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16.10.13

TERESINA, O RIO, OS POETAS


Mangueiras, minha velha Teresina,
O povo alegre, sorridente, vivo,
O Mafuá num batucar festivo
Saudade, mestra e mãe que amar ensina.

                                Gregório de Moraes


...sobre um vale pastoral onde os rios passam
sobe a música de vida
dos rios reduzidos a um nome – Parnaíba.

                                H. Dobal


E há, neste anseio sempre renascente
de unir as nossas almas num só corpo,
uma repetição dos aconchegos
do Parnaíba com as lavadeiras.

                                Odylo Costa, filho


Teresina gentil de ruas alinhadas,
Tens nalma a placidez das loiras madrugadas,
A beleza, a frescura e o riso das mulheres.

                                  Cristino Castelo Branco


Vem o Cabeça de Cuia
dançando de madrugada,
vem a moça que morreu
no Parnaíba afogada:
com o seu vestido de noiva
que não pôde ser usado.

                                  Clóvis Moura


Eu sou como o Parnaíba
que corre para o mar;
viro e mexo, faço voltas,
mas meu destino é te amar.

                                  Popular


O Parnaíba tem pregão de glória,
Vai ovante e feliz, na onda ingente,
E teu nome lançar no mar da História!

                                  Alcides Freitas


Parnaíba, velho monge
do poeta que viveu
nas margens da tua cheia
no cheio de tuas margens.

                                  Álvaro Pacheco


Envelheci, querida Teresina,
Enquanto vais ficando, minha terra,
Cada vez mais formosa e mais menina.

                                  Altevir Alencar


Terrinha invocada...
O Karnak majestoso
Avenida iluminada...
Terrinha invocada, meu irmão.

                                  Herculano Moraes


Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando... E ao longe
O mugido dos bois de minha terra...

                                 Da Costa e Silva


O Rio Parnaíba, o velho monge,
Por alguém decantado entre poesias,
Vai, lentamente, deslizando ao longe,
Entre tristes gemidos de águas frias...

                                  Domingos Fonseca


Ouve as águas peregrinas,
Sussurrantes, cristalinas,

Que, docemente, te embalam:
Do Parnaíba altaneiro,
Caudaloso, sombranceiro,
São as vozes que te falam.

                                  Olympio Costa


O Velho Monge, num burel de arminho,
Refletindo as bucólicas paisagens,
Que lhe enfeitam de gala as verdes margens
Paras as bandas do mar segue o caminho.

                                  Vidal de Freitas


Apenas sei
E além disso nada mais
Que o Velho Monge continua rezando
À tristeza das águas
E emoliente ladainha do tempo.

                                  Pompílio Santos


A. Tito Filho
em Teresina meu amor, 4ªed.
Teresina: COMEPI, 2002

22.10.13

EU, TERESINA E ELE, Wellington Soares


Há seis meses namorávamos e nada. Ao contrário dos outros, bolinar comigo não queria. Como um pedaço de descaminho, no dizer dos rapazes, chateada fiquei. Valfrido, esse era o seu nome, nem aí. Sua estranheza me prendia cada vez mais a ele. Que o amava, não tinha dúvidas, mas não podia continuar subindo pelas paredes.

- Transar comigo, por que você evita?
- Só cai no chão, a manga, quando está madura.
- Tanto tempo assim, como posso?
- Pela bela serrana, Jacó muitos anos esperou.
- Mas eu o amo.
- Amar é saber, no momento exato, tirar o cílio do olho.
- Quando, então?
- De Teresina se embriagar e se despir com pureza.

Com o coração aberto, deixei me levar por suas mãos seguras e macias, descortinando outros horizontes. De barco, o Velho Monge atravessamos para Timon, cruzando com pescadores de redes vazias. Na volta, um suco delicioso no Abraão, tendo como troco palavras de estímulo. À tardinha, um faroeste no Rex, balas de horror raspando minha cabeça. Maria da Inglaterra e seu Peru Rodou, no Clube dos Diários, a noitada fechando, o sabor de cerveja nas bocas geladas.

