música.

Assim foi para mim aquele bar. Lá toquei minhas primeiras canções com o NOIGANDRES - eu, Marquinhos, Flávio e nosso grande Naka - quando nós tocamos pela primeira na Rádio Cidade Verde FM, e fiz todo mundo dançar com banda LUAU nos inesquecíveis domingos onde a praça virava parte do bar. Assim diz uma frase na parede de um boteco em São Paulo: porque há bares que vem para o bem. O Nós e Elis foi um desses bares.

Para o “romance ideal”, o cenário perfeito. Assim foi o meu, o seu, o nosso “nós”. Ali crescemos e celebramos, tecemos e cantamos a vida que ainda podia ser cantada, pois ela dava maior “bola” para gente. Passei pela MPB, pelo pop, rock, axé, reggae, pelo forró, nas tantas e tantas idas e vindas do bar dos bares. Conheci gente e convenci a música, tive grandes professores e muitos amores. Fui feliz e eu sabia. Fiz canções dias e dias, “abri a porta, apareci, e a mais bonita sorriu pra mim” quando acabei descobrindo a palavra-chave das minhas noites vadias. E aquele palco continua grande, inesquecível em minha memória.  Nos blues de Edvaldo Nascimento, na alegria vital (e sua moto) do meu amigo e parceiro Roraima, no som “tranqüilo e infalível como Bruce Lee” da guitarra do Geraldo Brito, na lembrança dos instrumentais do velho HAJA SAX e na saudade do meu amigo e mestre Netinho, que fez tanta flauta com o Zé de Boy e hoje faz muita falta. Uma geração que puxou outra, que puxa outra e assim chegamos ao hoje. E vamos nessa que o sol já vem.  Do grupo Candeia ao Conjunto Roque Moreira, a nossa música continua aí, em busca de palcos como aquele.

De “bailes da vida ou de um bar em troca de pão” e de circo também. Afinal, somos todos malabaristas. Cada vez mais firmes. Cada vez mais precisos e certeiros. Herdeiros do bar “Nós e Elis”. Nós estamos por aí sem medo.



Machado Jr. 
em "No Nós & Elis: A Gente Era Feliz – e sabia"
Teresina: Gráfica Halley, 2010
Organizado por Joca Oeiras