"Dissonâncias saborosas: As identidades juvenis em Teresina entre a Cajuína e a Coca-Cola", por Paulo Ricardo Muniz Silva (2013)
RESUMO
A pesquisa visa refletir sobre a constituições de identidades piauienses a partir da produção musical local nas décadas de 1960 a 1980, tendo como objeto de análise algumas produções musicais que encaixam-se no que convencionou-se chamar de música de protesto. No Piauí essas letras versam sobre os mais variados temas como política, comportamento e repressão. Fontes hemerográficas que traziam em seu bojo discussões sobre tais letras e sobre os festivais de música que realizavam-se em Teresina, bem como fontes orais foram de suma importância na tessitura dessas linhas sobre arte, cultura e identidades piauiense discutindo as influencias regionais e estrangeiras a partir da metáfora da cajuína e da coca-cola.
Palavras-chave: História. Música. Engajamento. Identidade.
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Trechos:
"Pela valorização imediata do artista piauiense, enfim libertado dos inúteis Olimpus do saber e do rebolar das teses. Mais livre ainda do conservadorismo camuflado nas RAÍZES, que pinta para amaciar a audácia criadora. A vitória do homem contra o mito. Ninguém orienta o CARNAVAL do cordão de isolamento. Abaixo os falsos piauienses e os caboclos de salão". (Durvalino Couto Filho) (1)
1. COUTO FILHO, Durvalino. Manifesto Pau Baçu. Os caçadores de prosódias. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1994.
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"São de Geraldo Brito alguns dos primeiros escritos sobre música do Piauí, em um momento onde o pragmatismo do mundo moderno parece fazer com que algumas disciplinas tenham (ilusoriamente) seu poder de atração minorizado, tais como a filosofia, a sociologia e a história, os escritos de GB são de suma importância para que propõe lançar-se na seara de resgatar algumas histórias que venham compor um mosaico maior, o de contribuir para a escrita, divulgação e maior consciência histórica por nosso legado cultural".
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"Lancemos-nos à Teresina dos anos 60 a partir dos olhares, dos toques, das lembranças e dos esquecimentos de um único personagem, isto é, de sua memória. Teresina à época era vista como uma cidade calma, com poucas avenidas, poucos automóveis, ainda sem estação de TV e que tinha no rádio “a” fonte de entretenimento, comunicação e socialização da população. No que tange a práticas musicais, podemos observar a existência de alguns programas de claros, que por vezes contava com a presença de um astro ou estrela de renome nacional. “sempre acompanhados pelo Regional Q3, conjunto pertencente ao quadro de funcionários da Rádio Difusora de Teresina, a pioneira no campo radiofônico da capital, uma vez que a primeira emissora de rádio do Piauí foi a Rádio Educadora de Parnaíba (19)".
19. BRITO, Geraldo. Música no Piauí – Anos 60. Cadernos de Teresina, Ano VIII, no 17, agosto de 1994, p. 54 – 57, p. 54.
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"Em 1960, surgiu a Rádio Clube de Teresina, que não tinha um elenco de músicos definido, mas que eventualmente apresentava os seus programas com calouros. Em 1962 surge outra emissora de rádio. Desta vez a Rádio Pioneira de Teresina, e que contribuiu bastante no âmbito musical, contando com apresentações de programas de calouros e shows com astros nacionais em suas dependência".
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"Em 1965, chega a Teresina o baterista Barbosa que monta o famoso conjunto Barbosa Show Bossa, incendiando o salão do Clube dos Diários. No início de 1967 o B.S. B foi desfeito e surgiu imediatamente outro conjunto chamado Sambrasa, composto por músicos do extinto Barbosa, mas em meados de 1967, a cidade tornava-se ainda mais quente com a aparição de um conjunto tipicamente da jovem guarda. Os Brasinhas provocaram uma tremenda reviravolta por parte do público feminino. A banda era constituída por jovens cabeludos, como mandava o figurino, e todos genuinamente piauienses. À sua formação original, Os Brasinhas ganha a valiosa participação do guitarrista Assis Davis, um dos melhores músicos piauienses no que se refere à época da Jovem Guarda. Paralelamente, surgiram Os Metralhas, resultante da saída de Ernesto e Chico Vasconcelos dos Brasinhas".
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"Um dos locais em que as canções com cunho político puderam ganhar corpo no Piauí e, especificamente, na capital, viria a ser um bairro que agregava vários pontos que culminariam na formação tanto de um corpo produtor quanto de um público consumidor, tido como consciente e politizado, apto a compreender as mensagens que eram repassadas ou que tentavam passar os compositores, através de um exercício poético e de análise metafórica para a compreensão".
"O bairro Parque Piauí, zona Sul de Teresina, agregava muitas características que fizeram desse bairro um lugar propício para a produção de vários tipos de manifestações artísticas com apelo contestatório. Jornais alternativos como O Osso e Habeas Corpus (36) foram reflexos do momento pelo qual o bairro, a cidade e o estado passavam. Esses jornais que tinham a participação, em sua maioria, daqueles que também participavam do Festival, continham normalmente em sua estrutura poemas, desenhos, crônicas e textos críticos sobre literatura e arte".
36. Tais jornais tiveram destaque no período em questão, destacando-se conteúdos contestatórios/conscientizadores em forma de poesias, pequenos contos e artes visuais onde representantes da comunidade tinham espaço, assim como os festivais, para se expressar política e culturalmente.
"Além da música e da literatura, houve no Parque Piauí também uma grande produção na área teatral. Ainda sobre o assunto conta-nos Williams Costa: “acho que foi no governo Alberto Silva. Ele trouxe um pessoal do Rio de Janeiro para ensinar cultura, ensinar teatro, [...], e de lá saíram alguns professores que contribuíram para o festival (37)".