Acordada cedinho, um café reforçado na Piçarra, ânimo para encarar a arte misteriosa de seduzir. No troca-troca, sob um escaldante sol, o comércio de tudo, menos o do amor, inegociável. O gostoso cheiro da panelada, nunca provada no Mercado Velho, no meu estômago faz alegria. O restante da tarde, navegamos na beleza do encontro dos rios, onde deixei claro ao Cabeça de Cuia não me chamar Maria e muito menos virgem. De bicicleta, à noite, vários bairros da cidade percorremos. Na despedida, sem esperar, ouvi:

- Amanhã, esteja pronta, será o dia.
- Onde? A que horas?
- Dezesseis, na praça da Bandeira, sem atraso.
- Vou de carro?
- Não, sem nada, só você. De lá partimos.
- Que mais?
- Relógio sem ponteiros.

Noite em parafuso, sem conseguir os olhos pregar. A espera, alfinete ferindo o corpo, compensa? Do ônibus, descemos em frente ao motelzinho, mãos coladas e a galope os desejos.

Depois dali, mesmo com os apelos dos velhos, nunca mais retornei, nem fui em casa pegar nada. Ele me bastava. Era, sem exagero, uma pessoa muito especial. Que outro homem, diga, me levaria a conhecer e a amar Teresina? Comendo estas piabas fritas agora, nas coroas do Parnaíba, tendo-o ao meu lado, a vida passa a ter sentido.


Wellington Soares
em Maçã Profanada
Teresina: 2003

12.4.16

RÉCITA, Francisco Miguel de Moura


                                            Para o amigo Ozildo Barros

1


Lixo atômico!
Ai, minha terra Francisco Santos!...
                                           Picos!...
Em vez de plantar mandioca
Vai plantar o câncer.
Ai dos meus rios,
Ai das minhas fontes,
            Pontes
     Lençóis freáticos!
O país do não come,
O país do não veste,
O país do não ouve,
O país do não chove,
- Piauí, triste/teste/toste.
Vamos receber o lixo do luxo,
Vamos receber o câncer dos ossos,
Vamos receber o câncer dos olhos,
Dente por dente, por dentro, olho por olho.

Meu grito contra o lixo atômico
É um grito histriônico:
- À merda, bomba! – Todas as bombas!


       
2


Não se pode mais plantar
                              batatas
Nas chapadas de Francisco Santos.
Não se pode! Não se pode!
Lá vão depositar o lixo dos “estranjas”...
No Piauí, não se pode, não se pode!

Ai, pátria do “não chove”,
Não come,
Não dorme.
Aí vem a bomba e sua carga
Amarga!
Molhemos nossos olhos, olhemos
Nossos próprios ossos.
Ai das nossas águas rio arriba,
                                 rio abaixo!..
Ai, Parnaíba, “velho monge”
Das nossas terras!
Ai do nosso sangue! Dói.
Morrendo nos veios, nos vales, nas chapadas,
Não se pode mais plantar mandioca,
Não se pode mais plantar mais nada.
                                      Nem poesia.
Ai, não se pode, não se pode, não se pode!


                         
3


Lixo atô-mico!
Luxo atômico para são paulo!
                                        r i o
                        brás     íl     ia...
Lixo para o Piauí,
Lixo, bicho!
Gente do Piauí come lixo
                        o  pobre,
                           opóbrio!
                        o burguês.
Não esse lixo-luxo-energia
                des-man-te-la-da.
Fora o lixo atômico,
fora toda a lixívia!

Quem não sabe que o bicho e o homem
                                             não comem?

FORA, POLÍTICOS E CIENTISTAS
QUE SÓ ENTENDEM DO ATÔMO,
MAS NADA DO HOMEM!
                   
NEM do ab(do)mem.



