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28.7.23

CARTOGRAFIA INFINDA, por Renata Flávia




Era dia de muito sol, como todos os dias
Quando Assis Brasil cruzava a Praça da Integração no Parque Piauí
M. Leite descrevia os urubus e o cheiro forte do mercado, quarteirões abaixo
Um ônibus marrom desce a Av. Maranhão
O centro brota no vão dos dedos de colegiais
Entre a beira e a coroa
Todos os dias é rio e cais
Arnaldo aparece de batom na capa do jornal anunciando a prainha que vem
Até hoje, a manhã recita Da Costa quando as barbas de um monge escorrem
[no Parnaíba antes das 7 horas
Todos os dias
O abandono cresce na fuligem do trânsito
Enquanto O.G. atende no Banco do Brasil da Álvaro Mendes, 1313
Chico faz o mesmo até às 4 da tarde
Quando desabotoa os dois primeiros botões da camisa rumo à Pedro II
Essa praça, onde H. Dobal caminha em círculos
Está entregue ao vazio
De frente, drogas, ratos e lixos circulam livremente onde antes havia poltronas de cinema
A 100 metros dali Paulo Machado enfrenta o poema da Teodoro Pacheco, 1193
No sentido contrário Genu reinventa fantasmas no último casarão da Antonino Freire
É dura a caminhada
Fontes Ibiapina passa na lateral da Central de Artesanato antes de descrever o incêndio
[e o salto metálico
Na Rua São João 1042 Torquato arruma as malas para partir, pois cansou
Não chore, Teresina é assim mesmo
Foi Faustino primeiro, depois tantos mais
Apesar de ser lindo o laranja neon desse sol que cai



Renata Flávia
Poema inédito em livro
Enviado pela autora


27.7.23

CIDADE SAFÁRI, por João Henrique Vieira



a cidade é um safári
passeamos com medo das mordidas da estupidez
somos um aquário poluído pensando que é monet
transitamos assustados pela paisagem de armaduras
entre ferros luminosos carregamos nossos sonhos

a cidade é um safári e os bichos não estimam ninguém
a encenação é um vício do medo
circo tela pichada filme pirata humor previsível moda lunática
anjos atropelados pelas ruas
atropelados pelo bom dia sem dono
atropelados no meio do filme
anjos atropelados pela ternura dão risadas do amor
e a beleza é o filho que dorme

a cidade é um safári e nos salvamos bêbados num bar vagabundo
glamour maquiado medo sonho céu
os bichos são mais bonitos quando se amam
é bom o sono seguro de quem dorme com amor
os bichos são mais bonitos quando afastam as cortinas do medo e pintam a embriaguez da
revolução e se amam

estamos descalços e já começaram a guerra
ainda procuro uns versos que valham a pena e já começaram a guerra
a cidade é um safári
uma diversão assustada e cheia de bichos entre o amor a morte e o riso.



João Henrique Vieira
publicado na oitava edição da Revista Garupa

4.5.22

Pra Acender seu Coração, por Chico Castro



Não sou quem vc pensa, meu rapaz!
Vc não nem me vê
Kd vc?
Tenho um pix, sou mix...
Já fui pó de giz...
Agora
Faço as unhas, corto cabelo
Faço massagem, selagem, tiro os pelos
Boto a bunda pra rebolar...
E vc nem olha!
Se até um cego me vê passar!
Sou mulher...
Gosto de gracejo
De Catherine Deneuve...
Compro roupa nova
Da moda,
Um biquíni cavadão...
Faço festa de São João
Quando vejo vc chegar...
Por que não posso me rebolar?
Pra chamar sua atenção?
Qualé, meu irmão, tem disso, não..
Joga essa prosa fora...
Não sou submissa,
Sou artista...
Pra acender seu coração,
Faço festa de São João
Um biquíni cavadão
Quando vejo vc passar
Pra chamar sua atenção...



Chico Casto, 05.02.2022
Enviado pelo autor


11.6.21

Os Bares de Teresina, por Eugênio Rosa de Oliveira Ribeiro (2013)






Certa noite, pertinho do aniversário de 161 anos de Teresina, numa das cervejadas no Bar do Osvaldo, ficou uma pergunta no ar: O que ou quem mais representaria o jeito de ser da cidade de Teresina?

Conversando com o Conselheiro Fernando Porto, primeiro e único Comendador do Barrocão, veio a solução! Nossos bares e botecos são quem mais refletem a alma do Teresinense.

E por qual razão? Qual é a característica dos nossos botecos? O que os diferencia? Quais são eles?

A maioria de nossos bares é bem simples. Despojados, não muitos limpos (tem um com o nome “Bar do Imundo”), copo americano, cadeira de espaguete, ás vezes nem cadeira têm! E, apesar de serem um templo de celebração da mulher, são um ambiente eminentemente masculino.

O dono, geralmente mais grosso que lixa 40, contraria todas as lições do SEBRAE sobre a cortesia e atenção aos clientes.

No entanto, estes botecos são ponto de intelectuais, médicos, engenheiros, jornalistas, empresários, um sem número de pessoas conhecidas e bem sucedidas, além dos tradicionais cachaceiros dos diversos matizes.

Tem boteco frequentado pelas mesmas pessoas faz 40, 50 anos. Agora já são os filhos que estão tomando o lugar dos pais.

O Bar do Osvaldo, por exemplo, que funcionava perto da casa do estudante, antes de mudar para o Barrocão (ficou no lugar do bar do seu Luís Veloso, pai da primeira dama Lilian), foi frequentado por sucessivas gerações de estudantes (iam comprar ovo e sardinha!).

Muitos desses estudantes se formaram e, apesar de profissionais de sucesso, mantiveram o hábito de visitar o veterano da guerra (seu Osvaldo lutou no Suez).

No Osvaldo não há cadeiras, nem mesas. Quando aparece uma pessoa conhecida (só se for conhecida) ele tira detrás do balcão um tamborete e, assim, os fregueses se posicionam uns de frente para os outros nos dois lados do balcão.

O balcão de madeira do seu Osvaldo tem mais de cem anos e pertenceu ao comércio do senhor Adelino, depois fiscal de rendas do estado, pai do Agenor (engenheiro), Juscelino e Dilson Pinheiro (médicos já falecidos) que permaneceram, como o pai, assíduos frequentadores.

Local de encontro de muitos amigos como: Tancredo Serra e Silva, Edmar Mota e Bona, Peninha, Manoel Afonso, José Jucá Marinho, Bernardo Castelo Branco, Oscar Castelo Branco, Ivadilson, Raimundo Marvignier, Os irmãos Raldir, Bizarria e Roosevelt Bastos, José de Sousa Santos, Afonso Ferro Gomes Filho, João Agrícola dos Passos, Walter Moura, Alberoni Lemos Neto, Ismar Andrade, e muitos outros.

Dá tristeza saber que uma grande parte já se foi!

Outros bares formam uma verdadeira confraria. Um grande exemplo é o Santana. Reduto de famílias tradicionais, os clientes se sentem irmanados e muito amigos. É muito frequentado por empresários e profissionais liberais. Os membros promovem diversos eventos durante o ano: Carro dos Amigos do Santana no Corso, filme do ano, enduros e por aí vai... Tem cliente que começou criança tomando refrigerante no antigo endereço em frente à Igreja São Benedito.

Mas afinal, quais são os bares tradicionais de Teresina do passado e do presente? Eis alguns exemplos:

Maria Tijubina: ficava no Mafuá entre o muro do Cemitério São José e a linha do trem era frequentada por boêmios e notívagos muito conhecidos como José Lopes dos Santos e o mestre do cavaquinho da Rádio Difusora Caco Velho.

• Bar do 71: na Praça do Fripisa, o dono “o Neguin Baixo” só usava branco, roupa e chapéu. Era o ponto dos estudantes da Faculdade de Direito, que funcionava na praça, quando terminavam as aulas.

• Bar do Zé Garapa: na Piçarra onde funciona hoje a Jacaúna, ponto de encontro dos melhores jogadores de sinuca. O melhor jogador era o Raimundinho da Bindá. Seu irmão Antônio da Bindá era conhecido como o maior boêmio do Piauí e um grande cantor.

• Restaurante da Dona Maria Maior: localizado na Rua Paissandu, reduto boêmio. Quando terminavam os filmes, as tertúlias e o movimento da Praça Pedro II, os homens desciam. O nome oficial era Fála-se Hotel, possivelmente uma corruptela de Pálace Hotel.

Bar Carvalho: Muito famoso, frequentado pela elite, era da família do prefeito Firmino Filho e do vereador Inácio Carvalho, ficava na Praça Rio Branco e era considerado a melhor comida de Teresina.

