2.4.16

NÓS & ELIS & GERALDO BRITO, Geraldo Brito




Numa ligeira regressão, chegamos ao ano de 1984. Muita tensão, embora os dias da ditadura militar estivessem praticamente contados, eis que chegou o dia 25 de abril, dia da votação na câmara dos deputados, da emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para o ano seguinte, ou seja, 1985. Passei o dia em casa ensaiando para acompanhar a cantora Cláudia Simone, que iria interpretar uma canção de uma compositora que não me lembro agora o nome, no festival organizado pelo Diretório Acadêmico da UFPI. Chegou a noite e fui pro Theatro 4 de Setembro para o dito festival. Ao sair do Theatro, indaguei a respeito da votação, que ainda não tinha acontecido e isso ao redor da meia-noite. Tal fato só foi acontecer às duas da madruga já no dia 26. Resultado: a emenda não foi aprovada. Decepção geral principalmente por alguns deputados que ficaram em cima do muro e não compareceram. Mas, tudo isso só pra lembrar que nessa noite seria inaugurado o bar Nós e Elis, onde antes funcionara o Quinas Bar (local onde houve um incidente envolvendo o meu amigo Peinha do Cavaco, que foi torturado pelas garras da algoz ditadura militar). Todavia nessa noite não compareci ao evento (não me lembro agora a razão), mas logo, logo, tornei-me um assíduo frequentador do bar e também um dos músicos que mais participaram da agenda da casa. Fantásticas noitadas aconteceram ali. Lembro de uma em 1985, por ocasião da presença da cantora Gal Costa em Teresina, apresentando o seu show BEM BOM. Após o show a equipe técnica da cantora compareceu em peso ao bar, onde as atenções foram voltadas para o técnico de som Rogério Costa, irmão da cantora Elis Regina. Detalhe: todos os copos do bar eram padronizados com fotos de Elis, o que foi o bastante para irritação de Rogério, que argumentava o fato da imagem da cantora estar vinculada a bebidas. Rogério, procurou o proprietário do bar Elias Ximenes, que após horas de conversa conseguiu conciliar tudo.

Outro incidente aconteceu no finalzinho do ano de 1985. Quatro rapazes chegaram ao bar por volta das 21h, sentaram e após umas e outras começaram a aprontar, fazendo aposta para ver quem conseguia acertar num pobre gatinho indefeso que estava passeando numa cerca de madeira que circundava o ambiente. Um deles atirou e errou o alvo, o que foi o necessário para o Elias ficar uma fera e imediatamente chamar uma viatura da polícia. Com a presença dos “ôme”, os vândalos fugiram, sendo perseguidos pela viatura e acompanhado por vários clientes do bar, que clamavam por justiça. Mas, a polícia prendeu os rapazes e após um tempo de interrogatório, diziam-se policiais federais. O delegado Torres requisitou o superintendente da polícia federal, que ao chegar à Delegacia, desmascarou os mentirosos e ainda descobriu que o líder do bando era Paulo Andrade, filho de Castor de Andrade.

Esse aconteceu com próprio Edvaldo Nascimento, de quem vocês também estão tentando arrancar algumas informações. Era, acho eu, 1986, tempo em que o Nascimento, estava a todo vapor com shows na coroa do Parnaíba, Theatro 4 de Setembro, Feira de Arte Popular, sei lá em quantos lugares ele passou. O Negão (apelido carinhoso do Ed), era um bom frequentador do bar, porém como compositor, não era muito bem quisto pelo Elias, até então. Mas, eis que uma noite o Ed, após realizar um daqueles shows contagiantes (no tempo em que tinha dois ótimos performáticos back vocal: a Edneide Magalhães e o Vicentim), segue para o Nós e Elís, com objetivo de relaxar um pouco e também ouvir a gravação do show, feita pelo Zé Dantas, ainda em fita cassete. No palco do Nós, tinha um rack de som para shows incluindo um tape-deck para som ambiente onde tocava principalmente músicas gravadas pelas Elis. Edvaldo ou mesmo a Edna, não lembro, subiu ao palco e colocou pra rodar a fita do show. E ficamos a curtir detalhes da gravação, quando chega o saudoso Elias Jr. esbravejando em bom tom: "quem colocou essa fita aqui? isso é contra os princípios do ambiente! aqui não toca rock and roll!". Edvaldo, ficou na dele (ainda era caladão e só emitia uma ou outra frase monossilábica), mas a Edna, como é do seu temperamento, não ficou calada e começou a argumentar com Elias, que estava outra vez enfurecido. Após acusações de ambas as partes, Elias, perdeu as estribeiras e mandou essa: "fora daqui você e seu roqueiro!". Só não lembro se, após esse compulsório convite, os dois ainda continuaram no bar, talvez sim.


