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3.12.12

SEGUNDA FOTOGRAFIA VIVER TERESINA, Elizabeth Oliveira


Quem visita o bairro Poti Velho pode ver as casinhas
miseráveis presas à terra.
Os meninos do Rio Poti brincam em completa alegria,
alheios ao abandono.
Têm o corpo marcado pela desnutrição.
Esquecidos, a cidade não lhes repara.
Nem o país observa sua própria miséria.

Os meninos do Rio Poti dependurados no horizonte.
Comigo-não-se-pode ironizam o homem,
acidente circunspecto em céu aberto.

Por que a vida aqui parece uma fotografia pardacenta
onde o tempo parou?
O primeiro bairro da cidade anualmente
confirma a tradição pública festejada:
acompanhado pelos fiéis,
São Pedro percorre as ruas em procissão.
O povo lhe devota o sagrado sentimento,
na intenção de dias melhores,
que as aves de rapina lhes prometem no período eleitoral.

O Cabeça de Cuia escuta a fome em danças,
crianças em roda, ao encontro do Rio Parnaíba
com o Rio Poti de braços dados com a gente ibiapiana.

Ao se tornarem adultos, os meninos do Rio Poti
(e os do Brasil) verão com espanto sua lembranças,
a infância tomada, de doídas medidas.
Que futuro pode ter o país
com essa massa (ignorada) de miseráveis?


em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996

1.8.15

VARIAÇÕES EM SOLO DUM RIO DESTA ALDEIA




I.


POTICAGANDO

Lixolatrina
aos olhos d’água:
esgoto caseiro de coliformes.

Eles estão cagando presse rio,
eles estão ali,
nem aí...



II.


OUTRO LEITO DE FOLHAS VERDES

Por que tardas por vir,
poder dos poderes públicos,
para assistir o doente Poti,
à mortalha de merda sufocando-se?



III.


DE CÚBITO DORSAL (ANTES DOCE!)

A espinha do rio que já foi meu – que não foi
dum Pessoa ou dom Francisco amarantino –,
cobreando (subterrâneo!) o seu rumo teresino,
reverbera uma verde mortalha ecotrágica.

IV.



POR QUE TARDAS, PODER, AO POTI?


À beira do rio, os edifícios
defecam a água e os resíduos
caseiros via pia ou latrinas e
tecem o manto de folhas verdes,
não romântico, classecotrágico,
a mortalhar a vida de evoluídos
seres da cidade no concretaço
das margens da sustentabilidade.

No caos da vida contemporânea,
cravam suas garras nas encostas
do rio quinda é dessaminha terra
e vergalham projetos contra o veio
d’água doce do solo de nossa taba.

Dejetos sem tratamento, um erro de projeto,
de lei, de responsabilidades de agentes, de quem,
publicamente, deságua suja e infozmente o consumo
à beira do rio coberto da vergonha verde de aguapés
punidores impolutos dos filhos do Poti, rio limpo,
rio brando e doce se desaguando um triste quando...



V.


POR QUE MANHANAS TARDAS EM NOITADAS POR VIR, SOCORRO?

Qual Jati, a ti, Poti,
pra te-salvar não quer vir
quem vê sem poder o público
compartilhar tua imagem
de aguapés sem esperança,
apenas verdes se vale
a pena ou este teclado
a poetarem o mesmo tema

a variações nestas cenas.



Luiz Filho de Oliveira
em Deleitura

15.10.18

RUBRO SOBRE O VERDE ou SANGUE ENTRE DOIS RIOS QUE SE ABRAÇAM ou CONTO EM CINCO DESATINOS E UM ESBOÇO DE EDITORIAL, um conto de Airton Sampaio


1
LUCRECIUS

Quando se despediram, há bem uma hora já havia apitado a Usina. Conversaram, na calçada do sobrado, em cadeiras de vime e espaldar, desde a boca da noite. A visita morava a poucas quadras dali, para onde se dirigiu, a passo pequeno, após efusivo abraço no amigo, sob a luz leve da lua o paletó e a gravata brancos alinhados, o chapéu de feltro também branco e importado, a bengala refinada, um mimo da neta.
Contava então Therezina, nesses idos de 1927, com não mais de 60 mil almas, e chamavam a atenção os seus quintais e o verde de seus quintais e suas igrejas imponentes, como a de São Benedito, no Alto da Jurubeba, ali ao lado do Morro da Moderação, e a do Amparo, na Praça da Bandeira, mais adiante, a oeste de quem de costas está para o norte, como sentados estavam os amigos, em agradável interlóquio.
- Sem as circunstâncias da política, a cidade teria permanecido como Vila Nova do Poti, mas, sendo decisivo o apoio do imperador para a mudança da capital de Oeiras para cá, era preciso beijar, e se beijou, a mão à imperatriz.
- Ainda bem que bonito, o diminutivo de Teresa.
- Bonito também se Therezina anagrama de Thereza Cristina for.            

Naquela noite de ausentes estrelas e pouca lua não mais se via um pé de cristão. A Usina já apitara, por assim dizer, o toque de recolher. O juiz, no andar de cima, metera-se em seu camisolão de dormir e nem ainda se deitara ouve batidas fortes, e muitas, na porta.
 
- Vai ver ele esqueceu alguma coisa.
Assim pensando, e dizendo já vai, já vai, já vai, desceu a escada, tirou a taramela de segurança da porta e eis que um homem de capote preto, aba do chapéu preto caído sobre o rosto, diz-lhe algo e desfere a primeira facada, depois a segunda, e a terceira, e outra, e mais outra, e outra. Na parede, escrito ficou, com sangue e letra trêmula, uma sílaba com duas vogais, que logo se deduziu ser parte do nome do mandante, que fizera questão de se dar a conhecer à vítima pela boca mesma do assassino ou pronunciado fora o nome para desviar a atenção do verdadeiro autor intelectual e incriminar a outrem? Teria sido a morte do juiz crime de política ou acerto de contas por decisão judicial intragada? Ou a ambição e a inveja seriam o móvel de tanto sangue no sobrado do Alto da Moderação?
Therezina especulava no Café, nos bares, nos cabarés, nas ruas, nas praças, nas casas, nas feiras, nos festejos, nas tertúlias, na imprensa, em livros... Certeza só a de que o executor, fosse quem fosse, não passava de um pé de chinelo, e o mandante, fosse quem fosse, era um potentado. Ali perto, uma igreja, erguida, no Morro da Jurubeba, pelo suor do povo miúdo, detinha toda a verdade, pois de sua torre alta, que espiava as cercanias, testemunhara tudo, porém emudeceu, embora as prisões, embora o suposto homem de capote preto tenha declarado, em depoimento, o nome de um militar. Não seria isso mais uma manobra diversionista? Ou falava mesmo a verdade o pistoleiro?

Mistérios de Therezina, que continuaram em Terezina e vigem, ainda, em Teresina. Quem, enfim, mandou matar o juiz federal? Ó anagramática cidade! Ó elites entrerrienses! Ó histórias mal contadas! Que véus são esses que estendes do Parnaíba ao Poti sobre os fatos de sangue desse lugar mesopotâmico também tido por chapada e pleno de sol, coriscos, trovões e impunidades?


2
THEATRO

Isso se perguntava o homem que acaba de entrar no condomínio onde mora e que para seu ap, no quarto andar, sobe as escadas mais apressado do que quando à rua, que mesmo com tanto assalto teimava por caminhar depois das dez da noite.
- Uma forma, essa minha, de parir ideias que me vêm, o dia todo, engravidar a mente.
- Elevador?
- Nem pensar...  

Uma vez na escrivaninha, diante de si o papel, há dias em branco. Escreveu, no alto, e sublinhou: O Carteiro e a Ditadura. Era o título! Ato contínuo, digitou: “Naquela noite therezinense, quando Elzano foi para o encontro no costumeiro bar, não atinava que se dirigia para a morte e abandonado lhe seria o corpo todo mutilado dentro de um porta-malas de um conhecido carro”. Enfim, a frase de abertura! Agora, era tecer os diálogos ocorridos dentro da madrugada rubra e o conto, pode-se bem dizer, nascia. O fecho, aliás, já o tinha escrito, ao pé da página: “De onde não havia mistério a polícia, agindo às avessas, criara um, lançando um véu sobre o que desvelado estava. Sanha, e sina, de Therezina, isso”.

- Você vai parar de dizer que matou ele.
- Como assim, senhor secretário?
- Você vai parar com essa história de que foi você quem matou.
- Mas foi.
- Se aferre nessa versão que agora lhe dou e tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes.


3
CHUVA!

Chuva! Chuva nos Cajueiros! Esse grito medonho e o badalo dos sinos das igrejas anunciavam, na Therezina do Estado Novo, o horror: gente correndo em desatino, pessoas se consumindo em chamas para tentar salvar alguém ou alguma coisa de dentro das casas de palha, que crepitam, aos montes, às vezes cem de uma vez, geralmente ao sol do meio-dia.