• Bar do Cabecinha: No Cajueiro, antes funcionou na Santa Luzia com David Caldas, reduto do famoso Basilão dos Cajueiros.

Bar Carnaúba: dos irmãos argentinos Carlos e Osvaldo Fassi, ao lado do Theatro 4 de Setembro, totalmente feito de carnaúba. Em suas proximidades funcionava a Rádio Calçada, em frente a Lanchonete Americana, onde as decisões políticas do Piauí eram tomadas. Entre os seus frequentadores temos: Deputado Ciro Nogueira (pai), Dr. João Mendes Nepomuceno Neto, Prof. Magalhães (pai de secretario de segurança) dentre outros.

• Bar do porão do Clube dos Diários: onde existia um cassino

• Largo do Boticário, no Clube dos Diários: no corredor a esquerda de quem entra no Clube, reduto de escritores e intelectuais, até os garçons eram famosos: Raimundão (pai da delegada Vilma), Careca e Cirilo.

• Bar e Hotel Avenida: onde hoje é o Hotel Piauí (Luxor), frequentado pelos sírios e libaneses, nossos conhecidos carcamanos.

• Cantinho do Tufy: também de árabe, o dono era o Jesus Thomaz Tufy, exercia suas atividades na Rua Álvaro Mendes esquina com a Rua Simplício Mendes, foi a primeira lanchonete a vender esfirra e quibe na cidade.

• Bar e Restaurante do Auto Esporte Clube: Na Rua da Palmeirinha (Clodoaldo Freitas), lugar de quem queria comer uma boa panelada. Primeiro restaurante “delivery” de Teresina.

• Chicona do Poti Velho: figura folclórica fazia piaba frita e peixe de primeira (era quem fritava os peixes – bem poucos por sinal– de minhas pescarias no encontro das águas).

• Galinha da Júlia: única comida que se pode dizer que é genuinamente teresinense, funcionava perto do Hospital São Marcos. A galinha era feita em panela de ferro e lenha, recheada com mexidos e bastante condimentada. A receita morreu com ela, mas fez tanto sucesso que a tripulação da empresa aérea Real Aerovias, ao fazer escala em Teresina já vinha com a incumbência de levar a galinha para o Rio de Janeiro e outras cidades.

• Bar do Zé de Melo: em pleno funcionamento na Dom Severino, tão frequentado e querido que existe uma confraria organizada dos amigos do seu Zé.

VTS: Na Rua João Cabral, vende um peixe muito famoso e possuía uma seleta freguesia, exemplo: Totó Barbosa, Elisiário, Carlos Said e Nodgi Nogueira

E quantos outros! Miúda, Bar do Edverton, Gela Guela (a cerveja mais gelada da cidade), Rifona, Zé guela, Sapucainha, Coqueiro Verde, Bar do Gelatti, Pesqueirinho, Bar do Lula, Bar do João Veloso, Bar do Amauri (reduto de jornalistas), Bar da Tia Maria (no encontro das águas), do Ulisses, Zé Filho, Pé Inchado, Ribamar, do Pernambuco, Bar e Restaurante Acadêmico (do Pedro Quirino).

Em Teresina, o bar é tão importante que até candidatura de governador já foi decidida em um.

Até hoje, não há maior diversão para um teresinense da gema que encontrar os amigos no final da tarde e fins de semana, no seu boteco favorito, para trocar informações e esmaecer as tensões de um dia de trabalho.

Nem melhor local para se fazer amizades que duram toda a vida.

São os bares e botecos que fizeram a alegria dos teresinenses de ontem e de hoje.

E que refletem muito do nosso jeito simples e amigo de ser.



Eugênio Rosa de Oliveira Ribeiro
Em 10/08/2013 | Teresina/PI

Publicado no blogue do Poeta Elmar Carvalho "Recebi o vertente texto por WhatsApp. Não tendo o contato do autor, não lhe pude pedir autorização para a publicação em meu blog. Espero que ele não se aborreça. Quem me enviou o texto também não tinha o endereço virtual dele. Publiquei porque achei um texto muito bom e importante para a memória de Teresina."


20.3.20

Nós & Elis: A noite de Teresina no bar da esperança e da cultura, por Antonio César da Silva Pinheiro


RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de apresentar Teresina, a capital do Piauí, observando a leitura do livro No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia. Livro que é um coletivo de autores, onde personagens do mundo cultural piauiense e nacional relembram bons e importantes momentos vividos num bar, contribuindo para a memória histórica de nosso povo. Palavras-chave: Teresina, bar, cultura, Nós & Elis, memória.

ABSTRACT: This paper aims to present Teresina, the capital of Piaui, noting the reading of the book We The People & The Elis was happy - and I knew. Book, which is a collective of authors, characters in the world where cultural and national Piauí recall good and bad times, contributing to the historical memory of our people. Words-Key: Teresina, bar, culture, Nós & Elis, memory.

Introdução

Em 2010, o artista plástico, pesquisador e blogueiro Joca Oeiras, paulistano, mas residente em Oeiras, organizou o livro No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia, com textos e crônicas escritas por personagens bem conhecidos da cultura e política piauiense. Esses autores relembram momentos entre os anos 1984 e 1994, tempo em que funcionou, nas proximidades da Universidade Federal do Piauí, o Bar Nós & Elis, reduto de estudantes, amantes da cultura ou a gente que procurava na noite de Teresina um lugar para seus drinques noturnos.

Idealizado pelo ex-deputado Elias Prado Jr., parnaibano, falecido durante exercício do mandato, em 2002, prestes a fazer 50 anos, o bar foi inaugurado em 1984, na efervescência da discussão sobre o fim da ditadura militar e campanha pelas Diretas - Já. Elias, fervoroso militante do movimento estudantil universitário em Brasília, retornava à sua terra cheio de sonhos e idéias, uma delas sendo abrir um espaço cultural pra confraternização entre amigos e proporcionar algo diferente para a noite teresinense, na época muito carente de opções. O bar seria fundamental para o início das carreiras de vários artistas piauienses, entre eles João Cláudio Moreno, Roraima, Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento, Patrícia Mellodi. Nas noites culturais, encontravam-se também jovens que discutiam os prováveis rumos políticos do país, entre eles o próprio Elias Prado Jr., Antonio José Medeiros, George Mendes e Wellington Dias, todos eles escrevendo suas memórias do bar neste livro.

Lendo essas memórias, observamos a transição que estava acontecendo no Brasil, e o Piauí contribuindo com a análise desse momento. Como diz o cineasta Eduardo Valente ao se referir ao filme Bar Esperança, o último que fecha, de Hugo Carvana, de 1983:

“Diante do desconhecido futuro, há apenas a certeza de que o tempo não está parando e que os melhores anos de sua juventude vão ficando para trás. É entre a melancolia dessa sensação e a euforia de um país que escapa das garras do regime militar que Bar Esperança se localiza, fazendo um retrato com a profundidade e a exatidão de poucos outros sobre uma época cheia de sentimentos contraditórios.”

O bar que veremos nesse livro analisado, é o bar onde se encontram os esperançosos e os melancólicos, discutindo paixões políticas e carnais, curtindo o som de artistas despontando e mudando o cenário da cidade.

A esperança equilibrista

O ano de 1984 marcou, na história brasileira, o momento onde o povo, cansado de uma ditadura que completava 20 anos, tomou as ruas do país pedindo o direito de votar para presidente. Teresina já manifestara sua vontade, numa manifestação em frente ao Palácio do Karnak, no dia 26 de junho de 1983, uma das primeiras manifestações do movimento.

“Naquele mesmo ano, em Teresina, políticos da esquerda aberta e clandestina, intelectuais de espírito libertário, a boemia culta, artistas, sindicalistas, jornalistas, professores e estudantes universitários corriam na contramão do regime moribundo, sendo subitamente presenteados com um lugar que lhes possibilitava a comunhão dos sonhos de independência, cultura irrestrita, vida plena e alegria: o Nós & Elis” (pág. 157)

Elias Prado Jr., que voltava ao Piauí depois de anos estudando em Brasília, abre esse bar, um ambiente multicultural, enfim um lugar onde se encontrar, beber, curtir, discutir. Num espaço pequeno, próximo à UFPI, nascia o Nós & Elis, nome dado em homenagem a Elis Regina, intérprete adorada pelo proprietário do bar, mas que também fazia referência a eles, eles os artistas que Elias desejava ver ali tendo suas carreiras lançadas. Música, teatro e poesia dividiam o palco, pequeno como pequeno era o bar. Embora pequeno, se comparado com os grandes espaços que temos hoje na capital, o bar tinha banheiro feminino e masculino separados, um ineditismo para a Teresina da época. Também inédito era o pagamento de cachê aos músicos, numa tentativa de dar condições aos artistas de seguirem suas carreiras e de criar uma cultura que a cidade não tinha.

