25.10.12
Nathan Sousa - síntese biográfica
20.10.12
TRESIDELAS, Durvalino Filho
19.9.12
RODRIGO M. LEITE E A MUSA ESQUECIDA, por Elmar Carvalho
Tempos atrás, através de e-mail, mantive contato com o poeta Rodrigo M. Leite. Chamou-me a atenção o fato de que ele selecionou os meus poemas, publicados no A Musa Esquecida, da coletânea Poemágico – a nova alquimia. Por essa razão, mandei-lhe alguns de meus livros, cujo recebimento ele acusou. Elogiei os poemas que dele conhecia. Pediu-me escrevesse algo a respeito, pois pretendia publicá-los. Por causa de alguns contratempos, sobretudo relacionados com o assoberbamento de serviços em minha Comarca, mas também por causa de alguns compromissos de ordem pessoal, demorei a cumprir o prometido. Tento fazê-lo aqui e agora.
Tomei conhecimento da existência e do trabalho do poeta por intermédio de seu importante blog A Musa Esquecida, para o qual chamo a atenção de meus poucos e seletos leitores. Nesse espaço literário virtual, Rodrigo vem estampando belos poemas de autores piauienses, quase todos imersos em injusto esquecimento – daí o nome do sítio internético. Apesar do título – A Musa Esquecida – o blog não é nada esquecido, e tem retirado do olvido poetas valorosos. Desejo apenas que essa Musa continue a se lembrar dos poetas esquecidos.
Pedi, por bilhete virtual, que o poeta me mandasse sua síntese biográfica. Ele, demonstrando ser uma pessoa desprovida de empáfia e empavonamento, me mandou uma verdadeira “mini-síntese”, se é que se pode usar a expressão, de apenas duas linhas. Foi então que fiquei sabendo a sua idade. Tem ele apenas vinte e pouquíssimos anos. Nessa idade, eu praticamente não tinha biografia, exceto a que todos temos, mas tinha o coração cheio de sonhos e a alma repleta de ilusões. Pude realizar alguns de meus sonhos; de outros, me despojei, e alguns, perdi pelo caminho de minha vida. Algumas ilusões apegaram-se a mim, e ainda, teimosamente, me acompanham; outras, feneceram; aqueloutras, morreram, por mais que eu as aguasse.
Espero que o poeta tenha um grande baú cheio de sonhos, e que todos se realizem. Na sua idade, é proibido não sonhar. Tenho observado que alguns jovens literatos, para se sobressaírem ou para chamarem a atenção, gostam de aplicar bordoadas nos mais velhos. Não foi o método que escolhi. Não foi o caminho escolhido por Rodrigo M. Leite. Ao contrário, seu notável blog tem distinguido poetas bem mais velhos que ele. Isso parece demonstrar que é ele infenso à inveja e à provocação de escândalos e tumultos literários, que invariavelmente levam de nada a coisa nenhuma, posto que o eventual brilho não passa de efêmero fogo fátuo.
Sem dificuldade percebi que os seus poemas, embora inseridos no que existe de mais atual, não se perdem em vãs vanguardas, em superados formalismos. Também não enveredam em pretensiosos hermetismos, com que muitos pretendem adquirir a glórias de poeta sábio, filósofo, profundo, ou sibilino, quando muitas vezes não passam de mistificadores, inflados de presunção e bazófia. Igualmente não desejou seguir a trilha dos chamados poemas visuais, que nunca foram novidade, uma vez que em épocas remotas já se urdia o carmen figuratum, e já, faz várias décadas, que se comete o poema concretista.
Fiquei sabendo que ele só publicou até hoje uma plaqueta com seus versos. Isso denota que não é preocupado com quantidade, mas com qualidade. Pude sentir que seus poemas, embora sejam produtos da contemporaneidade, são impregnados das eternas lições da lírica de todas as épocas, da tradição que se mantém viva, porque amálgama da própria vida, porquanto embebida dos sentimentos que sempre existiram em todos os homens, a despeito de épocas, “ismos” e rincões.
Os seus versos cantam a vida, com seus encantos e vicissitudes. Suas metáforas são assimiláveis, e harmônicas ao conteúdo a que se referem. Por outro lado, não contêm imagens gastas, repisadas, inócuas, como comprimidos que já perderam o efeito. São límpidas e vívidas, e revestidas de novas substâncias, mesmo quando se reportam aos eternos temas da lírica de ontem e de sempre. Como Drummond, Rodrigo canta o tempo presente, as coisas e os homens presentes; mas como bom poeta, trata também de todos os tempos, até do des-tempo de um tempo sem tempo, “de um tempo sem medida, fugitivo / de ampulhetas e relógios”, como assinalei no meu Noturno de Oeiras.
Elmar Carvalho
Publicado originalmente no Blogue do Autor
BEIRA RIO BEIRA VIDA, Marcos Freitas
beira de rio
açucenas
Casa Marc Jacob
Armazém Paraíba
lavadeiras
fogão e geladeira
troca-troca cais
beira de rio
pescador na CEPISA
manguezal no São Pedro
balsas em travessia
lavadores em agonia
beira rio
quase morto
assoreado
noite e dia
Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010
18.9.12
PRIMEIRA FOTOGRAFIA VIVER TERESINA
Tentar compreender este sinal esquecido na vastidão do país.
Povoam-lhe um mundo próprio e professo calor humano.
