1.12.13
TERESINA
a vida se inventa do barro
barro que faz o homem que faz o tijolo
que faz a casa que vive o homem
barro da beira do poty e do parnaíba
que irriga a cidade que com seu barro polui o rio
teresina
da cidade plana de poty velho
ao paliteiro globalizado do jóquei
do centro infestado de piratas
ao sítio das árvores petrificadas
um feixe de fibras óticas sai do barro
e se liga em quem tá em contato com torquato
míssil ácido no olho do mundo.
teresina
a certeza certeira que o homem se inventa
entre a canela e o caju.
Chacal
the . 27 / 11 / 04
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T. REX CINE
para eliete e soraya
cinema paleolítico
fantasmático paralítico
quantos filmes você viu ?
veludo azul
bandido da luz vermelha
era uma vez na américa
amarelo manga
kill bill
tanto filme
onde é que já se viu ?
cine rex
da sua sacada
quanto desejo
quanto tesão e delírio
na praça pedro segundo
gerações de poetas, esses seres esquivos,
invocaram as tropas celestiais
e hordas de demônios
em caçadores da arca perdida*
sucessões de namorados, normalistas e funâmbulos
medindo bocas em big close ups
fusão de corpos mixando línguas
no escurinho do cine rex
cine cine cine rex
cinema dos meus fascínios
com quantos fotogramas
se escreve o roteiro da sua ruína
estrelado por poetas, cinemeiros, namorados
sitiado nessa praça
à espera do inexorável
fim.
*dos chatoboys da abá dobal
aos cavaleiros da triste figura de torquato neto
dos delinq?entes da imagem digital de douglas machado
à farra do verbo de durvalino, demetrios e kilito.
[the pi - nov 2004 / nov. 2008]
Teresina: 2008
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Chacal - síntese biográfica
Ricardo de Carvalho Duarte, vulgo Chacal, nasceu em 24 de maio de 1951, no Rio de Janeiro. Estudou no Colégio André Maurois e na ECO-UFRJ. Estreou sua poesia em 1971, aos vinte anos de idade, com um pequeno livro de apenas cem exemplares mimeografados, Muito prazer, Ricardo. Depois vieram O preço da passagem (1972), América (1975) e Quampérios (1977) e a participação no grupo Nuvem Cigana, formado pelos poetas Bernardo Vilhena, Charles Peixoto, Guilherme Mandaro e Ronaldo Santos, para realizar, pela primeira vez no Brasil, a poesia moderna falada. Depois da dissolução do grupo, em 1980, exerceu a palavra poética em teatro, como coautor de Aquela coisa toda, peça do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone; em música, compondo para grupos como Blitz e Barão Vermelho; na televisão; em crônicas de jornal; e na produção de eventos como o CEP 20.000 (Centro de Experimentação Poética), que ele organiza desde 1990. Editou a revista O Carioca entre 1996 e 1998. Foi ainda um dos fundadores do bloco carnavalesco Bangalafumenga.
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11.11.13
EDIFICADO
o cemitério São José
constrói edifícios no subsolo
do além
enquanto os rastros
de cascas de ovo de codorna
e amendoim torrado
contornam as curvas centenárias
da avenida.
Nathan Sousa
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PIAUIZEIROS
Cabelos moicanos
desbravam a praça João Luiz Ferreira
armados com cadernos embolados
debaixo dos sovacos.
Nathan Sousa
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TER EX INA
Centro da cidade:
movimento nas calçadas
sem camelôs.
Caldo de cana com pastel de carne
do Frigotil na lanchonete
do chinês.
Teresina não tem
onde cair
viva.
Nathan Sousa
enviado pelo autor
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É NOITE
É noite,
como todas as noites
indecifráveis
por onde arrastei
minha sombra sinuosa
(sinuosa
e fragmentada
tal as ruas
e avenidas
de Teresina)
por onde eu temperei
minha carne
nos sais da distância
em idade imprópria
para o adeus.
Esta noite
povoada de silêncio
e de vozes
que se eternizam
como música
doída
não é outra
senão
a mesma noite
que outrora
revelou para sempre
o que na matéria se escondia.