Geraldo Brito



NOTA DO EDITOR, Joca Oeiras:

Um ano se passou desde que comecei a pedir que as pessoas escrevessem sobre o Bar Nós e Elis. A maioria absoluta dos que escreveram, nos mais diversos contextos, citaram, em suas crônicas, o músico Geraldo Brito. O João Cláudio Moreno considera, mesmo, ser impossível falar do Nós e Elis  sem falar dele. A Vera Mascarenhas, viúva do Elias, disse, em sua crônica: “De todos os cantores e músicos que se apresentaram, não posso deixar de citar Geraldo Brito que, em nome dos demais, presto homenagem”. O texto acima, de autoria do GB deixa muito a desejar, não pelo o que nele está escrito, até pelo contrário, mas pelo fato de ser de autoria de alguém que escreve bem, viu tudo, sabe de tudo e que tem, segundo dizem, uma prodigiosa memória. De minha parte eu fiz o possível para conseguir mais. Ninguém escreve obrigado, no entanto.

DESCENDO O PARNAÍBA, Antônio Chaves




Nas águas, vê que límpidas bonanças...
Que verde o destas árvores florindo!
Parece o verde dessas esperanças
Que em nossos corações brotam sorrindo.

Como as almas sonâmbulas e mansas
Dos lírios virginais que estão dormindo,
Quantas almas de cândidas crianças
Há nas estrelas que já vêm surgindo!

Tu és um quadro desta Natureza!
Minha alma, ao ver em ti tanta beleza,
De ti somente se tornou cativa...

Sem sol a flor sucumbe, morre a planta...
Dá que eu sinta, portanto, ó minha Santa,
O sol do teu amor! Faze que eu viva!



Antônio Chaves
em Nebulosas (1916)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995

MEMÓRIA, Álvaro Pacheco




Deixar a memória
cumprir sua parte
juntar os pedaços
compor os seus itens
então reverter-se
do tempo e da carne
tornando-se apenas
um puro fluir

deixar que a memória
performe e execute
e sermos apenas
processing data

(e indeléveis registros).



Álvaro Pacheco
em outubro de 1972, Rio de Janeiro/RJ
via Jornal da Poesia

TERESINA, Domício Proença Filho


                        para Cineas Santos, amigo-irmão


Mar de copas verdes
inebriadas
à carícia dos ventos
dóceis e violentos.
Emergentes,
cúmplices da beleza
suavemente rubra,
os tetos-ilhas
do amigo casario.
E a placidez do rio.

Arranha-céus ao fundo,
concretudes de progresso,
o asfalto
frenético da vias.

Pleno de luz, o dia
E de coragens.

E em tudo
um sabor
de alumbramento.

A cidade sorri
num abraço caloroso:
o aconchego-irmão
da gente-teresina.


