"LITERATURA INVISÍVEL (1984)", por Assis Brasil
O fato é que Brasil, com seu alienígena sistema de capitalismo selvagem, é um imenso "pátio dos milagres'', fruto de uma economia concentradora e elitista. As sobras da hierarquia do poder econômico não são apenas os camelôs, mas toda uma horda de marginalizados, incluindo-se aqui os escritores, quer os da província ou da metrópole.
Esta "economia invisível" seria, afinal, uma espécie de válvula de escape - o pino removível da panela de pressão social - para que não se concretize de vez aquilo que Ortega y Gasset chamou de "rebelião das massas'' e que tanto medo instila nas consciências culpadas.
Pois a situação do escritor brasileiro não é muito diferente, nesse cadinho de desacerto e desilusão. Como um pais é o retrato, a síntese de suas partes, o mesmo processo de marginalização sofre a nossa literatura, que não tem vez nos jornais, nas televisões, nos ditos meios de comunicação, que só se interessam pelos anúncios de coca-cola e de automóveis de luxo. "Literatura não dá Ibope'', já bradou um palhaço da TV, do alto da sua sabedoria consumista.
A literatura brasileira, no entanto, bem ou mal, se reflete a partir de um hipotético centro cultural Rio e São Paulo - de onde se irradia, ofuscadamente, as experiências mais novas e os últimos livros. Porque tudo se faz precariamente, as provincias brasileiras (o Brasil inteiro) se conservam isoladas e seus escritores, quase envergonhadamente, produzem uma "literatura invisível", com o mesmo sentimento de sobrevivência e de tábua de salvação dos camelôs brasileiros.
Quando recebi esta antologia de poetas piauienses, Poemágico, para prefaciar, temi pelo que ia encontrar: autores alienados, comprometidos ainda com sonetos parnasianos e românticos, e cantando a amada como se estivessem no tempo de Romeu e Julieta. Como já acentuamos, a pouca ou nenhuma atividade cultural da província me levava a pensar assim, pois é o que tem acontecido, sistemática e repetitivamente, nos meus 30 anos de luta literária. Se o Rio ẹ São Paulo são um pequeno oásis cultural, com escritores que não se conhecem e editores que vão à falência, a província brasileira é um imenso deserto. O caos, a alienação, onde livreiros não vendem livros e escritores não escrevem.
Mas eu estava enganado, pelo menos neste caso, o que me abriu uma forte perspectiva de esperança. Encontrei nesta antologia cinco grandes poetas. Cinco vozes atuantes e atualizadas em relação ao processo cultural e literário. Todos eles falam a linguagem do seu tempo e dominam a estética de sua época, através de alguns dos melhores poemas da nossa modernidade. Você está assustado? Eu também. Como crítico literário nunca sou dado a exageros.
É que no país dos "milagres" estas coisas podem acontecer. Embora estes poetas piauienses tenham pervagado por outras plagas do país e alguns estudado trabalhado noutras regiões mais desenvolvidas, eles estão lá na sua província, falam dela, levantam a sua nostalgia da terra e do passado, e se comprometem com o homem e a vida social política. E tudo atraves da mensagem do documento mais sensível e contundente que se conhece para a denúncia e para despertar as consciências: a Poesia.
É que no país dos "milagres" estas coisas podem acontecer. Embora estes poetas piauienses tenham pervagado por outras plagas do país e alguns estudado trabalhado noutras regiões mais desenvolvidas, eles estão lá na sua província, falam dela, levantam a sua nostalgia da terra e do passado, e se comprometem com o homem e a vida social política. E tudo atraves da mensagem do documento mais sensível e contundente que se conhece para a denúncia e para despertar as consciências: a Poesia.
Paulo Véras, o ficcionista e poeta morto precocemente, abre a antologia dos piauienses e com ele começa a habilidade artesanal, a sensibilidade poética, o compromisso com a vida e com o social. Ele domina um tipo de poema sintético, suficiente, com um halo de presságio e nostalgia. Fala do corpo, da infância, no compromisso da vida e fala na morte com um sentido premonitório e trágico: Aos quase trinta/ Amadurecente/ Agridoce fruto/ Em úmido pomar./ Ao meio da teia./ Minha vida tateia.// Não quero morrer de tarde./ As flores estarão murchas e tépidas.../ As tardes não foram feitas para se morrer.
Embora este aspecto mais pessoal do poeta, do eu-mesmismo da confissão lírica, Paulo Véras recria também o Brasil cultural através de suas Alegorias, que poderiam muito bem dar enredo de EscoIa de Samba, quando os valores nacionais são exaltados com um timbre de ironia e amargor.
Alcenor Candeira Filho, embora ligado à tradição poética - a um veio algo neo-clássico - preocupado às vezes com rimas e métricas, rompe, no entanto, na maioria de seus poemas, com a herança cultural inerme e se posta diante do mundo como um poeta de hoje. Ele se estarrece, por exemplo, com a geração coca-cola, que já foi chamada de geração sem fala. A geração da calça Lee. Como Paulo Véras , tem a sua nostalgia da terra, do Piauí, do rio, da infância, trilha que os demais poetas desta antologia seguirão: Ó lirios brancos deste mundo negro,/ Águas barrentas do meu rio manhoso,/ Seresteiros da minha infância linda,/ Corrupião que cantava-me ditoso!