37. COSTA, Williams. Entrevista concedida a Paulo Ricardo Muniz Silva. Teresina, 23 de junho de 2010.
"No período em que não ocorriam festivais, que, em geral, cessavam por volta do mês de julho, a produção cultural no Parque Piauí não parava. Jornais alternativos, peças teatrais, bem como lançamento de livros, aconteciam (...) entre um festival e outro. Em geral, tais produções eram atravessadas pelo ideal de protesto juvenil, que também marcava os festivais, formatando ali um espaço que, para além de culturalmente efervescente, apresentava-se como lugar de intensa produção de uma cultura política (38)".
38. Para a discussão do conceito de cultura política, ver: BERSTEIN, Serge. Cultura política. In: RIOX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (Org.). Para uma História Cultural. Lisboa: Estampa, 1998.
"A questão eclesial foi também outro importante fator a impulsdionar a formação de uma sociedade crítica no Parque Piauí. Foi notória a grande (..) influência que a Teologia da Libertação (39), a partir da atividade de alguns padres, teve quando nas décadas de 1960 e 1970 começaram as atividades político-culturais no bairro. É ainda o músico Williams Costa quem nos conta que:
nos anos 1960, ainda no início de formação do Parque Piauí começou um trabalho dos padres italianos, um trabalho assim com uma visão política, dentro de uma linha quase revolucionária, e aí foi o primeiro padre pra lá cujo nome eu não me recordo, não é da minha época, depois posteriormente foi um segundo que fez mais um trabalho de continuação e nos anos 1970 chegou um padre chamado Pe. Sandro e ele era bem pé no chão, ele tinha muita iniciativa junto à comunidade, de fazer, de botar a mão na massa, de pegar colher, de pegar enxada, ele gostava de calejar as mãos pra dar exemplo de construção, neste período a Igreja tinha como um todo um negócio chamado comunidade eclesial de base, no Parque Piauí foi o cerne dessa formação dessa consciência política (40)".
39. A teologia da libertação é uma corrente teológica que engloba diversas teologias cristãs desenvolvidas no Terceiro Mundo ou nas periferias pobres do Primeiro Mundo a partir dos anos 70 do século XX, baseadas na opção preferencial pelos pobres contra a pobreza e pela sua libertação. Estas teologias utilizam como ponto de partida de sua reflexão a situação de pobreza e exclusão social à luz da fé cristã. Esta situação é interpretada como produto de estruturas econômicas e sociais injustas, influenciada pela visão das ciências sociais, sobretudo a teoria da dependência na América Latina, que possui inspiração marxista;
40. COSTA, Williams. Entrevista concedida a Paulo Ricardo Muniz Silva. Teresina, 23 de junho de 2010.
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"Em relação ao FESPAPI, tratou-se de um festival concebido e organizado por pessoas da própria comunidade, tendo à frente a figura de Francisco das Chagas Venâncio (48), professor de matemática de uma escola da comunidade, que muito contribuiu para a realização e manutenção desse festival.
Venâncio era professor de matemática, que gostava de tocar violão, tinha uns métodos não muito convencionais de dar aula e era muito querido pelos alunos, era muito crítico, ácido, mordaz, como as pessoas diziam na época “cortava” mesmo, “tesourava”, não se livrava ninguém. Mas ele, como outras poucas pessoas, tinha acesso a essa literatura, o Pasquim, depois veio o jornal “O Movimento”, um jornal mais ou menos alinhado com a igreja que depois desse movimento surgiu o pessoal do Partido dos Trabalhadores (49)".
48. É grandemente destacada a participação de Professor Venâncio dentro do bairro Parque Piauí, sendo lembrado como homem político, intelectual, e que muito contribuiu para a grande efervescência político-cultural no bairro na segunda metade da década de 1970. Ele também é lembrado por José Pereira Bezerra, em seu livro a geração mimeógrafo dos anos 1970, no Piauí. Cf. BEZERRA, José Pereira. Anos 70: Por que essa lâmina nas palavras?. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1993.
49. COSTA, Williams. Entrevista concedida a Paulo Ricardo Muniz Silva. Teresina, 23 de junho de 2010.
"A organização desse festival dava-se quase que de forma heróica uma vez que faltavam tanto recursos econômicos quanto recursos técnicos. O primeiro festival veio a acontecer na Associação dos Moradores do Parque Piauí (AMPAPI), depois transferido, nas edições seguintes para o prédio do Centro Social Urbano (CSU) do bairro, mantido pelo governo do Estado.
Para sair do papel o projeto do festival houve uma verdadeira corrida para conseguir patrocínio que veio tanto dos comerciários (do bairro e de toda a capital) quanto do governo também, junto à Secretaria de Trabalho e Ação Social, tendo ainda grande divulgação na imprensa piauiense tanto nos jornais quanto no rádio.
Outra grande dificuldade dizia respeito a aparelhagem utilizada para a amplificação dos sons dos instrumentos musicais, uma vez que se tratava de um material dispendioso e de difícil acesso. Normalmente alugava-se o som com o dinheiro das inscrições ou, como se deu em alguns momentos, contratava-se uma banda para tocar após cada eliminatória e usava-se o som da própria banda para que o festival pudesse acontecer."
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SILVA, Paulo Ricardo Muniz. Dissonâncias saborosas: as identidades juvenis em Teresina entre a Cajuína e a Coca-Cola. CONTRAPONTO: Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil da UFPI. Teresina, v. 2, n. 1, ago. 2013.
Orientador: Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco. Professor do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil da UFPI.
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