17.10.13

Café Avenida II, por Moura Rêgo


Jornal A Cidade - 07/08/951


Em outra oportunidade comentava-se a compra, pelo Estado, da biblioteca de Mestre Higino Cunha - um punhado de livros velhos que o governo acabava de adquirir mais como pretexto para suavizar economicamente a velhice do extraordinário polígrafo e servidor, pelo próprio governo sempre explorado e mal pago. Celso Pinheiro aplaudia o ato governamental, revelando ao mesmo tempo que a sua biblioteca é que ninguém poderia comprar. Não haveria dinheiro que chegasse.

Todos ali sabíamos que o poeta não tinha biblioteca nenhuma. Uns poucos volumes, geralmente de poesia, e nada mais. Martins napoleão até o considerava um gênio, justificando sua opinião com o fato de que, sem estudar, sem viajar, lendo praticamente só livros de versos, Celso possuía um domínio de uma escrita admirável, na correção, na criatividade, no conceito e nas imagens, tanto na poesia como na prosa. Eis por que a história da valiosa biblioteca não soara muito bem. E um de nós, creio que o Júlio, quis saber que biblioteca era essa de que ninguém tinha notícia.

Celso respondeu como que declamando, meio fora da realidade:

- O céu azul e as estrelas...

Cláudio Ferreira, como seu colega Pedro Torres, ainda trazia a cabeça cheia de histórias do seu tempo de seminarista. Contou que durante um retiro, na sede episcopal, o Padre Áureo fora escolhido para ler o texto destinado à ceia, a longa mesa de refeições totalmente ocupada por sarcedotes de várias localidades e presidida pelo bispo, D. Severino Vieira de Melo. E tudo ia bem até que o leitor, tropeçando em determinada palavra, começou a gaguejar: "geme... geme... gemebunda...".

Um risinho maroto percorreu então toda a mesa, logo, porém, abafado ante a atitude sisuda de chefe da igreja. Mas terminada a ceia, quando este já se retirava, o Padre Uchoa, sempre brincalhão, passando por trás do Padre Áureo, que permanecia sentado, acariciou-lhe a carapinha dizendo:

- Desta vez ela gemeu, hein nêgo!

Apesar do estrondo das risadas, o bispo apressou o passo, fingindo não haver tomado conhecimento da brincadeira.



em Notas fora da pauta 
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1988


Café Avenida III, por Moura Rêgo


Jornal A Cidade - 07/08/951


No Café Avenida também fazia ponto, quase todo dia, o Padre Acilino Portela, virtuoso pároco da matriz do Amparo. Era aí que, bebendo repetidamente seu cafezinho, sempre na mesma xícara, ele tomava dinheiro dos comerciantes, industriais, fazendeiros e outras pessoas, conhecidas ou não, para obras de reconstrução da igreja, que encontrara caindo aos pedaços. Homem simples, de palavra singela, era, entretanto, estimado e respeitado por todo mundo. Sermões monótonos, repisados e entremeados de uma palavra cacoete, nem por isso suas missas eram menos concorridas. Pelo contrário: aos domingos, na missa das 9, a igreja se tornava pequena para comportar os que nela se comprimiam.

Num desses sermões, o vigário falava, com visível aborrecimento, de certa pessoa que fora levar a D. Severino informações malévolas sobre seu modo de vida. E contava que o bispo, de quem recebera chamado, lhe manifestara não achar correto que ele, Padre Acilino, passasse os dias sentados num botequim, de pernas cruzadas e fumando cigarro. Mas fora franco - contava - como é do seu feitio. Confirmara as informações, justificando que, perdida sua mãezinha e não sendo casado nem podendo pagar empregada, não tinha quem lhe fizesse café; e como fosse o café sua única bebida, depois do vinho da missa e da água do pote, via-se obrigado a tomá-lo no bar, sempre pago pelos amigos por não ter dinheiro. E quanto ao cigarro, que o senhor bispo aconselhava usar mais recatadamente, afirmara não ser homem de fazer escondido aquilo que pudesse ser feito em público. E como não julgasse pecado, continuaria a fumar na presença de todo mundo e não detrás da porta, mesmo porque o cigarro também lhe era dado por amigos. E mais: dissera que passava os dias no bar para arranjar dinheiro para as obras da igreja, porque a diocese nunca lhe dera um tostão, para isso ou para qualquer outra coisa. E com isso encerrou-se a entrevista.