Alcenor Candeira Filho, embora ligado à tradição poética - a um veio algo neo-clássico - preocupado às vezes com rimas e métricas, rompe, no entanto, na maioria de seus poemas, com a herança cultural inerme e se posta diante do mundo como um poeta de hoje. Ele se estarrece, por exemplo, com a geração coca-cola, que já foi chamada de geração sem fala. A geração da calça Lee. Como Paulo Véras , tem a sua nostalgia da terra, do Piauí, do rio, da infância, trilha que os demais poetas desta antologia seguirão: Ó lirios brancos deste mundo negro,/ Águas barrentas do meu rio manhoso,/ Seresteiros da minha infância linda,/ Corrupião que cantava-me ditoso!
Alcenor Candeira Filho é também hábil poeta quanto à forma, que desenvolve de várias maneiras. O tempo perturbado e hostil está presente em suas preocupações de poeta atuante. E a esperança dele, de todos, é ver o mundo redimido através da poesia, a única via realmente válida do ser humano: olhar a vida com olhos de poeta. O pessimismo, que pinta de negro alguns de seus poemas, é apenas uma postura de vigília, de contaminação com o trágico do existir.
V. de Araújo talvez seja o poeta mais lírico desta antologia, o mais sentimental, pagando também tributo - tributo positivo - à nostalgia da terra e do passado. E no entanto é um poeta visceralmente partícipe da vida, no seu tempo social e político. Partícipe da condição humana: Esse homem-átomo/ é apenas um mar revolto/ onde vagam vagas/ traiçoeiras... vagas/ de ilusões desfeitas,/ de desejos mortos,/ ressacas de medo.// Esse homem-átimo/ é apenas um templo,/ um efêmero palco/ matizado de dores/ onde dançam fantasmas.../ latentes vendavais.
V. de Araújo conclama todos os poetas a escreverem versos fortes contundentes, sujos, "verso que perturbe os hipócritas'' e "machuque os covardes", porque a missão do poeta não é apenas contemplar, refletir, criar a sua linguagem inventiva, mas agitar as "verdades escondidas'' de seu tempo.
V. de Araújo conclama todos os poetas a escreverem versos fortes contundentes, sujos, "verso que perturbe os hipócritas'' e "machuque os covardes", porque a missão do poeta não é apenas contemplar, refletir, criar a sua linguagem inventiva, mas agitar as "verdades escondidas'' de seu tempo.
Jorge Carvalho acompanha seus companheiros de geração nesse périplo literário, entre o tempo nostálgico do passado e o tempo presente da atuação engajada. Seus poemas são construídos, inventivamente, a partir de montagens sintáticas, de forte sentido visual. Embora seja um poeta que procura por novas formas de dizer a poesia, não se revela artificial ou cerebral. É o poeta, desta antologia, de tantas qualidades, que mais experimenta a forma e a linguagem literária, que mais foge da norma comum do código linguístico. E também um poeta que não traiu o seu tempo e o compromisso social com a sua geração. A sua denúncia mais forte, mais vibrante, vai para a tecnologia, para a homem que se transforma em máquina: Vegetam peças, outrora seres/ morrendo pra máquina viver:/ A produção sonega deveres/ direitos d'escravos do poder/ Homem...homen...home...ômi.../ man..ma..mar... MÁQUINA.
Elmar Carvalho, o último da antologia, não desmerece seus companheiros poetas, canta uníssono a consciência da vida e dos compromissos humanos. Canta as desigualdades sociais, numa forma (poética) como já acentuamos, muito mais contundente do que um simples discurso de comício ou uma catilinária oca de deputado. Elmar Carvalho é também um hábil poeta. Joga com as formas mais livres, sem modismos. O lado emblemático e realista da sua linguagem se unem, para que a poesia, mais uma vez, seja o corte profundo e quente e afiado da denúncia como neste belo e inventivo A Fome: a fome/ que come/ e consome/ o "home'/ mora/ em sua viscera sonora/ e o devora/ como uma flora/ cancerosa/ rosa carnívora/ que aflora e o deflora/ de dentro para fora.// a fome é tanta/ e tanto espanta/ que O ex-grevista de fome/ hoje grevista com fome/ - ou melhor - desempregado/ pregado na miséria/ de ser gado sub/ ju/ gado/ vis/ gado k/ gado.
Aqui está todo o domínio poético de Elmar Carvalho e toda a contundência do seu verbo, nessa amostragem piauiense da poesia brasileira e do compromisso do homem com os valores e desvalores da sociedade de hoje. Enfim, esta antologia dos poetas piauienses, visionários do rincão distante, poetas do seu país, poetas da condição humana, é bem a bússola e o documento positivo do que se faz de melhor hoje na poesia brasileira, após os experimentalismos das Vanguardas.
Poesia livre, coloquial, simples, discursiva, sim, mas inventiva e forte, recado direto para as consciências adormecidas e mensagem sensível para os corações que ainda se enternecem com o seu semelhante.
ASSIS BRASIL, prefácio do livro:
POEMÁGICO: a nova alquimia do verbo
ASSIS BRASIL, prefácio do livro:
POEMÁGICO: a nova alquimia do verbo
Rio de Janeiro, 12 de março de 1984
(grifos do autor)
Vlw Rodrigo MLeite, viva Assis ! Obg pelo texto, não os conhecia. Gostei muito e mais do poeta V. De Araújo! Vou sondar mais! Continue
ResponderExcluir