- Eu não taquei fogo em nada não, seu delegado.
- Deixe de conversa mole, ora.
- Sou inocente, seu delegado.
- É? Vamos ver se é macho mesmo é lá nas Ilhotas.
- Delegado, me tire daqui, que não fiz nada não, juro por Deus.
- Diga que foram esses aqui que mandaram o senhor tocar fogo nas casas e vamos ver o que podemos fazer.
- Não fui eu, seu delegado, eu não queimei nada.
- Enquanto não confessar vai ficar assim, o corpo enterrado de pé, só a cabeça de fora, neste solzão de outubro, e sem comer nem beber.
- Não sou incendiário, delegado.
- Mas eu, seu Luiz Enfermeiro, eu sou chefe de polícia e farei com o senhor o que bem quiser, entendeu?
Coisas, esses incêndios, de quem queria baratear ainda mais os terrenos dos pobres para comprá-los por pechincha? Atos malvados da Oposição, como dizia o Governo? Atos cruéis do Governo, como dizia a Oposição? No meio do terror, o povo chamuscava, perdia tudo, desesperava. A Igreja quase nunca passava do badalar dos sinos, os jornais em geral calavam, os escritores só um, o Vítor Gonçalves Neto, escreveu Santa Luzia dos Cajueiros, novela que num porre extraviou, mas da qual veio Fogo, o conto.
“Continua indecifrado o enigma dos incêndios de casas de palha que há muitos anos flagelam a pobreza de Teresina”. Isso disse, em O Piauí, em 13 nov 1946, o udenista Eurípides de Aguiar, presidente do Estado de 1916 a 1920. O que diziam, então, os pessedistas de Leônidas Mello, interventor do Piauí de 1937 a 1945, é fácil imaginar. Ó Neros! Ó Herodes!
- Durante a semana, retire os meninos e as coisas, que vai ter chuva.
- Obrigado, meu irmão, por avisar.
- Mas saia discretamente, para não espantar os outros.
- Mas eles vão se tostar...
- Avisei você, correndo todos os riscos, porque é sangue do meu sangue. Agora, se quiser se queimar na chuva com eles, Deus seja contigo. Vai ter um temporal dos diabos aqui na Vermelha!
- Tá bem. Eu e os meninos vamos sair hoje mesmo.
- Isso. Mas sem dar na vista, entendeu? Ou eu é que me lasco todo.
“Sabe-se com certeza que Feitosa, um pobre lavrador, morreu de pancadas e diz-se que alguns outros infelizes, assassinados pelos verdugos policiais, foram sepultados às escondidos na quinta das Ilhotas e nas matas da Tabuleta. Muitas vítimas tiveram ossos quebrados, articulações luxadas ou ficaram loucas, inutilizadas para o resto da vida.”
Sim, entre 1941 e 1947 Therezina esturricava,

(Fogo na Feira de Amostra!
Chuva na Catarina!
Temporal na Tabuleta!)

sob terror, arbítrio, monstruosidades... Quem mandava queimar os casebres? Therezina especulava, à boca pequena, no Café, nos bares, nas feiras, nas igrejas, nos festejos... Ó homens, que hoje dormem! De que lhes valeu acender e lançar nas palhas pobrérrimas as baganas de Odeon?


4
À MERCÊ

deles está você, Mercês.
Eu vi ele saindo do quarto da patroa, mas ele não viu que eu vi ele.
Eles são perigosos, Mercês.
Ainda a história que ele torturou gente?
Torturou, Mercês.
Mas ele não viu que eu vi ele.
Vamos embora, Mercês.
Ô xente, homem, deixe de aperreio.

No jardim da casa faustosa era manhãzinha quando o leiteiro deu com o corpo coberto de sangue, retalhado como a um porco. As manchetes iniciais viraram títulos de página, os títulos de página se tornaram tópicos de coluna, os tópicos de coluna... Véu! Ó véu que lançam do Parnaíba ao Poti sobre ti, ó verde Mesopotâmia rubra! Ó Macondo sertaneja! À mercê desses facínoras estou, estás, estamos?


5
H. F. / D. A.

PISTOLEIROS EXECUTAM JORNALISTA EM CASA!
JORNALISTA ASSASSINADO DENTRO DE CASA!
PISTOLEIROS INVADEM CASA E MATAM JORNALISTA!

JORNALISTA ESPANCADO E FUZILADO NA MADRUGADA!
ASSASSINADO JORNALISTA PARANAENSE!
JORNALISTA MORREU E NÃO VIU TUDO!

PRESOS PELA MORTE DE JORNALISTA OBTÊM HABEAS CORPUS
SOLTO ACUSADO DE MANDANTE DO CRIME CONTRA JORNALISTA
STF ANULA PRONÚNCIA DE MANDANTE DO CRIME CONTRA JORNALISTA


EDITORIAL

Quem Manda Avermelhar o Verde?
Começamos este Editorial explicando que Teresina é Therezina e Theresina.  Há a Therezina que, desde o encontro do Poti e do Parnaíba, segue entre rios até mais ou menos a Tabuleta, depois do que emerge, ainda entre rios, Theresina. Já Teresina fica, digamos assim, a leste e sudeste, após o Poti, não mais entre rios, porém um apêndice mesopotâmico e ainda assim o lar, expandido, do Cabeça de Cuia, da Não Se Pode, de inofensivos loucos como o Jaime, o Avião, a Nicinha, o Espiga, a Porca Ruiva, e de poderosos ensandecidos que tocavam fogo nas casas dos pobres, empastelavam jornais e mandam matar, porque impunes se sabem, quem lhes incomoda ou, simplesmente,  antipatizam.
É linda e verde Teresina, mas. Não raro se tinge de rubro esse verde que se esvai porque era ele, disse-o bem o Poeta, era ele um verde de quintais, que desaparece(m) sob prédios que arranham o céu. Menos o vermelho sobre o verde que resta. Quem, afinal, manda tingir de rubro o verde que queremos verde? A resposta todos sabem, menos, é claro, a Polícia e a Justiça...


Airton Sampaio
via blogue do autor

16.10.13

A CIDADE




De avião, como é óbvio, descerás, brasileiro ou brasileira de outras plagas - no aeroporto de Teresina. Alegre e festivo. Um encanto para visitação. Dois andares. Defronte a pracinha bem cuidada, onde de noite os namorados se beijam, sem nenhum receio. Do aeroporto, tomando o rumo da esquerda, alcançarás o bairro proletário do Poti Velho - com a igrejinha mais do que centenária e o Poti de boa pescaria.

Asfalto em todo o percurso pintado de casinhas humildes, em que mora gente acolhedora. Tomando o rumo da direita, comprida avenida - habitada de classe média - e os dois velhos cemitérios superpovoados. O Instituto de Educação. Aqui seguirás pela esquerda - para que atinjas a zona militar, a estação da estrada de ferro, a Avenida Frei Serafim - e poderás seguir pela esquerda, até que encontres o Poti e alcances novos bairros - o do Jóquei Clube e o do São Cristóvão, nos quais habita uma pequena burguesia quase classe média. Caso não queiras, cortarás a Avenida Frei Serafim para os novos bairros - a Piçarra, a Catarina, Cristo Rei, Monte Castelo, onde se ergue a majestosa TV - Rádio Clube. E poderás prosseguir para encontro com a Vermelha, com o estádio Albertão, com a monumental ponte sobre o Parnaíba que te levará a Timon (Maranhão), Caxias, São Luís. Se não quiseres cortar a Frei Serafim, poderás dobrar à direita, e percorrer essa Avenida de beleza. Estarás no coração de Teresina: igrejas, Karnak, praças, zona bancária, zona comercial, cinemas, gente que se acotovela, que rumina problemas, que às vezes caminha para espairecer...



A. Tito Filho
em Teresina meu amor (4ª edição)
Teresina: COMEPI, 2002

1.12.11

O CABEÇA DE CUIA, João Ferry


Com o sol a pino, um dia, no Poti,
Um pescador voltou da pescaria;
Vinha fulo, porque no seu pari;
Um peixinho sequer, nele caía.

Alegre a velha mãe o aguardava
Com o almoço frugal que de costume,
Para o filho querido preparava,
Quando vinha feliz com seu cardume.

Neste dia, zangado, o belo moço,
Tratou mal a velhinha e aos palavrões,
Recusou-se aceitar seu almoço,
Uma ossada gostosa de pirões.

Em vão a velha mãe bondosamente,
Com mimos, com carinho e com amor,
Procurou acalmar o imprudente,
Que tomando um osso, um "corredor"...

Bateu na velha mãe, em louca fúria,
Esmurrou-lhe a cabeça veneranda
E cobrindo-a de apodos e de injúria,
Mostrou sua alma vil, negra e execranda.

Com a dor, a velhinha atordoada,
No terreiro de casa ajoelhou,
Filho ingrato, cruel desnaturado,
E mil pragas do céu invocou...

Filho maldito, o rio há de tragar-te,
E entre todas as suas agonias,
De monstro que tu és, para salvar-te
Haverás de engolir 7 Marias...

E o filho como um louco caiu n'água
No lugar "Poti Velho" e ali sumiu-se,
E a velhinha chorando a sua mágoa,
Ao sol quente, de dores, sucumbiu-se.

E é voz corrente que o Poti gemendo,
Quando a cheia do rio em fúria desce,
O "Cabeça de Cuia", um monstro horrendo,
Nas águas a boiar sempre aparece.

