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11.6.21

Os Bares de Teresina, por Eugênio Rosa de Oliveira Ribeiro (2013)






Certa noite, pertinho do aniversário de 161 anos de Teresina, numa das cervejadas no Bar do Osvaldo, ficou uma pergunta no ar: O que ou quem mais representaria o jeito de ser da cidade de Teresina?

Conversando com o Conselheiro Fernando Porto, primeiro e único Comendador do Barrocão, veio a solução! Nossos bares e botecos são quem mais refletem a alma do Teresinense.

E por qual razão? Qual é a característica dos nossos botecos? O que os diferencia? Quais são eles?

A maioria de nossos bares é bem simples. Despojados, não muitos limpos (tem um com o nome “Bar do Imundo”), copo americano, cadeira de espaguete, ás vezes nem cadeira têm! E, apesar de serem um templo de celebração da mulher, são um ambiente eminentemente masculino.

O dono, geralmente mais grosso que lixa 40, contraria todas as lições do SEBRAE sobre a cortesia e atenção aos clientes.

No entanto, estes botecos são ponto de intelectuais, médicos, engenheiros, jornalistas, empresários, um sem número de pessoas conhecidas e bem sucedidas, além dos tradicionais cachaceiros dos diversos matizes.

Tem boteco frequentado pelas mesmas pessoas faz 40, 50 anos. Agora já são os filhos que estão tomando o lugar dos pais.

O Bar do Osvaldo, por exemplo, que funcionava perto da casa do estudante, antes de mudar para o Barrocão (ficou no lugar do bar do seu Luís Veloso, pai da primeira dama Lilian), foi frequentado por sucessivas gerações de estudantes (iam comprar ovo e sardinha!).

Muitos desses estudantes se formaram e, apesar de profissionais de sucesso, mantiveram o hábito de visitar o veterano da guerra (seu Osvaldo lutou no Suez).

No Osvaldo não há cadeiras, nem mesas. Quando aparece uma pessoa conhecida (só se for conhecida) ele tira detrás do balcão um tamborete e, assim, os fregueses se posicionam uns de frente para os outros nos dois lados do balcão.

O balcão de madeira do seu Osvaldo tem mais de cem anos e pertenceu ao comércio do senhor Adelino, depois fiscal de rendas do estado, pai do Agenor (engenheiro), Juscelino e Dilson Pinheiro (médicos já falecidos) que permaneceram, como o pai, assíduos frequentadores.

Local de encontro de muitos amigos como: Tancredo Serra e Silva, Edmar Mota e Bona, Peninha, Manoel Afonso, José Jucá Marinho, Bernardo Castelo Branco, Oscar Castelo Branco, Ivadilson, Raimundo Marvignier, Os irmãos Raldir, Bizarria e Roosevelt Bastos, José de Sousa Santos, Afonso Ferro Gomes Filho, João Agrícola dos Passos, Walter Moura, Alberoni Lemos Neto, Ismar Andrade, e muitos outros.

Dá tristeza saber que uma grande parte já se foi!

Outros bares formam uma verdadeira confraria. Um grande exemplo é o Santana. Reduto de famílias tradicionais, os clientes se sentem irmanados e muito amigos. É muito frequentado por empresários e profissionais liberais. Os membros promovem diversos eventos durante o ano: Carro dos Amigos do Santana no Corso, filme do ano, enduros e por aí vai... Tem cliente que começou criança tomando refrigerante no antigo endereço em frente à Igreja São Benedito.

Mas afinal, quais são os bares tradicionais de Teresina do passado e do presente? Eis alguns exemplos:

Maria Tijubina: ficava no Mafuá entre o muro do Cemitério São José e a linha do trem era frequentada por boêmios e notívagos muito conhecidos como José Lopes dos Santos e o mestre do cavaquinho da Rádio Difusora Caco Velho.

• Bar do 71: na Praça do Fripisa, o dono “o Neguin Baixo” só usava branco, roupa e chapéu. Era o ponto dos estudantes da Faculdade de Direito, que funcionava na praça, quando terminavam as aulas.

• Bar do Zé Garapa: na Piçarra onde funciona hoje a Jacaúna, ponto de encontro dos melhores jogadores de sinuca. O melhor jogador era o Raimundinho da Bindá. Seu irmão Antônio da Bindá era conhecido como o maior boêmio do Piauí e um grande cantor.