Noite
noite de iluminação amarela
noite sem vultos
noite tão somente noite
hoje
ontem
onde eu estive
sentado na janela
do quarto dos fundos
da casa de minha avó
ou à mesa da cozinha
às 03:30h
debruçado
sobre a barca de Dante.
Esta noite
– esta mesma
e eterna travessia
de minhas retinas
em ruínas –
pode ser apenas a angústia
de um dia antes do raiar do dia
ou um alarido surdo
e indecifrável
como todas as luas
por onde arrastei
minha dor sinuosa
(sinuosa
e fragmentada
tal as ruas
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AQUELAS FLORES AINDA SALTAM NO MEU CÉU!
Quase nenhum garoto do bairro Primavera do final da década de 70 e início da de 80 deixava de admirar os paraquedistas (o hífen foi retirado para não atrapalhar a queda) que executavam suas manobras lá pras bandas da curva do rio Poti, talvez perto da floresta de fósseis que há em seu leito, depois da ponte da Frei Serafim. Com seus paraquedas redondos, aproveitando a corrente de ar que os levaria até a pista do aeroporto, passando por cima de nosso bairro (que beleza!); aquilo era surpreendente para qualquer criança setentoitentona, e isso não era diferente para mim, que vinha, como já o-disse noutras vezes, de uma cidadezinha do interior, que me-madrastou mansamente: essa Alto Longá – domundopróximo – distante. Em Teresina, nesses idos, olhávamos os meninos para cima, à espera de todos (e, em expectativa, de um) pularem.
Hem-hém. Quão fácil era prender a atenção de crianças assim! Sim, tão pouco era necessário. E, imaginem só, assistir à audácia daqueles homens: o desafio de confiar em equipamentos, em tecnologia de afronta à gravidade – dane-se Newton; todos queríamos vê-los saltando davincianamente para um voo planado por asas de tecido sintético! Redondinhos. Sim, os paraquedas ainda eram os redondos, mesmo o italiano engenhoso tendo-os pensado piramidalmente mais pesados e quadrados e os nossos contemporâneos, mais leves e retangulares, com a possibilidade de o paraquedas ter manobrada a sua direção. Então, os meninos de olho no céu, à procura dos pontinhos coloridos que desabrochavam uma flor salva-vidas; perigosa ideia do desejo humano do voar, oqual, ainda hoje, renova suas asas com as penas de outra tecnologia, criada da ciência. Quer ler? Hoje, agosto de 2011, aposto se há tanto alguém nesta ilha terrena que ainda queira voar com o grego, usando as asas de cera que Dédalo criou para si e seu filho, Ícaro (não escrevo do paraquedas de Da Vinci, porque isso já foi feito; a foto que ilustra esse texto comprova-o!).
É, o não ter asas
para voar deu ao humano a possibilidade de trabalhar com as mãos (estendam-se
os braços), esses Oficiais de Justiça do cérebro. Foram essas mãos, por
exemplo, que criaram essa possibilidade de sobreviver qualquer um que pule de
qualquer lugar (estático ou célere) estando a tantos metros do chão. Claro que
esse “qualquer um” foi somente para ilustração de que há pessoas que fazem
isso. Mas não o-é para todos. Para nós, os meninos que observávamos estupefatos de
alegria aquela loucura de se-atirar de um avião a mais de dois mil
metros de altitude, ainda não havia nada que se-comparasse a isso. E,
nesta linha mesma, me-vem à mente o nome dum homem (claro que
havia outros com ele!); não, seu apelido. Louro. Loro (pra confirmar a nossa “morte do ditongo”, já praticada pelos
espanhóis, de mais antiga língua).
