15.4.16

ONDE UMA BARCA VEIO A POETA BUSCAR (A MANDADO), Luiz Filho de Oliveira




– psiu! – diz seo rio –  
vamos passear em mim
enquanto eu não vou... sim?

– sim – disse a mavioso convite (e mais disse!) –
vou embarcar assim sem a tal da catacrese – rio nativo
e navegar-te rio de muitos dito rio de minha terra
nossa! tanta terra! de tantos poetas & de gente tanta
que rio – rio – porque te-reverso uma margem apenas
emerso duma taba de imenso contentamento poti
como um piaga a desafiar-te-desafinar – rio grande

pois sei: és do filósofo antigo
o não-mesmo-rio-porque-passaste
e depois que a tua ira foi apascentada por Leonardo
– estando poeta-mentecontínua-revolucionário –
ficou mais fácil ir ter contigo ao teu catre alegorizado
mesmo agora em estado leito lento paciente porque
se canos & projetos já te-levaram as lavadeiras – rio dejeto
a largo canto canto o largo das águas em verso de monge velho

mas à margem de tuas melhores canetadas – rio verba
aquiagora levas a hidromassagem aos motéis urbanos (um caso)
onde secamente em programas as garotas falam falsas propagandas
beiravidando contra o rumo do mundo de Mundoca novamente    
e marginália mundana a cidade ainda te-reduz (o descaso)
de água e cais e caminho e mesa e banho
a esgoto latrina lixeira tema de campanhas
campanas pro dinheiro mesmo!

não mais Letes (esquece!)
nem Estiges nem Infernos  (estigmas do poético)
nestes versos te-quero música apenas: let’s play that!

e mais que o mar da costa – rio dádiva
vem e silva selvas de brisa vivas
e se o mar é longe e longo em linha
tu – rio – és doce e não amaro a toda a vida
linguagem para tudo quanto praias:
praio doce coroa & brotinhos

no averedado da verdade de teu chão – rio – caminho
e em filme grave gravo estas palavras em eco
lógico: não caço garças nem choro em coro
só aporto lado a lados: leito ladino (trino) se
margem a margens (imagens emergindo)
te-desavesso os versos líquidos – rio fio

todavia se a nado não cheguei a
nada de novo sob teu céu sobre as águas
liquido: aceito passear em ti nessa barca
por onde tropica o sol destas praças
(veio)

pronto, seo moço?

(rio)


(De Teresina a Timon, sôbolo rio Parnaíba, abarcando-o.)






Via Deleituras em 25 de novembro de 2009

12.4.16

RÉCITA, Francisco Miguel de Moura


                                            Para o amigo Ozildo Barros

1


Lixo atômico!
Ai, minha terra Francisco Santos!...
                                           Picos!...
Em vez de plantar mandioca
Vai plantar o câncer.
Ai dos meus rios,
Ai das minhas fontes,
            Pontes
     Lençóis freáticos!
O país do não come,
O país do não veste,
O país do não ouve,
O país do não chove,
- Piauí, triste/teste/toste.
Vamos receber o lixo do luxo,
Vamos receber o câncer dos ossos,
Vamos receber o câncer dos olhos,
Dente por dente, por dentro, olho por olho.

Meu grito contra o lixo atômico
É um grito histriônico:
- À merda, bomba! – Todas as bombas!


       
2


Não se pode mais plantar
                              batatas
Nas chapadas de Francisco Santos.
Não se pode! Não se pode!
Lá vão depositar o lixo dos “estranjas”...
No Piauí, não se pode, não se pode!

Ai, pátria do “não chove”,
Não come,
Não dorme.
Aí vem a bomba e sua carga
Amarga!
Molhemos nossos olhos, olhemos
Nossos próprios ossos.
Ai das nossas águas rio arriba,
                                 rio abaixo!..
Ai, Parnaíba, “velho monge”
Das nossas terras!
Ai do nosso sangue! Dói.
Morrendo nos veios, nos vales, nas chapadas,
Não se pode mais plantar mandioca,
Não se pode mais plantar mais nada.
                                      Nem poesia.
Ai, não se pode, não se pode, não se pode!