                        Rio de Janeiro, 07-07-2008


Domício Proença Filho
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

DO TEMPO DO NÓS E ELIS, Ico Almendra


Sou do tempo do Nós e Elis
Com tanta música e pureza
Do tempo em que o Raízes ficava
Na antiga avenida Fortaleza
De quando para se aprender acordes
Se olhava para a mão esquerda do Geraldo
A cidade era realmente verde
Mas sempre teve o Blues do Edvaldo
De músicos tão raros
Como André Luiz e Zezinho Piau
Roraima, Boy e Jabuti
E outros tantos etc. e tal
Das gincanas do Colégio Andreas
Feitas perto do fim do ano
E das acirradas disputas
Contra o Colégio Diocesano
Quando o prédio mais alto que havia
Era o do Ministério da Fazenda
E as crianças ainda acreditavam
Que Cabeça de Cuia era mais que uma lenda
De quando a gente ainda conseguia
Andar pelos calçadões do centro
E todos os bares da cidade
Ficavam abertos noite adentro
Do tempo do Festival Setembro Rock
Em pleno Centro de Artesanato
Dos santos do Mestre Dezinho
Das obras de Mestre Nonato
Ainda me lembro que numa sala do Royal
Vi, pela primeira vez, Brigitte Bardot
Pois no outro cinema, o Rex
Só passava filme pornô
À tarde, no bar do Seu Cornélio
Que tinha o melhor pão de queijo
Vendo as meninas passarem
Sorrindo e mandando beijo
No Sorvetão ou no Elefantinho
Sorvete ruim não havia lá
Araticum e Bacurí
Sapoti ou Maracujá
Do tempo em que Luiz Correia
Só duas praia tinha então
E até a de Atalaia
A gente chamava de Amarração
A outra era do Coqueiro
Praia tranquila, de mais encanto
De bares com o Alô Brasil
E a casa do Gerson Castelo Branco
Se tem algo que permaneceu
Agora como era antes
Foi o calor do B-R-O Bró
E suas temperaturas escaldantes
Do Parnaíba à ladeira do Uruguai
Do Mocambinho ao Saci
A cidade ainda era pequena
Era fácil andar por aqui
Eu sei, se passaram os anos
Pois sou do tempo do Nós e Elis
Mas, com certeza, não me engano
Naquele tempo eu era feliz


Ico Almendra 
em 11 de outubro 2008
via Portal do Sertão | Fundação Nogueira Tapety

1.4.16

Netinho da Flauta (Documentário)



parte 1:





parte 2:






Netinho da Flauta
Produção executiva e narração: Moises Chaves
Produção: Nivalda Damasceno Ferreira
Edição e direção de imagens: Sergio Lima

DENTRO DA NOITE VADIA, William Melo Soares


                                     para Netinho da Flauta


nos pés o chão das estrelas
nos olhos o brilho da vida
uns paparicos em Carminha
fina flor da melodia

vem de longe
um som de flauta
dentro da noite vadia

livre feito um passarinho
um passageiro do bem
viajou ao som da flauta
rumo aos confins do além



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015





CLIMÉRIO, William Melo Soares




o tempo vai
tangendo amigos
pras lonjuras

leio um poema
angicalíssimo
de Climério

um rio morno
ribeirinha
minha infância

essa saudade
luz acesa
noite insone



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

ENCONTRO DAS ÁGUAS, William Melo Soares




das ribanceiras
avisto as cores
te enfeitando
da aurora ao pôr do sol

rios fluindo
orlas douradas
do Poty ao litoral

navego em verso
e escuto a música alegre
das águas



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

31.3.16

ESTUDO DO RIO, por Rubervam Du Nascimento



Saiu outra palavra
pra completar a lei
sobre a navegação
pelo rio seco
que exige do porto
a segurança dos produtos
transportados
ou chegados
nunca permanecidos

uma outra palavra
sobre a quantidade do produto
o peso
sobre a explicação dos problemas
de divisas
da força
da moeda
da destinação
em circuito fechado

a lei quase que ninguém conhece
mas existe
quando os navegantes
também são transportados

a palavra não faz menção alguma
ao corpo
nem à cabeça



Rubervam Du Nascimento
em O RIO - Antologia Poética
Edições Corisco, 1980


NO AUDITÓRIO DA DIFUSORA, Antônio Carlos Fernandes da Silva




…E aquela voz suave o auditório enchia
D'uma branda canção vinda de um peito brando...
E o microfone, é óbvio, pleno de ufania
Sorvendo tal voz plácida e após desfraldando-a.

E ela – a cantora – estrela única que luzia
Nos céus daquele palco, sorria de quando
Em quando, ao tempo exato que meu peito hauria
A afeição em dois lábios sorrindo e cantando...

Porém, nunca os seus olhos co'os meus se encontraram
P'ra extirparem a ânsia daquele desejo...
E quando desabrochava a boca, bem lançava,

Seu olhar lindo, lindos flertes que tragaram...
… E enquanto aos outros riam, nem sabia que, em desejo,
No fundo do salão, indigno a contemplava...

