ANIVERSÁRIO, por Chico Neto




Carlos, 
empresta a tua voz tímida e clara
pra que eu possa adentrar calmamente essa noite,
sem o risco de não me perder.

Dessa vez inunda minha garganta
e não só os olhos.

Aparece tu mesmo, se possível.
Abandonaremos de vez os óculos;
veremos juntos (míopes que somos) 
a vastidão do que ningúem mais vê, 
mas guardaremos segredo, Carlos.
O mundo é...
A vida, vaga.
Cada um quieto, em seu canto.

E afinal quem beberia dessa cachaça?
A explicação está nos jornais, é simplória:
Os bêbados, os loucos:
melancólicos demais.
E vagabundos, só os de chapéu-coco.

O mais rápido que puderes, Carlos:
estende tua mão amorosa, 
me arranca desse brejo,
que agora pouco descobri: 
nunca tive alma,
não amei ninguém.
É tarde?

Noite!

As luzes apagadas, 
findo o espetáculo,
no palco, no escuro, 
alguém continua a encenar gestos de carinho. 
Mais um sobrevivente.
Duro. Demasiado. 
Quanto haveremos de durar, Carlos?

Tu te foste velho, vertical,
e, no entanto, ficaste, 
e sei que ficarás
pr'além de tua ausência: 

soubeste fincar suavidade (e quanta doçura!)
nas horas de maior desespero, 
de absoluta solidão, 
o amor.

Eu? 
Só exponho as penas. Não fixo nada.
Eu retalho. 
Falso fingidor que sou,
poeta desimaginado.

Mesmo assim, Carlos,
hoje é meu o convite: 
sofrer, xingar, maldizer, gritar! 
e quem sabe o quê no mais tardar



Chico Neto,
no seu aniversário em 17/08/2013
Inédito em livro 



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