                         
3


Lixo atô-mico!
Luxo atômico para são paulo!
                                        r i o
                        brás     íl     ia...
Lixo para o Piauí,
Lixo, bicho!
Gente do Piauí come lixo
                        o  pobre,
                           opóbrio!
                        o burguês.
Não esse lixo-luxo-energia
                des-man-te-la-da.
Fora o lixo atômico,
fora toda a lixívia!

Quem não sabe que o bicho e o homem
                                             não comem?

FORA, POLÍTICOS E CIENTISTAS
QUE SÓ ENTENDEM DO ATÔMO,
MAS NADA DO HOMEM!
                   
NEM do ab(do)mem.



Francisco Miguel de Moura
Poemas recitados pelo autor, em 23.10.1986, no bar Nós & Elis, logo que soube que o lixo atômico viria a ser despejado nalgum lugar do Piauí. Francisco Miguel de Moura nas noites em outubro, andava com o também poeta Ozildo Barros e baixavam no bar Nós & Elis, em Teresina, para conversar, recitar e revolucionar o tempo e o ambiente. Via blogue do autor.


SONETO DA INFÂNCIA, Odilon Costa, filho




Há uma cidade feita de lembrança
onde o tempo suspenso te rodeia
e o rio da memória enfim descansa
disperso em manchas d’água pela areia.

A roda alegre dos meninos dança
e a luz pequenos bichos encandeia.
Uma palmeira acende a verde trança
e o tempo para: é sempre lua cheia.

Choveu. Formigas de asas no ar. Atracam
as canoas nas ruas misteriosas
que vão morrer no largo da matriz.

E nos campos sem fim os bois estacam.
Olha. A mão do vaqueiro colhe rosas
e leite. Ainda és menina. És tão feliz!



Odilon Costa, filho
Poema da série "Arca da Aliança"
Publicado em CANTIGA INCOMPLETA
Rio de Janeiro: José Olympio, 1971

11.4.16

"As Feras" ou "David Vai Guiar" (1972)








(...) fiz um filme que hoje é mais conhecido como Davi Vai Guiar ou Davi a Guiar, que no começo eu chamava de As Feras porque resolvi filmar tudo quanto era de maluco na cidade (na época havia uma gíria, “fera”, para designar se o cara ou a garota eram malucos) e criei um personagem chamado Inspetor Pereira, que era um policial perseguindo essa galera, esses cabeludos, essa rapaziada. Era um filme muito engraçado. (...) Eu quis fazer um filme em que eu filmava todos os malucos, todos os doidões de Teresina da década de 1970. Então eu filmei os meus amigos, filmei o grande bar da época que era o Gelatti – que ficava aqui na Frei Serafim – filmei o subúrbio, filmei gente fumando maconha, filmei meus amigos hippies, filmei os cabeludos, as meninas de minissaia, as namoradas, as namoradas dos meus amigos, usando como pontuação do filme um pensamento bem característico que era um inspetor de polícia perseguindo essa galera. O Inspetor Pereira era, digamos, o fio condutor da narrativa. Isso foi legal porque as projeções se tornavam um festival de gargalhadas, as pessoas se reconhecendo e havendo até mesmo uma torcida a favor dos malucos!

Durvalino Couto Filho em entrevista concedida a Jaislan Honório Monteiro 
Revista dEsEnrEdoS
Ano IV - número 15 - Teresina - Piauí - 2012



[...]



