10.11.13

TERESINA, Cineas Santos


Aos que chegam
(náufragos, arrivistas, mercenários)
a cidade sorri
e finge que se dá
mas que não ouse o estranho
nega-lhe um capricho
desvendar-lhe os segredos
porque então anoitece...
Amante voraz do ócio e da usura
a cidade conhece os seus
(pelo tinir das esporas, pigarro, perfume)
e só a eles se entrega sem reservas.


em Presença da Literatura Piauiense
Luiz Romero Lima | Teresina: 2003

BUSCA, Cineas Santos


caminho pelas ruas de minha cidade
pesa sobre mim o sol de outubro
não tenho pressa nem medo:
conheço todos os becos
__________________atalhos
______________________& riscos
a cidade está vazia de emoções e sustos:
nenhum rastro não conhecido
nenhum crime não consentido
nenhum desejo não controlado
a tarde flui lenta e pegajosa
e o coração alheio a tudo insiste:
busca você

ah meu coração - descarrilhado trem
meu coração é sempre o último a compreender

crimes amarelam nos jornais
desfolham-se girassóis aflitos
pardais tecem a improvável primavera
e a tarde é um convite ao
____________________p
____________________r
____________________e
____________________c
____________________i
____________________p
____________________í
____________________c
____________________i
____________________o

a cidade se veste de noite
navalhas passeiam no ar:
a morte espreita ferofascinante
e o coração alheio a tudo insiste:
busca você
ah meu coração - bandoleiro kamikase
meu coração é sempre o último a compreender

vagueio pelas ruas de minha cidade
e não as reconheço
e não me reconheço
desa (r) mado avesso só
e o coração alheio a tudo insiste
nessa busca - quase desespero
como quem procura reatar o gozo
interrompido entre o flagrante e o tiro
a morte bafeja a noite
e um anjo decaído sentencia:
- é tempo de sofrer sofrer e mais sofrer
até que o corpo frio extenuado
se exorcize de qualquer desejo
e o coração alheio a tudo...


Cineas Santos
em Miudezas em geral 
Teresina: Livraria e Editora Corisco ltda, 1986

Cineas Santos - síntese biográfica




Cineas dasChagas Santos (20/09/1948) nasceu em Campo Formoso, município de Caracol, sertão do Piauí. Poeta, cronista, intelectual, professor, agente cultural, advogado, editor e livreiro. Pertenceu ao Conselho Estadual de Cultura. Desde 1965 vive em Teresina, capital do Piauí, onde desenvolveu trabalho de agente cultural, atuando em diversas áreas, há décadas exercendo atividades no cenário artístico-cultural local. Em 1976/1977, fundou, junto com o poeta Paulo Machado e outros companheiros de geração, o jornal alternativo “Chapada do Corisco”. Proprietário da Corisco (livraria e editora), publicou vários autores piauienses. Professor de Português e Literatura de várias gerações de estudantes piauienses. Foi um dos idealizadores e organizador do SaLiPi (Salão do Livro do Piauí), evento que anualmente reúne livreiros, editoras e público leitor em torno a diversas atividades culturais, palestras, debates, oficinas e exposições. Também é proprietário da Oficina da Palavra, espaço cultural teresinense, e coordenador do grupo A Cara Alegre Do Piauí, projeto de interiorização da cultura – música, literatura e artes plásticas. Autor da letra do Hino oficial de Teresina, em parceria com o músico Erisvaldo Borges, que compôs a melodia. Apresenta (desde 10 de maio de 2009) o programa televisivo intitulado “Feito Em Casa“, sobre literatura, arte e cultura centradas na realidade local piauiense. Bibliografia: Miudezas em geral (poesia); Tinha que acontecer (contos); ABC da ecologia (cordel); Aldeia grande (humor); O menino que descobriu as palavras (infantil); Nada além (poesia) e Ciranda desafinada (infantil), entre outros.