• Restaurante da Dona Maria Maior: localizado na Rua Paissandu, reduto boêmio. Quando terminavam os filmes, as tertúlias e o movimento da Praça Pedro II, os homens desciam. O nome oficial era Fála-se Hotel, possivelmente uma corruptela de Pálace Hotel.

Bar Carvalho: Muito famoso, frequentado pela elite, era da família do prefeito Firmino Filho e do vereador Inácio Carvalho, ficava na Praça Rio Branco e era considerado a melhor comida de Teresina.

• Bar do Cabecinha: No Cajueiro, antes funcionou na Santa Luzia com David Caldas, reduto do famoso Basilão dos Cajueiros.

Bar Carnaúba: dos irmãos argentinos Carlos e Osvaldo Fassi, ao lado do Theatro 4 de Setembro, totalmente feito de carnaúba. Em suas proximidades funcionava a Rádio Calçada, em frente a Lanchonete Americana, onde as decisões políticas do Piauí eram tomadas. Entre os seus frequentadores temos: Deputado Ciro Nogueira (pai), Dr. João Mendes Nepomuceno Neto, Prof. Magalhães (pai de secretario de segurança) dentre outros.

• Bar do porão do Clube dos Diários: onde existia um cassino

• Largo do Boticário, no Clube dos Diários: no corredor a esquerda de quem entra no Clube, reduto de escritores e intelectuais, até os garçons eram famosos: Raimundão (pai da delegada Vilma), Careca e Cirilo.

• Bar e Hotel Avenida: onde hoje é o Hotel Piauí (Luxor), frequentado pelos sírios e libaneses, nossos conhecidos carcamanos.

• Cantinho do Tufy: também de árabe, o dono era o Jesus Thomaz Tufy, exercia suas atividades na Rua Álvaro Mendes esquina com a Rua Simplício Mendes, foi a primeira lanchonete a vender esfirra e quibe na cidade.

• Bar e Restaurante do Auto Esporte Clube: Na Rua da Palmeirinha (Clodoaldo Freitas), lugar de quem queria comer uma boa panelada. Primeiro restaurante “delivery” de Teresina.

• Chicona do Poti Velho: figura folclórica fazia piaba frita e peixe de primeira (era quem fritava os peixes – bem poucos por sinal– de minhas pescarias no encontro das águas).

• Galinha da Júlia: única comida que se pode dizer que é genuinamente teresinense, funcionava perto do Hospital São Marcos. A galinha era feita em panela de ferro e lenha, recheada com mexidos e bastante condimentada. A receita morreu com ela, mas fez tanto sucesso que a tripulação da empresa aérea Real Aerovias, ao fazer escala em Teresina já vinha com a incumbência de levar a galinha para o Rio de Janeiro e outras cidades.

• Bar do Zé de Melo: em pleno funcionamento na Dom Severino, tão frequentado e querido que existe uma confraria organizada dos amigos do seu Zé.

VTS: Na Rua João Cabral, vende um peixe muito famoso e possuía uma seleta freguesia, exemplo: Totó Barbosa, Elisiário, Carlos Said e Nodgi Nogueira

E quantos outros! Miúda, Bar do Edverton, Gela Guela (a cerveja mais gelada da cidade), Rifona, Zé guela, Sapucainha, Coqueiro Verde, Bar do Gelatti, Pesqueirinho, Bar do Lula, Bar do João Veloso, Bar do Amauri (reduto de jornalistas), Bar da Tia Maria (no encontro das águas), do Ulisses, Zé Filho, Pé Inchado, Ribamar, do Pernambuco, Bar e Restaurante Acadêmico (do Pedro Quirino).

Em Teresina, o bar é tão importante que até candidatura de governador já foi decidida em um.

Até hoje, não há maior diversão para um teresinense da gema que encontrar os amigos no final da tarde e fins de semana, no seu boteco favorito, para trocar informações e esmaecer as tensões de um dia de trabalho.

Nem melhor local para se fazer amizades que duram toda a vida.

São os bares e botecos que fizeram a alegria dos teresinenses de ontem e de hoje.

E que refletem muito do nosso jeito simples e amigo de ser.



