16.4.14

NATAL EM TERESINA, Gregório de Moraes


Amo esta gente. A terra, seus destinos...
Os mangueirais, o Mafuá contente
Amo este sol que nasce de repente
Glebas que cantam tão sagrados hinos

Natal no povo. Repicar de sinos
As sombras deslizando lentamente
Luzes no altar, no coração da gente
Cantos de amor, cheios de fé, divinos!

Natal de minha terra para o mundo
Um coração repleto de venturas
Dizendo: Deus, no vento, nas alturas.

É o simbolismo deste amor fecundo
Que se revela até nos arvoredos
Como entre nós no entrelaçar de dedos.


Gregório de Moraes
em Auroras Perdidas
Rio de Janeiro: 1970

14.4.14

chuva® em teresina [ modo de usar ] ou [ o produto pra tomar ]




pesquisas confirmam que chuva® se apresenta na forma de pequenos caroços d’água que demoram que só... pra cair por aqui (ou virar um toró). haveria múltiplas aplicações para chuva® – porém existe o problema d’ela quase nunca aparecer, não podendo, assim, ser aplicada. sob esse céu-sol que sua nossa cidade, chuva® é um raro chiado, mas, quando chuvisca, bochicha e remexe a linguagem: pau d’água, pancada, ou procela varada, só com muita reza braba. seu joaquim, raimundim e seu vizim pedem um pouco de chuva® – acuda! mas veio foi um sereno e piorou o momento (repara o veneno): farelo d’água com sol de rachar faz é abafar; esquenta tudo e, mais ainda, a moleira que azucrina. estudos recentes atestam que chuva® é um cochicho – chiado baixinho, na boca do povo, talvez um boato que some de novo, um conceito empenado, bololô esculhambado, relaboque de desejos inventados: quem quer que chova está dentro de casa e não lavou roupa; quem não quer chuva® tem alguma mordomia ou resolve algo na rua. e, dependendo do que a pessoa está fazendo, ela muda o pensamento. neste entretanto de labacé e confusão, não há contraindicação: alguns fazem mandinga; outros passam os queixo, em teresina, dirdobrando – se não tem chuva® ou mar, vamos prum bar. ou vamos pra uma rede – uma rede social – de armador virtual brutal e total: no facebook compartilha-se a vontade por chuva®, até ciberprometendo pagar uma promessa, contudo, pós-moderna porque, o santo, depois a gente acerta; ou toda teresina trova no twitter toneladas da hashtag #chuvathe – entrando para o trending topics da tiração de "onda". e quem faz roça clama chuva® pra tentar matar a saudade da fartura. diz-se, apenas por aqui, na capital do piauí, chuva® tem o princípio ativo mais charmoso disponível – o de antever o incrível, o sublime intransferível – olhar pro céu, esperançoso, e o poema de um verso só dizer: tá bonito pra chover.



Thiago E
em Revista Piauí Terra Querida  
Agosto de 2012

Thiago E - síntese biográfica





Thiago E nasceu em Teresina, PI (1986). É poeta de testes, músico, layoutman. Autor de Cabeça de Sol em Cima do Trem (livro e disco). Integra a banda Validuaté, com a qual lançou os álbuns Pelos Pátios Partidos em Festa, Alegria Girar, Este Lado Para Cima e Validuaté ao vivo – DVD e CD. Graduou-se em Letras na UFPI. É editor da revista Acrobata.

11.4.14

RIO PARNAÍBA




O rio Parnaíba segue. A corrente de água vai rápida. A poluição da cidade se faz sentida em plásticos. Mulheres levam e lavam roupas, meninos nus e meninas peladas correm pela beira do rio, eles riem. Adolescentes tecem olhares para adolescentes. Na ponta da beira do rio, surge dona Rita.
 
Dona Rita tem 29 anos e mora na beira do rio Parnaíba. Ela tem cabelos lisos negros, olhos grandes arredondados, pernas grossas, canelas finas e raspadas, coxas douradas, rosto de inocência. Usa sandália de couro e tem cintura fina esculpida. Ela mora com o marido e dois filhos e é bem cuidadosa com a beleza.
De noite os vizinhos se chocam com o amor que vem do seu quarto. Por esse motivo, ela lava a roupa afastada das outras mulheres. E pelo fato de atrair todos os olhares de admiração e desejo, ela atrai inveja. Pro bem ou pro mal, prefere ficar distante das outras lavadeiras. Já insistiu em estar junto, mas elas a ignoram e a olham com desprezo.

Com um pouco de fome, vai Rita trabalhando como dona de casa, fazendo comida (quando tem), cuidando dos filhos, da limpeza da casa, ajudando o marido a catar lixo na rua, ajudando o marido a aguentar a realidade fadada da vida, contanto historinhas de fadas e duendes de outro mundo para os seus filhos, com o peso do olho dos outros nas costas, com o peso do olho dos outros na bunda, nas coxas, vai Rita com o peso das roupas na cabeça, com calos na mão, com a boca carnuda, com a vida torta como a sua assinatura. Lá vai lavar as roupas na beira do rio, mulher de fibra, mãe assídua, com jornada tripla. Multiplicada a outros fatores e motores presentes nela.

Além de viver abaixo da linha da pobreza, Rita, com a saia acima do joelho, até o meio de suas coxas, agacha-se e esfrega uma roupa noutra. “Lavar, lavar, lavar, pra cuidar da casa, da família...” – cantam as outras lavadeiras, longe de Rita. O sol brilha, uma brisa assovia a música. Hoje é quarta-feira. Hoje é dia de Rita. O rio segue e segue belo. Muito mato ao redor e, ao longe, o som das outras lavadeiras cantando. Um som estranho no meio do rio. “Oxe, diacho, o que foi isso?”. Rita pensa, espreita e volta ao seu ofício. As lavadeiras cantam, lavam. A brisa canta, uma sensação de paz domina o lugar, um passarinho passa voando, parecia fugir, mas voava lindamente. Uma flor desabrocha, bem ao lado de Rita, ela não percebe esse fato. Está distraída, concentrada, pensativa (pensando em coisas que eu nunca saberei), linda, com fome, cansada, preocupada com os filhos e com as criancinhas, que viu ontem na TV, morrendo de fome em algum país africano. Coxas douradas molhadas com a água do rio, muito sabão de coco, muita vontade de cortar o cabelo, vontade de estudar, vontade de viver. É Rita levando, lavando, sendo lavada...