O Nós & Elis transformou, de forma radical, a cultura teresinense no que diz respeito à música. Porque, até então, não havia a tradição da música ao vivo. O Elias, colocando, pela primeira vez na cidade, melhor ainda, pagando cachê, começa no Nós & Elis a profissionalização de músicos com trabalhos autorais e/ou intérpretes de um repertório de alta qualidade musical”. (pág. 22)

Elias Prado Jr. não era uma figura das mais fáceis. Gritava com quem quisesse “bagunçar” no seu bar. Numa briga com um cliente por causa de suas convicções políticas, resolveu fechar o bar. Elias era militante (depois deputado estadual) do PDT, grande admirador de Leonel Brizola e fazia política o tempo todo, conversando de mesa em mesa, discutindo e polemizando e não aceitaria alguém xingar seu adorado líder, em plena campanha presidencial de 1989. Discussão sim, mas com elegância. Jornais e artistas pediam a reabertura do espaço cultural, mas, homem de temperamento forte, não aceitava voltar atrás à palavra dada. Resolveu passar o bar para outras mãos, das irmãs Fonteles (Rita, Nazaré e Zezé), também de Parnaíba, estas permanecendo até 1991. Essa fase do bar também foi de enorme sucesso, permanecendo o objetivo para o qual foi criado. Com as irmãs Fonteles, o bar ganhou um produtor artístico, Moisés Chaves que cita o Nós & Elis como “um lugar pra ser lembrado, como coisas que havia e não existem mais, como foi o Beco do Prazer, a Feirinha da Praça Saraiva, o Vôlei Bar, o “quebra-bunda” do Teatro 4 de Setembro...”.

Por fim, em 1992, ganha nova administração, que não é mencionada no livro, talvez por lembrar a triste decadência que tomou lugar da fase áurea. O Nós & Elis não resistiu e acabou de forma melancólica, atraindo uma multidão de jovens que só queria saber do axé baiano no volume máximo. Quando fechou as portas, Teresina estava sendo dominada por uma onda barulhenta de músicas nacionais enlatadas. O lugar tanto fazia para os novos frequentadores. O que tinha sido bom acabou-se sem nenhuma despedida.

Subo nesse palco...

Uma das funções do historiador, segundo Peter Burke é “ser um ‘lembrador’, um guardião da Memória dos acontecimentos públicos, postos por escrito em benefício dos seus atores, para lhes dar fama, e também para benefício da posteridade que poderá, assim, aprender com o seu exemplo”.
Lembrar aqueles momentos no Nós & Elis é, para muitos, lembrar momentos decisivos de sua vida, apresentando pela primeira vez para um público suas criações. E qual a importância disso para a história da cidade? Ora, estamos nos referindo à sua história cultural, e sua conexão com os fatos históricos que aconteciam naquele período. Para a capital corriam todos os aspirantes a uma carreira, onde lá já se encontravam muitos. A juventude universitária, composta por estudantes de diversas cidades do interior do Piauí e de sua capital compunham suas canções, escreviam suas poesias, criavam sua peças. O palco do bar foi o lugar onde puderam expor suas obras, como diz o humorista João Cláudio Moreno:

“Pois é, por aqui em Teresina, houve um lugar assim, onde vivi horas memoráveis de minha vida e onde fiz meu primeiro show, em dezembro de 1989” (pág. 68)

João Cláudio Moreno viveu noites memoráveis, como diz, e discutiu política, militante comunista que já era na época e fez suas apresentações e viu muitos amigos se apresentarem, num clima festivo, onde não raras vezes se juntavam em grandes jams. Alguns frequentadores criavam coragem e pediam o palco para se apresentarem, dando as famosas canjas. As jams são as reuniões de vários artistas num mesmo palco, homenageando alguém com uma canção, e as canjas, amadores que resolveram subir ao palco, em boa parte das vezes, incentivados pelos amigos.

“Lembro do dia em que saí com alguns amigos e fomos até lá tomar uma cerveja e ouvir boa música. (...) Escolada e conhecida dos karaoquês do Jockey, fui convidada a dar uma canja. – Vai lá, Patrícia! Vai lá! Disse a mesa em coro. E eu fui. Um tanto tímida e me sentindo deslocada, pois meu mundo não era o artístico, era o das famílias ‘caretas’ e tradicionais de Teresina frequentadoras da Igreja de Fátima, do Padre Tony. Mas aquele lugar era diferente do resto, transpirava um universo distante que eu mal podia imaginar que seria o meu pra sempre.” (pág. 121)

Num lugar onde toda essa gente descolada se encontrava, o ambiente era muito liberal e democrático. O som rolava mesmo quando não tinha artista se apresentando, principalmente a MPB, e a MPB que tratava de temas políticos, a música de protesto de Chico Buarque, João Bosco, Gonzaguinha, Elis Regina. Na Teresina, mesmo contemporânea, não chegavam discos com muita facilidade, então lá os frequentadores também discutiam sobre as novidades do mundo musical e trocavam suas fitas, discos de vinil, enfim.

A poesia também tinha seu espaço, e era muito respeitada, inclusive tendo um dia, a Quarta Poética, reservado para declamações, às vezes tímidas, às vezes ousadas. Elias Prado Jr., inclusive, chegava a colocar pra fora gente que não respeitava os poetas. O artista foi muito respeitado naquele bar.

O bar é o lugar onde se mantém o contato social ou se afoga num copo de bebida, mas o bar em que o principal lugar é o palco, e um palco onde se apresentaram alguns dos principais nomes de nossa cultura piauiense é um bar diferenciado. O país mudava, o rock nacional explodia. Nesse ambiente, nos conta Edvaldo Nascimento:

“(...) o clima era de abertura política; a volta dos exilados, o fim a da censura e começando o rock’n roll dos anos oitenta com Barão Vermelho, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Lulu Santos e por aí vai... Nessa praia foi que eu construí um repertório específico para aquele espaço, no meio dos RPMs da vida. Eu colocava as minhas canções que, às vezes, eram confundidas com as outras bandas nacionais que faziam sucesso nas FMs. E com isso, agradava bastante!!!” (pág. 37)

Amanhã vai ser outro dia

O clima de abertura política e a expectativa que tomava de conta de corações e mentes de uma geração encontrou em Teresina um ambiente favorável. No dia 26 de junho de 1983, em frente ao Palácio do Karnak, sede do governo estadual ocorreu grande manifestação pelas Diretas-Já. Em Teresina, os grupos de estudantes, professores, políticos de esquerda e sindicalistas organizavam-se tanto pela campanha, como se organizavam para disputarem eleições, agora que os partidos poderiam ser formados, deixando para trás o bipartidarismo Arena/MDB. Em 1982, o PT já disputara as eleições para o governo do Estado, obtendo pequeno desempenho.

Havia, então, uma emergência em discutir o próximo passo, agora que poderiam levantar temas proibidos por duas décadas e debatidos em círculos clandestinos. Sindicatos, associações, centros acadêmicos e bancos de praça. Todo lugar poderia ser utilizado para o debate das idéias. E o debate era acirrado, pois várias denominações partidárias surgiram ou saíram da clandestinidade. Seus defensores, portanto, ávidos pelo debate, desejavam conseguir mais apoiadores de suas bandeiras, formar grupos cada vez maiores e com condições de chegar ao poder e implantar seus projetos.

No Nós & Elis, bar de propriedade de um adepto do confronto ideológico, militante do PDT, encontrava-se todo esse grupo de militantes e simpatizantes de partidos e movimentos sociais. Em alguns momentos, o bar era uma extensão dos embates ideológicos das salas de aula da UFPI. Discussões políticas eram travadas entre membros do PT, PCdoB e PDT, entre outros, conforme relembra Wellington Dias:

“Um bar. Uma casa de shows. Um refúgio para a juventude de então que fazia da noite diária da capital um brinde á libertação que se prenunciava sem qualquer sinal de dúvida. Felizmente, consta nos autos de minha militância sindical, universitária e partidária um sem-número de noitadas ali vividas, bebidas, discutidas e amadas. (...) A política estava no grito de todas as tribos que ali se incorporavam, na dança de um fogo cheio de aspirações. As faíscas eram comumente desprendidas do próprio cacique do Nós & Elis, o Elias Prado Jr. Polêmico defensor da abertura, o dono do bar alimentava constantes discussões entre os militantes do PCdoB e do jovem PT daquelas noitadas. Os engalfinhamentos envolviam calorosas discordâncias entre camaradas e companheiros que, nos dias de hoje, são convergentes em sua incessante manutenção da democracia que, enfim, nos acudiu.” (pág. 157, 160). 

Assim era o Nós & Elis. Arte e política convivendo entre boas doses e camaradagem.