E ao que consta, até hoje, o imprudente,
Não conseguiu tragar uma só Maria...
E há de viver assim eternamente,
Um fantasma de dor e agonia.


João Ferry
em Antologia de poetas piauienses
Wilson Carvalho Gonçalves (org.)  
Teresina, 2006

16.10.13

O NOME


Teresina compõe-se de dois elementos: Teres, de Teresa, e ina, de Cristina. 
Homenagem à imperatriz Teresa Cristina, mulher do 2º imperador do Brasil, 
D. Pedro II, que reinava na época da fundação.


José de Antônio Saraiva era baiano. Como todo baiano, inteligente. Baiano burro nasce morto. A lei que autorizou a mudança da capital de Oeiras para a Vila Nova do Poti dizia que a Vila Nova do Poti ficava, desde já, elevada à categoria de cidade, com a denominação de Teresina...

Pedro II não podia ser contra. Ou não devia.

Quando os oeirenses mandaram ao imperador água do Parnaíba, água barrenta, colhida de propósito, para que Pedro II lhe evidenciasse péssimas condições, dizem que o monarca olhou bem o polme assentado no fundo da garrafa, sacudiu-a, tomou do copo, encheu-o, bebeu e sustentou:

- Mais saborosa do que esta nunca bebi.

E tinha razão. Inclusive as águas do Parnaíba, pesar de águas doces, tem inspirado grandes páginas da poesia nacional.



A. Tito Filho
em Teresina meu amor, 4ªed. 
Teresina: COMEPI, 2002

27.11.11

IMAGENS SOLTAS, José Ribamar Garcia


O pneu saltitando no paralelepípedo. O menino sem camisa, de calção e descalço, empurrava-o com um pedaço de tábua.
     
O céu girando, girando. A bicicleta substitui o pneu que, por sua vez, sucedeu o velocípede. A Gulliver vermelha, cuidada, brilhava com duas flâmulas do Fluminense dependuradas no guidom. Entrava na Rua Firmino Pires, dobrava à esquerda, na Estrela, caía à direita, na Rui Barbosa, depois à esquerda, na Lizandro Nogueira e, finalmente, na Coelho Neto. A estrela, em alto relevo, na fachada da casa do Monsenhor Chaves. O borracheiro que várias vezes remendara a câmara de ar da bicicleta.
     
O céu girando, girando. A ponte do Mafuá. A linha do trem sobre a qual se colocavam cacos de vidro para que o trem os transformasse em pó, a fim de ser utilizado, como cerol, na linha do papagaio. O Augusto Ferro, reduto dos boêmios suburbanos.

O Cemitério São José guardando lembranças, saudades. Dia de Finados, aquela romaria toda. Os vendedores gritando:

- Olha as velas Três Coroas!

- Olha as flores!

O matadouro, onde se adquiriam, à tarde, fígado, língua, coração, miúdos fresquinhos. O boi sendo arrastado por dois ou três homens, a entrar no salão, ensanguentado. O animal urrava, relutava, esperneava, pressentindo o fim. Com sacrifício, ele era amarrado ao mourão. A faca curta, fina e afiada entrava-lhe na nuca. E a queda brusca. Mais outro a adentrar e a cena se repetia.

O Poti Velho escondido, abandonado, sempre preterido, desde os tempos do Conselheiro Saraiva. Ali a gente caçava passarinho e preá. A mania do Milton Rodrigues de comprar canários, fuçando a periferia da cidade na sua motocicleta barulhenta, que o motor custava a pegar, ora pela bateria, ora por defeito mesmo.

A usina elétrica na beira do rio, fornecedora de água e luz, que funcionava na base da lenha. E as caldeiras queimando madeira, trazida em caminhões das matas maranhenses, já bem devastadas.

A Socopo do outro lado do Poti. Estância mineral com o clube social enfiando no mato. A cidade já marchava para aquelas bandas.

O céu girando, girando. A pescaria debaixo da ponte. A brisa soprava e a canoa deslizava, vagarosamente, sobre as águas do Parnaíba, puxando a rede ou o arrastão. o peixe era assado e devorado ali mesmo, na coroa do lado maranhense, enquanto se ouvia o baque das mangas, caindo no mangueiral que se estendia ao longo do rio.


em Imagens da Cidade Verde
Rio de Janeiro: Litteris ed, 2008

17.8.14

FANTASMAS DO VELHO BALNEÁRIO DOS DIÁRIOS




Fantasmas, fantasias oníricas de viciados em drogas, inumeráveis pichações e imundície velam o antigo casarão de dois pavimentos, abandonado na Praça Ocílio Lago, onde funcionava o Balneário do Clube dos Diários, no Jóquei. Só os despojados, como o idealista, advogado, escritor e jornalista, Kenard Kruel, topariam a proeza de resgatar o prestígio do vetusto patrimônio, transformando-o em centro de manifestações artísticas.  E o show já começou. Exige apoio de autoridades e amantes das artes. Kenard iniciou a limpeza, atende compromissos no local, organiza arquivos da Fundação Nacional de Humor. O médico José Aírton juntou quatrocentos amigos, festejou seu aniversário ali, conseguindo 12 mil reais para a instituição. Construtoras prometem reformas.

A Fundação Nacional de Humor projeta, para breve, show e escola de humor na praça, museu de arte contemporânea, além de festivais de cartuns, caricaturas, quadrinhos.

A geração atual pouco ou nada sabe sobre aquele bucólico prédio e sua praça, urbanizada há algum tempo. A tarefa inicial de Kenard Kruel já espantou boa parte das miragens e lucubrações.

Entre as décadas de 1950 e começo de 60, o Bairro do Jóquei praticamente não existia. Imensa floresta cobria quase toda a Zona Leste de Teresina. Só a velha ponte de madeira, onde, hoje, se ergue a Ponte Wall Ferraz, servia de passagem sobre o Poti. Construiu-se outra ponte, a Juscelino Kubistchek, de concreto, na segunda metade dos anos 50, ligando a Avenida Frei Serafim à Zona Leste. Coronel Miranda, proprietário do jornal O Dia, juntou grupo de notáveis amigos, fundaram o chique Jóquei Clube, com manhãs dominicais lotadas de banhistas, além das corridas de cavalos e tertúlias semanais. Endinheirados adquiriam lotes enormes e arborizados, construíam modernas residências, desfrutavam a noturna temperatura serrana.

O Jóquei Clube atraiu expressivos associados do Clube dos Diários. Em resposta, líderes diaristas, comandados por Moisés Cadah, doutor João França, Edgar Nogueira, general Gaioso, Durvalino Couto, João Carneiro e Camilo Santos Hidd, fundaram o Balneário Clube dos Diários, que se estendia da atual Praça Ocílio Lago à Avenida N. S. de Fátima, onde se ergue um supermercado. Duas piscinas e bar ocupavam o segundo pavimento do prédio. Aos domingos, música ao vivo. Filhos de sócios iam do centro da cidade, de ônibus, lotavam o balneário a partir das 9 da manhã de domingo, até 2 da tarde. Certa manhãzinha, ainda escura, Hermínio Conde, neto de Antonino Freire, governador no início do século XX, dirigiu-se ao Balneário ainda deserto. Num salto do trampolim, faleceu.  Meu cunhado Marcos Hidd, filho de Camilo Santos, parece delirar, recordando um tempo, quando Teresina começava a se esbaldar nos recentes balneários, Jóquei, Diários, logo mais o Iate Clube. Ainda se curtiam deliciosas manhãs, nas praias alvíssimas e límpidas águas do Poti e Parnaíba.   

A Fundação Nacional de Humor tenta resgatar alguns sonhos que se perderam com o crescimento e modernização de Teresina. Se não cuidar, fantasmas e fantasias oníricas cuidarão do lixo.



José Maria Vasconcelos
via blogue do poeta Elmar Carvalho
em 16/08/14

29.1.12

O garrafeiro, Graça Vilhena


o garrafeiro era apenas um homem
que sobrava das ruas
também sujo de terra e esquecido
como as garrafas e cacos no quintal

suas mãos de cuidado
tangiam aranhas, lagartixas
e vez por outra
um escorpião afiado

depois arrumava as garrafas
lado a lado
âmbares, azuis, verdes, transparentes,
num arco-íris pobre

"essas são de vinho tinto"
dizia-me ele embriagado de vazios
e as de fundo côncavo serviam
para pescar piabas no Poti

o mundo é duro e frágil, eu aprendia
mas nele lições pequenas eternizam
piabas prateadas nas garrafas
como rútilos presos nos cristais


em PEDRA DE CANTARIA
Teresina, Nova Aliança e Entretextos, 2013

2.9.14

Teresina, Graça Vilhena


sobre a ponte do Poti
a cidade vê de frente
seu retrato vertical

para trás ficaram praças
meninos de bicicletas
feiras, danças e cinemas
que ensinavam a namorar

para muito além da ponte
em um canto do futuro
os meninos que hoje crescem
também guardarão no peito
sua cidade esquecida
que dançou em outro tempo
com sua saia estaiada
sobre o rio que secou


Graça Vilhena

10.4.12

VISTA DE TIMON, por Francisco Miguel de Moura



Onde o teu verde olhar, mulher?
No corpo não, nos olhos não.
Quanto asfalto, lixo, TV, esgoto, favela.
Prédios do INPS (agora INAMPS), do Hotel (Luxor)
Piauí e da Associação Comer-cia(I), entre
- mangueiras que não dão mangas -
perdido a gente se vê.