Padre Acilino repisava seu cacoete num crescendo nervoso, realmente aborrecido:

- Mas justamente eu sei quem foi fuxicar para o senhor bispo. Eu sei o nome dessa pessoa que justamente devia era melhor cuidar da sua vida e deixar a dos outros em paz. É gente que aqui mesmo vive batendo no peito, sem fé nem espírito crisão, e o que devia fazer era justamente tratar de ter mais merecimento junto a Deus. Mas eu sei quem é essa pessoa.

E alterando mais a voz:
- Eu sei quem é. Estou quase dizendo o nome dela! Justamente estou até sentindo cócega na língua. Vou acabar dizendo o nome dessa pessoa!

Toda a igreja ria. Menos decerto a pessoa de quem falava e que ali devia estar tremendo e rezando para não ser revelada.

Deixado em paz, pelos detratores e pelo bispo, Padre Acilino pôde concluir as obras de restauração de sua igraja, deixando apenas para seu substituto, Monsenhor Joaquim Ferreira Chaves - ou simplesmente Padre Chaves, como gosta de ser chamado - a construção das altíssimas e esguias torres que hoje identificam de longe, nas vistas terrestres ou aéreas, a imponente matriz de Nossa Senhora do Amparo.



em Notas fora da pauta 
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1988

Café Avenida IV, por Moura Rêgo


Jornal A Cidade - 07/08/951


Embora mais raramente, às vezes nos reuníamos também à noite, sempre no Café Avenida. Até às 21 horas, quando a cidade quase toda se recolhia para dormir. Os encontros ocorriam ao acaso: um de nós entrando para um cafezinho, encontrava um companheiro. Logo vinha outro, e o grupo ia se formando em torno de uma mesa e em meio aos comentários sobre fatos do dia ou trazidos pelos jornais do Rio de Janeiro. Mas qualquer assunto servia.

Uma noite, por exemplo, falava-se, entre outras coisas, de religião, da existência de Deus. Lembro-me bem dos presentes: Álvaro, Celso, Júlio, Ribamar e eu, e em mesa ao lado, depois de nos interromper duas ou três vezes, bêbado, o Agostinho Danado.

Celso acreditava em Jesus como um ser privilegiado, um profeta, um filósofo, e tinha por ele grande simpatia. Dizia até que, se estivesse em Jerusalém naqueles tempos, teria feito um barulho danado para evitar que o Cristo fosse, como foi, condenado sem culpa. Mas em matéria de religião, resumia suas idéias numa pequena frase: Tudo é amor. Deus, a vida e a morte, o sonho, a felicidade, o que é material e o que é abstrato, tudo é amor.

Júlio gostava de espicaçá-lo, sabendo que o amigo, nervoso, pegava fogo de repente. Nessa noite, após ouvir repetidas vezes a frase "tudo é amor", ele não dormiu no ponto, atirou o seu fósforo:

- Poeta, merda é amor?

Celso deixou a cadeira onde estava sentado quase num salto, e plantando-se diante do insolente, logo bradava e gesticulava, os olhos faiscando:
- Merda é amor, sim senhor! Merda é amor!

E fez um verdadeiro discurso em que havia esterco, húmus semente, germinação, planta, flor, beleza, paz e, finalmente, amor, tudo para tentar convencer, ao Júlio e a quem mais quisesse ouvi-lo, que merda é amor...

Em outro desses encontros noturnos o assunto era a reforma ortográfica, decretada pelo governo federal, e o vocabulário que a ela se integraria, organizado pela Academia Brasileira de Letras.

Celso Pinheiro confessava não haver aprendido as regras em vigor, por isso iria continuar escrevendo como até então e quem quisesse que fosse recolocando os acentos, os tremas, os hífens e outras coisas exigidas pela reforma.

Júlio Vieira faz-lhe ver que a coisa não é assim tão difícil, bastando notar, por exemplo, que toda palavra proparoxítona leva acento na sílaba tônica, agudo ou circunflexo, conforme o caráter aberto ou fechado da vogal: cálculo, pródigo, trêfego, cômodo. Prossegue explicando que o acento agudo também se emprega para evitar o ditongo em certas palavras, como país, juízo, saúde, viúvo.

Meio desinteressado, o poeta da "Flor Incógnita" interrompe a aula e se levanta para sair. Fala:

- Vou guardar minh'alma. Hoje tenho a cabeça tão doída.