Em frente à Rita, uma sombra se forma debaixo d’água. Quando ela percebe, e vai de olho na sombra, um homem branco e nu sai do rio com os braços abertos. Rita, assustada, tenta virar-se e correr, mas ele está perto demais e a puxa pelos pés. Ela cai e bate a cabeça no chão. Debatendo-se, gritando, tenta levantar-se. O agressor, todo molhado, babando e com olhos vermelhos, agarra os cabelos e bate duas vezes o rosto dela no chão. Ela sangra e grita. O homem nu bate pela terceira vez a sua cabeça. Ela já não grita mais, chora. Ele a puxa pelo cabelo da nuca, puxa a vítima para dentro d’água. Antes de desaparecerem no rio, ela grita novamente, uma das lavadeiras ouve seus gritos e entoa o canto das outras lavadeiras para que o som fique mais alto. Rita afunda na água e desaparece. No rio Parnaíba, bolas de respiração flutuam e somem. Rita segue, o rio segue, a vida segue, e é levada, lavada, esquecida. 

TERESINA




São entranhas as suas bocas
Mas não estranho seus muros.

Por dentro da minha casa
Planejo um futuro para ti
THE.

Por que é Teresina e não Teresinha?
Dou-me melhor com as mulheres
Que com as cidades.



José Augusto Sampaio
Desigual, 2012

JOSÉ AUGUSTO SAMPAIO - síntese biográfica


“A literatura é a minha salvação pessoal
e liberação dos meus demônios."


José Augusto Couto Sampaio Neto nasceu em 28 de outubro de 1983, na cidade de Alagoinhas, interior da Bahia, onde viveu até os sete anos de idade. Depois, mudou-se com a família para Juazeiro da Bahia, divisa com o Estado de Pernambuco, ao lado da cidade de Petrolina. Ambas as cidades banhadas pelo Rio São Francisco. Aos 18 anos, mudou-se para Salvador, Bahia, junto à família novamente. Cursou Publicidade e Propaganda na Universidade Católica de Salvador. Casou-se aos 24 anos e mudou-se para Teresina, Piauí, onde reside e trabalha como publicitário, produtor e escritor.

Publicou em 2010 os livros “O outro lado do olho”, de poesia (para ler clique aqui) e “Imagine alguém te olhando do escuro”, de contos curtos (para ler clique aqui). Em 2011, publicou “Narrativas do horror cotidiano”, livro com três contos longos (para ler clique aqui). Em 2012, no Salipi (Salão do livro o Piauí), publicou “Desigual”, segundo livro de poemas (para ler clique aqui). Em 2013 publicou “afetos, abismos & engenharias”, terceiro livro de contos (para ler alguns dos contos clique aqui) e O Livro das Iluminações de Tassiano Simões, sob o pseudônimo Tassiano (para ler clique aqui). [+] informações: facebook / blogspot.

10.4.14

AS VOLTAS DA PRAÇA PEDRO II, de Barros Pinho



praça pedro II
há quanto tempo não te vejo
só converso contigo
com os olhos na infância
em dúvida nos braços da adolescência
nos beijos rápidos da namorada fugidia
entre um e outro fícus benjamim
no tempo que se volta na busca
de outras voltas nunca
a derradeira no começo dos sonhos

praça pedro II guardo de ti
a leitura de muitos olhos atônitos
em tudo havia a inocência em flor
desejos dispersos no esperar
espera que nunca se confirma
até dizer que teresina vive
sempre dentro de mim



Barros Pinho
em Planisfério 2ªed.
Teresina: Corisco, 2001


9.4.14

Barros Pinho - síntese biográfica




José Maria de Barros Pinho (Teresina, 25 de maio de 1939 / 2012). Poeta, contista, político (Prefeito de Fortaleza/CE entre 1985 e 1986). Principais obras: Natal de barro lunar e quatro figuras no céu (1960), Planisfério (1969), Circo Encantado (1975), Natal do castelo azul (1984 ) e Carta do Pássaro (2004). A Viúva do Vestido Verde, publicado pela Record, foi cotado para o prêmio Jabuti de Literatura. Carta do Pássaro, reconstitui sua infância no engenho de seu avô, às margens do Rio Parnaíba, no Piauí. Membro da Academia Cearense de Letras.

8.4.14

DOPADO NO CORAÇÃO MERCADO




são os peixes das casas mortas, sem curvas
                                                          e sem virgindade
eles não têm receitas paras os comprimidos,
eles não têm doutores que curem nuvens.

eu disse a truffaut o que queria
e ele olhou como se tudo que pedi
fosse pouco para um dia.

não morro de nada
converso com os invisíveis e eles me agradam
são ternos e isósceles
escapam e pedem misérias
ficam na beirada e vazam
ouvem as parees e dizem:
tenho um quarto sem nada.
e digo:
tenho desenhos no tornozelo.

passamos os muros e as extensões
existe o que se espalha na rua
as pessoas recebem os passes e os acordes
se assustam com a poesia em caixas de remédio.



Demetrios Galvão
em Insólito 
Fortaleza: Editora Corsário, 2011

CIDADES RABISCADAS REMIX VOL. 1




a decomposição atroz e as vertigens.

fechar as janelas diante do simulacro e
se derramar pelos diversos andares da cidade
pelo hipertexto de suas entranhas
de suas tripas magnéticas
de sua fauna nervosa
de sua flora deserta em seu rizoma de concreto.

a decomposição atroz e as vertigens.

ruas lineares x o acaso dos dados na diáspora do sólido
o lado de dentro e o de fora de uma cartografia
buscar uma fenda para se esconder
no paradoxo luz / sombra
digerir o desejo das estátuas na dilatação ao sol
uma eternidade de enigmas adormecidos.

a decomposição atroz e as vertigens.



Demetrios Galvão
em Insólito 
Fortaleza: Editora Corsário, 2011

7.4.14

NÓS E O "NÓS & ELIS"




A maior importância do Nós e Elis é, sem dúvida, ter dado início à profissionalização dos músicos de Teresina, que passaram a ter cachê fixo e negociado para tocar nos bares da noite da cidade. Este é um dos méritos de Prado Junior, parnaibano de boa cepa que aqui aportou, começou uma carreira de empresário, homem público e político venturoso, infelizmente interrompida por uma morte traiçoeira e prematura.