A uniformidade da cidade, as ruas pequenas,
casas tímidas; seus quarenta graus mostram tenacidade
dessa gente em mudar seu destino.
A natureza proclama as águas do cenozóico rio,
ela pede respeito ao Velho Monge.
Mas, como esquecer a classe medianamente comprometida
com oligárquicas posições?
Cidade que é outro lado também aponta, a vida fácil
e colunável e superfídia,
percebida no volume que auferem algumas rendas
e a massa submersa em carências.
Invadem em rios subterrâneos, luzes que são espírito e ponte,
os artistas da cidade - contemporâneos do mundo:
os pés na história local
e o rosto voltado para o universal.
O povo recolhe sua presença nos fins de semana e
finge não ver suas raízes fincadas ao chão.
Não é possível compreender-lhe a razão: elegem
seus candidatos como quem aguarda redentor.
Teresina, Verde Cidade menina,
teu solo é paixão, dor e terno afeto.
Caminha. A felicidade se esconde aqui,
mas só se mostra quando estamos no exílio.
20.4.12
SEMELHANÇA
O rio é como a gente,
se vai o tempo inteiro.
Sempre está ali:
à margem de nós,
passando.
Laerte Magalhães
15.4.12
TRISTEESINA
Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010
10.4.12
VISTA DE TIMON, por Francisco Miguel de Moura
Onde o teu verde olhar, mulher?
No corpo não, nos olhos não.
Quanto asfalto, lixo, TV, esgoto, favela.
Prédios do INPS (agora INAMPS), do Hotel (Luxor)
Piauí e da Associação Comer-cia(I), entre
- mangueiras que não dão mangas -
perdido a gente se vê.
Do lado de cá te olhando
Como se admira um postal
bem nos olhos esta canção
senti.
Canção menor, de amor de mais
de quinze anos e um filho,
e dos dias já vencidos.
Volto a fita dos meus sonhos,
Ponho-me no âmago Poti/Parnaíba,
bem onde as águas se irmanam escuras
e os desejos se perdem,
e me declaro réu:
- Narciso em teus espelhos.
Francisco Miguel de Moura
em 145 anos: Teresina cidade futuro
Teresina: FCMC, 1997
19.3.12
TERESINA, Laerte Magalhães
A cidade é pequenina,
mas o sonho é imenso,
feito o rio mais extenso,
que nos banha e nos fascina.
Ao dobrar de cada esquina,
sob o céu que nos socorre,
cada rua que nos percorre
para o bairro a que se destina.
Barcos que, sob pontes,
conduzem também destinos,
homens, iguais a meninos,
são afluentes e fontes.
Nas veias correm também
veios de luz, raios vivos,
os rios passando altivos
são rios de querer bem.
No bulício da quermesse,
o calor que desatina,
o coração de Teresina
é o sol que nos aquece.
Laerte Magalhães
17.3.12
O PARNAÍBA, Martins Vieira
Vem de longe, tangendo alvacentas espumas
Ao sabor da corrente, eriçando cachoeiras;
Aqui, se aperta; ali, se espraia, enquanto as plumas
De leques vegetais baloiçam nas palmeiras.
Leva a flor que tranquila adormece entre as brumas
E se deixa impelir como as balsas fagueiras,
Onde geme o violão do embarcadiço, e algumas
Das cordas vão ferir as cordas verdadeiras...
- Ó rio lá de casa, ó Pai velho das crianças,
Águas que vão molhar, o solo e as belas tranças
Da noiva que se banha em ti, ao vento e à luz,
Ó rio benfazejo, aplacarás a sede
Do mar, deixando aqui o pão em cada rede
E a nós, pelo batismo, o nome de Jesus.
Martins Vieira
em Canto da Terra Mártire (1977)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995
16.3.12
O SONHO POSSÍVEL, Hardi Filho
Mil novecentos e oitenta e oito
Pra seu final o século caminha.
Mais um milênio! A festa se avizinha,
E é tema deste soneto afoito.
O tempo é de inflação (sobre o biscoito,
o pão, a carne, a banana, a farinha...)
Mas é também de avanço (antes não tinha
Moça donzela pronta para o coito).
A vida está um caos, um pardieiro
onde se faz de “tudo por dinheiro”
e a honra é um mar que quase já secou.
Em Teresina – Piauí – Brasil,
11.3.12
IGREJAS E AVENIDAS
Das Dores guardo pra sempre
São Benedito dentro de mim
Nossa Senhora seja Amparo
Que eu serei Frei Serafim
7.3.12
O RIO
O rio não é mais
um veio de esperança
nem o livre caminho
que nos conduz ao mar.
O rio é um fio de sujeira
- cemitério aberto –
que na tarde se funde
com as cloacas da cidade.
V. de Araújo
em POESIA TERESINENSE HOJE
Teresina: FCMC, 1988
6.3.12
O BAR DO PICOLÉ
5.3.12
O CASO DO BUROCRATA MR-7 E SUA AMANTE LEE DIAMOND, Chico Castro
"Sou chefe de pessoal de uma
grande empresa,
dessas que têm autorização especial
dos órgãos estatais
para a exploração da flora da fauna
piauienses.
"Possuo um apartamento
financiado pela Caixa Econômica Federal
nas melhores condições de
pagamento do mercado:
* 4 quartos
* living com varanda
* suíte com vídeo deck e bar
integrados
* sauna e sala de repouso
* salão de ginástica equipado
* quadra de esportes
* sala de estudos para crianças
* playground e jardim
* salão de recepções
* lavanderia exclusiva e vaga na
garagem".
