16.10.13

UMA POÉTICA CONSEQUENTE - Entrevista com Paulo Machado realizada pelo poeta Elias Paz e Silva


Elias Paz e Silva – Paulo, sobre a gênese da tua lavoura poética – a realização dos teus poemas – quais os processos predominantes?

PM – Eu considero que a minha poesia tem a predominância da função épica sobre as funções líricas e dramáticas. Talvez, por esta razão, eu tenha, na condição de poeta, me comportado como um observador de episódios humanos, vivenciados dentro de um espaço urbano, especificamente a cidade de Teresina. Estas notícias humanas são sempre relacionadas a cidadãos e cidadãs anônimos. Estes episódios relatados buscam ressaltar o que, talvez, seja a característica da espécie humana. Sobre este aspecto, eu procurei sempre um distanciamento, para que as minhas virtudes ou meus defeitos não interferissem, ou interferissem o mínimo possível, na elaboração do texto. Texto construído a partir do que emana das próprias personagens. Como técnica de elaboração do texto, eu procurei, conscientemente, utilizar uma linguagem concisa, objetiva e realista. Para tanto, eu preferencialmente usei verbos e substantivos, refutando o máximo possível o uso de adjetivos. Em termos de construção da linguagem poética, eu entendo que as figuras de estilo usadas por mim são, predominantemente, as de pensamento e as que se referem à criação de imagens. Dentre as primeiras, talvez a mais predominante seja a ironia. E dentre as segundas, talvez as mais predominantes sejam a metáfora e a metonímia. Raramente, eu lanço mão de figuras de estilo que remetam a uma riqueza polifônica, como ecos, aliterações e assonâncias. Daí que, talvez, a minha poesia, vinculada à classificação dos textos, é logopeia e, num segundo momento, a melopeia e, quase inexistente, a fanopeia.

Elias Paz e Silva – Que seriam as imagens, então...

PM – É. Ressaltando que há um jogo de pensamento. E isto remete à própria etimologia grega do que seja poema – que é “aquilo que se faz”, e é uma construção verbal de tamanho pequeno, mas sempre com a insistência de um enredo. Existe uma narrativa, o caráter narrativo. E a etimologia da palavra poeta, que é exatamente “aquele que faz”.

“DAÍ QUE, TALVEZ, A MINHA POESIA, VINCULADA À CLASSIFICAÇÃO DOS TEXTOS, É LOGOPEIA E, NUM SEGUNDO MOMENTO, MELOPEIA E, QUASE INEXISTENTE, FANOPEIA”.

Elias Paz e Silva – Então, você procura resgatar o sentido etimológico, original da expressão poética. É este o seu projeto, como disse o Chico Castro, achar a poesia no seu estado de pureza e graça?

PM – Sim. Inclusive vendo, tentando ver, a expressão poética em episódios que, comumente, são vistos como antipoéticos. Onde estaria a poesia num episódio urbano relacionado à morte de um cidadão anônimo por atropelamento, numa avenida da cidade? Mas, e se nós pegarmos aí o episódio morte, como sendo uma das incógnitas para a espécie humana: o que vem a ser a morte? por que morremos? e o que nos faz morrer? A morte absurda de um ser humano, dentro do espaço urbano de uma cidade, onde as pessoas que lidam com o trânsito – aquelas que têm a responsabilidade de discipliná-lo, não o disciplinam bem; e as que têm a responsabilidade de seguir as orientações de sinalização, não as seguem. É que, na verdade, os responsáveis pelos episódios de morte, somos nós próprios: não é o fato de existirem ciclistas, pedestres, motociclistas e condutores de automóveis ou de caminhões, ou de ônibus, que faz com que aconteça ou deixe de acontecer acidentes. E, depois, como é que esse episódio é recepcionado por outros seres humanos... que eu destaco, em dois momentos, o episódio um, um poema que faz referência ao episódio de morte de um ciclista por atropelamento, e o episódio de um pedestre. Tanto o ciclista quanto pedestre, eles são apenas uma atração de curiosidade para os outros seres humanos que habitam a cidade, mas em nenhum momento há manifestação, por exemplo, de solidariedade, com a prestação de socorro. Então, isso, que teria sido um material antipoético, eu tentei - não sei se consegui, eu procurei transformar em poesia. Como também episódios humanos menores, também considerados menores e até antipoéticos, como a presença de uma. mendiga numa rua do centro da cidade, que pessoas passam por ela diariamente e nem se apercebem da existência dela; até mesmo quando ela deixa de existir, as pessoas também não se apercebem dessa inexistência - é o caso do resgate de vida da Madalena, que era uma mendiga que fazia ponto de mendicância na Simplício Mendes, no centro antigo, no perímetro urbano da cidade de Teresina. Ou a presença do que, hoje, seriam meninos de rua (não por outras razões, no momento em que eu presencie o episódio, eram negros, e eu os evoquei como sendo "negrinhos descarnados"), que estavam a catar laranjas e limões podres no mercado central da cidade de Teresina...

