Deserto Urbano: descaracterização do Centro de Teresina contribui para o apagamento da identidade da capital, por Luís Eduardo Fontenele
Do patrimônio material aos moradores remanescentes, o problema de preservação do Centro de Teresina reflete na perda de identidade da cidade
Andar pelo Centro de Teresina é corriqueiro para maioria da população da capital. Seja por conta do grande fluxo de transporte coletivo ou pela concentração de lojas, o Centro é, acima de tudo, um espaço comum no imaginário do Teresinense. É contraditório pensar que uma área tão importante no dia-a-dia da cidade mais populosa do Estado, venha perdendo gradativamente seus moradores, seus espaços e seu patrimônio.
A história erguida durante os mais de 170 anos da cidade, teve o Centro como palco em grandes momentos. Isso porque o Plano Saraiva, primeiro rascunho de organização da capital, contemplava essa região como berço da sua morfologia urbana, principalmente nos arredores da Praça da Bandeira. Ao redor desse polo, que continua referenciando uma das principais localizações do Centro, foram construídos alguns dos mais importantes aparelhos institucionais e culturais de Teresina.
Desde o fim do século XIX, o Centro ganhou potência como região matriz da cidade, abrigando diferentes estilos de construções, prédios, escolas, teatros e pontos comerciais. Nos últimos 10 anos, no entanto, mais de 20 mil pessoas deixaram o Centro de Teresina, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse dado é consequência de um abandono gradativo do gerenciamento da região.
Foto: Luís Eduardo Fontenele
Mesmo com forte fluxo comercial, as estruturas históricas e as casas dos moradores remanescentes parecem ainda não despertar ações suficientes da gestão da capital e como resultado, os moradores deixam suas casas e o Centro histórico padece a destruição, dando lugar para, em sua maioria, estacionamento de veículos.
Toda essa problemática se agrava ainda mais ao se dar conta de que além da degradação física, o Centro perde seu caráter identitário para o teresinense. Afinal, para se reconhecer em uma região, o morador deve sentir sua importância para a cidade, e isso não tende a acontecer com espaços abandonados e beirando a criminalidade. Nesse processo, a região que um dia deu início a toda urbanização da cidade, vem sendo apagada do mapa na memória coletiva dos seus transeuntes diários.
Saudosismo e Resistência ao esvaziamento
“Eu observei que, andando à noite no Centro, a gente ainda ouvia televisões funcionando, o ar-condicionado, e que ainda existiam pessoas morando no Centro da cidade. E aquilo me despertou o interesse em ver como um Centro que era praticamente comercial ainda tinha residentes”, comenta o professor de História da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Ricardo Arraes, sobre os motivos que o levaram a desenvolver o documentário “Cidade Descarnada”, que conta sobre a descaracterização do Centro de Teresina. Lançado em 2013, o filme apresenta relatos de moradores do Centro que já resistiam em deixar a região, em meio ao processo de esvaziamento.
Mais de 10 anos depois, os entrevistados de Cidade Descarnada já se foram e com eles, foram também memórias que compuseram a história do Centro residencial. Mas mesmo com o esvaziamento, ainda há moradores e ainda há resistência.
“Esse Saudosismo exatamente por conta de que eles nasceram naquela região, cresceram, casaram, tiveram filhos e eles foram morrendo, foram envelhecendo, e algumas pessoas migraram para a Zona Leste ou para outras partes de Teresina, que não era mais um Centro que estava sufocado pelo comércio”, complementa Ricardo Arraes.
Para o professor, o saudosismo e as memórias de um antigo Centro remetem às referências de comunidade que existiam na juventude dos moradores mais antigos da região. Como exemplo, a aposentada Socorro Miranda relata que sua vizinhança continua unida, e mesmo com as adversidades, resiste ao esvaziamento.
“Eu moro aqui há muitos anos e não tenho pretensão de sair. Meus vizinhos são muito unidos e nós sempre nos visitamos. Ainda tem muita gente morando no Centro”, diz.
Ainda tem muita gente morando no Centro. Com precisão, 95.857 pessoas, segundo dados do censo do IBGE de 2022. Esse número reflete que, mesmo com a migração em massa, o Centro ainda concentra pessoas que são diariamente afetadas pelos seus problemas de infraestrutura e criminalidade, criando um ciclo de abandono da região, não só de residências, como também de pontos comerciais, e espaços de cultura e lazer.
Revitalização, Patrimônio e Luta contra o apagamento
Não só de memórias de moradores é composto o imaginário popular sobre o Centro de Teresina. Ao longo das áreas que compõem o sítio original projetado pelo Conselheiro José Antônio Saraiva, governador da província durante a criação da nova capital, estão muitas das estruturas que hoje cercam o conglomerado comercial que se tornou a origem da cidade.
O denominado Centro histórico concentra os primeiros prédios e obras de uso social que alavancaram a urbanização da cidade. Nesse sítio, o Mercado Velho, a Igreja Matriz Nossa Senhora do Amparo, a Casa Barão de Gurguéia e o Clube dos Diários, adjacente do Theatro 4 de Setembro, são algumas das construções resistentes, que receberam revitalizações e tombamento durante o passar das décadas. Mesmo com a luta de movimentos de estudiosos para preservação de tais estruturas, a realidade do patrimônio cultural e arquitetônico do Centro ainda não contempla grande parte desse patrimônio.
Casa Barão de Gurguéia – Foto: Luís Eduardo Fontenele
A professora de História da Universidade Estadual do Piauí, Viviane Pedrazanni, explica que a invizibilização e degradação desse patrimônio é uma das principais razões contribuintes para o afastamento do cidadão teresinense da identidade da sua própria cidade.
“Quando as pessoas chegam no centro, elas estão vendo cada vez menos a história manifestada nesses prédios históricos, porque eles estão sendo descaracterizados, eles estão sendo destruídos. Eles estão sendo invisibilizados por vários fatores. Então, é um contexto que faz com que as pessoas, cada vez menos percebam essa história urbana, se reconheçam nesses prédios, principalmente também porque esses prédios estão perdendo seus usos”, explica a professora.
O Centro é um espaço de confluência entre história, comércio, cultura e pessoas que carregam consigo a memória e tradição do início de Teresina. Sua preservação e manutenção deve agregar políticas públicas que atendam a essas áreas, de modo a oferecer de volta a oportunidade ao povo teresinense, de visitar o Centro, sentir a identidade da cidade e se sentir pertencente a ela.
Luís Eduardo Fontenele
Via Portal Luneta
Publicado em 17.07.2024
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