Júlio logo corrige:

- A última palavra aí não tem acento...



em Notas fora da pauta 
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1988

Moura Rêgo - síntese biográfica




Raimundo de Moura Rêgo nasceu na antiga vila de São José dos Matões, hoje cidade de Matões, a 23/06/1911. Viveu a adolescência, a mocidade e parte da vida adulta em Teresina, a que ele dedicava extremo afeto. Contador, Bacharel em Direito. Professor da antiga Escola Industrial. Inspetor Federal do Ensino. Inspetor fiscal do Imposto de Consumo. Advogado.

Jornalista militante fez parte da antiga Associação de Imprensa do Piauí, com Cláudio Pacheco, Álvaro Ferreira, Martins Napoleão, Joel Oliveira e muitos outros. Em Teresina dirigiu a revista "Garota", de feição literária, e participou de vários movimentos intelectuais de jovens, como Arcádia dos Novos e Cenáculo Piauiense de Letras - colaborando nas revistas e jornais representativos desses movimentos e agremiações, com Odilo Costa, filho, Anísio e Wagner de Abreu Cavalcante, Viana Filho, Jacob Martins, Emílio Costa, Clemente Fortes, Firmino Paz e outros.

Músico, deu concertos de flauta, violão e violino. Especializando-se neste último instrumento, fez-se aplaudir em inúmeros recitais realizados não só em Teresina como em Fortaleza e São Luis do Maranhão. Continuou no Rio tocando violino em reuniões familiares com outros amadores. Em Teresina, foi uma espécie de introdutor de todos os artistas que a visitaram, especialmente na década de 40, recebendo-os, apresentando-os em público e cooperando com eles na execução dos respectivos programas. Exerceu a crítica de arte nos jornais "Vanguarda" e "Diário Oficial". Em 1941 realizou, com Antilhon Ribeiro Soares, a opereta "Uma noite do Oriente", levada a efeito, com sucesso, primeiro no auditório do Liceu Piauiense e depois no Teatro 4 de Setembro, sendo autor dos versos da maioria das músicas apresentadas e, além de violinista, regente do conjunto orquestral por ele mesmo organizado com amadores locais e músicos das bandas da Polícia e do Exército.

Moura Rêgo abrilhantou as mais queridas festas artísticas do Teatro 4 de Setembro. Exímio flautista, foi encanto da chegada de misse Piauí, do Rio, em 1929. Clarinetista, pianista, encontrou ainda no violino o seu instrumento de beleza. Compositor, poeta, prosador, memorialista.

Mereceu elogios de Martins Napoleão, Cláudio de Sousa, Jonas da Silva, Cruz Filho, Carlyle Martins, Celso Pinheiro, Cleómenes Campos, Malba Tahan e outros críticos e homens de letras do Brasil.

Publicou: "Ascensão dos Sonhos", poesias da juventude, 1936; "Trovas", 1942, e "Gritos Perdidos", 1944. No Rio, em 1987, editou "Em Surdina - Trovas e outras Cantigas". Dele a Academia Piauiense de Letras fez edições de três obras: "Contracanto", os seus melhores instantes de sensibilidade poética, o mestre do verso, cheiroso a amor, de alexandrinos perfeitos; "As Mamoranas estão florindo", história de uma fazenda e de uma época, no Maranhão, romance documentário, tipos, costumes, dureza da vida, gente abandonada; "Notas Fora da Pauta", memórias de Teresina, em que conta o pedaço mais bonito da sua vida, narra a maravilhosa fase artística teresinense de participou, com alma e coração, relembra nomes de que a cidade se orgulhava e fatos deliciosos dos tempos idos - uma Teresina pobre, mas alegre, rica do espírito de sua gente modesta, trabalhadora, fraterna - e nela esteve Moura Rêgo em serestas de amor e bem-querer.

Faleceu no Rio a 12 de março de 1988.