Elias Paz e Silva - Paulo, nesse sentido, a tua poesia, o teu poema, a tua poética é um testemunho histórico - aquilo que você viu, captou e transformou isto em emoção estética.

PM - Quase sempre, porque às vezes também lanço mão de informações obtidas de outros...

Elias Paz e Silva - Mas também é história.

PM - Sim. Também é história contemporânea o episódio não presenciado ou testemunhado por mim, resgatado de relatos, do relato oral de outras pessoas que testemunharam estes episódios, a não ser quando, num determinado momento, eu trabalhei, especificamente, com o que também é dito como algo antipoético, e tem a ver, no caso, com a história pessoal - seria resgatar um documento em relação ao meu avô... e eu tentei também, a partir do documento, com a linguagem, inclusive através da qual o documento tinha sido escrito, transformá-lo numa matéria poética...

“NO MEU CASO, EU TENTEI TRABALHAR COM O FATOR DETERMINANTE TEMPO, COMO CONDUTOR DA ELABORAÇÃO DOS TEXTOS”.

Elias Paz e Silva - E o tempo, Paulo - no “Libertinagem” você trabalha com tempos verbais -, como entra a questão do tempo, o tempo histórico, o tempo não-linear, do tempo eterno, como que entra no teu trabalho?

PM - Bom... Isto é a partir de uma informação que, por leituras - e eu sempre fui um ser orientado para leitura, tive esta oportunidade de ler desde criança - cheguei a uma conclusão - através de muitas leituras - de que a literatura, qualquer que seja ela, de qualquer nação, se faz a partir de um trabalho de reconstrução de memória ( - as memórias individuais que, reconstruídas, dão como resultado a memória coletiva). A partir desse ponto de vista, é que eu elenquei o tempo como sendo, talvez, o fator determinante da produção literária, no meu caso, poética, (pra outras pessoas, poderia ser a reconstrução através de uma prosa de ficção, de um romance ou de um conto ou de uma novela). No meu caso, eu tentei trabalhar com o fator determinante "tempo", como condutor da elaboração dos textos. Na confecção, por exemplo, de “Tá pronto, seu lobo?”, o livro foi planejado de tal sorte que o primeiro poema que abre o livro, que é o “Post card 57/77”, à época era o poema escrito mais próximo da data de lançamento do livro, e o último poema - o “Libertinagem” - é o que tinha sido escrito a um tempo maior, mais distante da data de publicação do livro. Haja vista que todos os poemas, os 22 poemas que compõem o “Tá pronto, seu lobo?”, todos foram escritos e reescritos num interstício de tempo entre 1974 e 1977 (o livro foi editado em janeiro de 78).

Elias Paz e Silva - Paulo, no teu percurso poético, vemos incursões épicas, líricas e até na estética concreta; como está se processando isso na tua construção literária?

PM - Eu estou tentando dar continuidade a dois projetos paralelos. Um primeiro, que é a continuidade do trabalho iniciado com “Tá pronto, seu lobo?”, e num segundo momento com "A paz do pântano"; e um outro, que é a elaboração de poemas não-discursivos, que até este momento continuam inéditos, não foram publicados nem mesmo em jornais ou revistas...

Elias Paz e Silva - ...Aquela antologia “Baião de todos” tem três poemas que são desta estética não-discursiva...

PM - Exato. Ali é uma mostra do que estou tentando fazer, na outra vertente. Existem outros poemas; no momento oportuno, se eu tiver condições, ponho a público, através de um livro.

