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15.10.18

Palha de Arroz, Capítulo XXXIX, Fontes Ibiapina


XXXIX

Sobre a ponte metálica do Parnaíba Velho. Os dois guardas ali de lado. Iam com ele até a estação de Timon.

— (Timon... origem grega. Genitivo plural – plural – das honras. Honras de quê?! De quem?!... Diabo, pra que estudei?!...)

Aí pau de Fumo sentiu que se era de um sapo viver chorando de fome ouvindo a sapa velha e seus sapinhos chorando de fome a vida toda, melhor morrer. E o melhor lugar era aquele. Também a hora era oportuna, que o dia não havia ainda amanhecido. Ali nas águas, ele se transformaria num sapo de verdade. E ficaria chorando com os sapos de verdade, esperando um Natal cheio de luzes, para todos os sapos do mundo cantarem de barriga cheia.

Fechou os olhos. Fez de conta que ali era o Poço da Usina. E fez de conta que os dois guardas que estavam ali a seu lado – armados até os dentes – perseguiam-no numa carreira maluca e desatinada. Aterrou os pés e correu. E, da prancha entre os dois vagões, gritou:

— Filhos duma puta!


em Palha de Arroz, 
Teresina: Oficina da Palavra, 2004, 4ª edição

20.1.16

A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune


                                                            aos "filhos de ninguém", personagens desta história,
                                                            heróis da cidade destruída e vítimas do ódio,
                                                            da especulação imobiliária e da maldade dos homens


PRIMEIRO MOVIMENTO

Teresina chora

I


Tremeram as palhas da cidade
              na loucura de 41

amanhecera
era noite nas sarjetas da mente
e queimava o brilho de estandartes

subiram ruas e era triste a vida
disseram alegrias e não chegaram

todos pediam ação
no muros, nos papéis
nas esteiras-camas
no silêncio da polícia
e na certeza
todos pediam ação
e era cedo
e era longe
mais que perto se fez o tormento
e das palhas ao vento se viu a vida
entre corpos, entre mentiras
lágrimas, potes, trapos
e todos queriam ação
a mesma ação de peso
a loucura da satisfação

amanhecera!
é necessário insistir; amanhecera
e cada pingo desse inverno
caía como punhal em cada dor
a chuva, o frio, o cobertor
a palha era o teto de sossego
e já não se podia pensar
e já não se permitia verdade

era ela, magra na escuridão das águas
triste no chorar dos céus
que gemia
era ela, na eterna espera
nos tormentos seus
que se quedava em Karnak
era ela, a criança Teresina
omissa nas brasas dos baús
nos ossos dos perdidos
nas carnes de Luzia
que se via violentada
e era ela, mais do que tudo era ela
na eleição dos seus líderes
na aceitação da imposição
que clamara piedae

amanhecera
e cresciam os dias
e nem mesmo a insistente chuva
nem mesmo a solidão do cais
fizeram de Evilásio Vilanova
a paralisação do gesto
é que do medo dos casebres
se formou a gana
a tara de se ter presente
o suplício de um tempo
e do Parnaíba, as águas eram cheias
e de Getúlio, a força era tudo
pois era glória...
o tempo todo lhe rendiam palmas

se pelas ruas da pobreza
serpenteiam chicotadas
carrega o fardo da miséria
sufoca o apelo da terra
fazendo pouco o cismar dos dias
em meio ao tormento da desilusão

e por mais que emudecessem as cinzas
ficou marcada a história dessas vidas
em que se baseou essa vergonha

- chega!
basta a dor desse dia negro
(basta dessa "chuva" maldita)

começara!
raiou o claro em pingos dessa trama
pediu - trágico - a trágica forma
fez-se agora o labirinto
e não bastaram os gritos dos afoitos

é que estamos em terra firme
em meio a agonia
no mandato de alegoria
na estrutura de um torpe Brasil
como em ti perto
como em ti morte
mata - geme - sofre

é dia
e a chuva grita contra os deuses
mas não se decidia a tempo

essa loucura é antiga
é espada rasgando o ventre
é espera de mil séculos
é verdade de agora
e és tu, só tu, Teresina
que de dentro das chamas
nos abre o véu do tormento
dessa angústia presente
que destrói a grande luta
e nem Evilásio
nem Leônidas
nem vida, nem morte
nem medo, nem Luzia
nem Mathias
nem nada
        te fez esquecida
é que hoje começara
e tua vida queima dolente

era um tempo de dor
e por aqueles dias o fantasma do calor
rondava casebres de palha
e não se sabia a que momento
se manisfestria as garras da covardia
e enquanto se lamentava nas ruas do Mafuá
já se previam a indecisão de ser
já se tramavam nos gabinetes
o passo da piromania