David Vai Guiar representa um clássico exemplo dessa flanância investigativa pela cidade. Trocadilho com o nome do principal protagonista —David Aguiar—, o título remete às intenções centrais do filme: utilizar as noções de guia e contra-guia para, a partir de um deslocamento sobre a cidade de Teresina, ir dando visibilidade e afrontando aos instrumentos panópticos de controle do espaço urbano, como os sinais de trânsito. A cidade que emerge na tela, composta por um cenário bucólico que revela pacatos bate-papos de final de tarde nas calçadas, é repentinamente submetida a uma vertigem expressa por motocicletas e automóveis que deslizam por suas ruas em alta velocidade. Ao som ao mesmo tempo agressivo e melancólico da banda de rock Pink Floyd o protagonista sorri quase furiosamente, enquanto, cabelo ao vento e a pretexto de guiar sua motocicleta, arrasta os olhares na contramão. O argumento do filme se concentra em um esforço para ler os signos da cidade com base em uma afronta aos regulamentos. Urubus, por exemplo, são apropriados como instrumento de uma estética minoritária, problematizadora da própria noção de belo. O destaque, entretanto, em David Vai Guiar, tanto quanto em O Terror da Vermelha, é dado às tabuletas de trânsito, as quais são consumidas sempre no sentido da negação.

Edwar de Alencar Castelo Branco
em Táticas caminhantes: cinema marginal e flanâncias juvenis pela cidade.



[...]



Produção: Arnaldo Albuquerque e Durvalino Couto Filho
Câmera: Arnaldo Albuquerque, Durvalino Couto Filho e Edmar Oliveira
Roteiro e direção: Durvalino Couto Filho

10.4.16

VOLLEY BAR, William Melo Soares




volley bar
rock e pelada
coroas do parnaíba

nêgo valti
dava o mote
piau frito
e outras coisas

o pôr do sol
o sorriso
menina flor da paisagem
Piedade oferecia
rabo de tatu gostoso

volley bar
sorriso e farra
vida efêmera
eterna areia

volley bar
sorriso e farra
vida efêmera
eterna areia

volley bar
gente bonita
lâmina d'água
à flor da areia



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

MISSÃO, Hardi Filho




Sob a grande nuvem
o clamor final.
Inúteis as máquinas
e os monumentos
ermos campos águas poluídas
cidades: jardins de cinza.
Na noite vazia
descerá das estrelas
um brilho incontemplado
e o dia nascerá para ninguém!
...........................................
Se os homens-antibióticos arquitetam
a noite incomum,
se os anti-homens constroem
                                    o dia nenhum,
o homem-Homem tem como missão
proteger o amor
construir casamata abrigo seguro
salvá-lo do caos, concorrendo
no caso
para que a vida recomece!



Hardi Filho
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

O MURO, Hardi Filho




A vida pinta no muro o vermelho
perigo a todo instante dia a dia
e pinta o verde, em céu azul, nuns ricos
bordados de pureza e fantasia.

Drama aventura evento a vida pinta
no muro o preto o amarelo o lilás;
refração de água e sol ela reflete
estas coisas indecisa entre ânsia e paz:

arco, armação, parábola, temores.

A morte pinta no muro outras cores.



Hardi Filho
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

CHIQUINHO, GARRA!, Rodrigo M Leite

ao próprio

de uma revolução dos pirulitos enfim acontecida
chiquinho desceu às margens do rio
catou umas garrafas
colocou-as num saco, numa caixa de fogão vazia
deu uma passadinha no boca da noite
perdeu-se na noite fria

(a impressa dia seguinte não noticiou o acontecido)


Rodrigo M Leite
em A Cidade Frita
Teresina: 2012, versão atualizada

"Nos fios elétricos", Halan Kardec Ferreira Silva




Nos fios elétricos
andorinhas descansam asas,
úmidas da viagem



Halan Kardec Ferreira Silva
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

"É grave o pássaro", Halan Kardec Ferreira Silva




É grave o pássaro
que me repropôs a paz dessa manhã:

só estar ali pousado,
grávido de um canto
mais triste que o meu silêncio.



Halan Kardec Ferreira Silva
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

"me resta olhar", Halan Kardec Ferreira Silva




me resta olhar
o tempo crispar as frutas
na bandeja sobre a mesa,
ou nas sacadas desses apartamentos
mirar as solidões destroçadas.



