25.7.18

O BAR NÓS & ELIS , por Edvaldo Nascimento



A tua presença
me deixa assim legal
quando eu me lembro
da Universidade
quando a rapaziada
discutia
a conjuntura nacional.

Eu e você trocando
mil beijinhos
no meio da greve geral
meu amor a UNE nos uniu
meu amor a UNE nos uniu
e fomos pro motel
e fomos pro motel
eu te fiz poemas e carícias
eu te fiz poemas e carícias
e você cheia de malícia
e você cheia de malícia
cobriu meu corpo do mel.



Edvaldo Nascimento
No Nós & Elis: A Gente Era Feliz – e sabia 
Teresina: Gráfica Halley, 2010
Organizado por Joca Oeiras


22.7.18

POST CARD - TERESINA, Paulo Machado







POST CARD 57


na praça marechal deodoro
às nove horas falavam
da u d n e do american-can

um louco jaime fazia ponto no cruzamento
da barroso com a senador pacheco sem saber
que há tempos existia a guerra fria

quinta-feira era dia de matar o tempo
na praça pedro segundo enquanto sapos
copulavam nos lajedos do tanque

nas tertúlias do clube dos diários
uma geração embarcava no marasmo
esquecendo tudo mais

nos canteiros da avenida frei serafim
os cupins construíam suas casas
fiando estranha quietude

no bar carnaúba o sol roía o marrom
das tabículas das mesinhas ao passo que
os homens de casimira cinza faziam planos

na paissandu os bêbados
pregavam a subversão
e um bolero esquentava as entranhas da noite

nas calçadas da simplício mendes
um rosto magro madalena deixava brotar
estranhamente um sorriso largo de espera

no mercado central pretas carnudas
vendiam frito de tripa de porco
fígado picado e caninha

no caís do parnaíba piabas
cor de prata saltavam das águas salobras
como no sonho dos meninos



POST CARD 77


na marechal deodoro
às nove horas há velhos com suas memórias
recompondo o tempo

quinta-feira é um qualquer
e na praça pedro segundo a mudança notável
é a da posição da estátua que parece sorrir

no cruzamento da barroso com a senador pacheco
há um sinal que não raro
encrenca desafiando a rotina

não há tertúlias no clube dos diários
as baratas medrosas saem das boca-de-lobo
admiram os caixotes de cerveja empilhados e fogem

nos canteiros da avenida frei serafim
putas acenam com gestos medidos
a fome é mais forte que o medo

não há bar carnaúba mas os homens
de casimira cinza continuam fazendo planos
cogitando não aceitando irreverências

a paissandu agoniza
os bêbados já não falam tanto
e a frieza da noite venceu o calor dos boleros

madalena morreu de câncer
e nas calçadas da simplício mendes
não há nada que lembre a sua presença

no mercado central negrinhos descarnados
catam laranjas e limões podres
em plena manhã de maio

o parnaíba continua lavando as almas pagãs
dos meninos fujões
roendo as pedras do cais com a mesma raiva



Paulo Machado
em Post Card

25.6.18

TERESINA - Bucólica visão dos anos sessenta, Herculano Moraes


i
g
r
esbelta
j
cal
massa
tijolão
tinta e telha

erguida no alto da jurubeba por frei serafim
vozes, cânticos, ritos, missas, congresso, oração
o santo negro abençoando a cidade de
Aparecida
c
degraus                   r                   degraus
degraus              u              degraus
degraus           z           degraus

fone                          carnaúba                       karnak
casa                                                              poder
casa                          carnaúba                       jardim
escola                                                           piscina
esquina                          estátua                         carnaúba
decetê                                                          esquina
casa                          carnaúba                       parada
casa                                                           casa
casa                          carnaúba                          casa
pão                                                            coop
esquina                        semáforos                      endemias


Herculano Moraes
em Legendas, 1ª edição
Edição do autor: Teresina, 1995

23.1.18

O PEQUENIQUE (trechos), por Ogmar Monteiro


Angelim de Baixo

O meu avô materno era proprietário da fazenda Angelim de Baixo, que tinha esse qualificativo terminológico para distingui-la da outra, fazenda Angelim, do Dr. Helvídio, a qual era identificada como Angelim de Cima.

A fazenda foi vendida ao Sr. Chaves, transferida posteriormente ao Sr. Joaquim Macedo, como genro e herdeiro. O território da mesma abrangia o que atualmente se denomina: Saci, SEASA, Distrito Industrial, Parque Piauí, Lourival Parente, Bela Vista e outros locais.