Quem era esse
cara? Ainda hoje sei pouco sobre ele. Certa vez, aqui, em Teresina, encontrei
um seu filho, um fotógrafo, de nome Cleyton, não lembro bem (sei que o-conheço),
que falou qual era o verdadeiro nome de Louro, seu pai, mas infelizmente perdi isso
em minhas agendas; foi mal, Cleyton (nem sei se seu nome é escrito assim), mas
talvez alguém possa reconstituir os fatos dessa história teresina, que, junto-com os meninos, também eu vi. Isso, se
não já o-tiverem feito. Talvez alguns poucos possam-se-lembrar de Louro e de seus companheiros de saltos. Eles
são os primeiros em nossa capital? Eles, de fato e de saltos, não deixaram
quaisquer seguidores pelos ares dessas suas quedas de lá-longe? Quem sabe? Sei
que foram ousados. Nem sei se há ainda, aqui, nesta capital, algum grupo que
pratique paraquedismo. Aliás, há paraquedismo ainda, aqui, em Teresina, como
havia naquela época?
Vixe, eram muitos saltos! Acredito que fosse uma espécie de clube de paraquedismo. Não posso confirmá-lo, mas isto, sim: o Louro era “o Cara”. Era o nome que os caras (como os meninos nos-chamávamos) mais pronunciavam. Todos, abestalhados com aquela habilidade, que vem desde os acrobatas chineses, precursores do paraquedismo de “altas altitudes”, até a ideia-cabeça de Leonardo, o iníco de uma sequência de ousadias, que ofereceram ao público um Fausto De Veranzio, um Sebastan Le Normand, um Jean-Pierre Blanchard, que já saltava com paraquedas dobrável de seda, ou um André-Jacques Garnerin, o primeiro a desafiar as grandes altitudes, ou uma Genevieve Labrosse, a primeira mulher, e sua sobrinha, Elise, que fez mais de 40 saltos, o que, para a época, era algo surpreendente. Não; somente eles eram ousados a tal ponto no céu. Ah, esses saltos sempre foram perigosos, e nossa expectativa de meninos roía as unhas e nossos heróis tiveram que pagar o preço com suas próprias vidas-próprias e eu, de boca aberta ainda e olhos espremidos, calibrando o olhar, e este texto, por réquiem profano, saltando do meu cérebro, pulando com as mãos nesta tela.
Vixe, eram muitos saltos! Acredito que fosse uma espécie de clube de paraquedismo. Não posso confirmá-lo, mas isto, sim: o Louro era “o Cara”. Era o nome que os caras (como os meninos nos-chamávamos) mais pronunciavam. Todos, abestalhados com aquela habilidade, que vem desde os acrobatas chineses, precursores do paraquedismo de “altas altitudes”, até a ideia-cabeça de Leonardo, o iníco de uma sequência de ousadias, que ofereceram ao público um Fausto De Veranzio, um Sebastan Le Normand, um Jean-Pierre Blanchard, que já saltava com paraquedas dobrável de seda, ou um André-Jacques Garnerin, o primeiro a desafiar as grandes altitudes, ou uma Genevieve Labrosse, a primeira mulher, e sua sobrinha, Elise, que fez mais de 40 saltos, o que, para a época, era algo surpreendente. Não; somente eles eram ousados a tal ponto no céu. Ah, esses saltos sempre foram perigosos, e nossa expectativa de meninos roía as unhas e nossos heróis tiveram que pagar o preço com suas próprias vidas-próprias e eu, de boca aberta ainda e olhos espremidos, calibrando o olhar, e este texto, por réquiem profano, saltando do meu cérebro, pulando com as mãos nesta tela.
Ao Louro, estas
“memórias póstumas”. Elas, que, pelo céu de minha boca passam palavras, puladas
por mim, a sonorizar as imagens, que gravadas no “paraquedas do meu cérebro”
ficaram a saltar. Não eram elas a borboleta preta nas rodas do quarto, mas pareciam
floresinhas pequeninas (bem pituibinhas!)
no céu do meu bairro, daquela cidade do tempo em que os meninos, na primavera
das idades e no Primavera de suas casas, estavam de olho duro no céu. O salto
que eu ainda espero é o de Louro. Como, hoje, o paraquedas pode ser manobrado
pelo paraquedista, como tento fazer com estas palavras que saltam de mim num
céu de página branca (papel ou tela), quero que ele caia dentro deste poema:
Outra inscrição para um túmulo no ar (o segundo voo)
Meninos,
nas
matinês dos
domingos,
lá pras
bandas
da curva do
rio
– com o Poti abaixo
(sim,
uma garantia?) –, um
passarinho
de metal desovava
no
céu sementinhas; e vinham caindo
velocíssimas
para, em seguida, abrirem-se
como
florzinhas: pequeninas ilhas de cores teresinas,
paridas
pelo voo dessas aves ocas, loucas pelas alturas terrenas!