Halan Kardec Ferreira Silva
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

9.4.16

Poeta Chiquinho Garra lê o poema "Maria Sharapova"







Filmado por Rodrigo M Leite
em 18 de março de 2016
Praça Pedro II, Centro de Teresina/PI

TERESINA, ANOS 70, William Melo Soares


Quintais de plantas e pássaros
menino chupando o dedo
ou picolé Amazonas
Arnaldo histórias em quadrinhos
humor sangrento no traço
da rua do Barrocão

Davi Aguiar os passos
dos malucos da cidade:
sexo, drogas e rock'n roll.

Domingo dia de clássico
rivengo no Lindolfinho
Carlos Said comentando
para o bom entendedor
pastel da Maria Divina
quem comeu nunca morreu

Seu Cornélio pão de queijo
arretado de sabor
a turma da palmeirinha
baixa da égua Sambão
coroas do Parnaíba
piau frito e pedaleiros
Dom Avelar Oração
Por um Dia feliz.


William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

2.4.16

NÓS & ELIS & GERALDO BRITO, Geraldo Brito




Numa ligeira regressão, chegamos ao ano de 1984. Muita tensão, embora os dias da ditadura militar estivessem praticamente contados, eis que chegou o dia 25 de abril, dia da votação na câmara dos deputados, da emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para o ano seguinte, ou seja, 1985. Passei o dia em casa ensaiando para acompanhar a cantora Cláudia Simone, que iria interpretar uma canção de uma compositora que não me lembro agora o nome, no festival organizado pelo Diretório Acadêmico da UFPI. Chegou a noite e fui pro Theatro 4 de Setembro para o dito festival. Ao sair do Theatro, indaguei a respeito da votação, que ainda não tinha acontecido e isso ao redor da meia-noite. Tal fato só foi acontecer às duas da madruga já no dia 26. Resultado: a emenda não foi aprovada. Decepção geral principalmente por alguns deputados que ficaram em cima do muro e não compareceram. Mas, tudo isso só pra lembrar que nessa noite seria inaugurado o bar Nós e Elis, onde antes funcionara o Quinas Bar (local onde houve um incidente envolvendo o meu amigo Peinha do Cavaco, que foi torturado pelas garras da algoz ditadura militar). Todavia nessa noite não compareci ao evento (não me lembro agora a razão), mas logo, logo, tornei-me um assíduo frequentador do bar e também um dos músicos que mais participaram da agenda da casa. Fantásticas noitadas aconteceram ali. Lembro de uma em 1985, por ocasião da presença da cantora Gal Costa em Teresina, apresentando o seu show BEM BOM. Após o show a equipe técnica da cantora compareceu em peso ao bar, onde as atenções foram voltadas para o técnico de som Rogério Costa, irmão da cantora Elis Regina. Detalhe: todos os copos do bar eram padronizados com fotos de Elis, o que foi o bastante para irritação de Rogério, que argumentava o fato da imagem da cantora estar vinculada a bebidas. Rogério, procurou o proprietário do bar Elias Ximenes, que após horas de conversa conseguiu conciliar tudo.

Outro incidente aconteceu no finalzinho do ano de 1985. Quatro rapazes chegaram ao bar por volta das 21h, sentaram e após umas e outras começaram a aprontar, fazendo aposta para ver quem conseguia acertar num pobre gatinho indefeso que estava passeando numa cerca de madeira que circundava o ambiente. Um deles atirou e errou o alvo, o que foi o necessário para o Elias ficar uma fera e imediatamente chamar uma viatura da polícia. Com a presença dos “ôme”, os vândalos fugiram, sendo perseguidos pela viatura e acompanhado por vários clientes do bar, que clamavam por justiça. Mas, a polícia prendeu os rapazes e após um tempo de interrogatório, diziam-se policiais federais. O delegado Torres requisitou o superintendente da polícia federal, que ao chegar à Delegacia, desmascarou os mentirosos e ainda descobriu que o líder do bando era Paulo Andrade, filho de Castor de Andrade.