"De segunda a sexta-feira trabalho
que nem um condenado,
enquanto minha mulher tenta
mudar de cara
na Emê Clínica e Estética
sonhando em fazer aquela
viagem ais EUA
que eu havia prometido ano
passado".
"Nos fins de semana eu me divirto.
Pego o meu carrinho comprado
numa dessas concessionárias da vida
e vou para o Nós e Elis. Lá eu
bebo, bebo, bebo, até
ficar quase de porre, os braços, as
pernas, a cabeça
aos trancos e barrancos, depois de
conversar sempre com a mesma
gente".
"No sábado à tarde, recebo e faço
algumas ligações, marco encontros,
vejo alguma revistas e jornais que
eu não pude ler no decorrer da semana,
e no domingo a minha sogra vem
almoçar aqui em casa
para o bel-prazer da minha mulher
que tem, finalmente, com quem
conversar".
"Depois do Fantástico, eu vou
dormir
pensando no meu benzinho, porque
amanhã é segunda-feira
e a vida, dizem os meus amigos, não
está para brincadeira".
Chico Castro
3.3.12
ALUCINAÇÃO
O que mais me alucina
é não saber onde plantei minha sina
se foi em minha terra ou se foi em Teresina.
Adrião Neto
28.2.12
TERESINA NA DISTÂNCIA
O rio
palhoças nos beirais
pavios de castiçais
anos cinquenta
Teresina
dos incêndios corriqueiros
- lamúrias ao vento
Vermelha Tabuleta
Palha de Arroz ou Barrinha
na faísca mortal
da fênix
Bairros pobres
do puxa-encollhe
ancas nas ruas
e a vida porre
a escorrer pelo rio
O tempo andou devagar
Depois das enchentes
gente de todo lugar
Ah! - que a primavera não tarde
para as perdizes transparentes
Hélio Soares Pereira
em Passarela de escritores (coletânea)
Teresina: Edições Jacurutu, 1997
22.2.12
VERBICIDADE
EU teresino
TU teresinas
ELE teve sina
NÓS teresinamos
VÓS tereis sinais
ELES teresinam
Durvalino Filho
em 145 anos: Teresina Cidade Futuro
21.2.12
CARNAVAL, CARNAVAL
13.2.12
CASA DE PALHA, Gregório de Moraes
Acenderam a luz da lamparina
A casa vibra tenra, iluminada
Tanta doçura, tanta, em quase nada
Espelha esta gigante Teresina!
É noite! A paz em todo lar domina
Casa de palha, velha, desbotada
Eis minha vida em versos decorada
Pobreza que tão tarde me fascina
Eu venho de outros mundos soluçando
Estas lembranças que me foi roubando
O tempo que passava loucamente!
Casa de palha: marcos de bondade
Que vão somando, vão pela cidade
Lastros de amor no coração da gente.
Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970
12.2.12
NO OLHO DA RUA
no calçamento da cidade
tropeça
o pensamento do poeta
(já vai longe o tempo
em que se corria no meio da rua
e o loucos
só atiravam pedra na lua
só atiravam na lua
se retiravam na lua)
quem se importa com a porta?
há tantas e tortas para se abrir
cai a primeira pétala
por sobre a pérola do olhar perdido
- é o infinito que termina
no incidente da próxima esquina
é o espelho que reflete (vermelho)
a rosa par (t) ida
a ilha ferida
no último bote da serpente ocidental
(qual é o mar
em que homens azuis carregam fuzis
e descarregam mísseis
nas costas do povo?)
é hora de botar as barbas de molho
abrir o olho e erguer o malho
porque à noite
os cães rosnam como cães
a cidade dorme como um anjo
e o poeta está no olho da rua
o sol não tarda a raiar
Laerte Magalhães
11.2.12
RESISTENCIAL, Francisco Miguel de Moura
Teresina, oh Chapada do Corisco,
sofro de ver teu corpo de pobreza,
desfolhada no meio da luxúria,
quando a chuva desmancha-se na areia.
Sem serras e sem montes, te dominam
os demorosos vales dos meus rios
Parnaíba e Poti, líquidas mágoas -
- Piauí danado, sem correr.
Vizinho, o Maranhão é a nossa vista,
em verdes copas de palmeiras verdes.
Este consumo de calor - aqui.
Do cearense, irmão mais sertanejo,
sofrido em sol e seca e serra, houvemos
este exemplo feroz: de resistir.
Francisco Miguel de Moura
em 145 anos: Teresina cidade futuro
Teresina: FCMC, 1997
5.2.12
Cine Rex, Graça Vilhena
Rex
Mentex
007
Os goldfingers
a minissaia
o jeans
o sexo
braços mecânicos
e olhos de eternos diamantes
4.2.12
BARRINHA QUE JÁ SE FOI, João Ferry
Barrinha, minha Barrinha
Viraste Palha de Arroz!
A palha não era minha
O rio levou depois
O rio, assim como o vento,
Depressa doido ficou.
Não houve chuva a contento
E o rio também secou.
Quando houve chuvas a granel
O rio sem paciência,
Cumpriu seu triste papel,
Levou tudo sem demência!