Do lado de cá te olhando
Como se admira um postal
bem nos olhos esta canção
senti.
Canção menor, de amor de mais
de quinze anos e um filho,
e dos dias já vencidos.

Volto a fita dos meus sonhos,
Ponho-me no âmago Poti/Parnaíba,
bem onde as águas se irmanam escuras

e os desejos se perdem,
e me declaro réu:
- Narciso em teus espelhos.



Francisco Miguel de Moura
em 145 anos: Teresina cidade futuro
Teresina: FCMC, 1997


11.11.13

AQUELAS FLORES AINDA SALTAM NO MEU CÉU!




Quase nenhum garoto do bairro Primavera do final da década de 70 e início da de 80 deixava de admirar os paraquedistas (o hífen foi retirado para não atrapalhar a queda) que executavam suas manobras lá pras bandas da curva do rio Poti, talvez perto da floresta de fósseis que há em seu leito, depois da ponte da Frei Serafim. Com seus paraquedas redondos, aproveitando a corrente de ar que os levaria até a pista do aeroporto, passando por cima de nosso bairro (que beleza!); aquilo era surpreendente para qualquer criança setentoitentona, e isso não era diferente para mim, que vinha, como já o-disse noutras vezes, de uma cidadezinha do interior, que me-madrastou mansamente: essa Alto Longá – domundopróximo – distante. Em Teresina, nesses idos, olhávamos os meninos para cima, à espera de todos (e, em expectativa, de um) pularem.

Hem-hém. Quão fácil era prender a atenção de crianças assim! Sim, tão pouco era necessário. E, imaginem só, assistir à audácia daqueles homens: o desafio de confiar em equipamentos, em tecnologia de afronta à gravidade – dane-se Newton; todos queríamos vê-los saltando davincianamente para um voo planado por asas de tecido sintético! Redondinhos. Sim, os paraquedas ainda eram os redondos, mesmo o italiano engenhoso tendo-os pensado piramidalmente mais pesados e quadrados e os nossos contemporâneos, mais leves e retangulares, com a possibilidade de o paraquedas ter manobrada a sua direção. Então, os meninos de olho no céu, à procura dos pontinhos coloridos que desabrochavam uma flor salva-vidas; perigosa ideia do desejo humano do voar, oqual, ainda hoje, renova suas asas com as penas de outra tecnologia, criada da ciência. Quer ler? Hoje, agosto de 2011, aposto se há tanto alguém nesta ilha terrena que ainda queira voar com o grego, usando as asas de cera que Dédalo criou para si e seu filho, Ícaro (não escrevo do paraquedas de Da Vinci, porque isso já foi feito; a foto que ilustra esse texto comprova-o!).

É, o não ter asas para voar deu ao humano a possibilidade de trabalhar com as mãos (estendam-se os braços), esses Oficiais de Justiça do cérebro. Foram essas mãos, por exemplo, que criaram essa possibilidade de sobreviver qualquer um que pule de qualquer lugar (estático ou célere) estando a tantos metros do chão. Claro que esse “qualquer um” foi somente para ilustração de que há pessoas que fazem isso. Mas não o-é para todos. Para nós, os meninos que observávamos estupefatos de alegria aquela loucura de se-atirar de um avião a mais de dois mil metros de altitude, ainda não havia nada que se-comparasse a isso. E, nesta linha mesma, me-vem à mente o nome dum homem (claro que havia outros com ele!); não, seu apelido. Louro. Loro (pra confirmar a nossa “morte do ditongo”, já praticada pelos espanhóis, de mais antiga língua). 

Quem era esse cara? Ainda hoje sei pouco sobre ele. Certa vez, aqui, em Teresina, encontrei um seu filho, um fotógrafo, de nome Cleyton, não lembro bem (sei que o-conheço), que falou qual era o verdadeiro nome de Louro, seu pai, mas infelizmente perdi isso em minhas agendas; foi mal, Cleyton (nem sei se seu nome é escrito assim), mas talvez alguém possa reconstituir os fatos dessa história teresina, que, junto-com os meninos, também eu vi. Isso, se não já o-tiverem feito. Talvez alguns poucos possam-se-lembrar de Louro e de seus companheiros de saltos. Eles são os primeiros em nossa capital? Eles, de fato e de saltos, não deixaram quaisquer seguidores pelos ares dessas suas quedas de -longe? Quem sabe? Sei que foram ousados. Nem sei se há ainda, aqui, nesta capital, algum grupo que pratique paraquedismo. Aliás, há paraquedismo ainda, aqui, em Teresina, como havia naquela época?

Vixe, eram muitos saltos! Acredito que fosse uma espécie de clube de paraquedismo. Não posso confirmá-lo, mas isto, sim: o Louro era “o Cara”. Era o nome que os caras (como os meninos nos-chamávamos) mais pronunciavam. Todos, abestalhados com aquela habilidade, que vem desde os acrobatas chineses, precursores do paraquedismo de “altas altitudes”, até a ideia-cabeça de Leonardo, o iníco de uma sequência de ousadias, que ofereceram ao público um Fausto De Veranzio, um Sebastan Le Normand, um Jean-Pierre Blanchard, que já saltava com paraquedas dobrável de seda, ou um André-Jacques Garnerin, o primeiro a desafiar as grandes altitudes, ou uma Genevieve Labrosse, a primeira mulher, e sua sobrinha, Elise, que fez mais de 40 saltos, o que, para a época, era algo surpreendente. Não; somente eles eram ousados a tal ponto no céu. Ah, esses saltos sempre foram perigosos, e nossa expectativa de meninos roía as unhas e nossos heróis tiveram que pagar o preço com suas próprias vidas-próprias e eu, de boca aberta ainda e olhos espremidos, calibrando o olhar, e este texto, por réquiem profano, saltando do meu cérebro, pulando com as mãos nesta tela. 

Ao Louro, estas “memórias póstumas”. Elas, que, pelo céu de minha boca passam palavras, puladas por mim, a sonorizar as imagens, que gravadas no “paraquedas do meu cérebro” ficaram a saltar. Não eram elas a borboleta preta nas rodas do quarto, mas pareciam floresinhas pequeninas (bem pituibinhas!) no céu do meu bairro, daquela cidade do tempo em que os meninos, na primavera das idades e no Primavera de suas casas, estavam de olho duro no céu. O salto que eu ainda espero é o de Louro. Como, hoje, o paraquedas pode ser manobrado pelo paraquedista, como tento fazer com estas palavras que saltam de mim num céu de página branca (papel ou tela), quero que ele caia dentro deste poema:



Outra inscrição para um túmulo no ar (o segundo voo)


Meninos,
nas matinês dos
domingos, lá pras
bandas da curva do
rio – com o Poti abaixo
(sim, uma garantia?) –, um
passarinho de metal desovava
no céu sementinhas; e vinham caindo
velocíssimas para, em seguida, abrirem-se
como florzinhas: pequeninas ilhas de cores teresinas,
paridas pelo voo dessas aves ocas, loucas pelas alturas terrenas!
Os meninos esperávamos, sobretudo, sobre todas as altitudes, pelo Louro,
o principal pontinho do grupo dos pulos nos ares do abismo, o príncipe dos
comentários dos caras do bairro, do Primavera  (sempre abismados, os meninos); entanto, estávamos tão abaixo de entendermos a altura dessa Física, de um artefato
saltado do entendimento davinciano e longíquo. Ah, seos meninos, eu vi também os
saltos do Louro pelo brancinzazul do céu do meu bairro soltos; primaveral flor do céu
que voa, e todas voam: o pouso sobre o desejo tão grande e tão baixinho (mítico?) de voar acima dos telhados dos olhos primaverinos. – Lá vai o Louro saltar!– Lá vem o louco! – Lá vai no vento indo. – Vai pro aeroporto. Esse foi o salto que caiu dentro do encanto dos meninos de boca aberta: – Quede os paraquedas? – Quedê? – Cadê? Que pena. Ninguém mais os-espera. Como flores soltas na corrente de ar: elas, pelos louros do desafio à queda-livre, presas dentro deste poema, dos céus das páginas, saltam nos









olhos
dum menino
teresino.



Luiz Filho de Oliveira
enviado pelo autor

23.11.11

UM ÍNDIO, Paulo Tabatinga


Um índio perdido
Na Frei Serafim
De óculos ray ban
E de calça jeans

Um índio tapuia
Quem sabe, Poti
Um índio perdido
Na margem da margem
Da Frei Serafim


29.9.11

TERESINA, V. de Araújo


Teresina:
contornos sensuais, anatômicas formas;
árvores que balouçam, máquinas que trafegam;
firmamento verde, cáustica chapada;
teu anoitecer é como um tapete d'ouro,
linhas energéticas, relâmpago tece...
festival etéreo, canto de pardais.