Conclusão

A história de um bar entrecruzada com a história de uma cidade. Representando uma época e guardando na memória momentos festivos ou dolorosos, cheios de esperança ou vendo depois, ao longe no tempo, uma certa dose de desilusão, pelos planos elaborados e não cumpridos. Refeitos. Mas, ficou na memória de muitos que hoje são a elite cultural e política de um Estado. Bar pode não ter alma, mas tem aura. O que soprou naqueles tempos, naquele espaço, contribuiu para a formação de nosso Estado, culturalmente e politicamente.

REFERÊNCIAS

BURKE, Peter. A História como Memória Social In: O mundo como teatro – Estudos de antropologia histórica. Lisboa. Difel. 1992;
OEIRAS, Joca (org.). No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia. Teresina: Gráfica Halley, 2010;
OLIVEIRA, Dante de, LEONELLI, Domingos. Diretas Já! 15 meses que abalaram a ditadura. São Paulo: Record, 2004;
Site Bússola Escolar. Diretas – Já. Acessado em 05/01/2012 Disponível em <http://www.bussolaescolar.com.br/historia_do_brasil/diretas_ja.htm >
Site Fundação Nogueira Tapety. Acessado em 05/01/2012 Disponível em 
<http://www.fnt.org.br/noseelis.php >
Site Programadora Brasil. Bar Esperança, o último que fecha. Acessado em 05/01/2012. Disponível em < http://www.programadorabrasil.org.br/programa/156/ >
Publicado em OVERMUNDO

18.3.20

BAIÃO DE TODOS: poetas repensam a vida, num diálogo civilizatório, por Menezes y Morais




O poeta William Carlos William (1883-1964) assegura: “Os poetas enxergam com os olhos dos anjos”. Poeta, criador de Arte, é construtor, lapidador de civilização, nos assegura o conceito antropológico de cultura. Os 48 poetas reunidos em Baião de Todos (poesia, 2016) mostram isto em seus discursos poéticos.

A dicção poética questiona e repensa a Vida. Os poetas dialogam entre si, questionam a civilização, repensam a Poesia, a sociedade, o País, o mundo. O diálogo entre poetas, a reflexão sobre a sociedade moderna, o engajamento político, são temáticas perenes entre os Poetas dignos deste nome.

A Poesia não é feita apenas palavras – para lembrar os poetas Stefane Mallarmé e Paul Valéry, no final do século XIX e início do século XX – mas, sim, de palavras com significados e significantes – para lembrar São Tomás de Aquino, in Confissões (sua biografia, escrita por volta do ano 400 da nossa era).

TEMA TABU?

A segunda metade do século XX provou que se faz Poesia sem palavras. Neste surpreendente século XXI a Poesia parece regressar exclusivamente à carpintaria da palavra, depois que todas as vanguardas ficaram datadas, como, por exemplo, entre nós, a Poesia Concreta, Neoconcreta, Poesia Práxis.

No retorno à palavra, a Poesia também é feita de ideias (sem cair no panfletismo), de propostas lúdicas, de críticas civilizatórias, gritando alto ou sussurrando (em suas imagens e metáforas) em nome da Vida: todos os temas cabem no poema. Da dor ao prazer, da civilização à barbárie. Enfim: o Poeta fala de Poesia, da sua e da nossa humanidade.

UM POUCO DE CADA UM

Baião de Todos (2016) começa com Adriano Lobão Aragão, que remete o leitor às Sagradas Escrituras: “Estando Ruth posta em tormento em meio ao trigo alheio”, num poema de suave beleza estética. Aragão também é blogueiro.

Na sequência, Alcenor Candeira Filho, que o tempo consagrou mestre do fazer poético, em minha opinião. Sua temática vai do metapoema (Teoria do Poema), à morte, à vida, se revelando em plena maturidade estética. Depois, a jornalista Ananda Sampaio, de que nos ficou as imagens:

“Horas que acumulam dias”, “Roendo um dia/ que não quer acabar”, e “O homem clama por um sinal divino”. Ananda também nos remete à Bíblia – “aquele preso dentro da baleia”, (o profeta rebelde Jonas). A poeta fecha com Náufrago, um poema perfeito.

RUA DO POETA

Na sequência, Caio Negreiros. Ele tem, entre outros, um livro com um bom título (A Decadência das Horas). Caio também é fotógrafo. O poema dele não tem título, mas uma imagem bonita – “uma gota de sol” – e ao final acena à solidão urbana e universal, remetendo o leitor ao poeta Carlos Drummond de Andrade – “não é rima ou solução”. Da poeta Carmen Gonzáles, nos sensibilizou o poema Estrela Guia.

Carvalho Neto, outro poeta esteticamente amadurecido – também é odontólogo e letrista – salpica o tema “rua”, ofertando imagens como “amor inquilino”, “minha rua é do tamanho da saudade”, “minha rua, universo de dor contida”, para desaguar no poema Estação: “na velha estação, aguardo / o bilhete desbotado/ da viagem que não fiz”. Meu amigo Carvalho Neto é um poeta que publica com regularidade.

ALÉM-FRONTEIRA

O poeta seguinte é Chico Castro, também professor, ensaísta e historiador. Chico Castro tem dois belos poemas que se somam ao enriquecimento estético de Baião de Todos: Dallas para que te quero, e Trapo Chique. Além de Chico Castro, um nome conhecido nacionalmente, a letra C tem mais nomes da literatura piauiense que ultrapassaram as fronteiras (literárias) nordestinas. Por exemplo, Cineas Santos.

São de Cineas os poemas Desobediência Civil, Consulta, Convalescença e a obra-prima Poema Inevitável. São poemas dignos deste nome. Deixaram em mim as imagens: “Meu pai me queria lavrador / adubo na semente do seu chão (...) eu queria ser o vento/ pra bolinar o teu corpo”. “A linha principal não leva a nada/ (...) esta linha transversa me leva a você”. “Há muito não se houve meu uivo lancinante/ varando a madrugada”.

Climério Ferreira é outro nome nacional. Ele brinda o leitor com os poemas Pássaro Perdido, Eu sou meu próprio universo, e O Choro da História. Climério (Cli, assim o chamava a eterna Nara Leão) também é compositor, cantor, letrista e professor. O Brasil agradece.

SURPRESAS 

Uma surpresa para mim, entre os poetas piauienses que ainda não conheço pessoalmente, é a cantora, compositora, produtora cultural, Cláudia Simone: fala em “colchão de sonhos”, indaga “Quem foi que masturbou minha inocência?” E afirma: “A vida se encarregou de mostrar / que o amor nunca acaba onde deveria estar”.

Cyntia Osório encerra o índice da letra C. Dela, me ficaram as imagens: “Passeei pelo labirinto do tédio”, no “andar de quem tem asas”, “Existir é infinito”, imagens que marcam Penduricalho, um belo poema. Outra imagem de Cyntia Osório: “5 mg de desejos brancos para o cansaço”. A poeta também nos brinda com o belo Deslugar.

Outra surpresa é Demetrios Galvão, professor e historiador. Recanto é um poema perfeito. Em cine-mirante ficou-me a imagem “um olho filmando tudo”.

Em tempo: ganhei (como diria mestre Manuel Bandeira) o poema Cinema do Olho, musicado por Carlos Bivar Eduardo, com o qual fomos contemplados com um Prêmio SESC de Música 2007.

Demetrios Galvão nos brinda ainda com imagens como “liturgia de campo arrasado”, “exporta desertos”. O poema “a previsão do tempo é uma falácia” é um dos melhores deste Baião de Todos.

SEM GORGULHO

A letra D encerra com Diego Mendes Sousa, poeta da nova geração que usa as redes sociais para divulgar a literatura brasileira. Tinteiros de Mágoa é um poema perfeito, dividido com os títulos de tinteiros: da angústia; dos desertos, e do estranhamento. Evoé, Diego!

Ednólia Fonteles é outra poeta que se me revela em plena maturidade estética. Baião de Todos tem quatro poemas dela numerados com o título Quase Poema, um metapoema perfeito, sem gorgulho. Ednólia Fonteles deve ter um balaio de poesia inédita. Beijo, Ednólia.

Do amigo poeta Elias Paz e Silva ficaram-me a imagem “minha mão escreve / (no esgoto da cidade) / um poema tão grande / como a esperança”. E no poema Proposta, também sem gorgulho: “O dia foi duro amor / mas valia o suor da labuta / e a proposta de outro sol / como desculpa”. Lindaço, Elias.