Francisco Miguel de Moura
Poemas recitados pelo autor, em 23.10.1986, no bar Nós & Elis, logo que soube que o lixo atômico viria a ser despejado nalgum lugar do Piauí. Francisco Miguel de Moura nas noites em outubro, andava com o também poeta Ozildo Barros e baixavam no bar Nós & Elis, em Teresina, para conversar, recitar e revolucionar o tempo e o ambiente. Via blogue do autor.


9.10.11

PONTE METÁLICA, Adrião Neto


Velha ponte metálica
que num fraternal abraço
une Piauí e Maranhão
o trem que te cruza
é mais um fator de integração
entre os dois Estados.
Monumento histórico e paisagístico
não és apenas um cartão postal
que irmana Teresina a Timon
e sim, uma testemunha ocular,
do abandono, do descaso e da agressão
que o Parnaíba vem sofrendo:
seu leito que outrora
fora caudaloso
hoje é apenas um fio de lágrima
da mãe Natureza
chorando sua própria desgraça.
Comovida, pedes socorro
mas ninguém te escuta
enquanto isso, o Velho Monge
no auge da sua caduquice
transforma suas águas em coroas.


Adrião Neto
em Poesia teresinense hoje 
Teresina: FCMC, 1988

30.3.16

RIO QUE DESÁGUA NO CORAÇÃO, Nelson Nunes




Rio, vida que corre lânguida
e incansavelmente banha a terra
e a alma do povo que te chama Parnaíba
Rio, de onde nasces e por onde vens
avolumando-te, cavando no chão o teu leito
vens, também, cravando na terra o nosso destino

Eu, minúscula embarcação, quando te navego hoje
e no afago de tuas águas serenas e calmas
sinto as mãos do velho Monge cansado de perdoar
vou, pouco a pouco, perdendo a esperança
a fé, que nas pedras teu limo ajudou a cultivar,
de que os homens te deixarão envelhecer em paz.



Nelson Nunes
em O RIO – Antologia Poética
Edições Corisco, 1980

18.9.12

PRIMEIRA FOTOGRAFIA VIVER TERESINA




Tentar compreender este sinal esquecido na vastidão do país.
Povoam-lhe um mundo próprio e professo calor humano.
A uniformidade da cidade, as ruas pequenas,
casas tímidas; seus quarenta graus mostram tenacidade
dessa gente em mudar seu destino.

A natureza proclama as águas do cenozóico rio,
ela pede respeito ao Velho Monge.
Mas, como esquecer a classe medianamente comprometida
com oligárquicas posições?

Cidade que é outro lado também aponta, a vida fácil
e colunável e superfídia,
percebida no volume que auferem algumas rendas
e a massa submersa em carências.

Invadem em rios subterrâneos, luzes que são espírito e ponte,
os artistas da cidade - contemporâneos do mundo:
os pés na história local
e o rosto voltado para o universal.

O povo recolhe sua presença nos fins de semana e
finge não ver suas raízes fincadas ao chão.
Não é possível compreender-lhe a razão: elegem
seus candidatos como quem aguarda redentor.

Teresina, Verde Cidade menina,
teu solo é paixão, dor e terno afeto.
Caminha. A felicidade se esconde aqui,
mas só se mostra quando estamos no exílio.



em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996

1.11.11

TERESINA NO PASSADO, Guaipuan Vieira


No final de maio de 1996, retornei a Teresina, integrando a Comissão de Intercâmbio Cultural de Fortaleza, a convite da Academia de Letras Vale do Longá. Ficamos hospedados no Hotel São José, à margem direita do rio Parnaíba, no coração da Verde Capital. Além da Ala Feminina da “Casa de Juvenal Galeno”, estavam o diretor desta, o escritor Alberto Santiago Galeno e o poeta Paulo de Tarso. Alberto me pedira para levá-lo ao Mercado Central, pois desejava comprar um chapéu de vaqueiro feito no Piauí. Eram quinze horas de sábado. O silêncio pairava no centro, devido o final de semana. Mesmo sabendo que àquelas horas seria impossível encontrar o mercado aberto, tive que atender o pedido.