Teresina:
posto avançado, indômita sentinela;
silo d'esperança, invencível guerreira;
artérias multicores, luminárias vivas;
teus edifícios erguidos, projetos ao vento,
são como velas, ao desafio do tempo,
de velozes jangadas... navegando céus.

Teresina:
(Metálica Ponte, Poti, Parnaíba...);
celeiro de bardos, sinfônica orquestra;
fagueiros meneios, viçosa menina;
teus olhos verdes, no irromper d'aurora,
são como casais que, unidos, oram...
sinos retumbantes, catedrais de fé.


V. de Araújo
Poemágico, a nova alquimia
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985

11.6.21

Os Bares de Teresina, por Eugênio Rosa de Oliveira Ribeiro (2013)






Certa noite, pertinho do aniversário de 161 anos de Teresina, numa das cervejadas no Bar do Osvaldo, ficou uma pergunta no ar: O que ou quem mais representaria o jeito de ser da cidade de Teresina?

Conversando com o Conselheiro Fernando Porto, primeiro e único Comendador do Barrocão, veio a solução! Nossos bares e botecos são quem mais refletem a alma do Teresinense.

E por qual razão? Qual é a característica dos nossos botecos? O que os diferencia? Quais são eles?

A maioria de nossos bares é bem simples. Despojados, não muitos limpos (tem um com o nome “Bar do Imundo”), copo americano, cadeira de espaguete, ás vezes nem cadeira têm! E, apesar de serem um templo de celebração da mulher, são um ambiente eminentemente masculino.

O dono, geralmente mais grosso que lixa 40, contraria todas as lições do SEBRAE sobre a cortesia e atenção aos clientes.

No entanto, estes botecos são ponto de intelectuais, médicos, engenheiros, jornalistas, empresários, um sem número de pessoas conhecidas e bem sucedidas, além dos tradicionais cachaceiros dos diversos matizes.

Tem boteco frequentado pelas mesmas pessoas faz 40, 50 anos. Agora já são os filhos que estão tomando o lugar dos pais.

O Bar do Osvaldo, por exemplo, que funcionava perto da casa do estudante, antes de mudar para o Barrocão (ficou no lugar do bar do seu Luís Veloso, pai da primeira dama Lilian), foi frequentado por sucessivas gerações de estudantes (iam comprar ovo e sardinha!).

Muitos desses estudantes se formaram e, apesar de profissionais de sucesso, mantiveram o hábito de visitar o veterano da guerra (seu Osvaldo lutou no Suez).

No Osvaldo não há cadeiras, nem mesas. Quando aparece uma pessoa conhecida (só se for conhecida) ele tira detrás do balcão um tamborete e, assim, os fregueses se posicionam uns de frente para os outros nos dois lados do balcão.

O balcão de madeira do seu Osvaldo tem mais de cem anos e pertenceu ao comércio do senhor Adelino, depois fiscal de rendas do estado, pai do Agenor (engenheiro), Juscelino e Dilson Pinheiro (médicos já falecidos) que permaneceram, como o pai, assíduos frequentadores.

Local de encontro de muitos amigos como: Tancredo Serra e Silva, Edmar Mota e Bona, Peninha, Manoel Afonso, José Jucá Marinho, Bernardo Castelo Branco, Oscar Castelo Branco, Ivadilson, Raimundo Marvignier, Os irmãos Raldir, Bizarria e Roosevelt Bastos, José de Sousa Santos, Afonso Ferro Gomes Filho, João Agrícola dos Passos, Walter Moura, Alberoni Lemos Neto, Ismar Andrade, e muitos outros.

Dá tristeza saber que uma grande parte já se foi!

Outros bares formam uma verdadeira confraria. Um grande exemplo é o Santana. Reduto de famílias tradicionais, os clientes se sentem irmanados e muito amigos. É muito frequentado por empresários e profissionais liberais. Os membros promovem diversos eventos durante o ano: Carro dos Amigos do Santana no Corso, filme do ano, enduros e por aí vai... Tem cliente que começou criança tomando refrigerante no antigo endereço em frente à Igreja São Benedito.

Mas afinal, quais são os bares tradicionais de Teresina do passado e do presente? Eis alguns exemplos:

Maria Tijubina: ficava no Mafuá entre o muro do Cemitério São José e a linha do trem era frequentada por boêmios e notívagos muito conhecidos como José Lopes dos Santos e o mestre do cavaquinho da Rádio Difusora Caco Velho.

• Bar do 71: na Praça do Fripisa, o dono “o Neguin Baixo” só usava branco, roupa e chapéu. Era o ponto dos estudantes da Faculdade de Direito, que funcionava na praça, quando terminavam as aulas.

• Bar do Zé Garapa: na Piçarra onde funciona hoje a Jacaúna, ponto de encontro dos melhores jogadores de sinuca. O melhor jogador era o Raimundinho da Bindá. Seu irmão Antônio da Bindá era conhecido como o maior boêmio do Piauí e um grande cantor.

• Restaurante da Dona Maria Maior: localizado na Rua Paissandu, reduto boêmio. Quando terminavam os filmes, as tertúlias e o movimento da Praça Pedro II, os homens desciam. O nome oficial era Fála-se Hotel, possivelmente uma corruptela de Pálace Hotel.

Bar Carvalho: Muito famoso, frequentado pela elite, era da família do prefeito Firmino Filho e do vereador Inácio Carvalho, ficava na Praça Rio Branco e era considerado a melhor comida de Teresina.

• Bar do Cabecinha: No Cajueiro, antes funcionou na Santa Luzia com David Caldas, reduto do famoso Basilão dos Cajueiros.

Bar Carnaúba: dos irmãos argentinos Carlos e Osvaldo Fassi, ao lado do Theatro 4 de Setembro, totalmente feito de carnaúba. Em suas proximidades funcionava a Rádio Calçada, em frente a Lanchonete Americana, onde as decisões políticas do Piauí eram tomadas. Entre os seus frequentadores temos: Deputado Ciro Nogueira (pai), Dr. João Mendes Nepomuceno Neto, Prof. Magalhães (pai de secretario de segurança) dentre outros.

• Bar do porão do Clube dos Diários: onde existia um cassino

• Largo do Boticário, no Clube dos Diários: no corredor a esquerda de quem entra no Clube, reduto de escritores e intelectuais, até os garçons eram famosos: Raimundão (pai da delegada Vilma), Careca e Cirilo.

• Bar e Hotel Avenida: onde hoje é o Hotel Piauí (Luxor), frequentado pelos sírios e libaneses, nossos conhecidos carcamanos.

• Cantinho do Tufy: também de árabe, o dono era o Jesus Thomaz Tufy, exercia suas atividades na Rua Álvaro Mendes esquina com a Rua Simplício Mendes, foi a primeira lanchonete a vender esfirra e quibe na cidade.

• Bar e Restaurante do Auto Esporte Clube: Na Rua da Palmeirinha (Clodoaldo Freitas), lugar de quem queria comer uma boa panelada. Primeiro restaurante “delivery” de Teresina.

• Chicona do Poti Velho: figura folclórica fazia piaba frita e peixe de primeira (era quem fritava os peixes – bem poucos por sinal– de minhas pescarias no encontro das águas).

• Galinha da Júlia: única comida que se pode dizer que é genuinamente teresinense, funcionava perto do Hospital São Marcos. A galinha era feita em panela de ferro e lenha, recheada com mexidos e bastante condimentada. A receita morreu com ela, mas fez tanto sucesso que a tripulação da empresa aérea Real Aerovias, ao fazer escala em Teresina já vinha com a incumbência de levar a galinha para o Rio de Janeiro e outras cidades.

• Bar do Zé de Melo: em pleno funcionamento na Dom Severino, tão frequentado e querido que existe uma confraria organizada dos amigos do seu Zé.

VTS: Na Rua João Cabral, vende um peixe muito famoso e possuía uma seleta freguesia, exemplo: Totó Barbosa, Elisiário, Carlos Said e Nodgi Nogueira

E quantos outros! Miúda, Bar do Edverton, Gela Guela (a cerveja mais gelada da cidade), Rifona, Zé guela, Sapucainha, Coqueiro Verde, Bar do Gelatti, Pesqueirinho, Bar do Lula, Bar do João Veloso, Bar do Amauri (reduto de jornalistas), Bar da Tia Maria (no encontro das águas), do Ulisses, Zé Filho, Pé Inchado, Ribamar, do Pernambuco, Bar e Restaurante Acadêmico (do Pedro Quirino).

Em Teresina, o bar é tão importante que até candidatura de governador já foi decidida em um.

Até hoje, não há maior diversão para um teresinense da gema que encontrar os amigos no final da tarde e fins de semana, no seu boteco favorito, para trocar informações e esmaecer as tensões de um dia de trabalho.

Nem melhor local para se fazer amizades que duram toda a vida.

São os bares e botecos que fizeram a alegria dos teresinenses de ontem e de hoje.

E que refletem muito do nosso jeito simples e amigo de ser.