Os
meninos esperávamos, sobretudo, sobre todas as altitudes, pelo Louro,
o
principal pontinho do grupo dos pulos nos ares do abismo, o príncipe dos
comentários
dos caras do bairro, do Primavera (sempre abismados, os meninos); entanto,
estávamos tão abaixo de entendermos a altura dessa Física, de um artefato
saltado
do entendimento davinciano e longíquo.
Ah, seos meninos, eu vi também os
saltos
do Louro pelo brancinzazul do céu do
meu bairro soltos; primaveral flor do céu
que
voa, e todas voam: o pouso sobre o desejo tão grande e tão baixinho (mítico?)
de voar acima dos telhados dos olhos primaverinos. – Lá vai o Louro saltar!– Lá
vem o louco! – Lá vai no vento indo. – Vai pro aeroporto. Esse foi o salto que
caiu dentro do encanto dos meninos de boca aberta: – Quede os paraquedas? – Quedê? – Cadê? Que pena. Ninguém mais os-espera. Como flores soltas na corrente
de ar: elas, pelos louros do desafio à queda-livre, presas dentro deste poema, dos
céus das páginas, saltam nos
olhos
dum
menino
teresino.
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DOUTOR GOJOBA, DO PRIMAVERA PRO MUNDO, por Luiz Filho de Oliveira
Dentro da política habitacional
planejada pelo Banco Nacional da Habitação (BNH) para Teresina, a construção do
conjunto Primavera, em 1966, foi a terceira obra desse tipo na capital piauiense,
antecedida que foi pelos conjuntos Tabuleta e São Raimundo. O Primavera fez,
pois, parte da estratégia do governo para atrair a população do interior do
Piauí para a “Cidade Verde”, como Coelho Neto a-cunhou (que trocadilho escroto!). Isso deu certo. A partir desse período,
a população da “primeira capital planejada do Brasil” passou de noventa e
tantos para quase quatrocentos mil habitantes. Somente nos dois primeiros anos
desse projeto, de 1966, época do primeiro conjunto habitacional da capital, até
1968, quando foi construído o Parque Piauí, o quinto conjunto, foram vendidas à
população cerca de três mil unidades habitacionais. Haja casa para tantos
casos!
O meu, o-escrevo: a atração de minha família, vinda do Alto Longá em 1974, também se-deu por esses planos e planejamentos. É. Também, porque mamãe passou um tempão nas oiças de papai pedindo pra ele nos trazer para a capital, para estudar. Ladainha de mãe, coro de professora; alguns de vocês sabem. Persistência, mundivisão, sabença. Assim – ou asnão! –, o Primavera entra nisso, sim; e entramos nele em um “misto” (um caminhão com uma boleia de passageiros e uma outra parte, uma carroceria para cargas) fretado por meu pai para trazer-nos e a nossa muda, que dizia tudo – éramos “matueiros”! –, a esta Canaã urbana. Ao chegarmos à “Capital Mafrense”, nossa família, nove pessoas, foi morar em frente às Quadras B e C desse conjunto, no bairro Primavera, que surgiu, claro, a partir daquele.
O meu, o-escrevo: a atração de minha família, vinda do Alto Longá em 1974, também se-deu por esses planos e planejamentos. É. Também, porque mamãe passou um tempão nas oiças de papai pedindo pra ele nos trazer para a capital, para estudar. Ladainha de mãe, coro de professora; alguns de vocês sabem. Persistência, mundivisão, sabença. Assim – ou asnão! –, o Primavera entra nisso, sim; e entramos nele em um “misto” (um caminhão com uma boleia de passageiros e uma outra parte, uma carroceria para cargas) fretado por meu pai para trazer-nos e a nossa muda, que dizia tudo – éramos “matueiros”! –, a esta Canaã urbana. Ao chegarmos à “Capital Mafrense”, nossa família, nove pessoas, foi morar em frente às Quadras B e C desse conjunto, no bairro Primavera, que surgiu, claro, a partir daquele.