os jornais escreveram tantas estórias
e do grito da oposição
nada abalava a marcha
dos troncos idos e dos marginais
em busca de mentira, crime e ódio

a brasa,o solo
   o tempo, a mão
     o escuro, o claro
o dia - ação

encapuzados empunharam tochas
e o sono dos infelizes seres
                      interrompeu-se
e de dentro da fumaça
o tossir sem rumos, o chorar das mães
- o rádio, o baú de roupas, a bilheira
meu filho, Deus, meu filho é cinzas

de mais distante nas perdidas horas
o fumo sobe - Teresina implora

por mais distante dos tempos de agora
a pira surge - Teresina cora

e por mais distante das perdidas horas
a "chuva" espalha-se - Teresina chora

chora, chora
chora
chora
a "chuva" queima
Teresina chora.



Afonso Lima
em A CIDADE EM CHAMAS - Poema Trágico de Um Crime Impune
PRIMEIRO MOVIMENTO: Teresina chora, I
Teresina: Multiservice, 2010

5.4.14

CORAÇÕES DA TERRA, por Menezes y Morais




...

compadre salgado maranhão
destrói do teu cérebro essa ideia suicidade

q os trabalhadores te querem em luta
i a poesia te quer vivo
nesses tempos de anistia ampla
y corações restritos

...

nossos amigosão pessoas bonitas
na dimensão da fala dialética grito
o cineas vem de uma gleba seca com a
água de sua ternura
o william se fez poeta engajado pra
alegria da poesia
o eduardo não acredita no amanhã pra
desespero de mais um dia
todos lindos
todos livres na prisão do dia
nesses tempos de anistia ampla
y corações mesquinhos

o arnaldo albuqueque
o fernando s. costa
o albert piauí desenham os sóis dessas noites frias

armadas de fuzis e bombas de hidrogênio

(aquelas q matam os homens e
conservam intactas as propriedades do rei)
e o luiz bello afirma que precisamos
criar o ministério da paz
e o povo bebe tanta pinga e fuma
tanto medo só pra ter coragem
nesses tempos de anistia restrita
e corações gerais

a marleide
cabelos dourados baloiçando

ventos do céu

dessadjetivada democra-
                                cia mina dos olhos
                                  imperialistas

a beth rego
o rubervam du nascimento a profissão dos peixes
no tempo
o sussurro o grito o homem da rua
timon a voz do trovão
a ana miranda a rosinha lobo as cores
dos sonhos
o pólen do sol
o zémagão

viajamos na constelação de vênus e foi tão bonito
e até hoje nos amamos e acreditamos
na decadência final
de tudo a-kilo
e eu sou um sol e vou parir um crepúsculo

nesses tempos de anistiampla
y corações aflitos

o chico casto de camisaberta
na filosofia do tiro
a leila a homeopatia
memórias da ilha do fundão
postais do paraíso
a ednólia fontinele o bernardo silva
o arimatan a elnora o teotônio do sax
o zeferino alves neto a rosa o sales
herculano moraes o pds
o chico miguel de moura o universo das águas
o emerson araújo
a janete dias baseada na era
o candeia o varanda o fruta madura
as asas do rubens costa
a vida operária
a canção permanente
raimundo alves lima
o clebe montezuma o kenard kruel a
pedra do sal
o fred maia da gota serena brilhando tranquilo

o antônio nobre (da dilertec) resiste na sua
dignidade branca
e o contista pedro celestino
conhece a história dos incêndios das
casas de palha
terror burguês em teresina
o wilton santos da cerca de arame do diadema e
do caco de vidro
a comadre nazaré leite desaflitadeolhosaberto
acampomaior
o otacilomendes
amaria da Inglaterra
o sal o suor
o repente o oriente
a verdura da terra
e na
        praça pedro II
os jornais a televisão e as revistas
informam q o mundo vai mal
o erlich cordão o jamerson lemos a poética
da necessidade
o paulo moura o wellington careca o
joão evangelista
o preço da liberdade
a eline menezes
o geilbert chaudanne
pássaros
terra do sol
     conquistada
o ubirajara dias (biroca) o genésio
araújo (tlinta e tlês)
o júlio pança o leo

o diário do piauí foi um jornal apaixonado
o beto pirilampo a rosilândia a sulika
a cultura orgânica
oroque moreira e seu gosto na berlinda
o fabio ator
o fim do mundo início de tudo é cedo ainda
e a dora parente luta pela felicidade
geral trabalhada
a coragem pra suportar os ataques
epilépticos do sono
o élmar carvalho poeta da vila e da liberdade

o j. barros o feitosa costa o heyden cunha
o raimundunho da medicina
sonhacom as transformações da espécie
e vive pela materialização do sonho
e a gildes silveira fala da cidade
grávida de sol e de fome
e o poeta hardi filho acredita
                                              o amor
é o pão que faz o homem
e o joão batista e a sandra almeida o tarciso
                                                                  prado
                                 
