"MIRANTES", por H. Dobal




MIRANTES I


Um pouco dos crepúsculos vai ficando 
cada vez mais nestas paredes. 
Um tempo destruidor persegue esta cidade 
que debruçada nos seus mirantes 
contempla a sua derrota: 
o passado destruído,
o destroçado coração 
que nem a pedra nem o sonho 
podem mais salvar.



MIRANTES II


Sobre o telhado, o mirante 
acompanha o tempo que não dorme. 
Não guarda o que mira: 
o rosto vígil que lhe traz 
esta metamorfose, 
os punhais da chuva, a lâmina do sol, 
o veneno humano da indiferença.
O mirante não guarda 
os cristais do crepúsculo,
nem a dura certeza 
de que uma cidade 
nos seus azulejos 
só é perene 
como a brisa e a nuvem.



MIRANTES III


Um rico proprietário português 
se suicida no seu mirante. 

Subia na hora 
da ave-maria 
e o mirante lhe dava 
uma cidade envelhecendo. 
Dava-lhe a serena 
visão do mar 
a uma saudade ultramarina.

Entre as janelas 
deste mirante, 
ficaram suspensos
os olhos mortos de um banqueiro 
contemplador de crepúsculos.



MIRANTES IV


O mirante sossegado 
recebia a viração. 
A tarde branca 
se desvelava sobre o mar. 
Subia das ruas 
a confusa sussurração da vida. 
E no mirante, um gentil-homem 
sossegado entre o céu e a terra, 
velando a vida e a tarde branca 
escolhia palavras para um livro.



A Cidade Substituída
Teresina, Oficina da Palavra: 2007


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