A. Tito Filho
em Jornal O Dia de 16 de julho  de 1988

DA CIDADE I




o poeta sobidesce
um arranha céus
outro caminho torto
na rua
espias casas

há um visível con
traste
entre o que é e o estar:
existir por cisma
já não vinga!




em Percurso do verbo
Teresina: 1987

DA CIDADE II




existe um canto
que sobrevive
à (b) usina de todos os dias
acalanto da memória
que a cidade descongela.

que é a barra / a barca
tremulando nos espaços
do arquiteto imóvel

a noite cobre aflitiva
a cidade:
o poema não se vence;
um homem bebe cicuta!



em Percurso do verbo
Teresina: 1987

DA CIDADE III




teresina se inclina
e uma névoa brusca
torna frágil o caminho

como custas a vir (meu amor)

ontem éramos nácar e sol
                                 hoje orvalho:
quanta coisa a te dizer
muito que fazermos
na aquarela escura
da cidade



em Percurso do verbo
Teresina: 1987

16.10.13

"o amor é recreio feito nos pastos verdes"




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o amor é recreio feito nos pastos verdes
da tristerezina
não tenha esses tantos medos
(que acho tão belos
em suas essências intocáveis)
porque o amor omnibus idem
e há tempos em que somos apenas amor
tudo em nós aí se imanta desse doce flagelo
e por ele respiramos
como se não existira nada além

aí reside a mudança das luas
devemos alçar o coração abaixar a cabeça
e participar dessa comunhão
cantando loas
correndo campoadentro
à toa...



em Percurso do verbo
Teresina: 1987

CENAS DE MORTE SOBRE O RIO




quando a gente tá nessas noites de ansiedade
e sai madrugada afora com um litro de chave de ouro
sob a camisa, comprimindo a lágrima na estação da saudade
descobre que a poesia ajuda a viver e quer que nosso poema
fira a carne dos mortais mas traga boas doses de riso
quem detém sobre a alba o sorriso perdido?
quem detém na vida a luz da saída?
quando a gente descobre que está só no mundo
está nu sobre o rio, e que a brutalidade das margens
compressas faz com que a água venha transbordando
dos olhos nos alhos, quer chorar sob a lua...
quem chamou por mim lá no longe?
quem me olhou chorar sob a ponte?
a vida é mesmo essa multidão de rostos inválidos
que a gente precisa ressuscitar. o poema é a melhor
maneira de falar para os meninos perdidos na escuridão
do rio e para as meninas da vida cingidas de cio...
quem viu meu poema no horizonte?
será que a vida me garante?


em Percurso do verbo
Teresina: 1987

TEREZIENSTADT




o muro da vergonha separa cidade da miséria
em ondulações de granito e flores de concreto
escondem os mafuás e malungos
frau tijubina não sabe
que a beleza é aparente
apenas pressente a separação
como dolorosa incisão
de um bisturi impiedoso



em Percurso do verbo
Teresina: 1987

"meu silêncio é planície morta"




meu silêncio é planície morta
do verde grandes lenços de linho
balançam a relva e assopram gemidos mudos
silvo de violino / aguilhão quando descansa

meu silêncio é a beira do poty
margens com-pressas
sussurrando loucuras / bandeirinhas vegetais
remando contra o re-mar

meu silêncio lençol horizontal
estendido no parnaíba
grande fala de poder falar e não precisar mais



em Percurso do verbo
Teresina: 1987

Ramsés Ramos - síntese biográfica





Ramsés Bahury de Sousa Ramos [ ✰ 28/12/1962 - † 20/09/1998 ] nasceu em Teresina - PI, faleceu na Rússia. Poeta, músico, jornalista, tradutor, tradutor e crítico de arte. Bibliografia: Dois gumes (1981); Envelope de poesia (com outros autores); Dança o caos (1981 - com outros autores); Percurso do verbo (1987); Baião de todos (1996 - com outros autores); Poema da paixão (1992).

A CIDADE




De avião, como é óbvio, descerás, brasileiro ou brasileira de outras plagas - no aeroporto de Teresina. Alegre e festivo. Um encanto para visitação. Dois andares. Defronte a pracinha bem cuidada, onde de noite os namorados se beijam, sem nenhum receio. Do aeroporto, tomando o rumo da esquerda, alcançarás o bairro proletário do Poti Velho - com a igrejinha mais do que centenária e o Poti de boa pescaria.