Eugênio Rosa de Oliveira Ribeiro
Em 10/08/2013 | Teresina/PI

Publicado no blogue do Poeta Elmar Carvalho "Recebi o vertente texto por WhatsApp. Não tendo o contato do autor, não lhe pude pedir autorização para a publicação em meu blog. Espero que ele não se aborreça. Quem me enviou o texto também não tinha o endereço virtual dele. Publiquei porque achei um texto muito bom e importante para a memória de Teresina."


1.8.15

CAMINHO DE PERDIÇÃO (trechos)




Capítulo 7

Saímos, eu e o Borba. Sentamos num banco da praça Pedro II, os olhos espetados no voltear das môças. Borba falava:

- Todos nós já fomos vítimas, de certo modo, de uma decepção amorosa, uma certa frustração sentimental. Isso é comum, portanto. Aconteceu comigo e com você. Acontecerá com muitos outros também, porque os homens são os mesmos, onde quer que estejam.

(...)

Súbito, as moças começaram a retirar-se, em grupos. A praça foi ficando vazia. Eram vinte e uma horas, na certeza. Porque as moças costumavam sair da praça exatamente às nove da noite.

(...)

Irei ao cabaré.

Capítulo 31

Acabado o filme, procurei Sandra no tumulto da saída e os meus olhos a perseguiram, sôfregos, até que ela desapareceu, de todo.

Não retornei a casa. Sentei-me num dos bancos da praça Pedro II, a contemplar, distraído e triste, o movimento dos homens. E a cidade noturna foi ficando vazia. Vazia de homens e dos rumôres de gente. Como vazio estava eu de esperanças.

O outro cinema despejou na praça um borborinho de pessoas. Criou-se um lufa-lufa destrabalhado, logo dissolvido. Os homens recolheram-se, até que apenas uns vultos permaneceram no local.

Álvaro estava disposto a recolher-se tarde. Programamos descer ao cabaré e o fizemos. Era a busca do pecado. Ou antes, o desejo infrene de aliviar, entre gargalhadas de prostitutas e garrafas de cerveja, o pêso bruto da vida. Mas voltávamos sempre com um pêso mais pesado arqueando os nossos ombros, muito embora voltasse conosco uma ilusão de alívio, ao sabor de nossa inconsciência.

No cabaré pedimos cerveja. Ficamos logo rodeados de prostitutas.

(...)

Capítulo 40

Já estava saturado daquilo. Era preciso, porém, suportar aquêle voltear de mulheres, única coisa que a praça Pedro II ainda nos proporcionava, na sua monotonia noturna cansativa. Moças girando, incansáveis, ante o renque de rapazes. Habito antigo, aquêle. Quase tôdas as môças da sociedade iam rodar na praça, expondo aos rapazes sua mocidade em botão, ou um rosto amarfanhado, muito pintado, para encobrir o avanço da idade. Os rapazes ficavam de pés, em tôrno a analisar-lhe os modos. E as môças, infatigáveis, continuavam volteando, um sorriso no rosto, um apêlo no olhar, um gesto de espera. Nada mais idiota que aquilo. Ir para a praça servir ao banquete dos olhos maliciosos dos rapazes da cidade. Algumas levavam a vida esperando um homem que não chegava nunca...

Continuei a mirar, indiferente, o voltear das môças. Um vento gélido começou a soprar nas ruas e, no céu, as estrêlas foram-se apagando. Iniciou-se um cisquinho de chuva. O pessoal recolheu-se apressado. Saí andando em rumo de casa. E eis que reconheci, no caminho, um vulto abraçado com outro vulto. Parei, petrificado. Era Sandra.

Senti uma rajada de ciúme e de inveja vasculhar-me o peito. Tremeram-se minhas pernas. O ódio assomou-me ao coração.

A chuva caiu. Os dois vultos, unidinhos, procuraram abrigo. E recolheram-se ao vão de uma das portas laterais fechadas da igreja de São Benedito, enquanto noutra porta, sem que me vissem, me deixei ficar, cosido à parede, a contemplá-los com minha inveja rancorosa.

Capítulo 62

Ao retirar-me daquele quarto, não encontrei mais o Alceu. Rumei para a redação do jornal: Faltava-me escrever ainda o artigo de fundo e dois ou três tópicos, além de algumas notícias. Numa esquina de rua mal iluminada, deparei-me com casais, abraçadinhos, em troca de beijos. Levei as cenas para a redação e escrevi o editorial sôbre aquela falta de pudor e de vergonha, que o prefeito, com a ineficácia de sua administração, ajudava a proliferar, por aí, em virtude da lastimável ausência, na Capital, de iluminação pública. Escrevi alguns tópicos, comentando as aberrantes imoralidades do Govêrno e dei a notícia de que a praça Landri Sales se transformava, paulatinamente, num covil de prostitutas, em visível atentado à imoralidade de nossa gente. Afinal, queria fazer o meu jornalismo.