Após aquela reunião de familiares e amigos para reverem os filhos do casal que retornavam ao lar paterno, onde o ágape se realizou com o clássico comes-e-bebes, sobreveio, no domingo que se seguiu, a celebração do piquenique no Angelim de Baixo. Era o ato simbólico da transmissão da posse ao novo dono.

Lendo o livro "Olga", recentemente publicado por Fernando Morais, constatei que Prestes e sua esposa entendiam-se na língua de Voltaire.

Isso se devia à circunstância do currículo na Escola Militar, como base profissionalizante. Depois do latim, foi o francês a língua do Tribunal de Haia, das conferências internacionais e do Tratado de Versales; somente após a última Grande Guerra foi que o inglês subiu ao plenário de língua entre os povos.


Angelim de Baixo

Sob a denominação acima estendia-se no planalto ao sul de Teresina a fazenda de meu avô materno. Era apenas a última parcela da fazenda do Cap. Marques, meu bisavô, que por sucessão legítima passara a minha a vó materna, ainda órfã.

Honorato José de Sousa aqui chegou como empregado da Companhia de Melhoramento da Navegabilidade do Rio Parnaíba, onde foi o almoxarife. A sua função na Companhia levou-o a se relacionar com José Monteiro, que era dono e Comandante de um barco a vapor e barcas, o meu outro avô. Desta amizade sobreveio o casamento com a cunhada caçula do Comandante José Monteiro.

A fazendo decrescendo. O rebanho diminuía. Foi vendida, naquele ano, ao Sr. Chaves, pai de Luiz Amada (consorciada com Joaquim Macedo) e George Pires Chaves, o caçula, pelo alto valor de um conto e quinhentos mil réis. Atualmente com a duas desvalorizações, com seis zeros a menos, nem sei que valor será escrito. E o pagamento incluía o gado restante, animais de trabalho e criações (porcos, carneiros e bodes), as miunças, como as designam os sertanejos.

Crescido, envelhecido e refletindo sobre essa venda de cujos comentários ouvi recriminações repetidas vezes sem conta, através dos anos pela minha avó Mariquinha, fixou-se na minha memória as condições e o valor da venda, e por isso valorizo o refrão: "- "Queres ficar pobre? Transforma o que tens em cobre".

Além do acidente, ponderando os fatos, admito que a decisão foi em  assembleia de família. Naturalmente marcada para a data festiva do centenário, quando se reunissem os filhos.

Comprador e vendedor eram amigos e vizinho. O Sr. Chaves morava na Rua São Pedro em frente ao cemitério, ou a "Casa do Bispo", como a chamávamos, pelo fato do Barão de Gurguéia tê-la dado a ele. Era o seu PALÁCIO e tornou-se sede do Bispado no Piauí, quando da criação desta Diocese separada da do Maranhão. Meu avô morava entre o grupo escolar Barão de Gurguéia, casa também que fora residência do Barão, na esquina da Rui Barbosa no cruzamento com a Félix Pacheco e de frente para o largo das Dores, a atual "Praça Saraiva" e a casa do Sr. Manoel Thomaz de Oliveira, atual casa Dôta. Presentemente existem no local lojas de auto peças de veículos.

Os fatos havido na entrega do imóvel pelo vendedor ao comprador me alicerçam a convicção do entendimento sobre a venda e aprazamento da transmissão.

Tudo isto que relato conflui num evento: "o centenário".


Ogmar Monteiro
em TERESINA DESCALÇA | 5º VOLUME
Fortaleza: 1988

Dobal, Graça Vilhena


a lembrança de ti vara o silêncio
no longínquo espaço das ausências

em que taça, poeta, bebes agora as luzes
que desejas?

meu coração é um pássaro
alongando o céu das incertezas

posso supor que onde estás
germinem sóis
e só é possível ser feliz
que possas andar solto
ouvindo conchas, tecendo brisas
para pescar teus novos peixes
ou que os poemas sejam constelações
onde as palavras explodem
na intimidade dos segredos

suponho também
que possas se quiser
ser menino outra vez
e brincar na sala dos espelhos

mas são apenas suposições
de certo sei dos versos que ficaram
no verde campo das eternuras
onde o tempo esquece seus degraus