Foi, então, que o nosso cenário
mudou completamente: dos bois e bodes a carneiros e cabras, que nos-rodeavam na Fazenda Criolis, de
nossa família, passando pelas paisagens em volta da casa na rua..., em Alto
Longá, chegamos aos “cabras de peia”, comadres e “caras” dessa cidade. Cenário
novo; novas personagens. E, ainda mais, um novo palco para nós: papai comprou
uma casa nova na outra esquina do mesmo quarteirão onde morávamos, pois a que habitávamos
era de aluguel. Obras nessa nova casa, ainda inacabada: paredes sem reboco,
piso bruto, banheiro externo, cerca de arame... É melhor chamar um pedreiro. Obragem.
Era uma vez, então, o Gojoba, o
pedreiro da área, do bairro, ou melhor, do conjunto. Gojoba morava lá embaixo;
é fácil chamá-lo. “Às vezes, até no domingo dá, se eu não tiver bebendo”. Gojoba
era querido de todos, principalmente, dos filhos do seo Domingo, o alfaiate. Netão, Pedro Cão, Zé “Orea” e Paulo
Cenoura, se tiverem bebendo, o Gojoba tava
lá. E foi desse jeito que aconteceu uma anedota conhecidíssima no Primavera,
entre os moradores das décadas de 70 e
80, claro. Ela virou até piada na boca do Dirceu Andrade; alguém muito próximo
(mais de mim do que dele) é que me-disse.
É, foi hilário. Caso de anedota mesmo. História pra boi sorrir!
Mas não vou contá-la
literalmente; tentarei somente escrever o que possivelmente tenha havido. Não
sei se o Pedro Cão já havia-se-formado
ou se ainda estava cursando Medicina na UFPI. O certo é que haveria uma festa,
parece-me que ligada aos acadêmicos desse curso. Pedro Cão, claro, deveria ir.
Aliás, sempre ia a esse tipo de comemoração. Só que a decisão foi tomada numa
bebedeira da turma, talvez na quitanda do seo
Juarez. Pois não é que o Gojoba também estava lá. Pois é, o pessoal decidiu que
levaria Gojoba para a festa. Aliás, Doutor Gojoba; era assim que eles iriam
apresentá-lo a todos. Nisso, certo, havia uma boa dose (dá-lhe, cana!) de
preconceito ou de previdência quanto a possíveis preconceitos de outras
pessoas. Afinal, Gojoba era um simples pedreiro. É, Gojoba ia ser o Doutor
Gojoba, o que é que tem?
Botaram uma beca no Gojoba, e
vamos lá. Festa vai, bebidas vêm; Gojoba já estava entrosado com todos,
inclusive, com as colegas de curso de Pedro Cão. Era Doutor Gojoba pra cá;
Doutor Gojoba pra lá. “Doutor Gojoba, o senhor acredita que...”. “Doutor
Gojoba, o senhor já estudou aquele caso...”. “Doutor Gojoba...”. Gojoba, a
princípio, achou graça dessa parada de “Doutor”. “Porra, aqui tá chei de coroa!”. Curtiu à vontade,
principalmente, porque as acadêmicas o acharam muito engraçado. E a bebida
descendo a goela, gelada ou quentíssima. E a cabeça foi enchendo. “Doutor
Gojoba, cadê seu copo?”. “Doutor Gojoba, espere mais um pouco”. “Doutor Gojoba,
isso; Douto Gojoba, aquilo”. Gojoba ficou cheio disso e se-levantou com a fala-desfecho da anedota:
– Que porra de Doutor Gojoba! Que nada! Eu sou é pedreiro e vou é embora; amanhã eu tenho que acordar cedo, pois eu tenho é três metros de muro pra levantar!