Na Vermelha, do Laurindo
Tanta gente brincou lá,
Que a Vermelha foi caindo
Descendo pro Mafuá:
O Mafuá cresceu tanto,
Mas, fez tantas confusões,
Que se acabou por encanto,
Como os bons Três Corações
Buraco da Velha foi
Também zona de alegria
Mas, adeus Bumba-meu-boi
Busca-pés e cantorias
O querido barrocão
Que nos deu Doutor Boeiros
Sucumbiu-se, foi ao chão
Dando vida aos Cajueiros.
Minhas saudades, porém,
Confesso, não me dão trégua,
Quando na mente me vem
O sol da Baixa da Égua.
São Raimundo! São Raimundo!
Frautas, luar, sonho e farra,
Virou poeira no mundo
Trazendo após a Piçarra!
Poti Velho, Teso Duro!
Poções, Noivos, e o Pau-Dágua!
Vamos ver, se temos furo,
Sem ter choro, sem ter mágoa.
Catarina e São Joaquim
Matadouro e Pirajá
Passeios bons do Angelim
Já não existem por cá.
Já não tem rua do Amparo
Nem da Estrela, nem da Glória,
Tudo mudou sua história.
Ficou tudo ao desespero!
Tudo se foi - Retrocesso!
Com fonte rara e divina
Veio em seguida o progresso
Engalanar Teresina.
Pedro Silva! Hoje tudo
Tudo! Tudo é diferente!
Tudo é grande e não me iludo,
Só nós dois somos gente!
Até mesmo a Não-Se-Pode...
Também assim é demais!
A nossa alma não sacode,
Ai, nunca mais! Nunca mais!
em A GERAÇÃO PERDIDA
de M. Paulo Nunes
São Cristovão/RJ: Artenova
2.2.12
MOROU (OU TÁ-NA-BOCA), Fontes Ibiapina
- Morou, Tá na boca!
Fontes Ibiapina
1.2.12
PRAÇA PEDRO SEGUNDO NOS TEMPOS DA LAMBADA
pernas à vista
pessoas indo e vindo, engraxates, cervejas
uma gatinha vendendo charme
meninos, amendoins e esmolas
olhos injetados
mãos amarelas vendem cigarros e bombons
uma turma de canas da civil
"lambada: botando fogo na noite"
em cartaz no cine rex
senhora com mais de quarenta vende espetinho à brasa
gordura fumacificada impregnando tudo
uma morena de seios lindíssimos
quatro mãos num diálogo de trejeitos
gays ao lado da banca de revistas
um bêbado diz que é o tal, que faz e acontece, e enche o saco
olhares de todos para todos os lados:
troca de projéteis silenciosos
fui atingido à altura do peito, mas já estou recuperado
um rapaz encabulado que tropeça
batedores de carteira relaxam na hora do descanso
(a hora do descanso é sagrada!)
doido varrido dorme na calçada do Teatro
sonha?
música em volume acima do suportável por uma vitrola rouca
caldo de cana
lambada para dar nos nervos de qualquer mortal razoável
paralisado um homem olha as formas da mulher que passa
gritos, assobios, acenos e copos contra a garrafa:
a disputa da atenção do garçom que, impassível, demora
o colega que tirou a tramela da língua após o terceiro copo
conversa animada
comentários diversos
um poste metálico no meio da praça:
herança inexplicável de um relógio digital que não vingou
especulações em torno do passado da praça
um casal que se beija
homem andando com toda pressa
trombadinhas perto da fonte
observação visual, táctil, gustativa e olfativa
observados patéticos
sons que muito lembram um inferninho
o próprio inferno
mãos que se tocam
palmadas nas costas:
demonstração de carinho ou virilidade?
impressos devorados por taciturnos leitores de prateleira
o bar do cuspe, à distância
uma turma de canas fardados
a galeria do Teatro, no local onde existia o bar Carnaúba?
anotação em papéis
convite para a inauguração de um bar
alguns vão ao Clube dos Diários
jornal das oito, seu Marcelino e A. Tito jogando conversa, Flávio na bandeja,
gente rara
um homem cuspindo a todo instante
motoqueiro sem noção do ridículo sobe a praça com sua máquina
e continua acelerando:
indisfarçável vocação para dono do mundo
a colega que só agora noto ser uma gata
conversa sobre o tempo e outras amenidades
convite para uma festa engajada e nas decências
colegiais de procedência indeterminada
lebres em pele de lobas
uma mulher com embrulhos
garota sensual usa saia curta estampada
picolés, pipocas e sorvetes
roupas coladas ao corpo
lua anunciando para breve encher-se de claridade arrasadora
o garçom que cobra a despesa além da conta
debates, negociações e acordos
pagamento em cheque
hora de levantar âncora
vamos em frente, a todo pano,
desbravar outras praias:
a noite é uma seda!
Manoel Ciríaco
30.1.12
ESPERAR A TARDE CAIR
Esperar a tarde cair
e atirar os olhos na grande avenida
como um animal faminto.
Assim como o sol que vai fugindo,
fugindo vai meu coração.
Até quando os mortos me lembrarão?
Quero apenas ver o mar,
Mas há tanto concreto nesse horizonte!
Pessoas vivem além das árvores
Com segredos e mistérios
Cortados pelos cantos dos pássaros.
Uma morte não acabará com o reino,
Nem o reino acabará com as mortes.
As horas não correm ontem
Porque hoje não tenho compromisso,
Mas meu desejo não é parar o tempo
Porque este vive em minhas veias.