Capítulo 64

Sábado.
Convidei Tânia para uma tertúlia, à noite, no Clube dos Diários

(...)

Capítulo 65

A música era suave, o conjunto bom. O Clube dos Diários estava cheio. Uma luz muito embaciada colocava matizes no recinto. Os pares moviam-se, lentamente, na quadra de dança. Doce penumbra envolvia a sala.

(...)

Continuávamos dançando. Uma dança suava, excitante. Pouco a pouco, ia abraçando contra mim o meu par. Levemente. Calmamente. Como coisa natural.

Senti o membro do meu corpo enrijecido. Os seios dela roçavam-se em mim. Excitavam-me. Acariciavam-me. Armavam um exército de emoções nas fronteiras do meu eu.

Capítulo 66

Eram duas horas da madrugada, quando deixamos o Clube. Soprava um vento frio, que despertava mais ainda o desejo de mulher.

Capítulo 67

Dei uma volta pela cidade. Estava passando, num dos cinema, um filme impróprio, a quem um tumulto de gente procurava assistir. Resolvi entrar na fila também. O filme trazia encenações eróticas, que me despertaram a lascívia. Um fogo de desejos deitou suas chamas no meu palheiro interior. Senti-me excitado e o sexo dominou os meus sentidos.

Saí da sala de projeções com a cabeça cheia de desejos desgovernados. Encontrei-me com o Álvaro e, juntos, descemos ao meretrício. Ia ali diariamente, amiúde. Algumas mulheres já maltratadas e gastas, nos faziam festa, em gestos convidativos.

Fiquei mirando as prostitutas. Analisando-as. Três ou quatro desconhecidas. Escolhi uma delas. A mais simpática. A mais apresentada. De seios empinados e pernas grossas.


Castro Aguiar
em Caminho de Perdição
Edições Meridiano: Teresina/PI, 1965
Fotografia: crédito desconhecido, inserida pelo blogue

15.10.18

RUBRO SOBRE O VERDE ou SANGUE ENTRE DOIS RIOS QUE SE ABRAÇAM ou CONTO EM CINCO DESATINOS E UM ESBOÇO DE EDITORIAL, um conto de Airton Sampaio


1
LUCRECIUS

Quando se despediram, há bem uma hora já havia apitado a Usina. Conversaram, na calçada do sobrado, em cadeiras de vime e espaldar, desde a boca da noite. A visita morava a poucas quadras dali, para onde se dirigiu, a passo pequeno, após efusivo abraço no amigo, sob a luz leve da lua o paletó e a gravata brancos alinhados, o chapéu de feltro também branco e importado, a bengala refinada, um mimo da neta.
Contava então Therezina, nesses idos de 1927, com não mais de 60 mil almas, e chamavam a atenção os seus quintais e o verde de seus quintais e suas igrejas imponentes, como a de São Benedito, no Alto da Jurubeba, ali ao lado do Morro da Moderação, e a do Amparo, na Praça da Bandeira, mais adiante, a oeste de quem de costas está para o norte, como sentados estavam os amigos, em agradável interlóquio.
- Sem as circunstâncias da política, a cidade teria permanecido como Vila Nova do Poti, mas, sendo decisivo o apoio do imperador para a mudança da capital de Oeiras para cá, era preciso beijar, e se beijou, a mão à imperatriz.
- Ainda bem que bonito, o diminutivo de Teresa.
- Bonito também se Therezina anagrama de Thereza Cristina for.            

Naquela noite de ausentes estrelas e pouca lua não mais se via um pé de cristão. A Usina já apitara, por assim dizer, o toque de recolher. O juiz, no andar de cima, metera-se em seu camisolão de dormir e nem ainda se deitara ouve batidas fortes, e muitas, na porta.
 