NEGRITUDE

O também professor, o poeta e meu amigo Elio Ferreira traz o universo africano da “América Negra”. Tem o seu excelente (recitado por ele, com jogo de cintura e dicção bibopeana e onomatopaica) Abracadabra, de cujas imagens, fortíssimas, seleciono: “meu corpo apodrecendo no esgoto”, “meu corpo apodrecendo a céu aberto”, “você quer me ver no lixo”, e “teu corpo apodrecendo numa vitrine virim”.

O também juiz de direito Elmar Carvalho, meu amigo, nos oferece A Ero Moça, Noturno em Campo Maior, Perdição, e Sex-Appeal. Elmar Carvalho é fiel à proposta dos modernistas de 1922: precisamos conhecer o Brasil (no caso dele, o Piauí, Campo Maior, onde nasceu). H. Dobal, que também fixou paisagens campo-maionenses.

O meu amigo jornalista, poeta e professor Emerson Araújo é vida que segue: nos fala de “metáfora de plantão” (poema Novo Achado), faz metapoesia (Nova poética) e desagua em Junho em meu oficio, que me parece um poema sem gorgulho. Emerson tem vários livros publicados, entre os quais Címbalos, lutas e olhares (poesia, 2015).

Na nova safra de poetas está Ernâni Getirana, mistura o substantivo belicoso “guerrilha” (que seduziu muita gente boa no século XX) com o metapoema de Drummond (“lutar com palavras / é a luta mais vã...) no poema (es) talo, e nos apresenta Encontro, um poemeto perfeito.

GERALDO BORGES

O poeta Fernando Ferraz homenageia Cineas Santos in “Poesia como alimento”. Ele também nos brinda com duas pérolas poéticas: Ipês de Maria, e Teus Olhos. Depois dele, surge o também contista, cronista e historiador Geraldo Borges, outro escritor que se encontra em plena maturidade estética.

Os quatro poemas de Geraldo Borges também são termômetros da qualidade estética da coletânea: Viagem, Rio 1, 2 e 3 (sonetos). Nas quatro peças poéticas, Geraldo Borges transfigura lembranças de infância, e louva o nosso mítico, querido, maltratado (porém amado pelos poetas) rio Parnaíba.

Do também compositor (premiado) Glauco Luz nos ficou a lembrança de Carlos Drummond de Andrade in Dicotomia. Nele, o poeta Glauco oferta a imagem que se destaca – “socos do desalento”, além duma reflexão sobre a palavra (Palavra suja) e o melhor dele, em minha opinião, Poeira de Estrelas.

BISCOITO FINO

Contista e professora, Graça Vilhena nos brinda com quatro “biscoitos finos”, (diria Oswald de Andrade) da sua “oficina da palavra” (apud Cineas Santos): Poesia; Rua da Glória (ao Paulo Machado); O Garrafeiro (para Cineas Santos) e Carpete de Cordas. Graça Vilhena tematiza a Poesia e duas paisagens, geográfica e humana – no poema Garrafeiro.

Ficaram em mim as imagens: “Cerzindo os dias”, “pescar piabas no Poti”, “piabas prateadas nas garrafas”, “aquele instante que o tempo não deixa envelhecer” e “os dias são feitos de um longo esquecer”. Graça Vilhena é uma das melhores poetas brasileiras.

Admiro ainda sua parceria poética com William Melo Soares, no belo e clássico Passo a Pássaro (poesia, s. d), que tem capa de Paulo Moura, apresentação de Cineas Santos, de Rubervan Du Nascimento, e posfácio de Héctor Pellizzi.

Em tempo: aonde anda Héctor Pellizzi? Ele escreveu um miniensaio sobre o meu livro O Suicídio da Mãe Terra (contos, 1980), que eu vou publicar na segunda edição.

CAMINHO CRUZADO

Halan Silva vem na sequência, homenageia Charles Baudelaire, com a tradução do poema Remorso Póstumo. Mas, o poema sem título, em três partes, de Halan Silva, em Baião de Todos, é melhor que o traduzido do poeta francês. Que me perdoe o genial Baudelaire.

A poeta seguinte é Jasmine Malta. Arte-educadora, entre outras prendas, Jasmine faz Teresina de musa num poema, fala do calor e das “antigas lavadeiras”, que decoram a paisagem fluvial da Cidade Verde (ainda é?), que virou metrópole de concreto na passagem do século XX para o XXI.

Time is time é belo. Jasmine confessa noutro: “Eu gosto de homem que tem cheiro de homem.” / “O Homem que desconcerta os passos /quando cruza meu caminho”.

João Batista sequencia com quatro poemas: olhadela; vovó lavadeira, e enguias. O quarto, dias de brisa, tem um verso sublime: “a doçura de outros quintais”. E por falar em quintais, os quintais de Teresina do meu tempo desapareceram, as casas antigas foram demolidas e os quintais se transformaram em estacionamento. Concretados.

De João Batista sublinho ainda as imagens “o marulho dos teus olhos”, “coisa que o vento aluga e leva”, e “sem a pressa do repouso”. João Batista é um poeta atuante, produtor cultural e professor.


O alfabeto continua em movimento in Baião de Todos. Keula Araújo é a sequência. Organizou a coletânea com Cineas Santos. Keula também é professora e arquiteta. Dos seus poemas destaco o belo Do Amor, tem imagens como “sob o sol imorredouro/ da vontade”.

Para a poeta, o amor destrói os cárceres. Cantigas do Sem-Fim é um poema prenhe de ternura/ imagens – “jeito desarrumado /do jeito de respirar”, “um amor cru, mal passado/que não foi, nunca será”.

Teu Reino tem um verso para mim comovente: “Rompi com as horas / trespassadas de espera”. Keula Araújo é surpresa comovente entre os poetas piauienses que eu ainda não conheço pessoalmente.


O poeta seguinte é Kilito Trindade, vive hoje em Brasília. Ele também é produtor cultural e meu amigo. Kilito Trindade, uma doçura de ser humano.

In Baião de Todos Kilito Trindade publicou um poema sem título (ou dois?) que contextualiza “Eu bala perdida”, e o segundo “Apalavra chave desapareceu. A palavra (chave) AMOR”.

Também dele os poemas Anima, seguido doutro destitulado, que louva Guimarães Rosa: “É preciso sofrer depois de ter sofrido, / e amar, e mais amar, depois de ter amado”. Kilito é uma das realizações das promessas poéticas. Recita bem, à risca, no pulsar do planeTerra.

O poeta seguinte é Laerte Magalhães, também professor, tem quatro livros publicados. Dos seus poemas de Laerte destaco: Oração, e Das Dores, têm dicção bem humorada, de apelo ao imaginário auditivo. Os demais – Percussão, e Puta Poeta – tematizam a música, a dança. Eros é convocado.

SONETOS

Lara Matos dá continuidade, duma dicção poética de visão de mundo afiada, um olhar consciente na ponta da língua. Publicou os poemas Riscos, Mancha, e Ofélia.

Diz ela, poderosa: “Mas minha linha de vida curvada / como minhas costas / pela tenacidade dos sem-sorte/ recita uma canção há muito sabida”. E “Amo tanto que as palavras/ faltam/ Meu corpo cansado apenas / sussurra uma cantiga”... Evoé, Lara Matos.

O poeta-médico Leandro Fernandes é a sequência, com Soneto da Saudade, que se destaca entre o também soneto Chapada do Araripe, e o poema Cantiga.

BICICLETAR

Outra surpresa é Lívia Maria, 17 primaveras. Tem muito feijão-com-arroz pela frente. Entre outras observações que podem acontecer, destaco:

“Amar é ter uma bicicleta / mesmo morando no primeiro andar”, criticando “o amante visionário / embriagado pelo vinho da nudez e da loucura” Para Lívia Maria. “o poema é um vazio / no rosto indignado do poeta”. Vamos que vamos, Lívia.

Lucas Rolim é a continuidade, com os poemas o grande leão, louva-deus sobre a folha. o lobo, os caneleiros, a formiga e Terrários. Machado Júnior é o próximo, ele também é compositor, músico e publicitário. São dele os poemas Dom Quixote (para Flávio de Castro, in memoriam), Fé, Bela, e De Tudo um Tanto.

MARLEIDE LINS

Minha amiga Marleide Lins é a sequência alfabética. Também editora, vários livros publicados aqui e no exterior. Lirismo Antropofágico e Estações de Mim a meu ver sem gorgulho. Dor dos Deuses é seu terceiro trabalho nesta edição. A poeta Marleide está na 1ª edição de Baião de Todos, livro que a Avante Garde assina a programação visual.

Continuando a letra M, depois de Menezes y Morais - José Menezes de Morais - (não vou falar de mim mesmo), que publica o poema Domicilio Inviolável (pequeno elogio da rebeldia musical), entra em cena Nelson Nunes, com os poemas dignos deste nome – A miséria abunda, Na terra do sol, e Clarice. Nelson Nunes é advogado, tem vários livros de poesia publicados.