                                         

Antônio Carlos Fernandes da Silva
Teresina, 19/03/67
em Pétalas Negras (1967)

A PRAÇA DO POETA, Wagner Vieira Castelo Branco




Fizeram a praça gigante
Para o poeta estar próximo a ti
Da Costa e Silva te exaltou o quanto pôde,
Pois não queria ver jamais o teu fim.

E hoje, namorados risonhos
Estremecem ao ouvir teu grunhir
Cupido lhes espalha um "sonho",
Mil beijos em tuas bordas se podem ouvir.

Palmeiras gigantes se espalham
Pela praça, o vento a chamar...
Simbolismo da Velha Chapada
Do corisco a te abraçar.

Os mais ricos encostam seus carros
Pra "gatinha" então conquistar...
Fizeram até a "Prainha",
Para o "peixe" sua isca fisgar!



Wagner Vieira Castelo Branco
em RIO MORTO, RIO VELHO, RIO TORTO
Teresina, Editora Junior LTDA, 1988

PORTAL DA CIDADE, Cineas Santos




Portal da cidade, a Praça Saraiva era o desaguadouro natural dos que chegavam a Teresina na década de 1960. Paus-de-arara, mistos, jardineiras despejavam passageiros empoeirados e sonolentos no meio da praça, enquanto os chapeados disputavam, no grito, a bagagem dos que tinham algo a transportar. Mocinhas ágeis e prestativas se prontificavam a levar o “chegante” à “pensão mais em conta”, nunca esquecendo de garantir ser o estabelecimento  “um ambiente totalmente familiar”. Quem vinha a negócio fretava carros de aluguel (jipe, rural-willys), mais pose que necessidade, já que as distâncias a percorrer eram pequenas. Os que necessitavam de cuidados médicos, quase sempre muito pobres, armavam redes sujas nos galhos das árvores em busca do refrigério da sombra. Os que vinham tentar a sorte – náufragos e deserdados – limitavam-se a zanzar a esmo como moscas tontas.

A praça era uma imensa feira livre onde se vendia quase tudo: de animais vivos a óleo de puraquê, “a farmácia que o freguês carrega no bolso”, garantiam os camelôs. Sem maior esforço, podiam-se encontrar ali especialistas nas mais diversas atividades: borracheiro, barbeiro, soldador, amolador de tesoura, cozinheiro, raizeiro, vidente e benzedor, sem contar a legião de marreteiros e descuidistas, prontos a engrupir os desavisados. Pedintes de todas as idades esparramavam-se no chão, recitando desgraças “de cortar coração”.

Numa manhã esplendente (2 maio de 1965), despejaram-me na Praça Saraiva. A poeira da estrada embaçava-me a visão e o medo latejava em cada milímetro do corpo. Por intuição, percebi o que me esperava: fome, indiferença, solidão. Uma cigana decrépita, cheirando a sarro de cachimbo, prontificou-se a ler-me a mão, mas uma das “agenciadoras de hóspedes” foi mais rápida e me arrastou para a Pensão Nova, na Paissandu. O cartão de visitas da pensãozinha era um inconfundível cheiro de urina que se fazia anunciar na calçada. Na portaria, um negro velho, com ar de mãe preta, fazia as honras da casa. Foi direto e conciso: “O pernoite, com direito a café da manhã, custa dois cruzeiros. Pagamento adiantado”. De posse do dinheiro, desmanchou-se em mesuras: “Se precisar de alguma coisa, é só chamar. Eu sou que nem téu-téu: não durmo nunca!” e piscou, malicioso…

À noite, enfurnado num quartinho escuro e quente, sob o fogo cerrado das muriçocas, eu nem suspeitava que aquela ruazinha de aspecto sórdido fosse o caminho mais curto entre o Clube dos Diários e o prazer. Estrela, Fascinação, Amambay… Proxenetas, cafetinas, prostitutas, tangos, rumbas, boleros, perfume barato, bebida “batizada”, estrias camufladas, boêmios, bêbados, pedintes. A dois quarteirões da pensãozinha ordinária, diluíam-se todas as fronteiras. A Paissandu era o único espaço democrático da cidade: bem-nascidos e bundas-sujas dividiam, equitativamente, generosas rações de sífilis…

Aos poucos, a cidade mostrava suas múltiplas faces. Em meio às agruras, alguns encantos: o Parnaíba, o verde, as mulheres. Eu vinha de uma terra sem rios e sem lembranças de rios. Ver tanta água fluindo rumo ao desconhecido me pareceu um desperdício. O verde dos quintais me enchia os olhos: “um oásis sem deserto”. Quanto às mulheres… por elas, fiquei e não me arrependo. Com o tempo, a cidade foi-se adonando de mim, até me fazer esquecer que um dia morei em outro lugar. Teresina me basta.