Elias Paz e Silva - Historiador, advogado, poeta: como é que você convive, Paulo, com a multiplicidade?

PM - Na verdade, a atividade como advogado tem uma característica que a aproxima das outras duas: porque eu tenho tentado compreender a estrutura agrária brasileira e tenho tentado uma. especialização, a meu modo, como agrarista. Essa atividade me levou à necessidade de conhecer, pelo menos dentro das minhas limitações, o processo histórico brasileiro e piauiense. Fato que me conduziu, por exemplo, a realizar uma pesquisa sobre o extermínio e a espoliação das nações nativas, que habitaram o Piauí no século XVII até meados do século XVIII. No trabalho eminentemente literário, essa orientação para a História só fez me ajudar, me deu chance de fazer algumas reflexões para que eu pudesse transformá-las, ou pelo menos tentar, transformá-las em texto literário, no caso específico um texto literário com a feição poética.

“NA VERDADE, EU SOU MAIS FREQÜENTEMENTE POETA QUE UM FICCIONISTA...”.

Elias Paz e Silva - Você enveredou também pelo campo da ficção. A tua ficção tem essa mesma matriz, essa mesma origem?

PM - Tem. Na verdade, eu sou mais freqüentemente um poeta que um ficcionista, mas as poucas experiências que eu tive com a elaboração de contos foram realizadas com esta mesma perspectiva. O conto “O anjo proscrito" é uma revisão de um episódio histórico do período republicano. E os outros contos, curtos, com personagens anônimos, eles são sempre orientados para a vertente histórica, brasileira ou teresinense, especificamente.

Elias Paz e Silva - Que referenciais estéticos, políticos e ideológicos você usou para cunhar a expressão "Geração pós-69"?

PM - Bom... em primeiro lugar, referencial histórico-cultural, porque a geração cultural que surgiu depois do fechamento do ciclo da geração de 60, no âmbito da literatura, foi rotulada por jornalistas e ensaístas como sendo a geração do mimeógrafo (incluindo aí tanto novelista, contista e poeta, mas excluindo as outras expressões artísticas) ou por outros como sendo a "geração marginal". Desde o primeiro momento, ao tomar conhecimento dessas rotulações, eu entendi que elas eram errôneas - e aí precisaria dar uma re-orientação. Eu peguei um fato político-cultural universal no ano de 69, que foi a chegada do homem à lua, como sendo um fato que definia um corte cronológico, no que aconteceu antes e no que deveria acontecer depois desta data. E algumas manifestações na área de cultura (algumas delas inclusive realizadas no Brasil, com destaque, inclusive, para uma forma nova de se fazer jornalismo impresso, que é em 69 o surgimento do Pasquim). E, me parece, ser menos equivocado chamar produção cultural todas as manifestações artísticas realizadas a partir da década de setenta, a geração "Pós-69". Talvez a mídia de informação mais freqüente para os produtores culturais tenha sido exatamente o jornal "O Pasquim", com uma linguagem jornalística própria e que tinha como finalidade servir de uma trincheira de resistência. Em relação especificamente à poesia brasileira de expressão piauiense, eu peguei como referência para a rotulação da geração um fato estético e literário: a materialização de um livro do Hindemburgo Dobal Teixeira, "O Dia Sem Presságio". É um livro de 69, ganhou inclusive um prêmio nacional, foi editado no ano seguinte, em 1970. Nele, a gente vê o trabalho do poeta para a concepção de uma poesia com rigor estético e uma preocupação com a renovação das formas poéticas.

“ANTES DELA (A GERAÇÃO PÓS-69) NÃO EXISTIAM NO PIAUÍ CARTUNISTAS, CHARGISTAS E QUADRINISTAS”.

Elias Paz e Silva - Como você analisa a produção literária da "Geração pós-69", em termos estéticos?

PM - Da maior expressividade. Não reconhecida, ainda, pelos centros acadêmicos e pelas instituições, mas com vitória, com êxito, em vários campos da manifestação artística. Inclusive, no caso específico do Piauí, com o surgimento dos primeiros chargistas, dos primeiros quadrinistas, na esfera cultural do Piauí, que são todos pertencentes a esta geração. Antes dela não existiam no Piauí cartunistas, chargistas e quadrinistas.