- Vai ver ele esqueceu alguma coisa.
Assim pensando, e dizendo já vai, já vai, já vai, desceu a escada, tirou a taramela de segurança da porta e eis que um homem de capote preto, aba do chapéu preto caído sobre o rosto, diz-lhe algo e desfere a primeira facada, depois a segunda, e a terceira, e outra, e mais outra, e outra. Na parede, escrito ficou, com sangue e letra trêmula, uma sílaba com duas vogais, que logo se deduziu ser parte do nome do mandante, que fizera questão de se dar a conhecer à vítima pela boca mesma do assassino ou pronunciado fora o nome para desviar a atenção do verdadeiro autor intelectual e incriminar a outrem? Teria sido a morte do juiz crime de política ou acerto de contas por decisão judicial intragada? Ou a ambição e a inveja seriam o móvel de tanto sangue no sobrado do Alto da Moderação?
Therezina especulava no Café, nos bares, nos cabarés, nas ruas, nas praças, nas casas, nas feiras, nos festejos, nas tertúlias, na imprensa, em livros... Certeza só a de que o executor, fosse quem fosse, não passava de um pé de chinelo, e o mandante, fosse quem fosse, era um potentado. Ali perto, uma igreja, erguida, no Morro da Jurubeba, pelo suor do povo miúdo, detinha toda a verdade, pois de sua torre alta, que espiava as cercanias, testemunhara tudo, porém emudeceu, embora as prisões, embora o suposto homem de capote preto tenha declarado, em depoimento, o nome de um militar. Não seria isso mais uma manobra diversionista? Ou falava mesmo a verdade o pistoleiro?

Mistérios de Therezina, que continuaram em Terezina e vigem, ainda, em Teresina. Quem, enfim, mandou matar o juiz federal? Ó anagramática cidade! Ó elites entrerrienses! Ó histórias mal contadas! Que véus são esses que estendes do Parnaíba ao Poti sobre os fatos de sangue desse lugar mesopotâmico também tido por chapada e pleno de sol, coriscos, trovões e impunidades?


2
THEATRO

Isso se perguntava o homem que acaba de entrar no condomínio onde mora e que para seu ap, no quarto andar, sobe as escadas mais apressado do que quando à rua, que mesmo com tanto assalto teimava por caminhar depois das dez da noite.
- Uma forma, essa minha, de parir ideias que me vêm, o dia todo, engravidar a mente.
- Elevador?
- Nem pensar...  

Uma vez na escrivaninha, diante de si o papel, há dias em branco. Escreveu, no alto, e sublinhou: O Carteiro e a Ditadura. Era o título! Ato contínuo, digitou: “Naquela noite therezinense, quando Elzano foi para o encontro no costumeiro bar, não atinava que se dirigia para a morte e abandonado lhe seria o corpo todo mutilado dentro de um porta-malas de um conhecido carro”. Enfim, a frase de abertura! Agora, era tecer os diálogos ocorridos dentro da madrugada rubra e o conto, pode-se bem dizer, nascia. O fecho, aliás, já o tinha escrito, ao pé da página: “De onde não havia mistério a polícia, agindo às avessas, criara um, lançando um véu sobre o que desvelado estava. Sanha, e sina, de Therezina, isso”.

- Você vai parar de dizer que matou ele.
- Como assim, senhor secretário?
- Você vai parar com essa história de que foi você quem matou.
- Mas foi.
- Se aferre nessa versão que agora lhe dou e tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes.


3
CHUVA!

Chuva! Chuva nos Cajueiros! Esse grito medonho e o badalo dos sinos das igrejas anunciavam, na Therezina do Estado Novo, o horror: gente correndo em desatino, pessoas se consumindo em chamas para tentar salvar alguém ou alguma coisa de dentro das casas de palha, que crepitam, aos montes, às vezes cem de uma vez, geralmente ao sol do meio-dia.