Eugênio Rosa de Oliveira Ribeiro
Em 10/08/2013 | Teresina/PI

Publicado no blogue do Poeta Elmar Carvalho "Recebi o vertente texto por WhatsApp. Não tendo o contato do autor, não lhe pude pedir autorização para a publicação em meu blog. Espero que ele não se aborreça. Quem me enviou o texto também não tinha o endereço virtual dele. Publiquei porque achei um texto muito bom e importante para a memória de Teresina."


29.1.16

ESTIGMAS, Carvalho Neto




devolva
meus sapatos rotos
que já não tenho estradas sem fim.

devolva o ciclo dos ventos
onde jovens valsavam suas esperanças
e risos
ao sabor das águas e dos mitos
flores de beira rio.

devolva as escrituras
não as do mar morto
as gravadas na cerâmica
bela e frágil
do poti velho.

devolva o princípio mágico
o verbo, o poema.



Carvalho Neto
em REVISTA PRESENÇA
Ano XXI, número 35, Teresina, 2006

26.1.12

EXCERTO DE BALADA DO SANATÓRIO MEDUNA




Paisagem! É a nova coluna do helesponto erguida
Em suave gradação, depois desce um aclive, pára
E se estende até às margens do rio Poti;
Aí ficam a deveza e as ravinas, atravessando

A faixa que mãos nipônicas trabalharam,
Olhos oblíquos voltados para o Império do
Sol nascente. Cerejeiras em flor, lembranças.
A entrada está franqueada por “flamboyants”

E vivendas que sugerem, sugerem sempre
Coisas da França Antiga, romântica. Ao alto
Vasta cidade quadrangular, simétrica,

Com ornatos e recamos, longos corredores;
Ao lado se entremostra a pequena igreja
Acolhedora, refúgio dos aflitos...



Fabrício de Arêa Leão Carvalho
em Antologia dos Poetas Piauienses
Organizado por Wilson Carvalho Gonçalves 
Teresina: 2006

11.11.13

A MORTE E AS MORTES DE ZÉ MAGÃO


Numa manhã de cristal (ou teria sido numa tarde de chumbo?), dessas que só ocorrem em Teresina, Zé Magão arribou da cidade e foi garimpar incertezas em Santarém. Zé, senhor dos subúrbios de Teresina, embrenhou-se no cipoal de um mundo desconhecido, armado de serra, bigorna, maçarico e poesia. Deixou para trás versos tresmalhados, dívidas miúdas, saudade roendo o peito dos amigos. Soverteu: tornou-se incerta a notícia. Vez que outra, um garimpeiro, um mascate, um peregrino apontava por essas bandas, trazendo a má notícia: "Zé Magão morreu". Ora morrera de malária, afogado, assassinado; ora, picado de surucucu, soterrado num garimpo, de causa não sabida. Velório sem defunto, os amigos reuniam-se, recontavam casos acontecidos nas ribanceiras do Poti, bebiam cachaça, choravam tristeza. Na semana seguinte, a boa nova: um certo indivíduo, com jeito de tuiuiu (misto de Zé Ramalho com Gonzaguinha) fora visto num boteco da periferia de Santarém recitando versos para a lua. Não havia dúvida: Zé Magão estava vivo. Os amigos reuniam-se, recontavam casos acontecidos na coroa do Parnaíba, bebiam cachaça e choravam alegria. Mas quem era mesmo esse Zé Magão de tantas mortes anunciadas? Consta que se chamava José Ribamar Ribeiro, nascido em Teresina, em 30 de julho de 1950. Aluno de Dona Ditosa, caçador de rolinhas, pescador de mandis, cidadão das ruas. Estudou na Escola Técnica Federal do Piauí, de onde saiu diplomado em topografia: sabia, portanto, onde pisava. Por força da necessidade, se fez mecânico, serralheiro, soldador. Por puro prazer, poeta de versos tortos e humor corrosivo. Andou participando de algumas "antologias" mimeografadas: CARNÊ DE VIAGEM, CORAÇÃO DE DOIS TEMPOS, DANÇA DO CAOS, TOPADA, POESIA LIVRE. Em 86, publiquei, pela Coleção Folhetim, um poema seu "OS CAMELÔS", paródia do hino nacional, tendo com pano de fundo o universo dos ambulantes, camelôs e desocupados que entopem as ruas de Teresina. O livrinho, ilustrado com as fotos da Rosinha, percorreu ruas, becos e bares da cidade, conforme convinha a um poeta do naipe do Zé Magão. Por algum tempo, as notícias cessaram. Eis que, na semana passada, pela boca do poeta Menezes y Morais (quem também já esteve morto) chega-nos a notícia da última morte do Zé Magão. Foi aí que, entre comovido e indignado com Deus, lembrei-me daquela passagem terrível do livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, quando Jesus, pronto para ressuscitar Lázaro, é impedido de fazê-lo por Maria Magdala (Madalena) com um argumento irrefutável: "Ninguém na vida teve tantos pecados que mereça morrer duas vezes". Para mim, vivo ou morto, Zé Magão sempre será o poeta que, com extraordinário poder de síntese, disse a mais bela e dolorosa das verdades: "No coração/ uma andorinha/ faz verão", na memória, também, Zé.

Jornal MN, 27 de julho de 1997
em As Despesas do Envelhecer 
Teresina: Corisco, 2001

18.3.20

BAIÃO DE TODOS: poetas repensam a vida, num diálogo civilizatório, por Menezes y Morais




O poeta William Carlos William (1883-1964) assegura: “Os poetas enxergam com os olhos dos anjos”. Poeta, criador de Arte, é construtor, lapidador de civilização, nos assegura o conceito antropológico de cultura. Os 48 poetas reunidos em Baião de Todos (poesia, 2016) mostram isto em seus discursos poéticos.

A dicção poética questiona e repensa a Vida. Os poetas dialogam entre si, questionam a civilização, repensam a Poesia, a sociedade, o País, o mundo. O diálogo entre poetas, a reflexão sobre a sociedade moderna, o engajamento político, são temáticas perenes entre os Poetas dignos deste nome.

A Poesia não é feita apenas palavras – para lembrar os poetas Stefane Mallarmé e Paul Valéry, no final do século XIX e início do século XX – mas, sim, de palavras com significados e significantes – para lembrar São Tomás de Aquino, in Confissões (sua biografia, escrita por volta do ano 400 da nossa era).

TEMA TABU?

A segunda metade do século XX provou que se faz Poesia sem palavras. Neste surpreendente século XXI a Poesia parece regressar exclusivamente à carpintaria da palavra, depois que todas as vanguardas ficaram datadas, como, por exemplo, entre nós, a Poesia Concreta, Neoconcreta, Poesia Práxis.

No retorno à palavra, a Poesia também é feita de ideias (sem cair no panfletismo), de propostas lúdicas, de críticas civilizatórias, gritando alto ou sussurrando (em suas imagens e metáforas) em nome da Vida: todos os temas cabem no poema. Da dor ao prazer, da civilização à barbárie. Enfim: o Poeta fala de Poesia, da sua e da nossa humanidade.

UM POUCO DE CADA UM

Baião de Todos (2016) começa com Adriano Lobão Aragão, que remete o leitor às Sagradas Escrituras: “Estando Ruth posta em tormento em meio ao trigo alheio”, num poema de suave beleza estética. Aragão também é blogueiro.

Na sequência, Alcenor Candeira Filho, que o tempo consagrou mestre do fazer poético, em minha opinião. Sua temática vai do metapoema (Teoria do Poema), à morte, à vida, se revelando em plena maturidade estética. Depois, a jornalista Ananda Sampaio, de que nos ficou as imagens:

“Horas que acumulam dias”, “Roendo um dia/ que não quer acabar”, e “O homem clama por um sinal divino”. Ananda também nos remete à Bíblia – “aquele preso dentro da baleia”, (o profeta rebelde Jonas). A poeta fecha com Náufrago, um poema perfeito.

RUA DO POETA

Na sequência, Caio Negreiros. Ele tem, entre outros, um livro com um bom título (A Decadência das Horas). Caio também é fotógrafo. O poema dele não tem título, mas uma imagem bonita – “uma gota de sol” – e ao final acena à solidão urbana e universal, remetendo o leitor ao poeta Carlos Drummond de Andrade – “não é rima ou solução”. Da poeta Carmen Gonzáles, nos sensibilizou o poema Estrela Guia.

Carvalho Neto, outro poeta esteticamente amadurecido – também é odontólogo e letrista – salpica o tema “rua”, ofertando imagens como “amor inquilino”, “minha rua é do tamanho da saudade”, “minha rua, universo de dor contida”, para desaguar no poema Estação: “na velha estação, aguardo / o bilhete desbotado/ da viagem que não fiz”. Meu amigo Carvalho Neto é um poeta que publica com regularidade.

ALÉM-FRONTEIRA

O poeta seguinte é Chico Castro, também professor, ensaísta e historiador. Chico Castro tem dois belos poemas que se somam ao enriquecimento estético de Baião de Todos: Dallas para que te quero, e Trapo Chique. Além de Chico Castro, um nome conhecido nacionalmente, a letra C tem mais nomes da literatura piauiense que ultrapassaram as fronteiras (literárias) nordestinas. Por exemplo, Cineas Santos.