PAULOS

Quem aparece depois é o também professor, pesquisador, letrista, jornalista premiado Paulo José Cunha, meu amigo, com os poemas (dignos deste nome) Substâncias, Moto perpétuo (para Paulo Cunha, neto), Agora, e Chegue: “Apenas chegue/ e diga alguma coisa em meu ouvido/ como se nunca tivesse saído”.

Paulo Machado é o poeta seguinte: defensor público, historiador e contista. Assina in Baião de Todos os poemas Canção de Amor e Morte, O Rio (para o poeta Cineas Santos), e Cotidiano 2 (para Durvalino Filho). Nutro ternura e admiração por Paulo Machado, morei um tempo no mesmo bairro dele em Teresina, cidade que o poeta também transformou em musa, com belos poemas sobre algumas de suas.

Paulo Machado tem dois livros que considero pequenas obras-primas: Tá pronto seu Lobo, e A paz do pântano. Na sequência da letra P, o poeta meu amigo Paulo Moura, também chargista, compositor, designe gráfico, parceiro do meu compadre querido Cineas Santos no livro Aldeia Grande (1992).

Lembro-me dum bate-papo acervejado que eu e Paulo Moura travamos, numa mesa de bar em Teresina, ele criticando uma canção dos Beatles (Here comes the sun, de George Harrison), falando mal da letra – “arte pela arte” – e eu defendendo a declaração de amor à natureza: “Aqui chega o sol”.

Paulo Tabatinga encerra a letra P. É da nova geração de poetas piauienses que ainda não apertei a mão. Dia Claro, Meu poema, Província submersa e Crachá liberal são poemas poderosos. O olhar crítico do poeta sobre o cotidiano humano e geográfico também transborda ternura. Aleluia!


Rodrigo M Leite é outro nome da nova geração de poetas piauienses. Ele usa o formato fanzine e as redes sociais para divulgar Poesia. Dele e de outros poetas. Ainda não o conheço pessoalmente, só via e-mail, mas aprendi a admirá-lo, por esta e a qualidade estética do seu trabalho.

Rodrigo M Leite edita um blog, a musa esquecida, no qual resgata poemas que têm a Capital piauiense como tema. In Baião de Todos, tocou-me os poemas a casa rupestre (“a casa é centenária / mas está viva/ e / comunica perguntas / ao morador”) e café art bar, do qual cito estes versos: “da tarde que segue nervosa / homens surgem suados / carregados de preocupações / a tarde é consumida dentro de um café”).


Encerra a letra R, Rubervan Du Nascimento, poeta premiado, meu amigo, do qual também sinto saudade das nossas conversas, dos nossos agitos culturais (paralelos) com F. Eduardo Lopes, William Melo Soares, Miguel Soares (Jorbacilomar), os saudosos Josemar da Silva Neres, o poeta Zé Magão etc.

Rubervan Du Nascimento também rompeu as fronteiras nordestinas. Tem quatro livros publicados, entre os quais A Profissão dos Peixes (poesia, 1993). Ele migrou do Maranhão para Teresina, e, da musa tórrida advir (com licença de Mário Faustino) retirou para São Paulo. Rubervan nos presenteia com 4 Poemas Dispersos, dos quais me perseguem as imagens “ferida dos dias”, “na boca em êxtase”, e “da janela dos dentes”, para falar de cenas bucólicas, urbanas, briga de casais etc.


O meu amigo-irmão, compadre-poeta e letrista José Salgado Maranhão, equilibrista da vida, vem em seguida. É outro nome nacional (e de dimensão internacional) que enriquece esteticamente Baião de Dois. Nele, o poeta-protagonista com sua envolvente dicção, plena da sua peculiar atmosfera misteriosa, me perseguem imagens:

“Oráculo de atabaque e pergaminho”, “arrimo de vozes no lugar das unhas”, “feito um caju que apodrece/mas a castanha resiste’ (genial). Salgado também é coleciona prêmios literários – Jabuti, Academia Brasileira de Letras. Salve, salve poeta. Que lhe venham outras láureas.

Baião de Todos me apresentou Thiago E, também é músico e professor. Tem livro publicado e CD gravado. Dele, se cristalizaram em mim as imagens poéticas “a língua é um molusco, já não sabe se é carne ou um soluço – sem concha, se reinventa no escuro”, e “o mar sempre guarda um jardim dentro do bolso”.

PAREDES DO VERSO

Na letra V, Vagner Ribeiro nos remete a Virgílio, pela voz de Fernando Pessoa (“viver não é preciso” e também homenageia Guimarães Rosa, citando o clássico Grande Sertão: Veredas. A sequência é a artista plástica, professora, contista e poeta Vanessa Trajano. Ela surpreendeu-me com o poema Impronunciável. Perfeito, sem gorgulho.

De Vanessa Trajano também me sensibilizaram as imagens “tem horas que até o impulso é tarde”, “nas paredes do verso”, “amei cinco homens sem retorno”, “o poema permanece in vitro” e “na angústia dessa busca”.


O último autor deste Baião de Todos é o meu amigo-irmão William Melo Soares, um dos melhores poetas brasileiros da nossa geração. Wiliam nos presenteia com as pérolas pedra de fogo, Insônia, e Indomáveis. Também letrista, William tem vários livros publicados. Confessa que o seu tempo “é pedra de fogo”, que a mariposa “me dá lição de silêncio”, “no vasto campo da fala”.

Além da sua poesia em si, o flagrante delito autoral que ilumina de ternura e civilidade, William, a meu ver, é uma personificação do ser Poeta. Pela sua sabedoria quase ingênua, pela sua simplicidade, pela sua humildade, pela intuição e leveza. Explico melhor.

Cito dois exemplos históricos, envolvendo quatro poetas: para Carlos Drummond de Andrade, a materialização do poeta era Vinicius de Moraes. Para Mário Quintana, a personificação do poeta era Cecília Meireles. É claro que existem muitos poetas (de geração e geração) que se enquadram neste perfil.

William Melo Soares é um deles. Graças a Deus.

(...)



Menezes y Morais [Poeta, escritor, professor, jornalista e historiador piauiense. 12 livros publicados (mais 12 na gaveta), entre os quais o romance A Íris do Olho da Noite (Thesaurus), Por Favor, Dirija-se a Outro Guichê (teatro em um ato), na Micropiscina da Lágrima Feliz (poesia), A Luta é de Todos – História do controle dos gastos públicos no Brasil (Unacon), com Teresinha Pantoja] Via blogue do poeta Emerson Araújo



10.2.20

Música do Piauí Anos 160, por Geraldo Brito

Inicio dos anos sessenta na Distanteresina, como diria o poeta Torquato Neto. Uma cidade até então calma, com uma ou duas avenidas e poucos automóveis. Mesmo assim, no aspecto musical, poderíamos observar programas de calouros e, vez por outra, a presença de uma astro ou estrela de renome nacional, sempre acompanhados pelo Regional Q3, conjunto pertencente ao quadro de funcionários da Rádio Difusora de Teresina, a pioneira no campo radiofônico da capital, uma vez que a primeira emissora de rádio do Piauí foi a Rádio Educadora de Parnaíba.

Como toda emissora que se prezasse, naquela época a Difusora possuía seu conjunto regional. Entende-se por conjunto regional: o agrupamento instrumental de música popular composto por dois violões, cavaquinho, bandolim, pandeiro, flauta, que surgiu na segunda metade do século XIX, através do flautista carioca Joaquim Antonio Callado, e que foi desenvolvido por outros compositores, entre os quais Anacleto de Medeiros. Com a aparição do disco elétrico em 1927, e principalmente do rádio em 1935, começaram a surgir os grupos de acompanhamento para os ídolos de massa do Brasil – os cantores. 

Voltando ao nosso convívio, o regional da Difusora era composto por: Antonio Simplício (acordeon), Carlos Guedes (cavaquinho), Panfílio Abreu (violão), José Maria Doudment (violão de 7 cordas), Bruno do Carmo (bandolim/violão). Outros músicos como: José do Baião (sanfona) e Chico Sanfoneiro tiveram participações neste regional, que acompanhava cantores piauienses, como por exemplo: Totó Barbosa, João de Deus, Delmir Chaves, Clemílton Silva, Dagmar Pereira, Telva Neide, Francisco Guimarães, Damasceno, Helena Núbia, Walcir Moreira e eventualmente José Eduardo pereira e José Lopes dos Santos (flauta), que compunham a diretoria da emissora. No decorrer dos anos cinqüenta e sessenta, o Regional Q3 acompanhou também estrelas de renome nacional, como: Ângela Maria, Carlos Galhardo, Núbia Lafayette, Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto, Sivuca, dentre outros artistas internacionais como: Juanito Venâncio, Bievenido Granda e Roberto Lazama.