Elias Paz e Silva - E a produção literária dessa geração, Paulo, ela resiste ao tempo, ela se mantém, na tua concepção, na tua ótica?

PM - Sim. Há obras produzidas por integrantes da geração que são, indiscutivelmente, referenciais estéticos para o processo cultural piauiense. A divulgação tem sido feita, inclusive, de uma forma conseqüente, porque desatrelados dos órgãos públicos responsáveis pela elaboração e execução da política cultural.

Elias Paz e Silva - Esclareça-nos, Paulo, o projeto Pulsar de cultura.

PM - Na verdade, não se trata de um movimento, como algumas pessoas andaram, erradamente, rotulando. A revista "Pulsar" é um veículo de divulgação do ideário da geração. As pessoas que estão produzindo a revista, deliberadamente, iniciaram as atividades em um núcleo de produção cultural, onde não se faz apenas a edição de livros, mas há pessoas trabalhando com outras manifestações artísticas: teatro, cinema, as artes plásticas, as artes gráficas e a literatura. Essas pessoas têm buscado dar seqüência à divulgação de suas idéias com mídias alternativas, e uma delas é um foro da internet - há um sitio na internet dedicado à Geração "Pós-69".

“RUPTURA ESTÉTICA PRINCIPALMENTE EM RELAÇÃO À FORMA”.

Elias Paz e Silva - Paulo, qual a ruptura, dentro do projeto estético, literário, existencial, em relação às gerações que a anteciparam, em termos de produção literária piauiense?

PM – Ruptura estética principalmente em relação à forma. Na literatura brasileira de expressão piauiense a concepção de um novo conto, de uma nova novela e de um novo fazer poético, onde não há mais a presença das formas fixas e tradicionais de expressão da literatura.

Elias Paz e Silva – Como você vê a inclusão do livro “Tá pronto, seu lobo?” no vestibular da UFPI? Em que isso contribui para a divulgação da tua obra e para compreensão do teu trabalho?

PM – Eu vejo como um enfoque circunstancial e de caráter transitório. No ano de 2002, aparentemente houve uma maior atenção, por parte de algumas instituições e por um conjunto de leitores para o livro, pelo fato de ele ter sido incluído na relação de livros que provavelmente possam ser explorados pelos elaboradores das provas de Comunicação da Universidade Federal do Piauí. Mas, em termos de realização, eu não tenho nenhuma esperança, nenhuma ilusão de que possa ter contribuído para uma melhor compreensão do que já foi escrito. O livro, na verdade, ele tem quase um quarto de século de existência, ele foi tornado público em janeiro de 1978, mas os 22 poemas que o compõem foram produzidos no interstício de tempo de 74 a 77. E neste lapso de 24 anos, a contar da primeira edição, eu acho que ele foi muito pouco lido, pouquíssimas pessoas refletiram sobre os textos. Na verdade ele permaneceu durante todo esse considerável lapso de tempo com uma única edição – a segunda edição veio acontecer agora, em 2002. E eu tenho tentado acompanhar, na medida do possível, a vendagem dos exemplares, e você constata que ela é muito pouco expressiva. Foram editados dois mil exemplares; desses, 100 foram entregues a mim, para que eu desse a destinação que achasse mais condizente, e os outros 1.900 foram postos à disposição dos prováveis leitores. Se nós considerarmos que são cerca de 20.000 vestibulandos (aproximadamente), para que a edição fosse esgotada bastaria que dez por cento dessas pessoas se dispusessem a adquirir o livro, o que infelizmente não aconteceu.

Elias Paz e Silva – Paulo, diga o que você gostaria de dizer para o leitor da tua obra, para as pessoas que têm acompanhado teu trabalho literário, que têm acompanhado a tua ação como cidadão, como intelectual, como pessoa.

PM – Bom, o conjunto de 22 poemas que foram rotulados de “Tá pronto, seu lobo?” e editados em 1978, é uma mostra de que eu, como escritor, de uma forma honesta, assumi o compromisso de realizar. Ficaria satisfeito se eu tivesse um maior número de leitores. Eu acho que nenhuma pessoa que escreve se contenta com o fato de escrever e, posteriormente, ser editado, sem que haja o retorno com a leitura, mas também não acho que haja nada de anormal nisso, não... Um envolvimento de cerca de 30 anos de trabalho literário (eu iniciei a escrever, conscientemente, com o propósito de fazer literatura, em 72), eu acho que até é um tempo muito pequeno – três décadas dizem muito pouco. Pode ser que os poemas permaneçam e sejam, no futuro, mais lidos e compreendidos.