                               o sol no zênite
a dor de ser feliz q nos consome
o domingos bezerra
a rosa rubra sorrisonhos
fiapos de canções regados a cerveja
praça da liberdade
enquanto o império fatal marcha lento
pro necrotério do hospital
getúlio vargas
nesses tempos de anistia restrita
y corações de neocid
...
o gérmen da vida a força latente a
corrente do meu coração
o fábio torres a laranja partida ao meio
o laurence o eneas o providência o
pierri baiano o pão de centeio
parcelle eugênio o victor martins o
paulo pelicano
o assis linhares e o feitosa lit a mareília
o coqueiro o caetano
o santana e silva o teatro de rua
antes do golpe de 64
o geraldo borges e a história em
quadrinhos
lida no bar do gelati
quando a avenidatinhamais serafins
o zé afonso a opressão a guerra dos cupins
o ocimar barbosa o josemar nerys
          filhos do povir
o celso teodósio patrício
o zé o zé de luna a marieta a zuita o nael
          as meninas mocinhas-em-flor
a socorro magalhães a nonata o jacinto
a socorro araújo
o ar o gesto o laço o fato concreto
sonhos d'esperança
a certeza de que só existe q não foi criado
..........
pássaros-paisagens e botboletas
brincam no azul de altos
o bairro piçarra o ginásio álvaro fereira
              o cabaré da maroca
o maestro luiz santos a neguinha o
marquinho a mary o zaquee
o primeiro e o segundo amor a política estudantil

a sinuca a ternura da "tia" maria
solar estrelado
onde a gente se reunia messes tempos
de anistia
y corações do amanhecer
o chico alberto
o o.g. rêgo de carvalho a estrela azul
no céu da tarde

o wellington mendes a joana o iago
o exemplo luminoso: a solidariedade

o padre pedro maione
o padre sandro
o padre costinha
o pão o ecangelho a encarnação do verbo

o preço da vida
sabor dovinho
um camponês deseja a terra e a chuva
explode em flôr
o merlong nogueira o fonseca a travessia
o wellington o dce livre o me autônomo

a fufpi sitiada
o antônio josé da livraria punaré
a guerra do jenipapo a chapada do corisco
as sete cidades
teresa cristina
o deusdeth nunes a "mãe" ana o
mingau dos astronautas
os pastéis da maria divina
e a cervejinha bem gelada da maria tijubina

sol a pique
luadentro
viver teresina

...



Menezes y Morais
Teresina 150 anos (fascículos do Jornal O DIA)
Teresina: 2002


22.10.13

TER É SINA II, Elias Paz e Silva


cidade sem memória
sol e sombra do nada
sitia os deserdados

                  o fogo o terror nas casas de palha
                  os pedaços da doméstica
                  quarentinha bibelô nicinha

guerra silenciosa e
capital redistribui os espaços
da fome e dá forma à frei serafim

                  os anos fiados em miséria
                  perdidos à sombra do tempo
                  perpetuados à luz do dia
                  fabricados armazenados

teresina: claudino & cia
tajra tajra tajra taJRa tajra tajra

                  à igreja do santo negro
                  submersa em lendas
                  superpõe-se as torres
                  do amparo e a crença dos fiéis

paisagem artificial
se interpõe à brisa libertina
espigões tramam a colheita diária
de calor e cansaço

                  um monumento à morte
                  potycabana anfiarte
                  divisa a linha da vida
                  na miragem das coroas

ao lírico por do sol
avermelhando as cortinas
o rio se dá assoreado fulminado
entre navios sonâmbulos
paruaçu, rio de sonho, salve, salve.

                  um pescador de horizontes
                  senamora sete moças virgens
                  sobre o neon de natal da ponte

pára-raios vigiam o mito
coriscos já não riscam noite
não se pode dizer de lendas
antenas sensíveis decifram céu de enigmas


Elias Paz e Silva
via Recanto das Letras

13.2.12

CASA DE PALHA, Gregório de Moraes


Acenderam a luz da lamparina
A casa vibra tenra, iluminada
Tanta doçura, tanta, em quase nada
Espelha esta gigante Teresina!

É noite! A paz em todo lar domina
Casa de palha, velha, desbotada
Eis minha vida em versos decorada
Pobreza que tão tarde me fascina

Eu venho de outros mundos soluçando
Estas lembranças que me foi roubando
O tempo que passava loucamente!

Casa de palha: marcos de bondade
Que vão somando, vão pela cidade
Lastros de amor no coração da gente.


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970