Cineas Santos
Crônica de abertura de TERESINA PARA AMADORES
Livro ainda no prelo

30.3.16

RIO QUE DESÁGUA NO CORAÇÃO, Nelson Nunes




Rio, vida que corre lânguida
e incansavelmente banha a terra
e a alma do povo que te chama Parnaíba
Rio, de onde nasces e por onde vens
avolumando-te, cavando no chão o teu leito
vens, também, cravando na terra o nosso destino

Eu, minúscula embarcação, quando te navego hoje
e no afago de tuas águas serenas e calmas
sinto as mãos do velho Monge cansado de perdoar
vou, pouco a pouco, perdendo a esperança
a fé, que nas pedras teu limo ajudou a cultivar,
de que os homens te deixarão envelhecer em paz.



Nelson Nunes
em O RIO – Antologia Poética
Edições Corisco, 1980

25.2.16

PROFECIA DE FEIRA, Luís Augusto Cassas




tens essência e proeminência
pra seres capital da Grécia
uma acrópole em cascalhos
um coliseu em frangalhos
uns péricles convergentes
uns sócrates detergentes
grandes quebradores de pratos
uma esfinge com esparadrapo
guerra entre caixas de som
olimpíadas no pantheon
umas cabeças coroadas
umas verdades acaloradas

reza e confia: um dia menina
serás uma grande Teresina



Luís Augusto Cassas
em EM NOME DO FILHO - Advento de Aquário
Rio de Janeiro: Imago, 2003

19.2.16

CAUIM (1978) - Ednardo






01 - C'lareou - Ednardo - 00:00
02 - Amor de Estalo - Ednardo/ Brandão - 07:03
04 - Duas Velas - Ednardo/Brandão - 09:50
05 - Rendados - Ednardo/Tânia Araújo - 11:53
06 - Rasguei o Teu Retrato - Cândido das Neves, o Índio - 15:55
07 - Cauim - Ednardo - 18:50
08 - Bloco do Susto - Ednardo - 24:06
09 - É Cara de Pau - Ednardo/Brandão - 26:20
10 - Terezina 40 Graus - Ednardo - 28:48
11 - Canção dos Vagalumes - Ednardo - 31:13



[...]



Terezina 40 Graus | Ednardo 


Troca que troca que troca
Lembranças
Contra corrente do rio,
Vai vapor
Que também sem ti
Posso navegar
E cada instante de rio
Me afasta
De cada saudade do mar
De cá, dá saudade do mar



[...]



Disco: CAUIM
Gravadora: WEA / Warner
Lançamento: 1978 (LP- BR 36.074) - 2001 (CD Warner Music)
Direção Artística - Marcos Mazola
Produzido por Guti Carvalho
Técnicos de Gravação - Carlos Duttweller / Vitor
Estúdio de Gravação - Transamérica - Rio de Janeiro
Mixagem - Guti Carvalho / Carlos Duttweller / Ednardo
Assistente de Produção - Gastão
Auxiliares de Estúdio - Franco / Cláudio
Capa e Desenhos - Brandão
Foto da Capa - Mario Luiz Thompson
Foto da Contra Capa - Francisco Régis
Arte Final - Ruth Freihof 
Arranjos - Ednardo / Pepeu Gomes / Wilson Cirino
Violões - Ednardo / Pepeu Gomes / Wilson Cirino
Violão Sétimo - Waldir (Novos Baianos)
Guitarra Acústica - Pepeu Gomes (Novos Baianos)
Bateria - Jorginho (Novos Baianos)
Contra Baixo - Luiz Carlos Tolentino - Ife
Baixo Tuba - Teles
Percussões - Sérgio Boré / Jorge José