Alberto, que caminhava a passos lentos e, cambaleando, estava calado, mas observador. Paulo, que nos acompanhava, admirava os velhos casarões e o rio que solitário descia entrecortado pelas coroas, indagou a Alberto:

- Doutor, o senhor conhecia Teresina?

Ele, sem pensar, duas vezes respondeu:

 - De passagem. Guaipuan não nos conta a sua história.

A responsabilidade pesou-me nos ombros. Calado, como menino repreendido, não sabia por onde começar. As recordações refletiam à mente. Mas uma luz me surgiu dos anos 60. Tive que superar o desafio, e conjugar costumes, tradições e modos de vida de um povo que, embora embriagado pelo vício e prostituição, deixara página de sua história, vez por outra folheada por algum pesquisador.

 - Isso aqui foi a famosa Palha de Arroz. O nome vem das torrefações. Nesse meio funcionou o baixo meretrício, o Q.G. era o cabaré Barrinha, conhecido por “tabaco”, freqüentado pelos “porcos-d’água”, que eram os ajudantes das embarcações.

Paramos um pouco, sob a sombra de oitizeiros, direcionados para o sul, a uma distância de 200 metros. Articulando, mostrei-lhes onde funcionava a usina termelétrica, que fornecera energia para toda a cidade, até a década de 60, substituída por uma caldeira a diesel, vinda de Alagoas, não esquecendo seus ritmados apitos como de uma maria-fumaça, que até as 21 horas servia-nos de relógio, quando num toque de despedida saudava a noite, que paulatinamente ia em busca do novo dia. Nessa época, o rio Parnaíba era navegável. De longe também se ouvia o rugir dos vapores, lanchas e alvarengas vindos do sul do Estado, transportando mercadorias e passageiros, em direção ao Porto, que ficava limitando a Praça da Bandeira, por onde iremos passar.

Recomeçamos a caminhada. Ao cruzarmos a rua Paissandu, fizemos outra parada. Não poderia esquecer de citar que fora o núcleo dos tradicionais cabarés, como “Estrela”, “Fascinação”, “Imperatriz”, “Nove Horas”, “Gerusa”, “Raimundinha”, “Joana de Paiva”, entre outros. Subimos na rua em direção à Praça Pedro II. Na mente conduzia a surpresa que Alberto tanto esperava. Uma outra parada não fazia mal. Afinal, procurava descrever Teresina no passado, mostrando-lhes os pontos que serviram de concentrações desses personagens.

 - Onde estamos? Indagou-me.

 - Olhe, nessa casa comercial, “Rádio Ion”, foi o bar do Zé Cazuza. Às 12 horas de uma sexta-feira de 1948, o tenente Wanderley bebia aqui. Ao perceber a passagem de Zezé-Leão, o chamou. Depois de uma ligeira conversa, lembrou-lhe que em certa ocasião tinha-o prendido. Zezé, calmamente, embora entrecortado do insulto, perguntou-lhe se ia demorar no bar. Ele, ufano de autoridade, respondeu-lhe que sim. Zezé, enfatizou:

 - Voltarei logo.

Em questão de 20 minutos, o lúgubre estúpido, armado com um revólver 38, mudava o ritmo da cidade. A rádio Pioneira, que funcionava na rua Senador Teodoro Pacheco, aqui, próximo, em primeira mão, divulgou o acontecimento em reportagem exemplar de Carlos Said. No dia seguinte, as manchetes dos principais jornais: “ZEZÉ-LEÃO MATA TENENTE WANDERLEY E FOGE".

- Ah, foi assim! Sua fama chegou no Ceará, exclamou Alberto.