“NA VERDADE, ESSA REESCRITURA É UMA CARACTERÍSTICA QUE EU TENHO E GOSTO DE EXERCER, DE QUE O TEXTO SEJA CONTINUAMENTE REESCRITO”.

Elias Paz e Silva – Eles foram reescritos, não é, Paulo?

PM – Foram reescritos, mas sem que a proposta primeira tenha sido modificada ou comprometida. Na verdade, essa reescritura é uma característica que eu tenho e gosto de exercer, de que o texto seja continuamente reescrito. Isso tem acontecido sempre.

Elias Paz e Silva – Recentemente, Paulo, o crítico e poeta Chico Castro lançou “As travessuras do mamulengo”, que é um ensaio sobre o livro “Tá pronto, seu lobo?”; qual a visão que você tem deste ensaio e em que ele contribui para melhorar o entendimento, a compreensão da tua proposta literária?

PM – Eu compreendo que o ensaio feito pelo Chico Castro fornece algumas pistas de leitura, que podem ser aproveitadas por qualquer leitor, não somente os que estejam circunstancialmente comprometidos com a realização do vestibular na Federal, agora em 2003. Há, também, um ganho, no sentido de que pode acontecer que o livro do Chico, de alguma maneira, atraia a atenção dos prováveis leitores para o conhecimento da própria obra “Tá pronto, seu lobo?”. Pelo que me parece, também, oportuno dizer é que o Chico Castro é um integrante da “Geração pós-69”, então seria uma reflexão feita por um integrante da Geração sobre uma obra poética produzida por outro integrante, que pertence à mesma geração. Essa é uma das coisas importantes.


Elias Paz e Silva e Paulo Machado
via Recanto das letras

Paulo Machado - síntese biográfica




Paulo Henrique Couto Machado (23-07-1955) nasceu em Teresina - PI.  Advogado. Defensor Público. Poeta, contista, cronista, historiador. Pertence à Geração Pós-69. Ganhou alguns prêmios literários. Na década de setenta, fez política estudantil e editou, ao lado de companheiros de geração, o jornal mimeografado "ZERO". Integrou o grupo responsável pela edição do jornal alternativo "Chapada do Corisco", em 1976 e 1977, em Teresina. Integrou a comissão editorial de literatura da revista Pulsar. Bibliografia: Tá pronto, seu lobo? (1978); A paz do pântano (1982); Post Card (1992). Participou dos livros: Ciranda (1976); Aviso prévio (1977); Galopando (1978); Poesia teresinense hoje (1988); O conto na Literatura Piauiense (1981), entre outros. Fotografia: Paulo Machado por André Gonçalves.

8.2.13

RUA DO MERCADO VELHO




Não há poesia nas esquinas
Só o grude negro dos anos
Esmaecendo as cores das paredes
                                            /nuas
Com realidade e ausência de rimas



em Artesanato existencial 
Teresina: Corisco/Sapiens, 1998

MARIA DA INGLATERRA




Quando o disco voador
Depositou as canções
Naquele raio de luz
Na curva daquela serra
Eu disse pra dizer nada
Disse pra ficar calada
Que de louco, compositor e artista
Ninguém aqui tem é nada



em Artesanato existencial 
Teresina: Corisco/Sapiens, 1998

POR QUÊ, PACATUBA?




Por que a Pacatuba
Agora São João
Deságua no Parnaíba
Molha a lembrança
Renasce no coração?



Climério Ferreira
em Artesanato Existencial
Teresina: Corisco/Sapiens, 1998

ESTAÇÃO TERESINA




                                              o sol



aquece as calçadas

carros estacionam um outono de acácias
(amêndoas sob as rodas)

cai uma folha
e a cidade desperta



Carmen Gonzales
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

27.1.13

"O rio deságua em mim!", por Ednólia Fontenele



O rio deságua em mim!
algum braço do Parnaíba
prende minha intenção de viver longe.
Estou aqui
mas permaneço lá,
suando com o calor
de suas tardes quentes
que se afogam nas águas do mar.
O RIO PARNAÍBA DESÁGUA EM MIM


                                                         Aracaju, 1994


Ednólia Fontenele
em A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995


2.1.13

PAISAGEM AMARELA





maria
todo dia
ia
de encontro ao cais.

trouxa na cabeça
ia maria lavrar planos
que há anos
o rio enxaguou.

levava um sorriso pálido
pra dar sentido
à roupa amarelada.



Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979

PRETA MALUCA




preta, a virgem mais clara
da paissandu
deu pra exótica
quando sentiu
bater à porta
a velhice.

pintou na boca
agitou um fino
enquanto se enrugava
depressa se alegrava
da ativa...
- sonhava...



Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979

CIDADE VERDE, Wilton Santos


quanta maldade
cidade verde
esta cidade!

fruto da ilusão medíocre
da razão insensata
na proporção da verditude
                                das fardas
amarrotadas, fedorentas e desbotadas
como é esta cidade.

...esta crueldade
amedronta os ratos.


Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979

1.1.13

TRAJETÓRIA, Nathan Sousa


Bicicletas cortam a Miguel Rosa
colecionando olhares pela estação
adormecida
e seus trilhos
sem trem.


Nathan Sousa
enviado pelo autor

TOMBAMENTO, Nathan Sousa


Os estacionamentos privativos
golpeiam os casarões da história,
que tombam para sempre.

Os relógios verticais
param para ver quanto tempo
ainda irão suportar
as esquinas da Paissandu.


Nathan Sousa
enviado pelo autor

31.12.12

O MALA, Hélio Soares Pereira


A onda anda mansa
   nas bocas da maré
       sem o agito das moitas

Um mala
   pinta no pedaço
       na cola
           de quem tem trampo

Alguém dá o berro
   - Cadê meu cruza?


A boca esquenta
   O cana vai fundo
       pisando nos calos
          do brasuca cara de pau
              que tenta
                  fugir da raia


É a maré
   que não tá pra peixe
        só pra anzol

O mala é fisgado
   com um berrante na cuca
       que se funde nos grilos
           Mas muito vivaldino
                saca na fuça do cana o chapa
                    que se liga em cascata

E deixa cair de leve
    a gaita
        na boca do balão


em No laço da opressão 
Brasília: Gráfica Valci Editora, 1998

SAUDADE, Hélio Soares Pereira


Domingo adormece
   domingo amanhece
       E eu nesta saudade
           que me invade
               da minha terra

Saudade!  Tu me estremeces
   e congelas o peito meu


Ó museu de artes modernas
   em verde tapete de grama!
       Tu me deste  oportunidades
            que minha doce terra me não deu

Mas que sabe?  Se esta saudade
   ainda menina
       se amenize no meu ego - talvez
          Ou me arraste de vez
               à terra mater - Teresina


Hélio Soares Pereira
em "Onde o horizonte vem esconder-se..."
Brasília: Gráfica e Editora Esteio, 1982

TERESINAMADA, Hélio Soares Pereira


De noite
   vejo brigitte bardot
       na casa de shows
Enquanto o ônibus não vem
   valquírias vão e vêm

Vou ao teatro
    de arena
        sem ponte de safena
e o bloco do amor
                       que fica
                            promove
                                o gera samba
                                     da raça brasileira

Elba Zé e Alceu Valença
   no pavilhão de feira e eventos
                                           se aventuram
                                               etcetera e tal

Teresina
   assim derramada
       é amada
           e marca a vida
               num esquema certo
                  de artesãos


Hélio Soares Pereira
em Passarela de escritores (coletânea)
Teresina: Edições Jacurutu, 1997

TERESINA QUE ME FASCINA, Hélio Soares Pereira


Quem cortou tuas tranças
   te deixou mais linda
Cabelos soltos
   ao vento
       olhar penetrante

Teus pontos de encontro
   são tantos!
De quando em quando
   vestem novas roupas
       feitas de sol e de lua

Toda nua
   vejo-te às vezes
       e te penetro
           no eco faminto
                            de mim
lendo Torquato Neto
   quebrando a monotonia
                                  dos passos
                         além da vidraça
                             embaçada
                                 no tempo

Relax total
   entre amigos
       no shopping
ou com a garota
   que surfou minhas ondas
       sonoras
           e calientes