Asfalto em todo o percurso pintado de casinhas humildes, em que mora gente acolhedora. Tomando o rumo da direita, comprida avenida - habitada de classe média - e os dois velhos cemitérios superpovoados. O Instituto de Educação. Aqui seguirás pela esquerda - para que atinjas a zona militar, a estação da estrada de ferro, a Avenida Frei Serafim - e poderás seguir pela esquerda, até que encontres o Poti e alcances novos bairros - o do Jóquei Clube e o do São Cristóvão, nos quais habita uma pequena burguesia quase classe média. Caso não queiras, cortarás a Avenida Frei Serafim para os novos bairros - a Piçarra, a Catarina, Cristo Rei, Monte Castelo, onde se ergue a majestosa TV - Rádio Clube. E poderás prosseguir para encontro com a Vermelha, com o estádio Albertão, com a monumental ponte sobre o Parnaíba que te levará a Timon (Maranhão), Caxias, São Luís. Se não quiseres cortar a Frei Serafim, poderás dobrar à direita, e percorrer essa Avenida de beleza. Estarás no coração de Teresina: igrejas, Karnak, praças, zona bancária, zona comercial, cinemas, gente que se acotovela, que rumina problemas, que às vezes caminha para espairecer...



A. Tito Filho
em Teresina meu amor (4ª edição)
Teresina: COMEPI, 2002

TERESINA, O RIO, OS POETAS


Mangueiras, minha velha Teresina,
O povo alegre, sorridente, vivo,
O Mafuá num batucar festivo
Saudade, mestra e mãe que amar ensina.

                                Gregório de Moraes


...sobre um vale pastoral onde os rios passam
sobe a música de vida
dos rios reduzidos a um nome – Parnaíba.

                                H. Dobal


E há, neste anseio sempre renascente
de unir as nossas almas num só corpo,
uma repetição dos aconchegos
do Parnaíba com as lavadeiras.

                                Odylo Costa, filho


Teresina gentil de ruas alinhadas,
Tens nalma a placidez das loiras madrugadas,
A beleza, a frescura e o riso das mulheres.

                                  Cristino Castelo Branco


Vem o Cabeça de Cuia
dançando de madrugada,
vem a moça que morreu
no Parnaíba afogada:
com o seu vestido de noiva
que não pôde ser usado.

                                  Clóvis Moura


Eu sou como o Parnaíba
que corre para o mar;
viro e mexo, faço voltas,
mas meu destino é te amar.

                                  Popular


O Parnaíba tem pregão de glória,
Vai ovante e feliz, na onda ingente,
E teu nome lançar no mar da História!

                                  Alcides Freitas


Parnaíba, velho monge
do poeta que viveu
nas margens da tua cheia
no cheio de tuas margens.

                                  Álvaro Pacheco


Envelheci, querida Teresina,
Enquanto vais ficando, minha terra,
Cada vez mais formosa e mais menina.

                                  Altevir Alencar


Terrinha invocada...
O Karnak majestoso
Avenida iluminada...
Terrinha invocada, meu irmão.

                                  Herculano Moraes


Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando... E ao longe
O mugido dos bois de minha terra...

                                 Da Costa e Silva


O Rio Parnaíba, o velho monge,
Por alguém decantado entre poesias,
Vai, lentamente, deslizando ao longe,
Entre tristes gemidos de águas frias...

                                  Domingos Fonseca


Ouve as águas peregrinas,
Sussurrantes, cristalinas,

Que, docemente, te embalam:
Do Parnaíba altaneiro,
Caudaloso, sombranceiro,
São as vozes que te falam.

                                  Olympio Costa


O Velho Monge, num burel de arminho,
Refletindo as bucólicas paisagens,
Que lhe enfeitam de gala as verdes margens
Paras as bandas do mar segue o caminho.

                                  Vidal de Freitas


Apenas sei
E além disso nada mais
Que o Velho Monge continua rezando
À tristeza das águas
E emoliente ladainha do tempo.

                                  Pompílio Santos


A. Tito Filho
em Teresina meu amor, 4ªed.
Teresina: COMEPI, 2002

O NOME


Teresina compõe-se de dois elementos: Teres, de Teresa, e ina, de Cristina. 
Homenagem à imperatriz Teresa Cristina, mulher do 2º imperador do Brasil, 
D. Pedro II, que reinava na época da fundação.


José de Antônio Saraiva era baiano. Como todo baiano, inteligente. Baiano burro nasce morto. A lei que autorizou a mudança da capital de Oeiras para a Vila Nova do Poti dizia que a Vila Nova do Poti ficava, desde já, elevada à categoria de cidade, com a denominação de Teresina...

Pedro II não podia ser contra. Ou não devia.