8.11.13

"Teresina é sol"




    Teresina é sol
           e dó
nenhuma outra nota
            dá.



enviado pela autora

AOS IPÊS FLORIDOS NO CAOS




Hoje me agride o lirismo ufanista
me cansei de flores coloridas e perfeição
quero a falha
lamber o sangue e as feridas

Hoje o que me faz poesia
é o calor subindo do asfalto
a explosão dentro do grito
real, cru e seco

Hoje o humano me toca
no cerne e na carne,
quase sempre quente,
no olho violentado
da imundície do crepúsculo

Hoje, no desafio da lógica,
fazer do concreto música e poesia,
só me cansa o lirismo do impossível
literatura de beira de abismo
amor invisível ao chão



Laís Romero
em Revista AO - número 1
Teresina: junho de 2011

Laís Romero - síntese biográfica




Laís Romero é mãe, professora de Literatura e escreve. Editou a revista de Literatura Trimera (seis edições), participou do coletivo de poetas Academia Onírica e editou os dois números da revista AO. Tem poemas publicados nestas revistas e na revista virtual Desenredos nº14. Seu livro "Alecrim e o sufoco atmosférico" está para nascer, previsto para 2014.

6.11.13

CANTEIRO DE OBRAS 2013, Renata Flávia


e a dança foi cancelada o som desativado. a polícia não bateu mais na porta e a graça foi posta a baixo. desmantelaram o coração do centro, de todos os nervos de lembrança só restaram escombros, pé de manga, estacionamento. desinstalaram a poesia e o canteiro foi esvaziado e aos poucos as marretas terminaram a porradas os trabalhos. duros golpes não demoraram a transformar em sucata o casarão antigo das nossas primeiras emboscadas – porrada! o coração do centro morto agoniza na sua última morada. porrada.

Renata Flávia
enviado pela autora

PRAÇA RIO BRANCO, Renata Flávia


deus me renegando compreensão
com uma igreja de costas
para minha tórrida visão
de cara lavada de suor
o sol imprensando meu estomago
como duas mãos
eu inerte entre as luzes
que só ascendem quando paro
meu coração largado
meu coração


Renata Flávia
enviado pela autora

Renata Flávia - síntese biográfica


Renata Flávia por Caio Bruno

Renata Flávia nasceu em mil novecentos e oitenta e nove em Teresina, Piauí. Formada em História, atualmente vive em uma biblioteca pública nos horários comerciais. Com poemas em revistas, jornais, antologias, sites e blogues, tem publicado o livros Mar Grave (2018, Moinhos) e Lustre de Carne (2019, Moinhos). email: renata.flavia07@hotmail.com 

CARTÕES-POSTAIS DO FIM DO MUNDO




o olho em falso vacila na transversal:

no cheiro do medo, o faro desmedido
no horizonte, uma procissão de pássaros fosforescentes
há sol em cada canto do dia e os orixás fazem poemas-crianças
modigliani montado em um ganso
alimenta os peixes com a estranha beleza de suas mulheres.

uma tempestade de insônias sopra nos olhos:

os faróis acendem uma cadeia de mandíbulas
os vestidos caem do céu no museu-retina-de-porcelana
uma filha de lilith rola à beira do lago das danações
grandes doses de pílulas de café são dadas às estátuas da cidade e
baudelaire translúcido flana na rua do hospício.

– os corações saltam de pára-quedas
e os turistas fazem festas nos cartões-postais do fim do mundo.



Demetrios Galvão
em Insólito 
Fortaleza: Editora Corsário, 2011

UM FRAGMENTO DA DECRÉPITA PROVÍNCIA




teresina explode num jogo de fliperama, entre um dicionário e o peso da mediocridade, suspensa como um móbile, cheia de conceitos e recortes obtusos. face feita de algo sem passado, estéril ao que se movimenta e o barulho das sementes é estrondoso, raízes aos montes e prédios sem alma se erguendo como bambus na beira do rio. fluxo desordenado de matéria. o bolo abandonado no prato de beirada quebrada lembra algo velho descartável sem utilidade desafiando qualquer velocidade ou dinâmica e assim de graça eu digo que quero te beijar e esquecer que estou preso. caio fernando abreu vomita na minha cara e não me mexo falo reajo estático como o meio-fio, apenas margem, o nexo às vezes é só uma conseqüência do que pode ser o absurdo desfilando de um lado pro outro feito bicho de zoológico. teresina explode em clichês gordurosos.