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REINSCREVE UM POETA A SEU PASSO A NOVA CAPITAL & A PASSADA CAPITANIA DE PIAGUÍ
A Cineas, homem com letras, de cimos Sãos & Santos
tristeresina: um quê de semelhante
estás ao que era nosso antigo estado
(rico de nativos mortos por gados)
em este mote alheio & cambiante
se a ti tocou-te a máquina mercado
esse ouro que apaga muito brilhante
a nós todos aqui tem-nos-tratado
com os dous ff dum poema dantes
deste estado – a quem não deste por renques
as carnes como o-fez à gente ruda
de Bahia Pernambuco Minas (mortes!) –
há quem alegoricamente tente
fazer ainda uma vaca bojuda
para carnes & poemas de corte
(De Oeiras, Salvador; Ouro Preto, Recife a Teresina, em estados de Brasil.)
Poema classificado em 3º lugar no concurso "Soneto para Teresina"
Promovido pela TV Cidade Verde, Teresina: 2008
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Luiz Filho de Oliveira - síntese biográfica
Luiz Filho de Oliveira é o “falso pseudônimo” de Luiz Francisco de Oliveira, nascido em Campo Maior, Piauí, em 1968, filho do seo Luizim e da dona Francisca, de Alto Longá, Piauí. Casado com Suzy Reis. Graduado em Letras pela Universidade Federal do Piauí (1996), professor de Língua Portuguesa há 20 anos – daí, talvez, a sua predileção pela Literatura. Já se-inscreveu nessa arte com a publicação de dois livros de poemas: "BardoAmar" (Teresina: Ed. do Autor, 2003; Fundação Cultural do Piauí, 2005.) e "Onde Humano" (Teresina: Nova Aliança, 2009.). Este foi selecionado e subvencionado pela Fund. Mun. de Cultura Monsenhor Chaves; aqueloutro, classificado em 2º lugar no Prêmio Torquato Neto de Poesia, em 2000, da Fund. Cultural do Piauí. Participou da Antologia Poética do Concurso de Poesia Antero de Quental (Campinas, Ed. Komedi, 1999), realizado pela Escola Federal de Engenharia de Itajubá, Minas Gerais, e escreveu também uma peça teatral, a qual foi representada no Teatro Ferreira Gullar, em Imperatriz, Maranhão, em 2003, dirigida por Raimundo Pinho Gondinho. Atualmente, está preparando a edição (impressa ou virtual) de seu terceiro livro de poemas, "Das Bocadas Infernéticas". Desenho: Luiz Filho de Oliveira por Adriano Lobão Aragão.
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A MORTE E AS MORTES DE ZÉ MAGÃO
Numa manhã de cristal (ou teria sido numa tarde de chumbo?), dessas que só ocorrem em Teresina, Zé Magão arribou da cidade e foi garimpar incertezas em Santarém. Zé, senhor dos subúrbios de Teresina, embrenhou-se no cipoal de um mundo desconhecido, armado de serra, bigorna, maçarico e poesia. Deixou para trás versos tresmalhados, dívidas miúdas, saudade roendo o peito dos amigos. Soverteu: tornou-se incerta a notícia. Vez que outra, um garimpeiro, um mascate, um peregrino apontava por essas bandas, trazendo a má notícia: "Zé Magão morreu". Ora morrera de malária, afogado, assassinado; ora, picado de surucucu, soterrado num garimpo, de causa não sabida. Velório sem defunto, os amigos reuniam-se, recontavam casos acontecidos nas ribanceiras do Poti, bebiam cachaça, choravam tristeza. Na semana seguinte, a boa nova: um certo indivíduo, com jeito de tuiuiu (misto de Zé Ramalho com Gonzaguinha) fora visto num boteco da periferia de Santarém recitando versos para a lua. Não havia dúvida: Zé Magão estava vivo. Os amigos reuniam-se, recontavam casos acontecidos na coroa do Parnaíba, bebiam cachaça e choravam alegria. Mas quem era mesmo esse Zé Magão de tantas mortes anunciadas? Consta que se chamava José Ribamar Ribeiro, nascido