- Eu não taquei fogo em nada não, seu delegado.
- Deixe de conversa mole, ora.
- Sou inocente, seu delegado.
- É? Vamos ver se é macho mesmo é lá nas Ilhotas.
- Delegado, me tire daqui, que não fiz nada não, juro por Deus.
- Diga que foram esses aqui que mandaram o senhor tocar fogo nas casas e vamos ver o que podemos fazer.
- Não fui eu, seu delegado, eu não queimei nada.
- Enquanto não confessar vai ficar assim, o corpo enterrado de pé, só a cabeça de fora, neste solzão de outubro, e sem comer nem beber.
- Não sou incendiário, delegado.
- Mas eu, seu Luiz Enfermeiro, eu sou chefe de polícia e farei com o senhor o que bem quiser, entendeu?
Coisas, esses incêndios, de quem queria baratear ainda mais os terrenos dos pobres para comprá-los por pechincha? Atos malvados da Oposição, como dizia o Governo? Atos cruéis do Governo, como dizia a Oposição? No meio do terror, o povo chamuscava, perdia tudo, desesperava. A Igreja quase nunca passava do badalar dos sinos, os jornais em geral calavam, os escritores só um, o Vítor Gonçalves Neto, escreveu Santa Luzia dos Cajueiros, novela que num porre extraviou, mas da qual veio Fogo, o conto.
“Continua indecifrado o enigma dos incêndios de casas de palha que há muitos anos flagelam a pobreza de Teresina”. Isso disse, em O Piauí, em 13 nov 1946, o udenista Eurípides de Aguiar, presidente do Estado de 1916 a 1920. O que diziam, então, os pessedistas de Leônidas Mello, interventor do Piauí de 1937 a 1945, é fácil imaginar. Ó Neros! Ó Herodes!
- Durante a semana, retire os meninos e as coisas, que vai ter chuva.
- Obrigado, meu irmão, por avisar.
- Mas saia discretamente, para não espantar os outros.
- Mas eles vão se tostar...
- Avisei você, correndo todos os riscos, porque é sangue do meu sangue. Agora, se quiser se queimar na chuva com eles, Deus seja contigo. Vai ter um temporal dos diabos aqui na Vermelha!
- Tá bem. Eu e os meninos vamos sair hoje mesmo.
- Isso. Mas sem dar na vista, entendeu? Ou eu é que me lasco todo.
“Sabe-se com certeza que Feitosa, um pobre lavrador, morreu de pancadas e diz-se que alguns outros infelizes, assassinados pelos verdugos policiais, foram sepultados às escondidos na quinta das Ilhotas e nas matas da Tabuleta. Muitas vítimas tiveram ossos quebrados, articulações luxadas ou ficaram loucas, inutilizadas para o resto da vida.”
Sim, entre 1941 e 1947 Therezina esturricava,

(Fogo na Feira de Amostra!
Chuva na Catarina!
Temporal na Tabuleta!)

sob terror, arbítrio, monstruosidades... Quem mandava queimar os casebres? Therezina especulava, à boca pequena, no Café, nos bares, nas feiras, nas igrejas, nos festejos... Ó homens, que hoje dormem! De que lhes valeu acender e lançar nas palhas pobrérrimas as baganas de Odeon?


4
À MERCÊ

deles está você, Mercês.
Eu vi ele saindo do quarto da patroa, mas ele não viu que eu vi ele.
Eles são perigosos, Mercês.
Ainda a história que ele torturou gente?
Torturou, Mercês.
Mas ele não viu que eu vi ele.
Vamos embora, Mercês.
Ô xente, homem, deixe de aperreio.

No jardim da casa faustosa era manhãzinha quando o leiteiro deu com o corpo coberto de sangue, retalhado como a um porco. As manchetes iniciais viraram títulos de página, os títulos de página se tornaram tópicos de coluna, os tópicos de coluna... Véu! Ó véu que lançam do Parnaíba ao Poti sobre ti, ó verde Mesopotâmia rubra! Ó Macondo sertaneja! À mercê desses facínoras estou, estás, estamos?


5
H. F. / D. A.

PISTOLEIROS EXECUTAM JORNALISTA EM CASA!
JORNALISTA ASSASSINADO DENTRO DE CASA!
PISTOLEIROS INVADEM CASA E MATAM JORNALISTA!

JORNALISTA ESPANCADO E FUZILADO NA MADRUGADA!
ASSASSINADO JORNALISTA PARANAENSE!
JORNALISTA MORREU E NÃO VIU TUDO!