Gelar a garganta
   num ponto antigo
      em blablablás
          confortantes
Saborear sorvetes
   na avenida
       bacuri cajá
           ou murici

São prazeres
   que tenho de ti
       São caminhares curtidos
           fins de semana
               potycabana
Ao sol de largo olhar
   bebo meus dias


Naturais lembranças
   ainda me resguardam
       do estresse
           bombardeando nas veias
               o colesterol
                   das horas vazias

Teu sol de agora
    brilha
        novos horizontes
e deixa
   guardados na sombra
       teus passos cansados


Hélio Soares Pereira
em Antologia escritores III
Teresina: UBE / PI, 2003

ÁGUAS DO PARNAÍBA, Hélio Soares Pereira


Águas do Parnaíba
    ensaboando as pedras
        deitando-se nas margens
            umedecendo manhãs
                emoldurando
                     saudades


Hélio Soares Pereira
em em Antologia escritores III 

Teresina: UBE / PI, 2003

3.12.12

SEGUNDA FOTOGRAFIA VIVER TERESINA, Elizabeth Oliveira


Quem visita o bairro Poti Velho pode ver as casinhas
miseráveis presas à terra.
Os meninos do Rio Poti brincam em completa alegria,
alheios ao abandono.
Têm o corpo marcado pela desnutrição.
Esquecidos, a cidade não lhes repara.
Nem o país observa sua própria miséria.

Os meninos do Rio Poti dependurados no horizonte.
Comigo-não-se-pode ironizam o homem,
acidente circunspecto em céu aberto.

Por que a vida aqui parece uma fotografia pardacenta
onde o tempo parou?
O primeiro bairro da cidade anualmente
confirma a tradição pública festejada:
acompanhado pelos fiéis,
São Pedro percorre as ruas em procissão.
O povo lhe devota o sagrado sentimento,
na intenção de dias melhores,
que as aves de rapina lhes prometem no período eleitoral.

O Cabeça de Cuia escuta a fome em danças,
crianças em roda, ao encontro do Rio Parnaíba
com o Rio Poti de braços dados com a gente ibiapiana.

Ao se tornarem adultos, os meninos do Rio Poti
(e os do Brasil) verão com espanto sua lembranças,
a infância tomada, de doídas medidas.
Que futuro pode ter o país
com essa massa (ignorada) de miseráveis?


em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996

EU E O BAR, Elizabeth Oliveira


Estou no Bar Nós e Elis. Vou ao encontro da vida.
Tento compreendê-la.
O que dizem as luzes, o clima festivo?
Garçom, uma música romântica,
pois não entendo meu coração.

O que mostram as pessoas, em sua trivialidade?
Estou entre olhares indiscretos, ao som da MPB.
Mistérios me espreitam: como suportá-los?
(compor poemas talvez resolvesse!)

A cidadezinha inventa o mundo entre sorrisos de bares
e me estranha a moça só, produzindo incessantemente
o poema da madrugada.
Mas, o que se passa com a terna cantora de noites "rolantes"?

Sou a moça da farda,
pioneira de muitos goles sozinhos,
detentora de tantos senões.

Garçom, um gole de Mallarmé,
pois estou com a cara suja de Fernando Pessoa espia a mim.
Estou com a boca cheia de estrelas e
ninguém vai ficar imune a isso.

Sou palavras e sua presença é meu costumeiro vampiro.
De fato a eternidade é muito extensa
pode conter a infinitude de certos momentos.
Onde quer que vá, segue-me a poesia, pretexto de vida,
me diz; "onde tu fores, te seguirei".
Com meu canto teço sementes à terra,
que é meu veredicto ser-lhe testemunho.

Garçom, uma dose de Ezra Allan Pound ou um duplo
Florbela Espanca Drummondiano.
Meus vampiros precisam de orgias,
para o texto que se segue e que me rege.


em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996

2.12.12

PONTE METÁLICA, Marcos Freitas


por aquela janela
alto do prédio
viam-se
carros / pedestres
famintos / sedentos
desenfreados
intenso ->vai-e-vem <-
o museu
com sua grandiosidade
em frente - barracas de camelôs
revoada de andorinhas
ao redor das torres do Amparo
anunciando o pôr-do-sol
no Parnaíba - ponte metálica


Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010