Paulo, aproveitando a deixa, nos contou que seu tio-avô, Cel. Domingos Gomes de Freitas, que residia em Tauá CE, tinha um criado que era o responsável pela compra de mantimentos (gêneros alimentícios) da Casa Grande. Segundo seu avô, certa ocasião, o criado, chegando de viagem, já na entrada do município, fez uma ligeira parada numa venda para beber uma pinga. Ao pagar a dose, foi surpreendido pois já estava paga. Ele então perguntou ao dono da venda o nome do desconhecido para agradecer. Esse, ouvindo, respondeu-lhe:

“José de Área Leão
A onça sussuarana
das matas do Piauí".
- E você quem é, caboclo?
Sem bater pestana, que nem um bom improvisador, informou-lhe:

“Eu sou um cachorro preto
da zona do cariri
acuador de onça sussuarana
das matas do Piauí”.
E até logo!!!

Zezé baixou a cabeça, bebeu outra pinga e exclamou: “muito bem!” Um dos seus seguranças indagou-lhe: “Pega o homem, coronel?!

-“Não. Cachorro que acua onça é respeitado".

Continuamos a caminhada. Logo estávamos na Praça Pedro II. Ali, para mim, foi um pesadelo. Não controlava as ideias, que se misturavam com as lembranças, dificultando concatenar o raciocínio, porque a Praça continuava sendo o cordão umbilical dos que edificaram a invejável história da terra.

De um lado, o Centro de Artesanato, guardando consigo lembranças do velho quartel da polícia militar. Do outro, o Cine Rex, solitário, que nem ancião, nem parecia que vencera os seus concorrentes: Cine Guarany, Olímpia, São Luís, Rio Branco, entre outros. Um cartaz lembrava Alfredo Ferreira que foi o fundador do cinema em Teresina, e o primeiro filme exibido, que era norte-americano e falado, tinha como título: “Doce como Mel.”

O Theatro 4 de Setembro, guardião da cultura, silencioso, trazia consigo recordações da luta ferrenha que travou para se desligar do cinema, para ser o que é: palco de espetáculos teatrais. Ao lado, a Galeria das Artes, num oculto quadro, descrevia o saudoso Bar Carnaúba, cercado de artistas e intelectuais. As horas corriam. Alberto, mergulhado no impressionismo, esquecia a compra do chapéu. Paulo não perdia nada da explanação. Anotava, na agenda, os subsídios para a história do município.

Guia turístico, contador de história ou causos. Sei lá quem eu era. Prosseguimos. Seus entusiasmos aumentavam. Embora quisesse parar a narração, não podia. Sempre algo chamava a atenção.

O silêncio recordava-me os tempos idos, quando menino, de calça curta, procurando remédio nas farmácias Santo Antônio, Lili e São Pedro, de Pedro Vasconcelos. Não encontrando, ia direto à farmácia “Coleta’, onde Jaime da ‘botica” fazia a manipulação de medicamentos. Naquele tempo era assim. Com essa reflexão sobre o passado, logo chegamos à Praça Rio Branco. Estava a esmo. Não parecia o logradouro de concentração de poetas populares, da ceguinha Maria Viana, no órgão, interpretando canções bregas; de aposentados driblando a velhice, tentando afeiçoar a nova geração. A brisa fria da tarde os enchia de indagações, estava num árduo ofício, não podia dissolver fatos do folclore teresinense.

-Nesse prédio da Caixa Econômica, funcionou o comércio do Carcamano, à noite tinha uma preta velha vendendo manuê; a fatia do bolo custava um tostão, e media um palmo. Tornou-se admirada pelo pessoal de vida noturna, através dos improvisos de propaganda:

“Chega gente, está na hora
Compre logo o manuê,
Compre mesmo, sem demora.
Manuê da preta velha
Tem segredo de essênça,
Inda mais com bom café
Muda até sua presença”.

Observa-se, de certa forma, que a cultura popular, destacando-se a poesia, nasce da necessidade de sobrevivência dessa gente. A não importância desses fatos contribui veementemente para o anonimato do autor, o que aconteceu com modinhas, adágios e alguns provérbios.

-Com certeza, enalteceu Alberto. Tive que ser breve nas citações, haja vista que algo mais nos aguardava. Estamos na Praça da Bandeira.