Francisco Miguel de Moura Júnior
em A POESIA TERESINENSE HOJE
Teresina: FCMC, 1988
29.1.12
O garrafeiro, Graça Vilhena
o garrafeiro era apenas um homem
que sobrava das ruas
também sujo de terra e esquecido
como as garrafas e cacos no quintal
suas mãos de cuidado
tangiam aranhas, lagartixas
e vez por outra
um escorpião afiado
depois arrumava as garrafas
lado a lado
âmbares, azuis, verdes, transparentes,
num arco-íris pobre
"essas são de vinho tinto"
dizia-me ele embriagado de vazios
e as de fundo côncavo serviam
para pescar piabas no Poti
o mundo é duro e frágil, eu aprendia
mas nele lições pequenas eternizam
piabas prateadas nas garrafas
como rútilos presos nos cristais
Teresina, Nova Aliança e Entretextos, 2013
28.1.12
AQUELA CIDADE
Os habitantes daquela cidade andam pensando os seus caminhos;
ajeitam na dureza da terra, o porvir de novas bocas.
Acordam o dia com olhos de melancolia
e tateiam a cintura das meninas sensualmente.
No que atinge o Halley as suas vidas?
Nos grossos colarinhos desbotam manchas solares,
e nem sempre vestidos estão de esperanças
mas carregam consigo seus filhos presos as suas tetas.
Os habitantes daquela cidade andam audazes de lentidão.
Ao futuro consultam a tática da luta ou alguém,
um feroz que realize o mágico?
Os habitantes daquela cidade ficam
dopados de tenra candura por uma cidade que se guarda em dizer-se.
26.1.12
EXCERTO DE BALADA DO SANATÓRIO MEDUNA
Paisagem! É a nova coluna do helesponto erguida
Em suave gradação, depois desce um aclive, pára
E se estende até às margens do rio Poti;
Aí ficam a deveza e as ravinas, atravessando
A faixa que mãos nipônicas trabalharam,
Olhos oblíquos voltados para o Império do
Sol nascente. Cerejeiras em flor, lembranças.
A entrada está franqueada por “flamboyants”
E vivendas que sugerem, sugerem sempre
Coisas da França Antiga, romântica. Ao alto
Vasta cidade quadrangular, simétrica,
Com ornatos e recamos, longos corredores;
Ao lado se entremostra a pequena igreja
Acolhedora, refúgio dos aflitos...
Fabrício de Arêa Leão Carvalho
24.1.12
PRAÇA PEDRO II
Praça Pedro II, outrora Aquidabã. Não entendi a mudança do nome, que era mais sonoro, romântico e original para o local. Historicamente, não há como se justificar, pois o Imperador jamais pusera os pés no Piauí, nem mesmo os olhos. Tampouco a sua consorte, a quem deram o nome da capital. Falta de imaginação ou puxa-saquismo. Resquício da bajulação reinante no Império.
Foi ali que vi o maior ajuntamento de gente na cidade. Aconteceu no show com vários cantores famosos do Rio, patrocinado pela Vigorelli. Se tudo do Rio de Janeiro já exercia fascínio, aquele espetáculo com os melhores intérpretes da música popular, como Nélson Gonçalves, Orlando Silva, Ângela Maria e Adelaide Chiozzo, dentre outros - só vistos no cinema - era algo encantador, deslumbrante. Arrebatador de público. Ainda mais gratuitamente. Naquela noite, ninguém permaneceu na porta da rua, fugindo do calor e das muriçocas.
Desde cedo, a praça foi recebendo gente. De todos os quadrantes. O palco armado na sua parte superior. À hora marcada para o início do show, a massa presente. As figueiras lotadas de espectadores que não deixaram espaço, nem permitiam que outros subissem, o que me irritava, porque, não encontrando uma posição que me desse visibilidade, ainda não podia subir numa. A molecada não deixava e até me cuspia. Foi quando, providencialmente, apareceu o Cacique que, já acomodado num galho e vendo meu desespero, me chamou e me ajudou a trepar na que estava, embora sob os protestos dos ocupantes. Esse meu companheiro da Quinta Velha, de índio só possuía o apelido. Tipo magricelo, alto, uma barriga que não tinha mais tamanho, calmo, falava pouco e gozava da fama de valente, mas nunca o vi brigando. Dificilmente tomava partido nas discussões e, quando consultado, opinava com ar professoral, sentindo-se importante. E sua opinião era acatada, valia. Por ser o mais velho do grupo, os novos acreditavam nele, tanto que, havendo jogo fora, era levado para atuar como consultor, protetor. Gostava dessa deferência. Mas, aos poucos, ele foi ficando esquisito e sumindo do nosso meio. Falava menos ainda. Passou a se fechar em si, não saindo de casa. Chegou ao ponto de que nem a cara punha na janela. Diziam que adoecera da cabeça porque se masturbava muito
Da figueira, eu avistava nitidamente os artistas, até os detalhes de seus trajes, apesar do desconforto. Mas não importava. Melhor do que ficar no meio da multidão, fuçando lugar feito tatu e levando empurrões. O inconveniente era não poder me mexer, daí me doíam as costas, porém a beleza do espetáculo compensava o sacrifício, tirando-me o pensamento da dor. E eis Adelaide Chiozzo, em cena, cantando e tocando acordeão. Babaquice geral. Seu jeitinho manhoso. Cabelos médios e lisos. Conquistou a multidão. Naquele momento, então, ouvi um estalo no galho em que estava montado. Foi tão rápido que não tive tempo de pular. O mesmo despencou trazendo a cambada em cima de mim. Caí zonzo. Formou-se um pequeno tumulto, com gente correndo, pensando que fosse briga. No chão, ainda, fui pisado e acreditei que ia ser massacrado. Dei sorte. Consegui levantar-me, meio aéreo e fui mancando para casa, com alguns arranhões no corpo, sem mais querer saber do show.