Graça Vilhena
em PEDRA DE CANTARIA
Teresina, Nova Aliança e Entretextos, 2013

24.11.17

Vicente Trindade dos Santos e a tradição do VTS, clube de amigos em Teresina, Toni Rodrigues


Ao passar pela rua Riachuelo, praticamente no cruzamento com a Teodoro Pacheco, o caminhante desavisado não perceberá estar diante de um dos mais tradicionais restaurantes de Teresina. Estamos falando do Clube VTS, pertencente ao nobre Vicente Trindade dos Santos. Na verdade, o estabelecimento e seu dono se confundem na preferência da clientela seleta. Aviso aos navegantes: ninguém que não tenha cadeira cativa há mais de cinco anos será atendido sem apresentação prévia e algumas idas como estágio. Outro lado, também não adianta insistir.

Os clientes mais antigos também enfrentam o rigor de seu dono. Seu Vicente não atende sem reserva antecipada. É preciso ligar com pelo menos uma hora e meia de antendência. Ele explica: O preparo é trabalhoso, exige paciência, envolvimento. Não pode ser assim de sopetão. Caso contrário seria apenas mais do mesmo. O peixe pode ser frito ou ao molho. Em qualquer das condições acompanha apenas arroz branco. Se o cliente assim desejar, poderá haver algumas verduras. Apenas o básico.

A rusticidade do empreendimento garante o sucesso. Naquele espaço funcionou inicialmente uma marcenaria. Seu Vicente era, originalmente, marceneiro. Até que adoeceu. O médico que o atendeu recomendou uma dieta a base de peixe e nada de carboidratos. Apenas peixe, pouco arroz, muitas frutas e verduras. Ele começou a fazer para si mesmo. Acontece que a marcenaria era muito frequentada por artistas que traziam seus instrumentos musicais para reparar. Violões, baterias, outros mais.

Dali a mais um tempo virou apenas desculpa para filar a boia de seu Vicente. Ao se dar conta, estava fazendo peixe demais, e doando toda a comida. Chegava um, chegava outro. Fique para o almoço, estende-se a permanência para o jantar. O jeito foi passar a cobrar. Então sua irmã lhe deu uma mãozinha: Por que não monta um restaurante? Ele não teve dúvida de que ali poderia estar o seu destino. A oficina já não apresentava nenhum rendimento. Ou quase nenhum. Fato é que meses depois estava criado o Clube VTS e a clientela original permanece firme até hoje. 

Seu Vicente, para quem não sabe, é um exímio violonista. Toca e canta. Outros também comparecem para tocar e cantar. As serestas ao vivo costumam se estender pelos finais de semana. Há quem diga que estamos diante de um camarada um tanto irritado, sempre de cara amarrada. Mas este é apenas o jeito de ser do nobre amigo. 


Toni Rodrigues

24.7.17

Notícias do cajueiro que fica por cima dos ensaios da Banda Fragmentos de Metrópole




Notícias do cajueiro que fica por cima dos ensaios da 
Banda Fragmentos de Metrópole

Ei pega um caju pra mim? Pra falar de algumas frutas. O Fernando é como um caju de vez, aquele bem verdim, um pouco gordim, marrom meno maduro, mas que nunca cai do pé. O Alexandre é aquele caju de dentro de uma garrafa de cachaça das boas, todo mundo pensa que aquele caju tá podre, mas na verdade é nele que tá toda a poesia da cachaça e só experimenta daquele caju quem tem muita coragem. A castanha desses dois caju (sem plural, não quero jus!): É a Basquitrícia, aquela castanha que foi torrada no meio do sol quente de Teresina, mas que só ela tem o sabor da arte quando degustada. Pra quem não sabe essa banda surgiu na estação dos cajus de Teresina! A estação passou e esse cajus continuam sem cair do cajueiro. Um abraço em todos os Fragmentos. Por enquanto descrevo 2 cajus letristas da banda, depois falarei de outras frutas.

Alan Sampaio
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
via caixinhadefosforofotografica

25.2.17

O CINE REX E NÓS, Alan Sampaio





Roteiro e direção: Alan Sampaio
Produção: Alan Sampaio e David Marinho
Direção de Fotografia e Câmera: Alan Sampaio
Edição David Marinho
Elenco: Ademilton Moreira como Alan Sampaio; Roger Ribeiro como o Homem que queria transformar o Cine Rex numa igreja!