em Insólito 
Fortaleza: Editora Corsário, 2011

A PREVISÃO DO TEMPO É UMA FALÁCIA


p/ mardônio frança e nuno gonçalves

os brinquedos, os jogos de adivinhação, a cidade e suas senhas-salamandras, as mandalas hipnotizadoras, a rota da barbárie e as memórias que entregam o seu coração aos bandeirantes, que entregam seus nomes, sua prole, seus sonhos de se tornarem camaleões ou peixes ou águias ou fogo. há setas que apontam pro norte, há uma confusão nos sensores, sentidos, os poemas-malabares cospem fogo, os cheiros e o sexo estão longe, o mar chega para lamber e sarar as feridas, o vento é chicote bem vindo nas costas, os brinquedos agora obsoletos, as conchas do mar, o pára-quedas está nas costas esperando ser aberto, a cidade colméia cria seus doentes mentais, a cidade frankstein devora seus doentes mentais, a cidade é uma seqüela aberta, ferida que nunca sara, cores mortas, portas fechadas, pernas e braços e cabeças e troncos espalhados pelas calçadas, os desenhos que se pintam são hecatombes, terremotos, nada de cores de almodóvar, a cada esquina um besouro a descer pela garganta, a sala de estar é um calabouço, um cala boca, uma mordaça, moscas cercando os cadáveres da cidade-hospício, cercando as mentiras e a dor da lembrança, pegamos carona em corpos alheios pra esquecer os sonhos ruins, há lugares que vendem coisas que já aconteceram, que já tocaram, que já foram vistas, que já foram lidas ou faladas, a cidade é uma sucata velha teimosa.



em Insólito 
Fortaleza: Editora Corsário, 2011

SÁBADO DESABA EM ANDORINHAS


e alguns meninos idiotas encontraram pelas cozinhas
pequenas andorinhas com muletas
que sabiam pronunciar a palavra amor.

garcía lorca


a luz do dia acolhe o amor que acorda. as andorinhas brincam no parapeito dos prédios sem se preocuparem com seus pais, incorporando exus e fazendo acrobacias perpendiculares ao canto da multidão. não há como remendar os rios, nem fazer dos galos o despertador das metrópoles. uma rua de escamas espera uma cor cair do céu para alimentar sua história. pessoas fardadas borram o vento que passeia. o som de um pandeiro modela as curvas dos pedestres: um inseto faz-se broche na manhã de nossos peitos.



em Insólito 
Fortaleza: Editora Corsário, 2011

ANOTAÇÕES SOBRE A CIDADE ALHEIA




os telhados falam do que não conhecemos, eles falam a língua dos musgos, da tinta seca, das telhas velhas: pegadas-perdidas-de-elefante. as paredes se escoram na flacidez do tempo, preguiçosas e pacientes, acordadas pelo som coletivo das matracas e o movimento das ancas dos cazumbás. a obesidade da cidade é um fato; suas estrias vazam – e nelas andamos. pequenas estações em cada fiapo de cimento ou planta, sombra do que se move e não pode ser segura, presa, pisada. a cavidade lasciva da brisa se faz caminho: sessão de filmes-sonhos no horário das pálpebras fechadas: – não quero que os galos me avisem que está amanhecendo.



em Insólito 
Fortaleza: Editora Corsário, 2011

Demetrios Galvão - síntese biográfica




Demetrios Galvão é historiador e poeta. Publicou os livros Cavalo de Tróia (2001), Fractais Semióticos (FUNDAC/PI, 2005), Insólito (ed. Corsário, 2011) e o cd Um Pandemônio Léxico no Arquipélago Parabólico (2005). Participou do coletivo poético Academia Onírica e foi dos editores da AO-Revista. Tem poemas publicados em diversos portais e revistas: Cronópios, Corsário, Germina, Mallarmargens, Blecaute, Diversos Afins, dentre outras. Atualmente edita a revista Acrobata. e-mail: demetrios.galvao@yahoo.com.br

Duas perguntas para o Menezes y Morais, por Rodrigo M Leite




Rodrigo M Leite: O que foi o movimento "Viver Teresina" que aconteceu na década de 70 em Teresina, Piauí?

Menezes y Morais: O Movimento Viver Teresina foi uma tentativa de chamar atenção dos artistas em geral, especialmente dos poetas, para que incluíssem em sua produção a nossa amada "Cidade Verde" como musa ou referência. Uma tentativa de levantar a autoestima da cidade, como você faz no "A Musa Esquecida". Eu lancei a ideia e logo depois migrei do Estado, e, retornando em visita um ano depois, fiquei tão feliz, porque o poeta William Melo Soares dera continuidade à campanha, lançando um livro de poesia com a informação "da coleção Viver Teresina". E vi duas pichações em muros do centro da cidade "VIVER TERESINA". Achei o maior barato.