PRESOS PELA MORTE DE JORNALISTA OBTÊM HABEAS CORPUS
SOLTO ACUSADO DE MANDANTE DO CRIME CONTRA JORNALISTA
STF ANULA PRONÚNCIA DE MANDANTE DO CRIME CONTRA JORNALISTA


EDITORIAL

Quem Manda Avermelhar o Verde?
Começamos este Editorial explicando que Teresina é Therezina e Theresina.  Há a Therezina que, desde o encontro do Poti e do Parnaíba, segue entre rios até mais ou menos a Tabuleta, depois do que emerge, ainda entre rios, Theresina. Já Teresina fica, digamos assim, a leste e sudeste, após o Poti, não mais entre rios, porém um apêndice mesopotâmico e ainda assim o lar, expandido, do Cabeça de Cuia, da Não Se Pode, de inofensivos loucos como o Jaime, o Avião, a Nicinha, o Espiga, a Porca Ruiva, e de poderosos ensandecidos que tocavam fogo nas casas dos pobres, empastelavam jornais e mandam matar, porque impunes se sabem, quem lhes incomoda ou, simplesmente,  antipatizam.
É linda e verde Teresina, mas. Não raro se tinge de rubro esse verde que se esvai porque era ele, disse-o bem o Poeta, era ele um verde de quintais, que desaparece(m) sob prédios que arranham o céu. Menos o vermelho sobre o verde que resta. Quem, afinal, manda tingir de rubro o verde que queremos verde? A resposta todos sabem, menos, é claro, a Polícia e a Justiça...


Airton Sampaio
via blogue do autor

28.7.15

PESCARIA ÀS SEIS DA TARDE NO BALÃO DA IGREJA DE SÃO BENEDITO, por Rubervam Du Nascimento



Um rio nos separa na pista de danças luzentes e procissões de veículos rio não de águas de carros. Na cidade de Teresina, tem um igreja cuja frente, fica voltada para uma avenida, que juntando-se com outras pequenas ruas no mesmo perímetro, vai dar no rio Parnaíba, - o maior rio da bacia hidrográfica da região Norte do Brasil, responsável pela separação geográfica entre os estados do Maranhão e do Piauí, e, o fundo, vai dar para outra artéria, considerada a mais elegante e luxuosa da nossa capital, - a Avenida Frei Serafim. Nesse ponto, - tanto pela frente como pelo fundo da igreja, - outrora, o "trottoir" (paqueração, pescaria) de proxenetas, gays, lésbicas, drag queens, travestis e principalmente prostitutas era intenso. A procissão de veículos motorizados era maior que a procissão de andores, mas dentro desses veículos estavam no volante - obviamente motoristas, - que não estavam ali para pescar luzes de holofotes de carro nem muito menos  pistas de rolamentos de veículos, eles estavam ali para pescar gente de rostos, carne, osso e espinha.



Rubervam Du Nascimento
em Guia Turístico Afro-cultural da Região Meio-Norte; Piauí e Maranhão
de Antônio Julio Lopes Caribé


21.8.16

Teresina anivessariou: 164 anos

Teresina, por Dino Alves

Quando eu nasci Teresina ainda ia fazer 100 anos no ano seguinte. Palmeirais, meu berço, nem tinha dez anos que deixara de ser Belém. Sou filho de cidades novas. Quase contemporâneas. E nesta semana Teresina aniversariou em dezesseis. Cidade menina. Parece um passarinho que troca de penas ainda pela primeira vez. 

Conheci cidades na Europa que conservam suas ruas e algumas construções de muito antes dos portugueses chegarem por aqui. Mas Teresina está abandonado o traçado geométrico que o jovem Saraiva imaginou, antes de virar Conselheiro do Império. Oeiras, mesmo abandonada para dar lugar à nova capital resiste no seu casario colonial centenário. Teresina queimou suas casas de palhas antes de fazer 100 anos. E vai chegar ao segundo século absolutamente irreconhecível no seu passado. Tem jovens que nasceram na cidade nova que nunca puseram os pés na cidade velha.

Inexorável, Teresina atravessou o rio Poty para o leste e esqueceu a cidade velha. A festejada ponte estaiada funciona como um portal moderno que nos faz adentrar na cidade nova, o que para mim – que a deixei há quarenta anos – não faz qualquer sentido. Sou contemporâneo da ponte metálica que nos separava de Timon, da Avenida – que nem precisava chamar de Serafim –, da Igreja das Dores, da Amparo, da São Benedito, da Pedro II, do Clube dos Diários, da Rio Branco, da Estação, do Marquês, da Vermelha, da Piçarra, do Poty Velho, do Mercado Velho, do Mafuá, da Vila Operária, do Porenquanto – bairro de nome poético que era pra ser provisório e está perpetuado no esquecimento da cidade antiga.

A minha saudade está esmaecendo e ficando sem lugar.