São de Cineas os poemas Desobediência Civil, Consulta, Convalescença e a obra-prima Poema Inevitável. São poemas dignos deste nome. Deixaram em mim as imagens: “Meu pai me queria lavrador / adubo na semente do seu chão (...) eu queria ser o vento/ pra bolinar o teu corpo”. “A linha principal não leva a nada/ (...) esta linha transversa me leva a você”. “Há muito não se houve meu uivo lancinante/ varando a madrugada”.

Climério Ferreira é outro nome nacional. Ele brinda o leitor com os poemas Pássaro Perdido, Eu sou meu próprio universo, e O Choro da História. Climério (Cli, assim o chamava a eterna Nara Leão) também é compositor, cantor, letrista e professor. O Brasil agradece.

SURPRESAS 

Uma surpresa para mim, entre os poetas piauienses que ainda não conheço pessoalmente, é a cantora, compositora, produtora cultural, Cláudia Simone: fala em “colchão de sonhos”, indaga “Quem foi que masturbou minha inocência?” E afirma: “A vida se encarregou de mostrar / que o amor nunca acaba onde deveria estar”.

Cyntia Osório encerra o índice da letra C. Dela, me ficaram as imagens: “Passeei pelo labirinto do tédio”, no “andar de quem tem asas”, “Existir é infinito”, imagens que marcam Penduricalho, um belo poema. Outra imagem de Cyntia Osório: “5 mg de desejos brancos para o cansaço”. A poeta também nos brinda com o belo Deslugar.

Outra surpresa é Demetrios Galvão, professor e historiador. Recanto é um poema perfeito. Em cine-mirante ficou-me a imagem “um olho filmando tudo”.

Em tempo: ganhei (como diria mestre Manuel Bandeira) o poema Cinema do Olho, musicado por Carlos Bivar Eduardo, com o qual fomos contemplados com um Prêmio SESC de Música 2007.

Demetrios Galvão nos brinda ainda com imagens como “liturgia de campo arrasado”, “exporta desertos”. O poema “a previsão do tempo é uma falácia” é um dos melhores deste Baião de Todos.

SEM GORGULHO

A letra D encerra com Diego Mendes Sousa, poeta da nova geração que usa as redes sociais para divulgar a literatura brasileira. Tinteiros de Mágoa é um poema perfeito, dividido com os títulos de tinteiros: da angústia; dos desertos, e do estranhamento. Evoé, Diego!

Ednólia Fonteles é outra poeta que se me revela em plena maturidade estética. Baião de Todos tem quatro poemas dela numerados com o título Quase Poema, um metapoema perfeito, sem gorgulho. Ednólia Fonteles deve ter um balaio de poesia inédita. Beijo, Ednólia.

Do amigo poeta Elias Paz e Silva ficaram-me a imagem “minha mão escreve / (no esgoto da cidade) / um poema tão grande / como a esperança”. E no poema Proposta, também sem gorgulho: “O dia foi duro amor / mas valia o suor da labuta / e a proposta de outro sol / como desculpa”. Lindaço, Elias.

NEGRITUDE

O também professor, o poeta e meu amigo Elio Ferreira traz o universo africano da “América Negra”. Tem o seu excelente (recitado por ele, com jogo de cintura e dicção bibopeana e onomatopaica) Abracadabra, de cujas imagens, fortíssimas, seleciono: “meu corpo apodrecendo no esgoto”, “meu corpo apodrecendo a céu aberto”, “você quer me ver no lixo”, e “teu corpo apodrecendo numa vitrine virim”.

O também juiz de direito Elmar Carvalho, meu amigo, nos oferece A Ero Moça, Noturno em Campo Maior, Perdição, e Sex-Appeal. Elmar Carvalho é fiel à proposta dos modernistas de 1922: precisamos conhecer o Brasil (no caso dele, o Piauí, Campo Maior, onde nasceu). H. Dobal, que também fixou paisagens campo-maionenses.

O meu amigo jornalista, poeta e professor Emerson Araújo é vida que segue: nos fala de “metáfora de plantão” (poema Novo Achado), faz metapoesia (Nova poética) e desagua em Junho em meu oficio, que me parece um poema sem gorgulho. Emerson tem vários livros publicados, entre os quais Címbalos, lutas e olhares (poesia, 2015).

Na nova safra de poetas está Ernâni Getirana, mistura o substantivo belicoso “guerrilha” (que seduziu muita gente boa no século XX) com o metapoema de Drummond (“lutar com palavras / é a luta mais vã...) no poema (es) talo, e nos apresenta Encontro, um poemeto perfeito.

GERALDO BORGES

O poeta Fernando Ferraz homenageia Cineas Santos in “Poesia como alimento”. Ele também nos brinda com duas pérolas poéticas: Ipês de Maria, e Teus Olhos. Depois dele, surge o também contista, cronista e historiador Geraldo Borges, outro escritor que se encontra em plena maturidade estética.

Os quatro poemas de Geraldo Borges também são termômetros da qualidade estética da coletânea: Viagem, Rio 1, 2 e 3 (sonetos). Nas quatro peças poéticas, Geraldo Borges transfigura lembranças de infância, e louva o nosso mítico, querido, maltratado (porém amado pelos poetas) rio Parnaíba.

Do também compositor (premiado) Glauco Luz nos ficou a lembrança de Carlos Drummond de Andrade in Dicotomia. Nele, o poeta Glauco oferta a imagem que se destaca – “socos do desalento”, além duma reflexão sobre a palavra (Palavra suja) e o melhor dele, em minha opinião, Poeira de Estrelas.

BISCOITO FINO

Contista e professora, Graça Vilhena nos brinda com quatro “biscoitos finos”, (diria Oswald de Andrade) da sua “oficina da palavra” (apud Cineas Santos): Poesia; Rua da Glória (ao Paulo Machado); O Garrafeiro (para Cineas Santos) e Carpete de Cordas. Graça Vilhena tematiza a Poesia e duas paisagens, geográfica e humana – no poema Garrafeiro.

Ficaram em mim as imagens: “Cerzindo os dias”, “pescar piabas no Poti”, “piabas prateadas nas garrafas”, “aquele instante que o tempo não deixa envelhecer” e “os dias são feitos de um longo esquecer”. Graça Vilhena é uma das melhores poetas brasileiras.

Admiro ainda sua parceria poética com William Melo Soares, no belo e clássico Passo a Pássaro (poesia, s. d), que tem capa de Paulo Moura, apresentação de Cineas Santos, de Rubervan Du Nascimento, e posfácio de Héctor Pellizzi.

Em tempo: aonde anda Héctor Pellizzi? Ele escreveu um miniensaio sobre o meu livro O Suicídio da Mãe Terra (contos, 1980), que eu vou publicar na segunda edição.

CAMINHO CRUZADO

Halan Silva vem na sequência, homenageia Charles Baudelaire, com a tradução do poema Remorso Póstumo. Mas, o poema sem título, em três partes, de Halan Silva, em Baião de Todos, é melhor que o traduzido do poeta francês. Que me perdoe o genial Baudelaire.

A poeta seguinte é Jasmine Malta. Arte-educadora, entre outras prendas, Jasmine faz Teresina de musa num poema, fala do calor e das “antigas lavadeiras”, que decoram a paisagem fluvial da Cidade Verde (ainda é?), que virou metrópole de concreto na passagem do século XX para o XXI.

Time is time é belo. Jasmine confessa noutro: “Eu gosto de homem que tem cheiro de homem.” / “O Homem que desconcerta os passos /quando cruza meu caminho”.

João Batista sequencia com quatro poemas: olhadela; vovó lavadeira, e enguias. O quarto, dias de brisa, tem um verso sublime: “a doçura de outros quintais”. E por falar em quintais, os quintais de Teresina do meu tempo desapareceram, as casas antigas foram demolidas e os quintais se transformaram em estacionamento. Concretados.

De João Batista sublinho ainda as imagens “o marulho dos teus olhos”, “coisa que o vento aluga e leva”, e “sem a pressa do repouso”. João Batista é um poeta atuante, produtor cultural e professor.


O alfabeto continua em movimento in Baião de Todos. Keula Araújo é a sequência. Organizou a coletânea com Cineas Santos. Keula também é professora e arquiteta. Dos seus poemas destaco o belo Do Amor, tem imagens como “sob o sol imorredouro/ da vontade”.

Para a poeta, o amor destrói os cárceres. Cantigas do Sem-Fim é um poema prenhe de ternura/ imagens – “jeito desarrumado /do jeito de respirar”, “um amor cru, mal passado/que não foi, nunca será”.

Teu Reino tem um verso para mim comovente: “Rompi com as horas / trespassadas de espera”. Keula Araújo é surpresa comovente entre os poetas piauienses que eu ainda não conheço pessoalmente.


O poeta seguinte é Kilito Trindade, vive hoje em Brasília. Ele também é produtor cultural e meu amigo. Kilito Trindade, uma doçura de ser humano.

In Baião de Todos Kilito Trindade publicou um poema sem título (ou dois?) que contextualiza “Eu bala perdida”, e o segundo “Apalavra chave desapareceu. A palavra (chave) AMOR”.