Recorda-me o pequeno zoológico, a feira dos pássaros e a do troca-troca. Nessa época chamava-a de bacia, por formar um círculo e ser de baixo relevo. Deu guarida a grandes circos, como Garcia, entre outros. Hoje, as grades que a cercam, nos reflete a ligeira impressão de que é prisioneira, e que nada tem de majestosa! Vê-se silente, concentra suas atenções no Teatro de Arena, palco dos acontecimentos culturais, de ação preservadora das tradições da terra.

Veja “Domingos Fonseca”, do alto, sussurra a poética sem jaça, em louvação aos poetas que versejam “sua poesia”, nos Festivais de Violeiros do Nordeste. Eram 17h30min, os pardais começavam a harmoniosa sinfonia sobre os frondosos oitizeiros, em contemplação a mais um dia que se findava. Apressamos os passos, cruzamos o Mercado Central, logo saímos no desativado Cais do rio Parnaíba. De retorno ao hotel, oportunidade em que falei sobre o Velho Monge, das extintas carrancas e dos banhos aos domingos nas piscosas águas, onde as coroas são atraentes praias, que desfilam preciosas sereias, musas inspiradoras que nos confortam a alma, principalmente quando se tem um bom anzol. Alberto, satisfeito, sorriu. Paulo ficou ansioso para conhecê-las. Seguimos para o hotel, contemplando o pôr do sol, rica beleza natural. Alguns minutos, como se fora beber água, os deixei à vontade. Próximo ao hotel, Alberto exclamou:

-Gostei bastante do passeio e da sua narração. Só me falta o chapéu!


Guaipuan Vieira

15.4.16

ONDE UMA BARCA VEIO A POETA BUSCAR (A MANDADO), Luiz Filho de Oliveira




– psiu! – diz seo rio –  
vamos passear em mim
enquanto eu não vou... sim?

– sim – disse a mavioso convite (e mais disse!) –
vou embarcar assim sem a tal da catacrese – rio nativo
e navegar-te rio de muitos dito rio de minha terra
nossa! tanta terra! de tantos poetas & de gente tanta
que rio – rio – porque te-reverso uma margem apenas
emerso duma taba de imenso contentamento poti
como um piaga a desafiar-te-desafinar – rio grande

pois sei: és do filósofo antigo
o não-mesmo-rio-porque-passaste
e depois que a tua ira foi apascentada por Leonardo
– estando poeta-mentecontínua-revolucionário –
ficou mais fácil ir ter contigo ao teu catre alegorizado
mesmo agora em estado leito lento paciente porque
se canos & projetos já te-levaram as lavadeiras – rio dejeto
a largo canto canto o largo das águas em verso de monge velho

mas à margem de tuas melhores canetadas – rio verba
aquiagora levas a hidromassagem aos motéis urbanos (um caso)
onde secamente em programas as garotas falam falsas propagandas
beiravidando contra o rumo do mundo de Mundoca novamente    
e marginália mundana a cidade ainda te-reduz (o descaso)
de água e cais e caminho e mesa e banho
a esgoto latrina lixeira tema de campanhas
campanas pro dinheiro mesmo!

não mais Letes (esquece!)
nem Estiges nem Infernos  (estigmas do poético)
nestes versos te-quero música apenas: let’s play that!

e mais que o mar da costa – rio dádiva
vem e silva selvas de brisa vivas
e se o mar é longe e longo em linha
tu – rio – és doce e não amaro a toda a vida
linguagem para tudo quanto praias:
praio doce coroa & brotinhos

no averedado da verdade de teu chão – rio – caminho
e em filme grave gravo estas palavras em eco
lógico: não caço garças nem choro em coro
só aporto lado a lados: leito ladino (trino) se
margem a margens (imagens emergindo)
te-desavesso os versos líquidos – rio fio

todavia se a nado não cheguei a
nada de novo sob teu céu sobre as águas
liquido: aceito passear em ti nessa barca
por onde tropica o sol destas praças
(veio)

pronto, seo moço?

(rio)


(De Teresina a Timon, sôbolo rio Parnaíba, abarcando-o.)






Via Deleituras em 25 de novembro de 2009