Quando Teresina aniversaria me lembro do poeta Lucídio de Freitas:

Teresina apagou-se na distância,
Ficou longe de mim, adormecida,
Guardando a alma de sol da minha infância
E o minuto melhor da minha vida.

E eu sigo, e eu vou para a perpétua lida.
Espera-me, distante, em outra estância...
É a parada da luta indefinida,
É a febre, minha dor, minha ânsia...

Como são infinitos os caminhos!
E como agora estou tão diferente,
Carregado de angústias e de espinhos!...

Tudo me desconhece. Ingrata é a terra.
O céu é feio. E eu sigo para a frente
Como quem vai seguindo para a guerra...


em 21 de agosto de 2016

23.10.11

LEMBRANÇAS DE AMOR, Hardi Filho


Não são somente lembranças
de um imenso amor vivido,
é um desejo insopitável
de vê-lo reconstruído.

Passaram anos e ainda
lateja na minha fronte
a dor de ver-te sumindo
no pó do tempo horizonte...

Ah se eu pudesse trazer-te
de retorno ao meu caminho
para de novo enredar-me
nas rendas do teu carinho!

Novamente andar contigo
de mãos dadas (que eu adora!);
repetir nossos passeios
pela Praça Deodoro...

Eu preciso, meu amor,
novamente te esperar
naqueles pontos de encontro
desta cidade sem par.

Esperar e ansiar de novo,
quase a perder o juízo,
pela graça de teus olhos,
pelo teu belo sorriso...

E receber-te do jeito,
da forma de antigamente,
com aquele abraço louco,
com aquele beijo ardente!

Reviver os bons momentos
que ainda me tocam fundo,
te encontrar cedo da noite,
na Praça Pedro II.

Voltear naquela praça
cumprindo o geral esquema,
ou então bulinar teu corpo
no escurinho do cinema...

Eu preciso te esperar
como tantas vezes fiz,
ansioso por teus beijos,
lá na praça João Luís.

Subir contigo os degraus
da Igreja São Benedito;
chegar ao ceú, com as asas
daquele amor infinito!

Quantas vezes nos metemos
em façanhas aloucadas...
Lembras o nosso equilíbrio
no fio das madrugadas?...

Corações cheios de encanto,
mãos afoitas...lábios quentes...
Tu querendo...mas parando
os meus arroubos frementes.

Como lembro os teus carinhos
e a tua sinceridade
na aventura que vivemos
tão própria daquela idade!

No campo do sentimento
o tempo passa e não passa.
As marcas de um grande amor
não há nada que desfaça.

Quem tem passado bonito
vive um presente feliz.
Aquele tempo foi lindo!
esta saudade me diz.

Saudade que bem se ajusta
ao meu modo singular
de na vida esquecer penas
e só belezas lembrar.

Não podendo reviver
um tempo que foi tão bom,
me consola, amor, cantá-lo
em saudoso e alegre tom.

Mas eis que ocorre um milagre!
(Ninguém com isto se espante)
Neste momento ressurges
do tempo-nuvem distante...

Vens vestida de invisível
e aqui te fazes presente.
Só os meus olhos te vêem,
só meu coração te sente.


em Tempo Nuvem 
Teresina, 2004

20.7.15

O ADRO DE SÃO BENEDITO, de Barros Pinho



oh como eu queria
guardar o vento
que circulava
no adro da igreja
de são benedito
em teresina
onde nele talvez
tenha escrito o poema
de amor mais puro do ofício
só o poeta tem essas coisas
de se esconder nas palavras



Barros Pinho
em Planisfério, 2ª edição
Teresina: Corisco, 2001


5.11.11

CHAPADA DO CORISCO, Raul Ney da Silva


De um lado o Parnaíba, o grande rio
Das graças, a correr, veloz indigente;
Do outro o Poti, num doce murmúrio
A soltar seu queixume atroz, pungente.

E Teresina, o berço meu macio,
Onde nasceu todo o meu sonho ardente,
Vejo agora através de um balbucio
De saudade que mata a alma dolente.

Ai... noites de luar... São Benedito!...
A igreja a branquejar sobre a colina,
O meu sonho de amor hoje proscrito!...

Noite que amei, ai! Sonhos de outra idade!...
Como que vos quero, minha Teresina,
No presídio sem fim desta saudade!


Raul Ney da Silva
em Antologia de poetas piauienses
Wilson Carvalho Gonçalves (org.) 
Teresina, 2006