Também dele os poemas Anima, seguido doutro destitulado, que louva Guimarães Rosa: “É preciso sofrer depois de ter sofrido, / e amar, e mais amar, depois de ter amado”. Kilito é uma das realizações das promessas poéticas. Recita bem, à risca, no pulsar do planeTerra.

O poeta seguinte é Laerte Magalhães, também professor, tem quatro livros publicados. Dos seus poemas de Laerte destaco: Oração, e Das Dores, têm dicção bem humorada, de apelo ao imaginário auditivo. Os demais – Percussão, e Puta Poeta – tematizam a música, a dança. Eros é convocado.

SONETOS

Lara Matos dá continuidade, duma dicção poética de visão de mundo afiada, um olhar consciente na ponta da língua. Publicou os poemas Riscos, Mancha, e Ofélia.

Diz ela, poderosa: “Mas minha linha de vida curvada / como minhas costas / pela tenacidade dos sem-sorte/ recita uma canção há muito sabida”. E “Amo tanto que as palavras/ faltam/ Meu corpo cansado apenas / sussurra uma cantiga”... Evoé, Lara Matos.

O poeta-médico Leandro Fernandes é a sequência, com Soneto da Saudade, que se destaca entre o também soneto Chapada do Araripe, e o poema Cantiga.

BICICLETAR

Outra surpresa é Lívia Maria, 17 primaveras. Tem muito feijão-com-arroz pela frente. Entre outras observações que podem acontecer, destaco:

“Amar é ter uma bicicleta / mesmo morando no primeiro andar”, criticando “o amante visionário / embriagado pelo vinho da nudez e da loucura” Para Lívia Maria. “o poema é um vazio / no rosto indignado do poeta”. Vamos que vamos, Lívia.

Lucas Rolim é a continuidade, com os poemas o grande leão, louva-deus sobre a folha. o lobo, os caneleiros, a formiga e Terrários. Machado Júnior é o próximo, ele também é compositor, músico e publicitário. São dele os poemas Dom Quixote (para Flávio de Castro, in memoriam), Fé, Bela, e De Tudo um Tanto.

MARLEIDE LINS

Minha amiga Marleide Lins é a sequência alfabética. Também editora, vários livros publicados aqui e no exterior. Lirismo Antropofágico e Estações de Mim a meu ver sem gorgulho. Dor dos Deuses é seu terceiro trabalho nesta edição. A poeta Marleide está na 1ª edição de Baião de Todos, livro que a Avante Garde assina a programação visual.

Continuando a letra M, depois de Menezes y Morais - José Menezes de Morais - (não vou falar de mim mesmo), que publica o poema Domicilio Inviolável (pequeno elogio da rebeldia musical), entra em cena Nelson Nunes, com os poemas dignos deste nome – A miséria abunda, Na terra do sol, e Clarice. Nelson Nunes é advogado, tem vários livros de poesia publicados.

PAULOS

Quem aparece depois é o também professor, pesquisador, letrista, jornalista premiado Paulo José Cunha, meu amigo, com os poemas (dignos deste nome) Substâncias, Moto perpétuo (para Paulo Cunha, neto), Agora, e Chegue: “Apenas chegue/ e diga alguma coisa em meu ouvido/ como se nunca tivesse saído”.

Paulo Machado é o poeta seguinte: defensor público, historiador e contista. Assina in Baião de Todos os poemas Canção de Amor e Morte, O Rio (para o poeta Cineas Santos), e Cotidiano 2 (para Durvalino Filho). Nutro ternura e admiração por Paulo Machado, morei um tempo no mesmo bairro dele em Teresina, cidade que o poeta também transformou em musa, com belos poemas sobre algumas de suas.

Paulo Machado tem dois livros que considero pequenas obras-primas: Tá pronto seu Lobo, e A paz do pântano. Na sequência da letra P, o poeta meu amigo Paulo Moura, também chargista, compositor, designe gráfico, parceiro do meu compadre querido Cineas Santos no livro Aldeia Grande (1992).

Lembro-me dum bate-papo acervejado que eu e Paulo Moura travamos, numa mesa de bar em Teresina, ele criticando uma canção dos Beatles (Here comes the sun, de George Harrison), falando mal da letra – “arte pela arte” – e eu defendendo a declaração de amor à natureza: “Aqui chega o sol”.

Paulo Tabatinga encerra a letra P. É da nova geração de poetas piauienses que ainda não apertei a mão. Dia Claro, Meu poema, Província submersa e Crachá liberal são poemas poderosos. O olhar crítico do poeta sobre o cotidiano humano e geográfico também transborda ternura. Aleluia!


Rodrigo M Leite é outro nome da nova geração de poetas piauienses. Ele usa o formato fanzine e as redes sociais para divulgar Poesia. Dele e de outros poetas. Ainda não o conheço pessoalmente, só via e-mail, mas aprendi a admirá-lo, por esta e a qualidade estética do seu trabalho.

Rodrigo M Leite edita um blog, a musa esquecida, no qual resgata poemas que têm a Capital piauiense como tema. In Baião de Todos, tocou-me os poemas a casa rupestre (“a casa é centenária / mas está viva/ e / comunica perguntas / ao morador”) e café art bar, do qual cito estes versos: “da tarde que segue nervosa / homens surgem suados / carregados de preocupações / a tarde é consumida dentro de um café”).


Encerra a letra R, Rubervan Du Nascimento, poeta premiado, meu amigo, do qual também sinto saudade das nossas conversas, dos nossos agitos culturais (paralelos) com F. Eduardo Lopes, William Melo Soares, Miguel Soares (Jorbacilomar), os saudosos Josemar da Silva Neres, o poeta Zé Magão etc.

Rubervan Du Nascimento também rompeu as fronteiras nordestinas. Tem quatro livros publicados, entre os quais A Profissão dos Peixes (poesia, 1993). Ele migrou do Maranhão para Teresina, e, da musa tórrida advir (com licença de Mário Faustino) retirou para São Paulo. Rubervan nos presenteia com 4 Poemas Dispersos, dos quais me perseguem as imagens “ferida dos dias”, “na boca em êxtase”, e “da janela dos dentes”, para falar de cenas bucólicas, urbanas, briga de casais etc.


O meu amigo-irmão, compadre-poeta e letrista José Salgado Maranhão, equilibrista da vida, vem em seguida. É outro nome nacional (e de dimensão internacional) que enriquece esteticamente Baião de Dois. Nele, o poeta-protagonista com sua envolvente dicção, plena da sua peculiar atmosfera misteriosa, me perseguem imagens:

“Oráculo de atabaque e pergaminho”, “arrimo de vozes no lugar das unhas”, “feito um caju que apodrece/mas a castanha resiste’ (genial). Salgado também é coleciona prêmios literários – Jabuti, Academia Brasileira de Letras. Salve, salve poeta. Que lhe venham outras láureas.

Baião de Todos me apresentou Thiago E, também é músico e professor. Tem livro publicado e CD gravado. Dele, se cristalizaram em mim as imagens poéticas “a língua é um molusco, já não sabe se é carne ou um soluço – sem concha, se reinventa no escuro”, e “o mar sempre guarda um jardim dentro do bolso”.

PAREDES DO VERSO

Na letra V, Vagner Ribeiro nos remete a Virgílio, pela voz de Fernando Pessoa (“viver não é preciso” e também homenageia Guimarães Rosa, citando o clássico Grande Sertão: Veredas. A sequência é a artista plástica, professora, contista e poeta Vanessa Trajano. Ela surpreendeu-me com o poema Impronunciável. Perfeito, sem gorgulho.

De Vanessa Trajano também me sensibilizaram as imagens “tem horas que até o impulso é tarde”, “nas paredes do verso”, “amei cinco homens sem retorno”, “o poema permanece in vitro” e “na angústia dessa busca”.


O último autor deste Baião de Todos é o meu amigo-irmão William Melo Soares, um dos melhores poetas brasileiros da nossa geração. Wiliam nos presenteia com as pérolas pedra de fogo, Insônia, e Indomáveis. Também letrista, William tem vários livros publicados. Confessa que o seu tempo “é pedra de fogo”, que a mariposa “me dá lição de silêncio”, “no vasto campo da fala”.

Além da sua poesia em si, o flagrante delito autoral que ilumina de ternura e civilidade, William, a meu ver, é uma personificação do ser Poeta. Pela sua sabedoria quase ingênua, pela sua simplicidade, pela sua humildade, pela intuição e leveza. Explico melhor.

Cito dois exemplos históricos, envolvendo quatro poetas: para Carlos Drummond de Andrade, a materialização do poeta era Vinicius de Moraes. Para Mário Quintana, a personificação do poeta era Cecília Meireles. É claro que existem muitos poetas (de geração e geração) que se enquadram neste perfil.

William Melo Soares é um deles. Graças a Deus.

(...)



Menezes y Morais [Poeta, escritor, professor, jornalista e historiador piauiense. 12 livros publicados (mais 12 na gaveta), entre os quais o romance A Íris do Olho da Noite (Thesaurus), Por Favor, Dirija-se a Outro Guichê (teatro em um ato), na Micropiscina da Lágrima Feliz (poesia), A Luta é de Todos – História do controle dos gastos públicos no Brasil (Unacon), com Teresinha Pantoja] Via blogue do poeta Emerson Araújo