Aquele recorde de gente superou de longe o público dos comícios. Até no que compareceu Adhemar de Barros, disputando, pela segunda vez, a Presidência da República, com o Marechal Lott e Jânio Quadros. Adhemar, no seu jeitão de alemão e com sotaque paulista, passou o tempo todo expedindo ofensas pessoais contra Jânio, chamando-o inclusive, de maricas. Nada de coisa séria na sua fala, mas o povo vibrava com os xingamentos. No entanto, Jânio, empunhando a bandeira da UDN, ganhou em disparada. Uma loucura de votos para sete meses depois abortar, sem dor, o cargo, pondo a nação confusa com uma batata quente nas mãos. Aliás, Jânio foi a maior e a pior piada deste País. E piada chula, cheirando a álcool.
Sempre foi a praça favorita para os grandes eventos, dadas a sua amplitude e centralização. Ela era dividida em dois planos. No superior, com iluminação fraca, ficava o coreto, onde a banda da Polícia Militar executava chorosos dobrados, cujo quartel central localizava-se defronte. Era a parte preferida por soldados e empregadas domésticas, que namoravam nos bancos semiescondidos pelos canteiros de plantas.
Só dava curicas naquele pedaço, como diziam as moças de família, referindo-se às empregadas domésticas. Na parte inferior havia os tanques, enfeitados por garças e algas marinhas. E o desfile em roda.
Moças de um lado, andando em círculo, e os rapazes do outro, em sentido contrário. Ou então eles ficavam parados, paquerando as meninas que passavam, geralmente, em dupla, de risinhos, cochichos e lançando olhares convidativos. Para alguns, a parte de cima era melhor, tinha futuro, porque o namoro começava na hora e já avançado - sem inibição e preconceito.
José Ribamar Garcia
13.1.12
TERESINA
Ela lá
espraiada entre pernas
negras, longas
entre céu
e sol
eu sul e frio
cotruco tijubina lapiana
fere, saudade
meu coração!
Keula Araújo
9.1.12
ODE ÀS COCOTINHAS
um dia desses sonhei
que de repente virei
imaginem, o latorraca.
as seis horinhas da tarde
caminhei descontraído
pelo canteiro central
da iluminada frei serafim.
vi aquela aglomeração
na altura do colégio
das nossas santas irmãs.
era um enxame gigante
da mais bela espécime
a vicejar na paróquia
elas me viram
eu lhes vi
e qual não foi o ouriço
que o trânsito daquela hora
fez parar e engarrafou.
me dá um autógrafo de cá
me dá um beijo de lá
me mete a mão por aqui
que eu sei também que é ali.
o sonho que tava lindo
foi virando pesadelo.
eu, no sufoco de terna boca um chiclete
um sorvete, um picolé,
acordei gritando
acode, mamãe.
Zeferino Alves Neto
em Revista Cirandinha
Número 1, Teresina: 1977
2.1.12
LEMBRANÇAS DE TERESINA
fui feliz como o Marajá de Burundi
embora tivesse uma odalisca só
acabei com o estoque de paçoca
/e cajuína
fiz piqueniques imaginários
à sombra das palmeiras
e vi que o Piauí é parecido com
/o Havaí
porque passei todo o tempo surfando
só não sei onde nem quando
Geraldo Carneiro
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão
25.12.11
AOS VIAJANTES
Ó tu, viajante!
que ora estás
no meu Piauí.
Se passares por Teresina
e beberes no cálice
o amor materno
matarás no peito
a sede de afeto
que vive em ti
Hélio Soares Pereira
em Onde o horizonte vem esconder-se...
Brasília: Gráfica e Editora Esteio, 1982
24.12.11
NA CURVA DA ESQUINA
Ser matéria, simplesmente matéria, nada mais do que matéria.
É urgentemente necessário amar a mulher nua.
Não a imagem de Deus.
É urgentemente necessário dobrar a curva da esquina
Porque só na curva da esquina a vida é calma.
(Este poema é pré-Gramma.
Foi escrito em 68, eu tinha 17 anos, e até hoje é inédito)
Paulo José Cunha
em Livreto do XXXIX Sarau Lítero-Musical Ágora
Teresina, Agosto de 2010
23.12.11
EX-TERESINA
Teresina,
A minha,
Essa não há mais.
A minha
Era uma cidade sem cais
Pois essa atual veio depois
Do desaparecimento da Palha de Arroz
A Teresina
Dos Cajueiros
Do Barrocão
Da Maria Tijubina
Essa não mais se mostra à retina
A da Estrada Nova
Da Baixa do Chicão
A da Usina
Não há mais tal Teresina
A da vitamina do Mundico
Do pastel do Gaúcho
E a do Bar Carnaúba
Do programa do Al Lebre
Da crônica do Carlos Said
Das aulas de A. Tito Filho
Das agências da Saraiva
Do teatro de Santana e Silva
Das raparigas do corso
De tudo que já foi
Resta a cajuína
E uma nova Teresina
Que nunca termina
E constantemente nos ensina
A ter o seu amor como sina
Climério Ferreira
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão
22.12.11
FOTO TABOCA
sua alma aprisionada
em 3X4
no lambe-lambe
do Seu Chiquinho
na Praça da Bandeira?
Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010
21.12.11
TERESINA
Hoje, eu te contemplei
na fantasia
dos meus olhos
E te senti
no calor da terra solta
de minha infância
E subi
nas tuas árvores verdes
de minha juventude
E te molhei
na água filtrada
de minha saudade
Hélio Soares Pereira
em Onde o horizonte vem esconder-se...
Brasília: Gráfica e Editora Esteio, 1982
18.12.11
MANO VELHO, Climério Ferreira
dez horas por dia
ele esmurra as águas
esquecido do próprio nome
e nem treme a fala
(na beira do Parnaíba
entre surrões e cofos
suspira e tenta sonhar
um resto de homem)
nas águas sujas do ex-rio
o vaporzinho de cores berrantes
cruza a lancha moderna e veloz
mano velho, setenta anos,
vê no progresso uma língua estranha
à sua fala — e cala.
CLIMÉRIO FERREIRA - síntese biográfica
16.12.11
CALOR REPENTINO
outro dia
cheguei a Teresina:
um calor quente de rachar.
no dia seguinte
parti de Teresina
que vontade enorme de ficar.
Marcos Freitas
em Moro do lado de dentro
15.12.11
RUA PAISSANDU, José Ribamar Garcia
Esta rua nasce no Parnaíba, para variar. E acaba na Pedro II. Mas o seu ponto forte, seu pique, o que a tornou famigerada, procurada, cobiçada, se situava nas primeiras quadras e se estendia pelas transversais próximas: A zona do meretrício. O prolongamento dos fins de programa. A continuação das farras iniciadas no Clube dos Diários, no Jockey Club. Ali, a noite era toda sorriso. A ansiedade, a curiosidade da primeira vez do iniciante. A cachaça dos habituados. o lenitivo do tédio dos inconformados. O refúgio dos inibidos, introvertidos. A satisfação das taras, manias, neuroses. A demanda geral do prazer, da variação, do diferente. O descarrego dos espermas retidos de jovens namorados. A eterna dor de cotovelo das mal-amadas. A preocupação das mães. O consumo de antibióticos contra a gonorréia, a sífilis, para gáudio da Botica do Povo, que esvaziava seu estoque e faturava. E o Jaime Gordo, olhando sobre os óculos de aros finos, acertava de cheio no diagnóstico, enquanto o Manoelzinho, semiperneta, com as mãos hábeis, furava bundas com suas agulhas, cuidadosamente desinfetadas. A perdição ou salvação. A ressurreição, afinal.
Os cabarés de fachadas iluminadas. As casas com calçadas altas e as mulheres sentadas à porta. Os becos de casinhas de um só cômodo Os bares, os botecos. Os salões de sinuca e o taco batendo a noite toda. A bola rolava macia sobre o pano verde. A quatro caçapa, a cinco em sinuca e um cara anotando os pontos no quadro-negro dependurado na parede. Vendedores ambulantes com barracas de comida - sarapatel, panelada. Ébrios caindo pelas paredes incomodando o sono dos mendigos. mulheres vagando tentavam salvar a noite. Pois cobra que não anda não engole sapo. Também não leva porrada. Alguns viadinhos saltitavam, solitários, segregados. Macho que se prezasse não transava com pederasta. Nem batia em mulher. E, contrastando com essa decadência humana, estavam o Estrela, o Danúbio com suas mulheres novas, limpas, selecionadas. Algumas de outras capitais. Menina-moça, escondia a idade nas pinturas, disfarçando os comissários de menores, mais preocupados em participar do que em reprimir. Garota de 13 anos fazendo carreira, sem corpo ainda de mulher, mas peitinhos despontados, já com pelos, desinibidas, mas sem jeito de fazer. À meia-luz no salão. A orquestra sobre o estrado num canto. As mesas dispostas em círculo e o espaço vazio no meio para a dança. Bolero, samba-canção, rumba, fox, tango, baião. A variedade para gostos diversos. Só não dançava quem não queria. Muitos aprenderam a dançar naquelas pistas, descontraídos, porque podiam errar os passos que ninguém ia reparar. A cerveja a preço dobrado da praça. Escolhia-se a mulher, com ela se bebia, dançava e depois o amor, sem pressa, no quarto, instalado nos fundos, que mal cabia a cama, a penteadeira, o guarda-roupas de solteiro. E a indefectível bacia com água, sob a cama, para lavar o membro do parceiro após o ato. O preço do amor dependia da mulher, pois, quando ela simpatizava com o sujeito nem cobrava, ou deixava o valor a seu critério. Ainda suplicava que passasse a noite com ela. A maioria era ingênua. Sonhava com o dia em que surgisse alguém para lhe tirar daquela vida. Algumas davam sorte e viravam amantes de velhos endinheirados, que lhes montavam casa, davam-lhe apoio e segurança. Essas mudavam, radicalmente, de comportamento, só devotando a fidelidade ao seu homem. As histórias se pareciam. Origem humilde. Namoro. Defloramento. Expulsão de casa. Ou família numerosa. Miséria. Fome. A fuga para sobreviver na cidade grande. Sem conhecimento e nada sabendo fazer, convergiam para aquela vida, sem alternativa.