O Nós e Elis era o bar das canjas. Nós íamos para lá e nos revezávamos a noite toda tocando, enquanto os freqüentadores se divertiam, conversavam, paqueravam, namoravam, casavam, separavam – muitos romances começaram e terminaram ali, enquanto embalávamos a noite com nossas canjas. Havia sempre o artista principal ou grupo principal, previamente contratado e com cachê no final da noite pago religiosamente. O resto era na canja mesmo e, em noites especiais, quando o Elias tinha um ataque de loucura e de generosidade, ele mandava distribuir umas cervas extras ou uma garrafa de uísque – e nós vibrávamos e íamos ficando até altas horas, quando não até de manhã.

O bar era numa esquina-beco do tipo ferro de engomar. Apertadinho mas, no entanto, cabia todo mundo nos seus bancos compridos e desconfortáveis, com sua iluminação precária, seus banheiros apinhados de gente mijando, seus garçons sempre apressados.

Nessa época eu era namorado da Soraya (depois ela engravidou e casamos, claro) e passamos bons momentos ali. Gostávamos de ficar na “esquininha”, como chamávamos, perto da janela do bar onde ficávamos bebendo e pedindo direto ao Prado Junior, à sua simpática mulher ou a qualquer outro funcionário a nossa bebida. Os garçons ficavam putos porque este era um artifício nosso de beber sem pagar a comissão de 10%, e eles ainda tinham de disputar com a gente o exíguo espaço da janela que dava para o bar. Mas no fim todos se entendiam.

Numa determinada época o sucesso do bar era tanto, que Prado Junior resolveu fazer uma programação, todo dia era uma atração diferente – quarta-feira era poesia, domingo era rock, sexta era samba, não me lembro da ordem das atrações, mas havia dias que tinham até espetáculos teatrais, como vi aquela peça famosa estrelada pelo Fábio Costa e a Lari Sales, cujo título e autor me fogem nesse instante.

Vou tentar dizer os nomes dos músicos que tocavam direto lá: Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento, Emerson Boy, Júlio Medeiros, Paulo Aquino, Aurélio Melo, Bebeto e Carlinhos bateristas (e eu também, porra), Tim Fonteles, Jaboti Fonteles, Tânia Fonteles e toda a família Fonteles quando estava por aqui, Liminha, Roraima, Edgar Lippo, Márcio Menezes, Naeno, Assizinho, a rapaziada do samba & pagode comandadas pelo Porkovitch, Magno Aurélio, Rosinha Amorim, Rubens e Fátima Lima, Garibaldi e Carla Ramos, Patrícia (hoje) Mellodi – meu Deus do céu, eu não disse nem a metade e vou terminar fazendo injustiça com os que esqueci, perdão, amigos e amigas.

Apesar do espaço apertado do bar, logo atrás havia uma pracinha calma e tranqüila, com banquinhos feitos para namorar ou amarrar uma paquera (quando não uma transa mesmo, para logo mais num motel). A pracinha está lá até hoje, mas o espaço do Nós e Elis foi transformado em mais uma padaria, tudo bem, uma padaria, mas totalmente sem graça para mim. Passo lá e me dá saudade dos tempos em que ali a noite fervilhava, a gente era feliz – e sabia.



em "No Nós & Elis: A Gente Era Feliz – e sabia"
Teresina: Gráfica Halley, 2010
Organizado por Joca Oeiras

MÁGICO "NÓS & ELIS”


Patrícia Mellodi e Moisés Chaves


O Passado vira e mexe, volta! As nossas histórias são mitificadas pelo tempo e pelo saudosismo. É assim que me sinto falando sobre minhas experiências no “Nós e Elis”, remexendo num baú de lembranças que à alma me são muito caras.

Tive a oportunidade de cantar profissionalmente a primeira vez ali, naquela esquina mágica. Eu era apenas uma menina de 16 anos que mentia dizendo que tinha dezessete, pois achava que pareceria mais madura.

Lembro do dia em que saí com alguns amigos e fomos até lá tomar uma cerveja e ouvir boa música. (Nesse tempo menor podia beber e namorar pessoa maior de idade que não era crime!) Escolada e conhecida nos karaoquês do Jockey fui convidada a dar uma canja. – Vai lá Patrícia, vai lá! Disse a mesa em coro. E eu fui. Um tanto tímida e me sentindo deslocada, pois meu mundo não era o artístico, era o das famílias "caretas" e tradicionais de Teresina frequentadoras da Igreja de Fátima do Padre Tony. Mas aquele lugar era diferente do resto, transpirava um universo distante que eu mal podia imaginar que seria o meu pra sempre.

Quando desci do Palco, um rapaz cabeludo, jeito exagerado, diria até exótico pros padrões da época, me abordou: - Você é uma estrela! Vamos fazer um show? Era o Moisés Chaves que estava fazendo a programação musical do Bar nos tempos da Família Fonteles. "Eu confesso tive medo, quase disse não!"- Que gente mais estranha! Mas, fui tocada, convencida pela vaidade comum aos artistas diante de tantos elogios e aceitei fazer meu primeiro Show, "Presença".

Pela primeira vez tive direito a direção, cenário, figurino e até assessoria de imprensa, tudo feito pelo Moisés, o meu descobridor de Talentos. Na banda Geraldo Brito na guitarra (meu grande amigo e mentor musical até hoje), Bebeto na bateria e um baixista muito figura que o tempo corroeu o nome da minha memória. A Alda Caddah, da AldaTur, ex-diretora do Teatro 4 de setembro, sensível às artes, acreditou nas palavras do Moisés a meu respeito e nos deu o primeiro patrocínio.

E assim aconteceu o show no Nós e Elis, lotado, com direito a vários artistas na platéia, notas de jornal. Daquele dia em diante eu me tornaria uma artista e aquelas pessoas estranhas, meus amigos e colegas de profissão.

E, como eu falei no início, aquele lugar era mesmo mágico. Nunca contei isso pra ninguém, mas vou escrever agora. Eu tive naquela noite uma experiência mística. No meio de uma música, eu me senti saindo do corpo. Ouvia a minha voz longe, uma sensação de silêncio, como se tivesse entrado num vácuo entre a música e eu mesma. Foi definitivo pra mim, um sinal. Aquilo parecia me dizer que nunca mais eu sairia desse espaço, desse universo paralelo, desse mundo.