18.2.16

RUMO NORTE (1979) - Irene Portela






01 - De São Luiz a Terezina - João Do Vale & Helena Gonzaga - 0:00
02 - Sanharó - João Do Vale & Luis Guimarães - 3:16 
03 - Sabiá - João Do Vale, Luis De França & José Cândido - 5:33 
04 - Nécio Costa - João Do Vale - 7:20
05 - Passarinho - João Do Vale & José Lunguinho - 10:23
06 - Fogo No Paraná - João Do Vale & Helena Gonzaga - 13:33
07 - Lua Peixe - Irene Portela - 17:14 
08 - Até Quando - Irene Portela - 19:18
09 - Dia De Festa - Irene Portela - 21:31
10 - Alcântara - Irene Portela - 23:46
11 - Folha Verde - Ricardo Gouveia & Irene Portela - 25:13
12 - Na Hera Dos Muros - Irene Portela & R. Parreira - 28:09
13 - Guerreiro - Irene Portela - 31:12 



[...]



DE SÃO LUIZ A TEREZINA | Irene Portela 
Composição de João do Vale & Helena Gonzaga 


Peguei o trem em Teresina
Pra São Luís do Maranhão
Atravessei o Parnaíba
Ai, ai que dor no coração

E a trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Bom dia Caxias
Terra morena de Gonçalves Dias
Dona Sinhá avisa pra seu Dá
Que eu tô muito vexado
Dessa vez não vou ficar

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Boa tarde Codó, do folclore e do catimbó
Gostei de ver as cabroxas de bom trato
Vendendo aos passageiros
"De comer" mostrando o prato

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Alô Coroatá
Os cearenses acabam de chegar
Meus irmãos, uma safra bem feliz
Vocês vão para Pedreiras
Que eu vou pra São Luís

O trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Peguei o trem em Teresina
Pra São Luís do Maranhão
Atravessei o Parnaíba
Ai, ai que dor no coração

E o trem danou-se naquelas brenhas
Soltando brasa, comendo lenha
Comendo lenha e soltando brasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa

Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa
Tanto queima como atrasa



[...]



Depois de mais de dez anos de carreira, sem conseguir gravar, foi descoberta pelo produtor Marcus Vinícius, como compositora, intérprete e diretora musical do espetáculo "A missa do vaqueiro". Em 1979, lançou pelo selo Marcus Pereira seu primeiro disco, "Rumo norte", interpretando diversas composições de sua autoria, entre as quais "Lua peixe", "Dia de festa", "Guerreiro", além de diversas composições de João do Vale, como "De Teresina a São Luís (trem do Maranhão), em parceria com Luís Gonzaga, "Sabiá" e "Fogo no Paraná". Via Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira.

BALADA DOS MORTOS NA PAREDE ETC., por Menezes y Morais




teus mortos
estão nas paredes
nos álbuns
memórias
dramas

te espiamudos
denunciam calados
o crime q comeste

teus mortos
não perdoaram

eles vivem
todo dia
quando reparas
nos álbuns
           paredes
                       memórias
                                     dramas
é inútil tentar/remover os mortos/
dessas paragens
eles estão em ti

te acompanham
procriam na sala
quarto lembranças

convive com os mortos
é mais seguro do q conviver com os
vivos
a vida é túmulo em via



Menezes y Morais
em DIÁRIO DA TERRA (1984)



PÉS-DE-VENTO, Cinen de Sousa




Pelas quintas, quintais e passeios
ainda o benevolente
verde da cidade.
Carnaubeiras da Antonino Freire,
na Vila Poti, amendoeiras,
oitizeiros resistem pelas calçadas do centro
e alamedas.
O caneleiro secular! Algarobas, jatobás, figueiras.
Por que não dizer num alto-falante
que há mais que o verde
um roseiral, colibris e pôr-do-sol
entremeio
a esta Cidade-planeta
de risco aberto, um caso de amor e mil amantes
e esta cor do sol pelo firmamento
como pés-de-vento
que brota livre e engravida pessoas.