No Estrela, ocorreu a desmoralização do Cecéu, boêmio inveterado, vivendo às expensas do pai e tido como bom de briga, já tendo enfrentado no braço, uma guarnição da Polícia Militar. Nada lhe acontecia, devido ao prestígio político paterno. Boa pinta, cabeleira cheia, com topete caindo sobre a testa. Andava impecavelmente, vestido de linho, todo engomado. Achava-se belo, irresistível e querido pelas mulheres. No entanto, levou uma surra feia de uma rapariga porque cismou de colocar no seu traseiro. A mulher virou bicho. E lhe meteu a tranca da porta nas costas e ainda saiu espinafrando-o pelo salão, dizendo que ela podia ser tudo, menos galinha. Que devia ser respeitada. Foi um vexame. O Cecéu saiu contorcendo-se, envergonhado mais pela rejeição e humilhação pública do que pela paulada. O acontecimento se espalhou. E ele passou a ser chamado de Cecéu Corococó.
Fazia ponto no Danúbio o poeta Valdomiro. Figura magrinha, baixinha, de aparência frágil. Adorava ser chamado de poeta. Fazia versos para as mulheres; mas cada vez que compunha um poema, gozava nas calças, sujando-se todo. Tornou-se conhecido como o poeta do gozo fácil. Parecia não se importar com essa situação. E permanecia o tempo todo sentado a uma mesa, bebericando sua cachaça pura.
Não se falava ainda em tóxico. Nem mesmo no meio da malandragem, que se satisfazia com o álcool ou com o lança-perfume no carnaval. Aliás, no corso, os carros mais animados e bonitos eram os das putas. Fretavam dois caminhões e de divertiam atirando pó de arroz no público. Quando elas passavam, os homens viravam as caras, com receio de serem reconhecidos. Havia até uma senha usada por elas: lá vem o carro das primas. Coisa mais ou menos assim.
Até mesmo as brigas - um tanto frequentes - eram na base do punho, quando muito na faca. Não se usava arma de fogo. Pairava em tudo certo romantismo. Ainda uma pureza e respeito ao humano.
José Ribamar Garcia
14.12.11
Rua da Glória, Graça Vilhena
senhoras varriam calçadas
Teresina, Nova Aliança e Entretextos, 2013
9.12.11
2 DE NOVEMBRO, Caio Negreiros
2 de novembro
no centro da cidade
a solidão
Caio Negreiros
7.12.11
CANTO EM TERESINÊS, Edmar Oliveira
quase em disco de cera escutei
minha bandeira verdamarela
carnaubei palmeira bela
no porenquanto dos meus momentos
morrurubú de tantos ventos
gregoriei de água e vela
e aprofundei minha'alma nela
cidade em rio mergulharei
crispim do mar que nunca erra...
6.12.11
TER-E-SINA, Francisco Miguel de Moura
Há Roma, Paris e Bagdá
com sonhos que não sei
com céus que me escaparam
pelos pés.
Você conheço de pele
de manha
de manhãs desfeitas
de sol e chuva meio a meio
de ponte anoitecer
de rua e rio e rima.
Só você com seus ares
de mulher que ensina
a vida, o ventre
e o tonel.
Teresina conheço de antros
de antes
Bagdá é um sonho
não vou lá.
Meu sonho em que sonho
de acordo
é você.
Francisco Miguel de Moura
4.12.11
A RUA, por Torquato Neto
Toda rua tem seu curso
Tem seu leito de água clara
Por onde passa a memória
Lembrando histórias de um tempo
Que não acaba
De uma rua de uma rua
Eu lembro agora
Que o tempo ninguém mais
Ninguém mais canta
Muito embora de cirandas
(oi, de cirandas)
E de meninos correndo
Atrás de bandas
Atrás de bandas que passavam
Como o rio Parnaíba
Rio manso
Passava no fim da rua
E molhava seus lajedos
Onde a noite refletia
O brilho manso
O tempo claro da lua
Ê São João ê Pacatuba
Ê rua do Barrocão
Ê Parnaíba passando
Separando a minha rua
Das outras, do Maranhão
De longe pensando nela
Meu coração de menino
Bate forte como um sino
Que anuncia procissão
Ê minha rua meu povo
Ê gente que mal nasceu
Das Dores que morreu cedo
Luzia que se perdeu
Macapreto Zê Velhinho
Esse menino crescido
Que tem o peito ferido
Anda vivo, não morreu
Ê Pacatuba
Meu tempo de brincar
Já foi-se embora
Ê Parnaíba
Passando pela rua
Até agora
Agora por aqui estou
Com vontade
E eu volto pra matar
Esta saudade
Ê São João, é, Pacatuba
Ê rua do Barrocão.
Torquato Neto
em Torquatália, do lado de dentro
Paulo Roberto Pires (org.)
Rio de Janeiro: Rocco, 2004
3.12.11
TERESINA, Paulo José Cunha
Mas te queremos também horizontal,
cidade calma, arejada, tradicional.
Há quem te queira só central,
nervosa, agitada - comercial.
Mas nós te amamos também periferia,
de gente pobre, alegre, simples: natural.
Falar mal do teu calor é puro engano
dos que não conhecem teu calor humano
Os que só veem em ti o moderno e o novo
não percebem que a cidade é o povo
e que és mais que cidade - és a síntese
de um Estado que olha pro futuro
sem jamais esquecer seu passado.
Claro que te queremos grande, moderna, progressista,
mas te queremos eternamente ingênua e pura,
amiga, sentimental, sempre menina,
ternura antiga, flor mimosa - Teresina.
2.12.11
FERRÉ, José Pereira Bezerra
José Pereira Bezerra