Era tempo da Voz de Ouro ABC, uma espécie de festival a nível nacional que selecionava os melhores cantores de cada Estado, havendo depois uma finalíssima para a escolha do melhor cantor brasileiro. Tivemos participação nesse concurso de alguns intérpretes como Dalmier Chaves. Em 1960, surgiu a Rádio Clube de Teresina, que não tinha um elenco de músicos definido, como a Rádio Difusora, mas que eventualmente apresentava os seus programas com calouros, como analisa o músico Edilson Freire, que na época participava dos regionais e atualmente é tecladista no esquema da noite.

Em 1962 surge outra emissora de rádio. Desta vez a Rádio Pioneira de Teresina, fundada pela arquidiocese e que contribuiu bastante no âmbito musical, contando em suas instalações com um auditório para apresentações de programas de calouros e shows com astros nacionais. A nova emissora foi inaugurada com o seu conjunto regional composto por: Edilson Freire (sanfona), Ludimar (violão), João dos Santos (pandeiro), Chico Rosa (bateria), Carlos Guedes (cavaquinho) e Sansão (saxofone). Esse regional acompanhava também artistas como: Núbia Lafayette, Orlando Dias, Carlos Alberto, Alcides Gerardi e Vanderléia (em início de carreira).

Entre os anos sessenta e sessenta e três, um trio quebrava a monotonia da cidade e mandava ver uns bolerões bem conhecidos da época. Era o Trio Yucatan, composto por: Walter Sampaio, Silzinho e Mundicão. O nome do trio era uma homenagem à cidade de Yucatan, localizada no México, e foi sugerido por Miriam Lopes. Os rapazes logo conquistaram a cidade e eram os preferidos em festinhas de residências, de colégios e em gravações em jingles na Rádio Pioneira. Segundo Silzinho, Almeida Filho era quem empresariava o trio.

Aos poucos, a cidade foi se tornando pequenas para os interesses do trio. Em 1963 eles partem com destino a Brasília e São Paulo, chegando a gravar seis compactos e fazendo muitas apresentações em programas de TV, como no de Alfredo Borba na TV Excelsior. O trio foi desfeito em 1968, quando Walter seguiu rumo ao México, Mundicão fica em Brasília e Silzinho retorna a Teresina.
Em 1963, período de sucesso do Trio Yucatan, houve um recheamento de canções genuinamente piauienses como as de Levi Moura, irmão de Mundicão. Integrante do trio. É de autoria de Levi Moura a bonita canção “Você não Meditou”, interpretada por Rosinha Lobo nos anos 70 e que nos anos 80 foi gravada pelo piauiense Cabral Rios. Levi Moura foi morar no Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1991, quando faleceu.

O ano de 1963 rendeu outro fruto musical, como o conjunto Os Milionários. Neste ano, a Polícia Militar do Piauí, que outrora tivera em seu quadro uma Jazz Band animando as tradicionais tertúlias do famoso Clube dos Diários, na pessoa do seu comandante coronel Torres de Melo, pede ao professor Luis Santos (pertencente ao quadro da Polícia) que crie um conjunto musical no sentido de realizar um elo entre o público interno e externo. O professor Luis Santos imediatamente agilizou a formação do conjunto que recebeu o nome de Os Milionários, numa justa homenagem ao compositor José Bispo. Os Milionários se tornou popular e o comandante, de tão grande entusiasmo, mandou trazer diretamente de Fortaleza a gravadora Orgacine, que, ao chegar, instalou-se nos estúdios da Rádio Pioneira. A gravação do LP teve prensagem na RCA Victor de São Paulo. Dentre as canções que compunham o LP estavam: “Baião da Saudade” e “Simplício e seu Clarinete”, (de Luis Santos); “Milionário” (José Bispo); “Linda” (Bruno do Carmo) e “Olha a Bossa” (Simplício). Esse histórico LP foi gravado em 1965 e Os Milionários era composto por: Simplício Cunha (saxofone e clarinete), Edilson Setúbal (piano solovox), Artur Pedreira (bateria), Lourival Marques (baixo), Bruno do Carmo (guitarra), Gabriel Oliveira (percussão) e João de Deus (cantor). Segundo as informações do professor Luis Santos, o conjunto atuou de 1963 a 1970.

Em 1964 um novo cantor conquista a cidade verde. Era Herbert Arcoverde, muito talentoso e de voz agradável de se ouvir. Ele animava os programas de calouros e participava do elenco da Prata da Casa que se apresentava antes de shows de alguns astros renomados. Nessa época, as rádios apresentavam programas em que os locutores perguntavam ao público se preferiam ouvir determinada canção ao vivo ou em gravação. Na voz de Herbert, se situava a preferência dos ouvintes.

De 1964 para 1965, surge outro trio para alegrar os teresinenses. Era o Trio Guarany, formado por Bimba (violão e voz), Chico (voz) e Jesus (voz). O Trio Guarany animava as festas, participava de programas e tinha uma atuação quase que constante nos realizados pela Rádio Clube.

Em 1965, chega a Teresina o baterista Barbosa (famoso por fazer verdadeiras acrobacias com as baquetas) e com ele o também famoso conjunto Barbosa Show Bossa, incendiando o salão do Clube dos Diários. Tinha a seguinte formação: Colombo (guitarra), Orion (sax), Estelita Nogueira (cantora), Ivan Bandeira (vibrafone), Zé (baixo) e o próprio Barbosa (bateria). O acordeonista Antonio Simplício também integrou o B.S.B.

No início de 1967, após alguns conflitos que normalmente ocorrem em grupos musicais, o B.S.B foi desfeito e para preencher o enorme vazio deixado por eles surgiu imediatamente outro conjunto chamado Sambrasa, composto por alguns músicos do extinto Barbosa e acrescido de outros que estavam vindo do Ceará. A primeira formação do Sambrasa foi com: Edmilson Morais (bateria), Zezinho Ferreira (baixo). Colombo (guitarra), Antonio Simplício (acordeon), Linhares (sax), Bossa (piston) e Vicente (cantor). O sucesso do Sambrasa foi o mesmo, culminando na gravação de um LP nos estúdios da Orgacine, em Fortaleza. O disco contou com a produção do empresário Aerton Cândido Fernandes, que também participava do LP com a composição “Turma do C2H60, título de um dos blocos famosos do carnaval teresinense dos anos 60. O LP do Sambrasa foi muito bem recebido pelo público local. As rádios executavam, a toda hora, diversas faixas do disco. Na época desta gravação, o conjunto já não mais contava com a presença do músico Antonio Simplício. Em meados de 1967, a cidade tornava-se ainda mais quente com a aparição de um conjunto tipicamente da jovem guarda. Surgia Os Brasinhas, provocando uma tremenda reviravolta por parte do público feminino. 

Os Brasinhas era constituído por jovens cabeludos, como mandava o figurino, e todos genuinamente piauienses. Compunha o conjunto, em sua primeira formação, os músicos: Ernesto (bateria), Chico (guitarra solo), Paulo Vasconcelos (guitarra base), Sidney (vocal) e Getúlio (baixo). Alguns meses depois, Os Brasinhas ganha a valiosa participação do guitarrista Assis Davis, um dos melhores músicos piauienses no que se refere à época da Jovem Guarda. Com a chegada de Assis, alguns meses depois, saem do conjunto Chico Vasconcelos e Ernesto, indo para a bateria o vocalista Sidney. 

Com esta formação Os Brasinhas conquistou, em pouquíssimo tempo, o público teresinense e de algumas cidades do interior por onde passava. O conjunto ainda contou com a participação do saxofonista Pantico, que permaneceu por vários anos. Paralelamente, surgiu Os Metralhas, resultante da saída de Ernesto e Chico Vasconcelos dos Brasinhas. Juntaram-se á Rubito (baixo), Mário Lúcio (guitarra base), Paulo Chaves (cantor). A estréia aconteceu em frente ao prédio onde funcionava a loja Útil-Lar. Neste dia, Fernando Chaves tocou guitarra solo, em lugar de Chico Vasconcelos. Após Os Brasinhas e Os Metralhas, foram surgindo, pouco a pouco, outros conjuntos como Os Lords, Os Tangarás, The Dandies, Os Fantasmas, The Sammers, Zé e Seus Quatros Azes.

Em 1967 mais um outro piauiense ganha destaque no cenário musical do país. Era Torquato Neto, um dos artífices do movimento Tropicália, juntamente com Caetano Veloso e Gilberto Gil. Torquato Neto ainda hoje é destaque em jornais, como a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e em especiais de TV, como o que foi mostrado pela TV Manchete, em 1992, com a direção do cineasta Ivan Cardoso. Em 1969, um garoto fluminense, Jonh Júnior, lançava um compacto simples com músicas já conhecidas do público, como “Tudo Passará”, de Nelson Ned. Aos poucos nossa discografia foi aumentando.