Foi ali no Nós e Elis e em mais lugar nenhum.



Patrícia Mellodi
em "No Nós & Elis: A Gente Era Feliz – e sabia"
Teresina: Gráfica Halley, 2010
Organizado por Joca Oeiras

NÓS ESTAMOS POR AÍ SEM MEDO - Por falar em Nós e Elis




“Nós estamos por aí sem medo”, diz uma canção que estou ouvindo agora, cujo trecho dá nome a esse texto que começo a escrever. Uma canção gostosa de ouvir chamada “Copacabana velha de guerra”, composta pela Joyce e cantada por Elis Regina.  Só ouvindo muita boa música pude relembrar daquele tempo de Nós e Elis. Do mesmo tempo que levou nosso templo. Tempo dos Boêmios, das musas e dos amantes da melhor canção brasileira, dos poetas perdidos à procura de, por que não, versos livres.  Da galera que vinha a pé ou de carona da UFPI, naqueles tempos da Universidade, “quando a rapaziada discutia a conjuntura nacional”. Era o nosso “bar esperança”, nunca fechado para nós e para o nosso mundo musical particular. Um bar sem paredes nem portas, só janelas sem tamanho, sempre abertas para todas as cores, para a melodia daquelas noites sem final e a harmonia que rolava entres todos que por ali habitavam. Sim, pois ninguém em sua plena consciência conseguia apenas visitar de vez em quando aquele bar e não se apaixonar por ele.

Comigo foi assim, como aquele amor platônico do adolescente tímido pela menina mais popular da escola.  Eu sempre estava por ali, tomando alguma, batendo papo, mas nada de mesa; ficava sempre circulando, de olho no que rolava no palco. De olho nas mãos e nos acordes do GB (Geraldo Brito) na batera do Carlinhos, do Bebeto, ouvidos ligados nas vozes de tantos cantores e divas e no contrabaixo (minha grande paixão) sempre bem acompanhado por grandes feras como Tim Fonteles, Robert, Júlio Medeiros, Lima Jr. e outros tantos.  Sonhando acordado me via fazendo parte daquilo tudo e me imaginava naquele pequeno palco que mais parecia um mundo inteiro a anos-luz de distância de quem apenas ensaiava alguns acordes com uma banda de rock de estudantes. Não lembro como foi, nem quando eu tomei umas a mais, criei coragem, pedi uma “canja”, subi lá e mandei ver. Nada de extraordinário para quem já estava acostumado a ouvir os melhores tocando o melhor da MPB e da nossa MPB-PI, mas depois daquela noite comecei a transformar a minha paixão platônica num dos grandes amores da minha vida: a música.

Assim foi para mim aquele bar. Lá toquei minhas primeiras canções com o NOIGANDRES - eu, Marquinhos, Flávio e nosso grande Naka - quando nós tocamos pela primeira na Rádio Cidade Verde FM, e fiz todo mundo dançar com banda LUAU nos inesquecíveis domingos onde a praça virava parte do bar. Assim diz uma frase na parede de um boteco em São Paulo: porque há bares que vem para o bem. O Nós e Elis foi um desses bares.

Para o “romance ideal”, o cenário perfeito. Assim foi o meu, o seu, o nosso “nós”. Ali crescemos e celebramos, tecemos e cantamos a vida que ainda podia ser cantada, pois ela dava maior “bola” para gente. Passei pela MPB, pelo pop, rock, axé, reggae, pelo forró, nas tantas e tantas idas e vindas do bar dos bares. Conheci gente e convenci a música, tive grandes professores e muitos amores. Fui feliz e eu sabia. Fiz canções dias e dias, “abri a porta, apareci, e a mais bonita sorriu pra mim” quando acabei descobrindo a palavra-chave das minhas noites vadias. E aquele palco continua grande, inesquecível em minha memória.  Nos blues de Edvaldo Nascimento, na alegria vital (e sua moto) do meu amigo e parceiro Roraima, no som “tranqüilo e infalível como Bruce Lee” da guitarra do Geraldo Brito, na lembrança dos instrumentais do velho HAJA SAX e na saudade do meu amigo e mestre Netinho, que fez tanta flauta com o Zé de Boy e hoje faz muita falta. Uma geração que puxou outra, que puxa outra e assim chegamos ao hoje. E vamos nessa que o sol já vem.  Do grupo Candeia ao Conjunto Roque Moreira, a nossa música continua aí, em busca de palcos como aquele.

De “bailes da vida ou de um bar em troca de pão” e de circo também. Afinal, somos todos malabaristas. Cada vez mais firmes. Cada vez mais precisos e certeiros. Herdeiros do bar “Nós e Elis”. Nós estamos por aí sem medo.



Machado Jr. 
em "No Nós & Elis: A Gente Era Feliz – e sabia"
Teresina: Gráfica Halley, 2010
Organizado por Joca Oeiras

6.4.14

Maria Tijubina do Mafuá





[...]

Dentre os antigos restaurantes que existiam no bairro Mafuá durante as décadas de 1970 e 1980, destacamos o restaurante de Maria Tijubina, o qual, ficou famoso pela venda de comidas típicas nordestinas, como panelada, mão-de-vaca, carne de sol e sarapatel, atraindo não só a população do bairro, mas também a população de outros bairros e até mesmo de fora da cidade de Teresina.

Desse modo, entre o período de 1970 a 1980, o restaurante da Maria Tijubina, além de ser frequentado pela população do bairro, tornou-se ponto de encontro, fim de noite e refúgio de muitos boêmios, poetas e artistas da cidade, assim como de alguns cantores da MPB que vinham fazer show no Teatro 4 de Setembro, como Alceu Valença, Gilberto Gil, entre outros, que não encontravam em Teresina, durante essa época, opções de lazer, acabando dessa forma, por se refugiarem no restaurante da Tijubina. 