UM HOMEM SEM UMA CÂMERA, um filme de Alan Sampaio






Roteiro e Direção: Alan Sampaio
Produção: Verônica Coelho
Lançamento: 2007
Duração: 18 min

11.2.17

"Minissérie" composição de Fernando Araújo, por Hugo dos Santos







"Minissérie", composição de Fernando Araújo, por Hugo dos Santos


Hoje eu acordei foi na pior
um mal humor terrível desses de dar dó
em facas em ouro ou em qualquer metal
Vou mergulhar de vez no escuro da razão
andar às cegas, sem direção
e esconder os passos pra ninguém seguir
Mas um buquê de flores do inimigo mais fiel
me fez ficar sentado nos degraus do céu
e enxergar de perto o dono do portão
Mas o grande arquiteto não quis me abraçar
fiquei pensando num segundo em não poder voltar
Ele pensou que me abraçando ia manchar de sangue
seu terno novo de general

Bye, bye bom senhor
aqui em cima não tem carnaval
Bye, bye bom senhor
quero viver num mundo trivial
Bye, bye bom senhor
aqui de cima a gente finge ser normal
Bye, bye, bom senhor
na próxima minissérie
eu quero ser a personagem principal.

Hoje eu acordei foi na pior


(...)


ler, ver,
              rever
                         -ter
Incorporar

Exú
        desvairando
mito


As imagens foram feitas em janeiro de 2013, numa visita de Pedro Coelho a cidade de Teresina. Kilito Trindade nos recebeu em sua casa durante dois dias seguidos, momentos experimentais experimentos, onde não se sabia quem era o rato, quem era o cientista. Hugo dos Santos tocou a linda cantiga de Fernando Araújo, resolvemos gravar. Á noite, na companhia de Ferreira Smith, saímos às ruas, Destino incerto. Lugar Praça Pedro II. Espasmos Estouros. A Pura Piração do Cara. Anos depois, reencontro Pedro, em Recife. Noite de vinho papo e som. Esse é o vídeo." por Chico Neto.


(...)



Edição de vídeo: Chicho NetoPedro Coelho
Com Ferreira Smith & Kilito Trindade
Teresina, 2013


26.12.16

Os ratos, Graça Vilhena


há um lugar
onde moram os ricos
e outro os pobres

porém há um povo
que mora em qualquer lugar
da cidade generosa
com seus chafarizes e sombras
bancos e marquises

dele nada sabe o rico
nem o pobre
só os ratos que engordam
e correm pelos domingos vazios
do centro da cidade


Graça Vilhena
em PEDRA DE CANTARIA
Teresina, Nova Aliança e Entretextos, 2013

20.12.16

Cidade Frita, qual teu itinerário nesta tarde? um epílogo, por Chico Neto








Cidade Frita, qual teu itinerário nesta tarde? É certo que girarás no espaço, margeando o abismo, com teu Caronte Cabeça de Cuia, um dos guias neste inferno. Mas por quais caminhos do passado, do presente, do futuro teus pés escaldantes irão nesta tarde? Em quais poemas ressurgirá o choro que tua beleza uma vez provocaste? Aqueles corpos apaixonados que deitaram no leito de teus rios para nunca mais surgirão em que fotografia? Cidade Frita e os teus. O calor purifica feito água, faz esquecer e suar tudo quanto carregamos de memória, vida, morte. Mas, por um artifício, tu permaneces com tua penca de gente, de praças, de ruas, de momentos. 

Teu artifício: Cidade Frita.



Texto de Chico Neto, que acena no vídeo
Imagens de Rodrigo M Leite, nas
Torres da Igreja de São BeneditoAlto da Jurubeba, Teresina - Piaui


"cidade frita", Rodrigo M Leite


cidade frita entre rios
asfalto brita calafrios
idade grita entre pernas
sal limão sangue menstruação


Rodrigo M Leite
em A Cidade Frita
Teresina: 2013, versão atualizada

5.12.16

Sábados, Graça Vilhena

Para o Prof. Marcílio Rangel de Farias,
in memoriam

os mendigos tinham nomes
as casas muros baixos
e quando os rios alagavam
barrentos de chuva
muitos de nós andávamos pelas ruas
em roupas alvas
passadas de dor
contaminados pelo infortúnio
dos alagados

e assim crescíamos
sem nojo e medo
no tempo em que a cidade
cabia inteira
nos braços de Deus


Graça Vilhena
em PEDRA DE CANTARIA
Teresina, Nova Aliança e Entretextos, 2013