Walcyr Moreira, B. Assis e César Bianchi eram os nossos compositores do carnaval. Eles gravavam suas composições em fita de rolo e divulgavam através das emissoras de rádio. As músicas eram bastante executadas e todos ligavam pedindo para ouvi-las.

Em 1969 existiu também em Teresina o conjunto Golden Girls, formado exclusivamente por mulheres. Este conjunto teve vida curta, embora tenha conseguido se apresentar em vários locais, como no auditório da Rádio Clube, onde futuramente seria instalado o da TV Clube. Neste mesmo ano surgiu na capital o cantor mirim Jurandir Vieira, causando uma grande sensação nos programas de auditório.

(...)

Geraldo Brito, originalmente publicado nos Cadernos de Teresina, Ano VIII, nº 17, agosto de 1994, p. 54 – 57, p. 54. Digitado e postado por Paulo Ricardo Muniz Silva, em seu blogue, em março de 2019. 

15.10.18

TERESINA ANTIGA, A. Tito Filho


Nos festejos de São João acendiam-se inúmeras fogueiras e se enfeitavam as ruas de patis. Defronte do palácio do governo exibia-se o boi do Manoel Foguista. A cidade tinha mais casas de palha do que de telhas. Quase não havia muros nos terrenos, cercados de talos de buriti. Fabricavam-se cigarros de duas marcas: CONDOR e REI DE PAUS. Principais operários da fabricação: Antônio Cazé, Leônidas Carvalho e Domingos Ferreira. Fazedor de imagens de santos, Vitor. As quadrilhas nos bailes eram marcadas pelo funileiro Gervásio, de fraque. Fabricante de violão, Lourenço Queirós. BANDAS DE MÚSICA: a dos Almeidas, a do Azevedo, a de pau de corda, composta de violão, flauta e pandeiro, entre outros instrumentos, propriedade de Pedro Tonga. A professora de música Ana Bugyja Britto mantinha orquestra para tocar nas novenas e aniversários. As bandas da Polícia e do Exército exibiam-se nas retretas da praça Rio Branco, dividida em duas áreas, a da alta-roda, ou gente de PRIMEIRA, e  a de segunda classe: ÁGUA. Denominavam-se cargueiros os animais carregadores de água do rio para as residências, vendida de porta em porta. Pessoas ilustres apanhavam o precioso líquido no seus próprios animais. CAVALOS. O cidadão Boeiro, morador no Barracão, fundou uma escola para que os cavalos aprendessem a marchar, esquipar, trotar. Dia de domingo realizava-se corrida desses quadrúpedes do centro da cidade até a Catarina. Esporte dos ricos. Boeiro vendia fumo de corda. Homem de posses. Emprestava dinheiro até ao Estado em dificuldades. ARROZ. A primeira máquina de beneficiar arroz pertenceu ao cidadão Manoel da ria São José, hoje Félix Pacheco. Ainda trabalho se dava às pisadeiras, no pilão, iniciavam a tarefa pelas três da madrugada no bairro Vermelha. CABARÉS. Animados. Danças até de madrugada. Cada rapariga tinha sua alcova, com cama, rede, penteadeira. Serviço de bar. Mulheres sempre novas. Havia intercâmbio de prostitutas de São Luís, Fortaleza e Teresina. Principais lupanares: Rosa Branca, Raimundinha Leite, Gerusa, na década de trinta e quarenta. Famoso também o cabaré da Calu na Piçarra. No carnaval as meninas alugavam caminhão e participavam do corso pelas ruas da cidade. As mais aplaudidas pelos machacás. CINEMAS. Quando me entendi, eram 3 as casas exibidoras: Royal, para molecada, bancos de madeira, sem encosto, o "Olímpia", na praça Rio Branco, da elite. Muita elegância nas sessões dominicais. A princípio, fitas mudas acompanhadas de música por artistas da terra, e o Theatro 4 de Setembro, que inaugurou o cinema falado em Teresina, a partir de 1933. Depois surgiram o "Rex", o "São Raimundo", o "São Luís", o "Royal", segundo deste nome. Muito namoro em todos eles. Namoro forte. O Teatro e o "Olímpia" ofereciam, sábado e segunda-feira, respectivamente, entrada gratuitas as meninas da Escola Normal. Os gajos pagavam. Na escuridade das salas de projeção, nesses dias saudosos, vigorava a bolinação. Uma pouca vergonha, rapazes agarrados nos seios das garotas. Uma graça Teresina. Boa de viver. Inesquecível para os que a conheceram nas suas graças e atrativos.


via Jornal O DIA
em 04 de novembro de 1988

Entrevista com o poeta Carvalho Neto, por Elias Paz e Silva



João Ribeiro de CARVALHO NETO nasceu em Amarante (PI), em setembro de 1944. Estudou em Teresina, São Luís, Salvador e Fortaleza, participou do movimento estudantil e graduou-se em Odontologia na Universidade Federal do Ceará.

Funcionário público, reside em Teresina (PI) onde trabalha no Programa Saúde da Família.

É autor dos livros: Variantes do Berro (1978); Arquitetura do Ser (1982); Da Oportuna Claridade (1997); no prelo Remansos (2008).

Participou das antologias: Baião de Todos – Editora Corisco (PI); Visão Histórica da Literatura Piauiense – Herculano Moraes; Nordestes – Fundação Joaquim Nabuco (Recife – PE); Antologia Poética – Projeto Mão Dupla (PI-CE); A Poesia Piauiense no Século XX – Assis Brasil.


Entrevista com o poeta Carvalho Neto

Elias Paz e Silva – Como nasceu o “poeta” em ti? Em que momento “houve luz”?
Carvalho Neto – Quando entendi que ao ser escolhido pela poesia, a eterna linguagem do mundo, o ser poeta significava compartir. Fiat lux!

EPS – Testemunha e participante ativo da militância estudantil nos “anos de chumbo”, o que nos tem a contar à nossa geração?
CN – Que a educação é fundamental na formação de uma sociedade livre e democrática.

EPS – Você já se libertou dos fulgores da década explosiva de 60 ou relâmpagos de sonhos ainda reverberam agora, depois dos 60 anos?
CN – há que se falar da aurora
da minha
da tua vida.

EPS – Como se dá o seu processo criativo, como nasce a poesia em ti?
CN – Só escrevo quando tenho vontade. Para mim é importante o gesto, o ser-em-si, meu quintal.

EPS - Companheiro-amigo de Torquato (Neto) na adolescência, o que nos tem a testemunhar do agora nome de Campus Universitário?
CN – Devo ao Torquato o gosto pela poesia, quando apresentou-me versos de Vinícius de Moraes. Ícone do movimento tropicalista, merece a homenagem. Poetar é correr o risco (Torquato Neto).

EPS – Você diz mais em prosa ou verso?
CN – Um dedo de prosa
O verso é meu universo.

EPS – De “Variantes do Berro” (1978) até “Alegoria” (2008), o que permanece, esteticamente, no Homem-Poeta e qual o fio de continuidade ou ruptura em sua poesia?
CN – O espaçamento entre livros é grande porque produzo pouco. A gente renasce em cada livro, portanto não há ruptura. Há sim, hiatos de agonia.

EPS – Entredentes, é bom desafinar o coro dos tristes? Ou você não rima poesia com alegria?
CN – uns fazem versos na argila
outros no aço
eu me satisfaço
em fazer versos sem cor
se é que faço
está na flor?
na tua boca
no teu delírio...
como posso
se já é um martírio esse morrer de amor?

EPS – Qual o maior (ou os maiores) presente que a vida-poesia lhe deu?
CN – O de poder mergulhar no universo interior abrindo trilhas para a sensibilidade, respeito às diferenças, musicalidade e principalmente para liberdade.

EPS - Dono de um estilo singular, reconhecidamente bem elaborado, de ti se pode dizer “o estilo é o homem”?
CN – Segundo Graciliano Ramos, estilo é o jeito. Concordo.

EPS – Ex-boêmio, líder estudantil, bêbado de sonho, dentista, pai de família, como conciliar o estro artístico com a ética humanista?
CN - Procurando ser transparente, ético, com compromisso social.

EPS – Leitor de clássicos da literatura rebelde sessentista, o que você diz ao leitor atual e à geração de leitores do futuro?
CN – dos corredores do tempo
saí batido, deserto, verdadeiro.
ansioso
digo para mim
em verso quase inteiro
confesso
faria tudo de novo.



Entrevista realizada por Elias Paz e Silva

Publicada originalmente em Overmundo