Francisca Lidiane de Sousa Lima e Wilza Gomes Reis Lopes
Em ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E DE CONSUMO DO BAIRRO MAFUÁ
apud História em poliedros: cultura, cidade e memória / Teresina: EDUFPI, 2009

TERESINA MENINA




teresina menina
és virgem de teus poetas
que tanto te penetram
te expõem a alma e o corpo
e sempre possuis um mistério a mais
para ser explorado?
hímen intacto
eterna paissandu das putas
eterna pedro segundo do quatro de setembro
corpo impenetrável
estigma imaculado de quem nasceu na miséria
                                e traz as marcas no corpo
rios arranhados no ventre
menina que encobre o sexo com a mão
com vergonha de ter sexo
mata virgem deflorada
menina encobrindo o sexo com a mão
descobrindo o próprio corpo
tão bela quanto qualquer outro canto
                                    sob o céu e o sol



Adriano Lobão Aragão
em Uns Poemas 
Teresina: FCMC, 1999

NÃO TRAZ A RÉGUA LÍRICA, por Adriano Lobão Aragão



não traz a régua lírica
a rua olavo bilac
existe numa esquina da
frei serafim uma placa
gritando anjo torto
mas quando passam os carros
eles não ouvem nem vêem
as mulheres nuas
pintadas ao lado da prefeitura
agora com poemas
nas paradas de ônibus
e pessoas de olho
na avenida pra ver o ônibus chegar
recolhendo mais uma
paisagem humana
pros outros dias seguintes



Adriano Lobão Aragão
em Uns Poemas 
Teresina: FCMC, 1999


DOIS MENINOS VESTIDOS EM CAMISAS DE POLÍTICOS, por Adriano Lobão Aragão



Dois meninos vestidos em camisas de políticos
sujos de rua menores
depravavam a poluída avenida Frei Serafim
com seus comentários
à funcionária da loja cujo nome ignoro
- priquito priquito priquito
e corriam e gritavam e depravavam
e mais ninguém ouvia


Dois meninos na rua lambendo coca+cola
                                        derramada pelo chão
no sinal da Duque de Caxias com a Petrônio Portela
em duas poças no asfalto quente
entre os carros passando por cima da lata de refrigerante
esmagada
sob o pó e poeira e fuligem
os dois meninos bebem coca+cola derramada na rua
ao meio+dia de hoje
e mais ninguém via



Adriano Lobão Aragão
em Uns Poemas 
Teresina: FCMC, 1999


Adriano Lobão Aragão - síntese biográfica





Adriano Lobão Aragão nasceu em Teresina, Piauí, em  1977. Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Piauí. Assessor pedagógico da Editora Saraiva. Em 1998, através do Concurso Novos Autores, recebeu o Prêmio Cidade de Teresina pelo livro Uns Poemas, publicado no ano seguinte pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Em 2005 publicou Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra, pela Fundac. Seu livro Yone de Safo foi agraciado em 2006 com prêmio Torquato Neto instituído pela Fundação Cultural do Piauí e publicado pela amálgama no ano seguinte. Publicou ainda as cinzas as palavras (amálgama, 2009) e ave eva (dEsEnrEdoS, 2011). Em 2012, lança seu primeiro romance, Os intrépidos andarilhos e outras margens (Nova Aliança). Participou das coletâneas Versos Diversos (Passos/MG), Poetas do Brasil 2000 (Porto Alegre/RS) e Estas Flores de Lascivo Arabesco, poemas eróticos piauienses (Teresina/PI), e das revistas Poesia Sempre nº 33 (Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro/RJ) e Revestrés nº 2 (Teresina/PI). Atualmente, edita o site dEsEnrEdoS, o blog Ágora da Taba e seu site pessoal.

TERESINA (PI), 1º DE MAIO DE 1979, RUA RIACHUELO PRÓXIMO AO CRUZAMENTO COM RUA PAISSANDU





Foi bem aí onde “quebrei o cabresto”,
onde descobri o prazer de “dá nos gosto”.
Foi nesse tempo mesmo, e o templo da Graça
era mesmo nessa rua. Bateu uma saudade da
Graça. Ah! Graça! Inesquecível, Graça!
Precisava nem pagar, e ainda tinha o luxo de ter
“as partes lavadas” com aquela deliciosa água fria
que ficava nas garrafas de vidro ali no canto,
ao lado da bacia de alumínio. - Ela fazia isso com
tanto carinho e destreza - Ainda menino, ficava
“cheio de pernas” quando, de dia, perambulando
pelas ruas da Paissandu, cruzava com a graça e ela
me dizia: vem cá meu menino do “zoim” verde,
deixa eu... e no meu olho ficava o contorno de sua
boca vermelha. Bateu uma saudade! Acho que vou
bater...



Kilito Trindade
em Coletânea Tara
Teresina: 2012

TERESINA (PI), 1º DE MAIO DE 2079, RUA RIACHUELO PRÓXIMO AO CRUZAMENTO COM A PAISSANDU




Não é mais o mesmo temp(l)o
Já não tem a mesma graça
A pele maracurujada
Os músculos obedecendo a gravitonusflacidade
Os pés descalcioficando imóveis
Mas, o fluxo sanguín(e)o lento
ainda chega em suas cavernas

Pega aqui.!. Pega aqui.!. Pega aqui.!.

se em si penso em si falo encéfalo conecta
falo erecta



Kilito Trindade
em Coletânea Tara
Teresina: 2012

"o amor se instalou", Renata Flávia


o amor se instalou
embaixo da ponte metálica
fugiu de todas as cores holofotes e estradas
disse ser contra o mirante, o elevador e a escada
preferiu ficar no velho esquecido
do que ter o peito partido
em bamba estaiada.


Renata Flávia
enviado pela autora

ENTRE BANCOS SORRI CAFÉ ART BAR, Renata Flávia


entre bancos sorri café art bar
as vontades da vista da praça
cheia de saudade do que não vimos.
entre postes
entre hippies
sorri meu mais novo amor
rodeado dos antigos
de restos e velhas construções
armações que o tempo preserva feito bibelôs
feito coração velho já amargo e frágil
com portas grandes e coisas sem valor.
entre bancos, pedras, rochedos velhos
sorrir meu novo amor.