Esse aconteceu com próprio Edvaldo Nascimento, de quem vocês também estão tentando arrancar algumas informações. Era, acho eu, 1986, tempo em que o Nascimento, estava a todo vapor com shows na coroa do Parnaíba, Theatro 4 de Setembro, Feira de Arte Popular, sei lá em quantos lugares ele passou. O Negão (apelido carinhoso do Ed), era um bom frequentador do bar, porém como compositor, não era muito bem quisto pelo Elias, até então. Mas, eis que uma noite o Ed, após realizar um daqueles shows contagiantes (no tempo em que tinha dois ótimos performáticos back vocal: a Edneide Magalhães e o Vicentim), segue para o Nós e Elís, com objetivo de relaxar um pouco e também ouvir a gravação do show, feita pelo Zé Dantas, ainda em fita cassete. No palco do Nós, tinha um rack de som para shows incluindo um tape-deck para som ambiente onde tocava principalmente músicas gravadas pelas Elis. Edvaldo ou mesmo a Edna, não lembro, subiu ao palco e colocou pra rodar a fita do show. E ficamos a curtir detalhes da gravação, quando chega o saudoso Elias Jr. esbravejando em bom tom: "quem colocou essa fita aqui? isso é contra os princípios do ambiente! aqui não toca rock and roll!". Edvaldo, ficou na dele (ainda era caladão e só emitia uma ou outra frase monossilábica), mas a Edna, como é do seu temperamento, não ficou calada e começou a argumentar com Elias, que estava outra vez enfurecido. Após acusações de ambas as partes, Elias, perdeu as estribeiras e mandou essa: "fora daqui você e seu roqueiro!". Só não lembro se, após esse compulsório convite, os dois ainda continuaram no bar, talvez sim.


Geraldo Brito



NOTA DO EDITOR, Joca Oeiras:

Um ano se passou desde que comecei a pedir que as pessoas escrevessem sobre o Bar Nós e Elis. A maioria absoluta dos que escreveram, nos mais diversos contextos, citaram, em suas crônicas, o músico Geraldo Brito. O João Cláudio Moreno considera, mesmo, ser impossível falar do Nós e Elis  sem falar dele. A Vera Mascarenhas, viúva do Elias, disse, em sua crônica: “De todos os cantores e músicos que se apresentaram, não posso deixar de citar Geraldo Brito que, em nome dos demais, presto homenagem”. O texto acima, de autoria do GB deixa muito a desejar, não pelo o que nele está escrito, até pelo contrário, mas pelo fato de ser de autoria de alguém que escreve bem, viu tudo, sabe de tudo e que tem, segundo dizem, uma prodigiosa memória. De minha parte eu fiz o possível para conseguir mais. Ninguém escreve obrigado, no entanto.

DESCENDO O PARNAÍBA, Antônio Chaves




Nas águas, vê que límpidas bonanças...
Que verde o destas árvores florindo!
Parece o verde dessas esperanças
Que em nossos corações brotam sorrindo.

Como as almas sonâmbulas e mansas
Dos lírios virginais que estão dormindo,
Quantas almas de cândidas crianças
Há nas estrelas que já vêm surgindo!

Tu és um quadro desta Natureza!
Minha alma, ao ver em ti tanta beleza,
De ti somente se tornou cativa...

Sem sol a flor sucumbe, morre a planta...
Dá que eu sinta, portanto, ó minha Santa,
O sol do teu amor! Faze que eu viva!



Antônio Chaves
em Nebulosas (1916)
apud A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995

MEMÓRIA, Álvaro Pacheco




Deixar a memória
cumprir sua parte
juntar os pedaços
compor os seus itens
então reverter-se
do tempo e da carne
tornando-se apenas
um puro fluir

deixar que a memória
performe e execute
e sermos apenas
processing data

(e indeléveis registros).



Álvaro Pacheco
em outubro de 1972, Rio de Janeiro/RJ
via Jornal da Poesia

TERESINA, Domício Proença Filho


                        para Cineas Santos, amigo-irmão


Mar de copas verdes
inebriadas
à carícia dos ventos
dóceis e violentos.
Emergentes,
cúmplices da beleza
suavemente rubra,
os tetos-ilhas
do amigo casario.
E a placidez do rio.