em Teresina, em 30 de julho de 1950. Aluno de Dona Ditosa, caçador de rolinhas, pescador de mandis, cidadão das ruas. Estudou na Escola Técnica Federal do Piauí, de onde saiu diplomado em topografia: sabia, portanto, onde pisava. Por força da necessidade, se fez mecânico, serralheiro, soldador. Por puro prazer, poeta de versos tortos e humor corrosivo. Andou participando de algumas "antologias" mimeografadas: CARNÊ DE VIAGEM, CORAÇÃO DE DOIS TEMPOS, DANÇA DO CAOS, TOPADA, POESIA LIVRE. Em 86, publiquei, pela Coleção Folhetim, um poema seu "OS CAMELÔS", paródia do hino nacional, tendo com pano de fundo o universo dos ambulantes, camelôs e desocupados que entopem as ruas de Teresina. O livrinho, ilustrado com as fotos da Rosinha, percorreu ruas, becos e bares da cidade, conforme convinha a um poeta do naipe do Zé Magão. Por algum tempo, as notícias cessaram. Eis que, na semana passada, pela boca do poeta Menezes y Morais (quem também já esteve morto) chega-nos a notícia da última morte do Zé Magão. Foi aí que, entre comovido e indignado com Deus, lembrei-me daquela passagem terrível do livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, quando Jesus, pronto para ressuscitar Lázaro, é impedido de fazê-lo por Maria Magdala (Madalena) com um argumento irrefutável: "Ninguém na vida teve tantos pecados que mereça morrer duas vezes". Para mim, vivo ou morto, Zé Magão sempre será o poeta que, com extraordinário poder de síntese, disse a mais bela e dolorosa das verdades: "No coração/ uma andorinha/ faz verão", na memória, também, Zé.
Jornal MN, 27 de julho de 1997
em As Despesas do Envelhecer
Teresina: Corisco, 2001
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TÃO TERESINA, QUE DÓI, Cineas Santos
Ao poeta Paulo Machado
Era um tempo sem colheita / mas havia a crença:/ viver não doía tanto. Bem que poderia ter sido assim; não foi. Numa manhã de cristal, dessas que só acontecem em Teresina, fui literalmente despejado na Praça Saraiva. Era maio de 65. Nos bolsos, dezoito cruzeiros, uma carta de recomendação, que se revelaria inútil, e um endereço de um quase-parente que jamais procurei. Nos olhos, a poeira da estrada e o espanto diante do novo. No corpo inteiro, o medo latente.
De cara, três surpresas. A primeira, preocupante: a quantidade de carros trafegando nas ruas.. Carecia tomar tento pra não voltar para a aldeia convertido em notícia ruim. A segunda, estimulante: a abundância (taí a palavra adequada!) de mulheres por toda parte. De onde eu vinha, só se via algo parecido no dia da procissão do Padroeiro. A terceira, elucidativa: o Parnaíba. O risco inexpressivo dos manuais de geografia, na verdade, era uma veia aberta, generosa, encharcando de vida a terra, os bichos e a gente do Piauí.
Depois de zanzar por pensões ordinárias, atraquei na UPES (hoje, CCEP) onde já amontoavam outro náufragos. A casa poderia acomodar, com desconforto, dez pessoas. Éramos oitenta! Normalmente, faltava água e não havia um único banheiro, o que na verdade não fazia tanta falta, já que também não havia o que comer. "Deus só dá o frio..."
Desbravar a cidade era um desafio. Na P2, as mulheres, como animais em exposição, circulavam graciosamente. Os homens, mãos no bolso para disfarçar, conferiam, aferiam, faziam propostas. No coreto, a bandinha da PM atacava de dobrados e marchinas, "programa de velho". Na parte alta, recrutas bolinavam curicas. Na Paissandu, a noite nunca envelhecia. Estrela, Amambay, Fascinação: boleros, varizes, cerveja e gonorréia. Eh, Antônio Leiteiro!