Cinen de Sousa
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

17.2.16

NÓS E O ELIAS, Feliciano Bezerra




Eram os anos 80. Alguns arautos da sociometria dizem que foram os anos da década perdida. Bobagem, foram anos galantes; claro que havia algo de ressaca do desbunde dos anos 70, mas a cultura continuava a respirar, e em Teresina um de seus respiradouros mais interessantes era o bar Nós e Elis

Refúgio da arte e da cultura piauiense, lugar de exercício da imaginação, de consumo delicioso de farras estéticas, o Nós e Elis tinha algo aurático, não se repetia, não tinha reprodutibilidade (contrariando Walter Benjamin). Ir ao Nós e Elis era um ato natural e pleno de significação, sabíamos de antemão que valeria a pena sair de casa. Os shows, os recitais, as conversas, os papos cabeça dos intelectuais em transe, os pequenos torneios ideológicos, os diagnósticos políticos, os projetos culturais traçados ali entre copos e mentes, os encontros furtivos, os exercícios de fidelidade conjugal, tudo animava as noites etílicas, alegres e abertas. 

A abertura começava pela própria estrutura do bar. Arquitetonicamente ele se abria para a rua, não havia uma rígida divisão espacial entre o dentro e o fora. Outro item interessante de suas divisões é que entre o palco e as mesas havia um pequeno corredor, indo do balcão do bar até os banheiros, pelo qual funcionava uma espécie de passarela. Nessa travessia praticava-se, digamos, exercícios narcísicos, pois ninguém passava por ali sem ser notado; às vezes era desafiador, poderia atrapalhar o espetáculo, de tão próximo do palco. Os mais discretos e tímidos evitavam aquele caminho e saiam enroscando-se por entre as mesas até chegar aos banheiros. Os espalhafatosos e os distraídos faziam questão de usar a travessia, invariavelmente cumprimentavam quem estava no palco, posando de íntimo do artista e descolando um naco de exibição. Mas isso era feito com certa puerilidade, sem muitas implicações, o Nós e Elis dava permissões, era um espaço que realmente abrigava vários instintos. 

Toquei e cantei muitas vezes lá, não cheguei a ser um músico ‘residente’ como muitos colegas, orgulhosamente, o foram, mas experimentei o encanto, havia algo de diferente em tocar naquele bar, sempre me pareceu o palco principal da noite Teresinense. 

O Elias era um misto de dono de bar e agitador cultural, a forma como ele concebeu o Nós e Elis refletia sua cabeça de homem de esquerda (à época a nomenclatura ainda se sustentava), que acreditava no binômio cultura e política e no incremento desses dois campos. Elis Prado Jr. era político e ao mesmo tempo um rigoroso amante das artes. Suas inarredáveis exigências em nome da qualidade eram desafiadoras, porém gratificantes, pois só ali, nós artistas, poderíamos experimentar e ousar. Ele checava pessoalmente o set list de quem fosse cantar e ia cortando qualquer concessão a canções gastronômicas, qualquer sucesso fácil e ocasional ou pérolas do cancioneiro romântico ligeiro. E um detalhe, avisava-nos: “não aceite pedidos, toque seu repertório”. Era rígido e doce, circulava entre as mesas, com uma taça de conhaque na mão, conversando com todos, sempre entusiasmado com alguma ideia. Eventualmente subia ao palco pra dizer poemas, um lírico inveterado. 

Era admirável a energia e a determinação do Elias, ilustro com o seguinte episódio que me aconteceu: certa noite de sexta-feira eu estava em casa, por volta das dez horas, já encerrando minhas atividades noturnas e preparando-me para dormir quando bateram à porta. Era o Elias, e antes mesmo de eu me desfazer da surpresa ele deu boa noite e foi direto: “Fifi, estou sem ninguém pra tocar hoje à noite, vai ter que ser você, vim buscá-lo, pagarei cachê dobrado e ao terminar venho lhe deixar em casa”. Era incrível, e minha casa, no Monte Castelo, não era tão perto assim. Bem, diante do imperativo convite, só me restava obedecer, peguei o violão e fui. Toquei, foi uma ótima noite, recebi o cachê (dobrado) e fui devolvido a minha casa. Este era o Elias, naquela noite, por alguma razão o músico escalado faltou e como o Nós e Elis não podia ficar sem atração o Elias dava um jeito.   

O Nós e Elis era a urgência da expressão, o Elias era a urgência da ação, tão urgentes que foram embora muito rápidos. Saudades. 



Feliciano Bezerra (Fifi)
em Nós & Elis: A gente era feliz - e sabia
Organizado por Joca Oeiras