Renata Flávia
enviado pela autora

"mil corações despedaçados despencam", Luiz Valadares


mil corações despedaçados despencam
como estrelas cadentes
a garota que passa com seus olhos
traz os seios à ponta da língua

o homem vazio tem dentro de si uma seta
o transeunte atravessa fora da faixa
outro homem contabiliza o dia
enquanto vizinhos fuxicam a vida

mil corações despedaçados
despencam a tarde
no precipício da miguel rosa
enquanto a tia debulha seu rosário

já é tarde na noite do solitário
já é tarde para o viúvo
já é tarde para quem passou da idade
e para quem não se aventurou

mil corações despedaçados despencam
na página em branco
e o bêbado fica sem palavras
inédito, enviado pelo autor

5.4.14

CORAÇÕES DA TERRA, por Menezes y Morais


...

compadre salgado maranhão
destrói do teu cérebro essa ideia suicidade

q os trabalhadores te querem em luta
i a poesia te quer vivo
nesses tempos de anistia ampla
y corações restritos

...

nossos amigosão pessoas bonitas
na dimensão da fala dialética grito
o cineas vem de uma gleba seca com a
água de sua ternura
o william se fez poeta engajado pra
alegria da poesia
o eduardo não acredita no amanhã pra
desespero de mais um dia
todos lindos
todos livres na prisão do dia
nesses tempos de anistia ampla
y corações mesquinhos

o arnaldo albuqueque
o fernando s. costa
o albert piauí desenham os sóis dessas noites frias

armadas de fuzis e bombas de hidrogênio

(aquelas q matam os homens e
conservam intactas as propriedades do rei)
e o luiz bello afirma que precisamos
criar o ministério da paz
e o povo bebe tanta pinga e fuma
tanto medo só pra ter coragem
nesses tempos de anistia restrita
e corações gerais

a marleide
cabelos dourados baloiçando

ventos do céu

dessadjetivada democra-
                                cia mina dos olhos
                                  imperialistas

a beth rego
o rubervam du nascimento a profissão dos peixes
no tempo
o sussurro o grito o homem da rua
timon a voz do trovão
a ana miranda a rosinha lobo as cores
dos sonhos
o pólen do sol
o zémagão

viajamos na constelação de vênus e foi tão bonito
e até hoje nos amamos e acreditamos
na decadência final
de tudo a-kilo
e eu sou um sol e vou parir um crepúsculo

nesses tempos de anistiampla
y corações aflitos

o chico casto de camisaberta
na filosofia do tiro
a leila a homeopatia
memórias da ilha do fundão
postais do paraíso
a ednólia fontinele o bernardo silva
o arimatan a elnora o teotônio do sax
o zeferino alves neto a rosa o sales
herculano moraes o pds
o chico miguel de moura o universo das águas
o emerson araújo
a janete dias baseada na era
o candeia o varanda o fruta madura
as asas do rubens costa
a vida operária
a canção permanente
raimundo alves lima
o clebe montezuma o kenard kruel a
pedra do sal
o fred maia da gota serena brilhando tranquilo

o antônio nobre (da dilertec) resiste na sua
dignidade branca
e o contista pedro celestino
conhece a história dos incêndios das
casas de palha
terror burguês em teresina
o wilton santos da cerca de arame do diadema e
do caco de vidro
a comadre nazaré leite desaflitadeolhosaberto
acampomaior
o otacilomendes
amaria da Inglaterra
o sal o suor
o repente o oriente
a verdura da terra
e na
        praça pedro II
os jornais a televisão e as revistas
informam q o mundo vai mal
o erlich cordão o jamerson lemos a poética
da necessidade
o paulo moura o wellington careca o
joão evangelista
o preço da liberdade
a eline menezes
o geilbert chaudanne
pássaros
terra do sol
     conquistada
o ubirajara dias (biroca) o genésio
araújo (tlinta e tlês)
o júlio pança o leo

o diário do piauí foi um jornal apaixonado
o beto pirilampo a rosilândia a sulika
a cultura orgânica
oroque moreira e seu gosto na berlinda
o fabio ator
o fim do mundo início de tudo é cedo ainda
e a dora parente luta pela felicidade
geral trabalhada
a coragem pra suportar os ataques
epilépticos do sono
o élmar carvalho poeta da vila e da liberdade

o j. barros o feitosa costa o heyden cunha
o raimundunho da medicina
sonhacom as transformações da espécie
e vive pela materialização do sonho
e a gildes silveira fala da cidade
grávida de sol e de fome
e o poeta hardi filho acredita
                                              o amor
é o pão que faz o homem
e o joão batista e a sandra almeida o tarciso
                                                                  prado
                                 
                               o sol no zênite
a dor de ser feliz q nos consome
o domingos bezerra
a rosa rubra sorrisonhos
fiapos de canções regados a cerveja
praça da liberdade
enquanto o império fatal marcha lento
pro necrotério do hospital
getúlio vargas
nesses tempos de anistia restrita
y corações de neocid
...
o gérmen da vida a força latente a
corrente do meu coração
o fábio torres a laranja partida ao meio
o laurence o eneas o providência o
pierri baiano o pão de centeio
parcelle eugênio o victor martins o
paulo pelicano
o assis linhares e o feitosa lit a mareília
o coqueiro o caetano
o santana e silva o teatro de rua
antes do golpe de 64
o geraldo borges e a história em
quadrinhos
lida no bar do gelati
quando a avenidatinhamais serafins
o zé afonso a opressão a guerra dos cupins
o ocimar barbosa o josemar nerys
          filhos do povir
o celso teodósio patrício
o zé o zé de luna a marieta a zuita o nael
          as meninas mocinhas-em-flor
a socorro magalhães a nonata o jacinto
a socorro araújo
o ar o gesto o laço o fato concreto
sonhos d'esperança
a certeza de que só existe q não foi criado
..........
pássaros-paisagens e botboletas
brincam no azul de altos
o bairro piçarra o ginásio álvaro fereira
              o cabaré da maroca
o maestro luiz santos a neguinha o
marquinho a mary o zaquee
o primeiro e o segundo amor a política estudantil

a sinuca a ternura da "tia" maria
solar estrelado
onde a gente se reunia messes tempos
de anistia
y corações do amanhecer
o chico alberto
o o.g. rêgo de carvalho a estrela azul
no céu da tarde

o wellington mendes a joana o iago
o exemplo luminoso: a solidariedade

o padre pedro maione
o padre sandro
o padre costinha
o pão o ecangelho a encarnação do verbo

o preço da vida
sabor dovinho
um camponês deseja a terra e a chuva
explode em flôr
o merlong nogueira o fonseca a travessia
o wellington o dce livre o me autônomo

a fufpi sitiada
o antônio josé da livraria punaré
a guerra do jenipapo a chapada do corisco
as sete cidades
teresa cristina
o deusdeth nunes a "mãe" ana o
mingau dos astronautas
os pastéis da maria divina
e a cervejinha bem gelada da maria tijubina

sol a pique
luadentro
viver teresina

...