No Clube dos Diários, a fina flor da burguesia embalava-se ao som do Barbosa Show Bossa em "tertúlias", onde havia um pouco de tudo: namoros, conchavos, negócios, jogatina. Como um cão de guarda, Marcelino conferia o pedigree de cada novo sócio e escorraçava os indesejáveis. E eu comendo com a testa.
No Carnaúba, homens e ratos disputavam o mesmo espaço, com ligeira vantagem para estes que, na condição de provadores, beliscavam tudo sem pagar nada. No Flutuante, meninos entanguidos e piabas elétricas disputavam migalhas, sob o olhar complacente das lavadeiras seminuas.
Nos programas de calouros, Ruy - o primeiro cabeludo da cidade - fazia paródias geniais: "Garota de Timon nunca teve vez / Nem que seja bonita / Nem que fale inglês / Lá é tudo tinindo / E quem governa é o padre Delfino". Valdenir, com voz chorosa, cantava "Maria Helena", sempre "a pedidos". Nos saraus familiares, Silzinho e Assis Davys cantavam "Perfídia" com sotaque caribenho.
Nos embalos jovens, Brasinhas, Metralhas, Sambrasa arrepiavam. Luz e cor: calça boca de sino, bota calhambeque, rum com coca-cola, minisaia de napa, milk-shake. Nas mãos afoitas e nervosas, passeavam inicentes baseados. "Me segura que eu vou dar um troço!"
Nas emissoras de rádio, "o mundo em ondas sonoras". A. Tito Filho vertia cultura pelos poros; Ary Scherlock esbanjava glamour; Figueiredo fustigava os desafetos (todo mundo) com o seu Almanaquinho do Ar; Roque Moreira comandava o Seu Gosto na Berlinda; Mariquinha e Maricota estilavam veneno; Al Lebre enchia o saco de meio mundo com seu chocalho madrugador; Deoclécio Dantas e Carlos Augusto vergastavam políticos e delinquentes, e Dom Avelar, com sua autoridade de pastor, apacentava o rebanho com a "Oração por um dia feliz". Tudo tão Teresina!
No Theatro 4 de Setembro, rolava tudo: Maciste, Tarzã, ídios, caubóis, tapas e beijos. No carnaval, realizavam-se os concorridos bailes promovidos pela Prefeitura, com direito a tombos no piso inclinado. Na Semana Santa, a exibição da indefectível "Tragédia do Gólgota" encenada por Santana e Silva. Nas página de O Dia, Fabrício Arêa Leão escrevia crônicas laudatórias em aramaico, enquanto Dona Elvira atiçava a "fogueira das vaidades" dos novos-ricos. Eh, cidade amada!
No Lindolfo Monteiro, Gringo, Vilmar, Evandro e Sima agitavam a galera, enquanto Carlos Said desancava os "energúmenos" em linguagem tão pomposa, que muitos se sentiam lisonjeados. Mas o melhor mesmo era ofender a mãe do juiz, sabendo que ele estava ouvindo tudo. Te segura, Braz!
E tão envolvido estava, que nem me dei conta de que a cidade crescia, inchava; cercada de favelas, prenhe de cursinhos, panificadoras, motéis, templos evangélicos, casa lotéricas, carros importados, mendigos, telefones celulares e o escambau... E aqui estou eu, bestamente, amando essa pobre cidade transitória, como se fosse a mais importante do mundo. E é!
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PRAÇA PEDRO II, Cineas Santos
Umbigo do mundo
corações e pernas em descompasso
sonhos em ebulição...
Emoções no Rex
conchavos no Carnaúba
negócios no Acadêmico
sabores na Predileta
E os desejos represados
desaguavam na Paissandu
onde a noite não envelhecia.
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10.11.13
TERESINA, Cineas Santos
Aos que chegam
(náufragos, arrivistas, mercenários)a cidade sorri
e finge que se dá
mas que não ouse o estranho
nega-lhe um capricho
desvendar-lhe os segredos
porque então anoitece...
Amante voraz do ócio e da usura
a cidade conhece os seus
(pelo tinir das esporas, pigarro, perfume)
e só a eles se entrega sem reservas.
em Presença da Literatura Piauiense
Luiz Romero Lima | Teresina: 2003
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