Arranha-céus ao fundo,
concretudes de progresso,
o asfalto
frenético da vias.

Pleno de luz, o dia
E de coragens.

E em tudo
um sabor
de alumbramento.

A cidade sorri
num abraço caloroso:
o aconchego-irmão
da gente-teresina.


                        Rio de Janeiro, 07-07-2008


Domício Proença Filho
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

DO TEMPO DO NÓS E ELIS, Ico Almendra


Sou do tempo do Nós e Elis
Com tanta música e pureza
Do tempo em que o Raízes ficava
Na antiga avenida Fortaleza
De quando para se aprender acordes
Se olhava para a mão esquerda do Geraldo
A cidade era realmente verde
Mas sempre teve o Blues do Edvaldo
De músicos tão raros
Como André Luiz e Zezinho Piau
Roraima, Boy e Jabuti
E outros tantos etc. e tal
Das gincanas do Colégio Andreas
Feitas perto do fim do ano
E das acirradas disputas
Contra o Colégio Diocesano
Quando o prédio mais alto que havia
Era o do Ministério da Fazenda
E as crianças ainda acreditavam
Que Cabeça de Cuia era mais que uma lenda
De quando a gente ainda conseguia
Andar pelos calçadões do centro
E todos os bares da cidade
Ficavam abertos noite adentro
Do tempo do Festival Setembro Rock
Em pleno Centro de Artesanato
Dos santos do Mestre Dezinho
Das obras de Mestre Nonato
Ainda me lembro que numa sala do Royal
Vi, pela primeira vez, Brigitte Bardot
Pois no outro cinema, o Rex
Só passava filme pornô
À tarde, no bar do Seu Cornélio
Que tinha o melhor pão de queijo
Vendo as meninas passarem
Sorrindo e mandando beijo
No Sorvetão ou no Elefantinho
Sorvete ruim não havia lá
Araticum e Bacurí
Sapoti ou Maracujá
Do tempo em que Luiz Correia
Só duas praia tinha então
E até a de Atalaia
A gente chamava de Amarração
A outra era do Coqueiro
Praia tranquila, de mais encanto
De bares com o Alô Brasil
E a casa do Gerson Castelo Branco
Se tem algo que permaneceu
Agora como era antes
Foi o calor do B-R-O Bró
E suas temperaturas escaldantes
Do Parnaíba à ladeira do Uruguai
Do Mocambinho ao Saci
A cidade ainda era pequena
Era fácil andar por aqui
Eu sei, se passaram os anos
Pois sou do tempo do Nós e Elis
Mas, com certeza, não me engano
Naquele tempo eu era feliz


Ico Almendra 
em 11 de outubro 2008
via Portal do Sertão | Fundação Nogueira Tapety

1.4.16

Netinho da Flauta (Documentário)



parte 1:





parte 2:






Netinho da Flauta
Produção executiva e narração: Moises Chaves
Produção: Nivalda Damasceno Ferreira
Edição e direção de imagens: Sergio Lima

DENTRO DA NOITE VADIA, William Melo Soares


                                     para Netinho da Flauta


nos pés o chão das estrelas
nos olhos o brilho da vida
uns paparicos em Carminha
fina flor da melodia

vem de longe
um som de flauta
dentro da noite vadia

livre feito um passarinho
um passageiro do bem
viajou ao som da flauta
rumo aos confins do além



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015





CLIMÉRIO, William Melo Soares




o tempo vai
tangendo amigos
pras lonjuras

leio um poema
angicalíssimo
de Climério

um rio morno
ribeirinha
minha infância

essa saudade
luz acesa
noite insone



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

ENCONTRO DAS ÁGUAS, William Melo Soares




das ribanceiras
avisto as cores
te enfeitando
da aurora ao pôr do sol

rios fluindo
orlas douradas
do Poty ao litoral

navego em verso
e escuto a música alegre
das águas



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015