Menezes y Morais
Teresina 150 anos (fascículos do Jornal O DIA)
Teresina: 2002

"Ontem", Luiz Valadares


Ontem
fez lembrar dos dias quentes de febre de amor pela ana paula
fez lembrar os tênis que ficaram apenas na memória
perdidos no diametral...fez lembrar das curvas que me levavam ao saci...
ontem fez lembrar das doses de rum com coca
nas noites navegadas na mob dick
com calos nos pés e risos nos lábios...

inédito, enviado pelo autor

14.1.14

CIDADE PÁLIDA




Fontes luminosas
Que não funcionam,
Plantas que não floram
Por falta de inverno,
De seca a seca
São peladas.
São fontes de inspirações
Pelo sofrimento.

Solo mal adubado,
Caule fraco
Cheio de formigueiros
E a prefeitura não compra veneno.

Tudo sofre:
O povo e a praça
Por culpa de quem
Promete o carro pipa,
Porém, não manda nem leva
Porque não tem tempo.

Praça pobre:
Jardim, seu rosto
está pelado...
Deixa a Cidade Pálida.



Neto Sambaíba
em UM MALUCO INTELIGENTE

1.12.13

TERESINA




a vida se inventa do barro
barro que faz o homem que faz o tijolo
que faz a casa que vive o homem
barro da beira do poty e do parnaíba
que irriga a cidade que com seu barro polui o rio
teresina
da cidade plana de poty velho
ao paliteiro globalizado do jóquei
do centro infestado de piratas
ao sítio das árvores petrificadas
um feixe de fibras óticas sai do barro
e se liga em quem tá em contato com torquato
míssil ácido no olho do mundo.
teresina
a certeza certeira que o homem se inventa
entre a canela e o caju.



Chacal 
the . 27 / 11 / 04

T. REX CINE


para eliete e soraya


cinema paleolítico
fantasmático paralítico
quantos filmes você viu ?

veludo azul
bandido da luz vermelha
era uma vez na américa
amarelo manga
kill bill

tanto filme
onde é que já se viu ?

cine rex
da sua sacada
quanto desejo
quanto tesão e delírio
na praça pedro segundo

gerações de poetas, esses seres esquivos,
invocaram as tropas celestiais
e hordas de demônios
em caçadores da arca perdida*

sucessões de namorados, normalistas e funâmbulos
medindo bocas em big close ups
fusão de corpos mixando línguas
no escurinho do cine rex

cine cine cine rex
cinema dos meus fascínios
com quantos fotogramas
se escreve o roteiro da sua ruína
estrelado por poetas, cinemeiros, namorados
sitiado nessa praça
à espera do inexorável
fim.



*dos chatoboys da abá dobal
aos cavaleiros da triste figura de torquato neto
dos delinq?entes da imagem digital de douglas machado
à farra do verbo de durvalino, demetrios e kilito.
[the pi - nov 2004 / nov. 2008]




Chacal
em T. Rex Cine
Teresina: 2008

Chacal - síntese biográfica





Ricardo de Carvalho Duarte, vulgo Chacal, nasceu em 24 de maio de 1951, no Rio de Janeiro. Estudou no Colégio André Maurois e na ECO-UFRJ. Estreou sua poesia em 1971, aos vinte anos de idade, com um pequeno livro de apenas cem exemplares mimeografados, Muito prazer, Ricardo. Depois vieram O preço da passagem (1972), América (1975) e Quampérios (1977) e a participação no grupo Nuvem Cigana, formado pelos poetas Bernardo Vilhena, Charles Peixoto, Guilherme Mandaro e Ronaldo Santos, para realizar, pela primeira vez no Brasil, a poesia moderna falada. Depois da dissolução do grupo, em 1980, exerceu a palavra poética em teatro, como coautor de Aquela coisa toda, peça do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone; em música, compondo para grupos como Blitz e Barão Vermelho; na televisão; em crônicas de jornal; e na produção de eventos como o CEP 20.000 (Centro de Experimentação Poética), que ele organiza desde 1990. Editou a revista O Carioca entre 1996 e 1998. Foi ainda um dos fundadores do bloco carnavalesco Bangalafumenga.

11.11.13

EDIFICADO




Morto
o cemitério São José
constrói edifícios no subsolo
do além
enquanto os rastros
de cascas de ovo de codorna
e amendoim torrado
contornam as curvas centenárias
da avenida.



Nathan Sousa
enviado pelo autor

PIAUIZEIROS




Cabelos moicanos
desbravam a praça João Luiz Ferreira
armados com cadernos embolados
debaixo dos sovacos. 



Nathan Sousa
enviado pelo autor

TER EX INA




Centro da cidade:
movimento nas calçadas
sem camelôs.

Caldo de cana com pastel de carne
do Frigotil na lanchonete
do chinês.

Teresina não tem
onde cair 
viva. 



Nathan Sousa
enviado pelo autor

É NOITE




É noite,
como todas as noites
indecifráveis
por onde arrastei
minha sombra sinuosa

(sinuosa
e fragmentada
tal as ruas
e avenidas
de Teresina)

por onde eu temperei
minha carne
nos sais da distância
em idade imprópria
para o adeus.

Esta noite
povoada de silêncio
e de vozes
que se eternizam
como música
doída
não é outra
senão
a mesma noite
que outrora
revelou para sempre
o que na matéria se escondia.

Noite
noite de iluminação amarela
noite sem vultos
noite tão somente noite
hoje
ontem
onde eu estive
sentado na janela
do quarto dos fundos
da casa de minha avó
ou à mesa da cozinha
às 03:30h
debruçado
sobre a barca de Dante.

Esta noite
– esta mesma
e eterna travessia
de minhas retinas
em ruínas –
pode ser apenas a angústia
de um dia antes do raiar do dia

ou um alarido surdo
e indecifrável
como todas as luas
por onde arrastei
minha dor sinuosa

(sinuosa
e fragmentada
tal as ruas
e avenidas
de Teresina).



Nathan Sousa
enviado pelo autor

AQUELAS FLORES AINDA SALTAM NO MEU CÉU!