Rodrigo M Leite: Li aquela sua entrevista feita por Wilmar Silva, do portal Germinaliteratura. Nela você comenta que veio de Altos para Teresina e que por volta dos 18 anos a sua poesia "ganhou a dimensão do real". Então, com 18 anos em 1969/70, quais lugares você frequentava em Teresina? 

Menezes y Morais: A minha poesia mudou por dois motivos: primeiro, mostrei grande parte para uma professora, ela disse que gostou muito e comentou: "Mas você, tão novo, tem tanta experiência...". Eu rasguei os poemas que ela elogiou, porque eram mentirosos, ficção, eu não tinha vivido nada daquilo, apenas imaginado. E depois, fui convidado para editar o Suplemento de Cultura do jornal O Dia: a experiência diária, cara a cara, com a realidade, consolidou a mudança: só escrevo sobre aquilo que eu vivo. Eu andava na cidade inteira, amava andar a pé (até hoje). Especialmente nos finais de semana. É claro que isto não era possível no horário de pico do sol. E nos finais de semana, era banho de rio e pescaria (de anzol ou linha de mão, pra pegar arraia), no Rio Poti, com amigos, família.



A CIDADE REVISITADA & seus leões, por Rodrigo M Leite


três poemas 
à memória do amigo 
wellington trovão


tambores e fumaça
inauguram a dança do fogo

os filhos-do-sol
convidados ao meio-dia
riscam a praça em chamas

banhados de suor
bronzeados com pólvora



neon HOTEL


consertaram as lâmpadas queimadas
tabuleta, não te quero mais l.a. woman
tuas garotas topless vermelhas
teu bilhar solitário
os riscos nos muros danificados
meus beijos adocicados



retorno às causas natais


a cidade revisitada
já abriga os fantasmas dos amigos
seres feito sombras e lembranças
mistos nostálgicos, madrugada mais difícil
a cidade revisitada
ainda habitada pelos mesmos morcegos
os mesmos bares dissolvidos sempre cedo
atalhos apagados, segredos preservados
a cidade revisitada e sua pólvora
os ônibus os mesmos
enfurecidos na noite vermelha
selvagem coração, a cidade revisitada
transitória faixa emoção



Rodrigo M Leite
em A Cidade Revisitada & seus leões
Teresina: 2014


Café Art Bar, por Rodrigo M Leite




da tarde que segue nervosa
homens surgem suados
carregados de preocupações
destinos a esmo
me vê uma antártica gelada
lá fora praça pedro segundo
a claridade destrói o asco
ferrugem que incendeia o portão velho
na entrada de um estacionamento
a urbe urge roncos trôpegos
a tarde é consumida dentro de um café



Rodrigo M Leite
em A Cidade Frita
Teresina: 2013 (versão atualizada)


5.11.13

Ed. Silvestre Saraiva de Siqueira, Bar Canto Alegre, por Rodrigo M Leite




não houve canto aquela noite

o rigoroso som que escapava junker box extravagava os ânimos alheios
constelações de estrelas salientes que jorravam em cascos de kaiser quebrados

r ú t i l o s c a c o s s u s p e i t o s

(som agonizando nas alturas, olhares sinuosos no mármore distante, madrugares clamores ferozes)

noite aflora faunadentro
silêncio no afago de pernas no verso das mesas



Zona Sub 
Teresina: 2012
(versão atualizada)


A tabuleta é um bairro pesado, por Rodrigo M Leite




durante o dia
feéricas ondas de calor
misturadas com areia e saudade
envelhecem acontecimentos presentes
torrão chapado no corisco!
acabaram com teu engarrafante torto balão
teu centro reformaram reto, encruzilhante
porto das miragens litorâneas
que brotam do asfalto meio-dia
avenida barão de gurguéia com br três quatro três
à noite
junto dos gestos precários
homens sem sombras
partes da clandestina escuridão
são destruídos pelos peso das grandes scanias
que rompem para timon
carregadas de sal
adiante zona sub esquina da mapil
garotas esqueléticas formas
comedoras de brasa cuspidoras de fogo!
atiçam corações feridos de aço e sucata
esmagados pelo esquecimento



Rodrigo M Leite
em A Cidade Frita
Teresina: 2013 (versão atualizada)