Quando os oeirenses mandaram ao imperador água do Parnaíba, água barrenta, colhida de propósito, para que Pedro II lhe evidenciasse péssimas condições, dizem que o monarca olhou bem o polme assentado no fundo da garrafa, sacudiu-a, tomou do copo, encheu-o, bebeu e sustentou:

- Mais saborosa do que esta nunca bebi.

E tinha razão. Inclusive as águas do Parnaíba, pesar de águas doces, tem inspirado grandes páginas da poesia nacional.



A. Tito Filho
em Teresina meu amor, 4ªed. 
Teresina: COMEPI, 2002

A. Tito Filho - síntese biográfica




José de Arimathéa Tito Filho [ ✰ 27/10/1924 - † 23/06/1992 ] nasceu em Barras - PI, faleceu em Teresina - PI. Bacharel em Ciência Jurídicas e Sociais, professor, jornalista e escritor. Bibliografia: Combustível e alimento (1951); O problema social da infância (1952); Da atualidade do Latim Vulgar (1958); Viagem ao dicionário (1972); Esmaragdo de Freitas - homens e episódios (1973); Deus e a natureza em José Coriolano (1973); Zito Batista - o poeta e o prosador (1973); Lima Rebelo – o homem e a substância (1973); Teresina, meu amor (1973); Gente e humor (1974); Sermões aos peixes” (1975); Praça Aquidabã, sem número (1975); Teresina, ruas, praças e avenidas – roteiro turístico (1976); Crônica da Cidade Amada (1977); Carnavais de Teresina (1978); A Igreja do Alto da Jurubeba (1978 e 1986); José de Freitas, comunidade exemplar (1978); Sua Excelência O Egrégio (1978 e 1991); A Augusta casa do Piauí (1978); Memorial da Cidade Verde (1978); O Piauí no Congresso Nacional (1980); Anglo-Norte-Americanismos no Português do Brasil (1986); Governos do Piauí; Crônicas (1989); Temas Atuais (1992), entre outros. 

TERCEIRO CONTINHO TERESINENSE


para o Maestro Emanuel Coelho Maciel


No cais do rio Punaré, um homem arrancava notas tortas de um violino, lembrando as travessuras de Villa-Lobos. Aparentava setenta anos. Era tão estranho à paisagem, como o rosto de Marilyn Monroe na tela do Cine Olympia, nas vesperais inesquecíveis.

Meninos passavam, quixotescos e distantes. Um cão ladrava inquieto. Uma mariposa peralta fazia cena. A chuva caía mansamente, envelhecendo o domingo.



Paulo Machado
Revista AO, número 2
Teresina: dezembro de 2011

RÉQUIEM


ao artista plástico amaral

no natal de 1967, conheci carlitos
numa vesperal, no cine rex.

descobri na agilidade
dos gestos frágeis
e no expressivo abismo dos olhos inquietos
que meu povo haveria de conquistar
terras, arados, sementes,
livros, couro, linho.

(ratazanas cinza, medrosas buscavam a penumbra
detrás das velhas cortinas de veludo grená)

no natal de 1977, carlitos inventou
mais uma pantomia
e encarapitado no dorso de um potro negro
partiu, para recuperar o tempo esquecido.


Paulo Machado
em "ta pronto seu lobo?"
Edições Corisco: Teresina, 2002 (2ª edição)

ARQUIVO


ao contista m. de moura filho


adão andou nas mãos dos paisanos
e foi encontrado na praça da liberdade
como um mamulengo esquecido detrás do palco:
olhos abertos, boca cerrada, músculos petrificados,
sangue coagulado nas narinas.

adão virou manchete
na pose três por quatro,
na última página de o dia.

hoje, é um número qualquer
arquivado
à espera dos cupins.



Paulo Machado
em "ta pronto seu lobo?"
Edições Corisco: Teresina, 2002 (2ª edição)

LUA RUA




O poema concreto Lua Rua apresenta graficamente características do quadrilátero original da planta do projeto urbanístico concebido, no meado do século XIX, para a cidade a ser construída à margem direita do rio Parnaíba. Na concepção do poema, foram levantadas informações históricas e culturais relacionadas à contribuição dos escravos negros ladinos à construção da cidade de Teresina, trazidos das fazendas de criação de bois e cavalos, instaladas no Vale do Rio Canindé. (Paulo Machado via blogue do artista plástico Amaral)