Quase nenhum garoto do bairro Primavera do final da década de 70 e início da de 80 deixava de admirar os paraquedistas (o hífen foi retirado para não atrapalhar a queda) que executavam suas manobras lá pras bandas da curva do rio Poti, talvez perto da floresta de fósseis que há em seu leito, depois da ponte da Frei Serafim. Com seus paraquedas redondos, aproveitando a corrente de ar que os levaria até a pista do aeroporto, passando por cima de nosso bairro (que beleza!); aquilo era surpreendente para qualquer criança setentoitentona, e isso não era diferente para mim, que vinha, como já o-disse noutras vezes, de uma cidadezinha do interior, que me-madrastou mansamente: essa Alto Longá – domundopróximo – distante. Em Teresina, nesses idos, olhávamos os meninos para cima, à espera de todos (e, em expectativa, de um) pularem.

Hem-hém. Quão fácil era prender a atenção de crianças assim! Sim, tão pouco era necessário. E, imaginem só, assistir à audácia daqueles homens: o desafio de confiar em equipamentos, em tecnologia de afronta à gravidade – dane-se Newton; todos queríamos vê-los saltando davincianamente para um voo planado por asas de tecido sintético! Redondinhos. Sim, os paraquedas ainda eram os redondos, mesmo o italiano engenhoso tendo-os pensado piramidalmente mais pesados e quadrados e os nossos contemporâneos, mais leves e retangulares, com a possibilidade de o paraquedas ter manobrada a sua direção. Então, os meninos de olho no céu, à procura dos pontinhos coloridos que desabrochavam uma flor salva-vidas; perigosa ideia do desejo humano do voar, oqual, ainda hoje, renova suas asas com as penas de outra tecnologia, criada da ciência. Quer ler? Hoje, agosto de 2011, aposto se há tanto alguém nesta ilha terrena que ainda queira voar com o grego, usando as asas de cera que Dédalo criou para si e seu filho, Ícaro (não escrevo do paraquedas de Da Vinci, porque isso já foi feito; a foto que ilustra esse texto comprova-o!).

É, o não ter asas para voar deu ao humano a possibilidade de trabalhar com as mãos (estendam-se os braços), esses Oficiais de Justiça do cérebro. Foram essas mãos, por exemplo, que criaram essa possibilidade de sobreviver qualquer um que pule de qualquer lugar (estático ou célere) estando a tantos metros do chão. Claro que esse “qualquer um” foi somente para ilustração de que há pessoas que fazem isso. Mas não o-é para todos. Para nós, os meninos que observávamos estupefatos de alegria aquela loucura de se-atirar de um avião a mais de dois mil metros de altitude, ainda não havia nada que se-comparasse a isso. E, nesta linha mesma, me-vem à mente o nome dum homem (claro que havia outros com ele!); não, seu apelido. Louro. Loro (pra confirmar a nossa “morte do ditongo”, já praticada pelos espanhóis, de mais antiga língua). 

Quem era esse cara? Ainda hoje sei pouco sobre ele. Certa vez, aqui, em Teresina, encontrei um seu filho, um fotógrafo, de nome Cleyton, não lembro bem (sei que o-conheço), que falou qual era o verdadeiro nome de Louro, seu pai, mas infelizmente perdi isso em minhas agendas; foi mal, Cleyton (nem sei se seu nome é escrito assim), mas talvez alguém possa reconstituir os fatos dessa história teresina, que, junto-com os meninos, também eu vi. Isso, se não já o-tiverem feito. Talvez alguns poucos possam-se-lembrar de Louro e de seus companheiros de saltos. Eles são os primeiros em nossa capital? Eles, de fato e de saltos, não deixaram quaisquer seguidores pelos ares dessas suas quedas de -longe? Quem sabe? Sei que foram ousados. Nem sei se há ainda, aqui, nesta capital, algum grupo que pratique paraquedismo. Aliás, há paraquedismo ainda, aqui, em Teresina, como havia naquela época?

Vixe, eram muitos saltos! Acredito que fosse uma espécie de clube de paraquedismo. Não posso confirmá-lo, mas isto, sim: o Louro era “o Cara”. Era o nome que os caras (como os meninos nos-chamávamos) mais pronunciavam. Todos, abestalhados com aquela habilidade, que vem desde os acrobatas chineses, precursores do paraquedismo de “altas altitudes”, até a ideia-cabeça de Leonardo, o iníco de uma sequência de ousadias, que ofereceram ao público um Fausto De Veranzio, um Sebastan Le Normand, um Jean-Pierre Blanchard, que já saltava com paraquedas dobrável de seda, ou um André-Jacques Garnerin, o primeiro a desafiar as grandes altitudes, ou uma Genevieve Labrosse, a primeira mulher, e sua sobrinha, Elise, que fez mais de 40 saltos, o que, para a época, era algo surpreendente. Não; somente eles eram ousados a tal ponto no céu. Ah, esses saltos sempre foram perigosos, e nossa expectativa de meninos roía as unhas e nossos heróis tiveram que pagar o preço com suas próprias vidas-próprias e eu, de boca aberta ainda e olhos espremidos, calibrando o olhar, e este texto, por réquiem profano, saltando do meu cérebro, pulando com as mãos nesta tela. 

Ao Louro, estas “memórias póstumas”. Elas, que, pelo céu de minha boca passam palavras, puladas por mim, a sonorizar as imagens, que gravadas no “paraquedas do meu cérebro” ficaram a saltar. Não eram elas a borboleta preta nas rodas do quarto, mas pareciam floresinhas pequeninas (bem pituibinhas!) no céu do meu bairro, daquela cidade do tempo em que os meninos, na primavera das idades e no Primavera de suas casas, estavam de olho duro no céu. O salto que eu ainda espero é o de Louro. Como, hoje, o paraquedas pode ser manobrado pelo paraquedista, como tento fazer com estas palavras que saltam de mim num céu de página branca (papel ou tela), quero que ele caia dentro deste poema:



Outra inscrição para um túmulo no ar (o segundo voo)


Meninos,
nas matinês dos
domingos, lá pras
bandas da curva do
rio – com o Poti abaixo
(sim, uma garantia?) –, um
passarinho de metal desovava
no céu sementinhas; e vinham caindo
velocíssimas para, em seguida, abrirem-se
como florzinhas: pequeninas ilhas de cores teresinas,
paridas pelo voo dessas aves ocas, loucas pelas alturas terrenas!
Os meninos esperávamos, sobretudo, sobre todas as altitudes, pelo Louro,
o principal pontinho do grupo dos pulos nos ares do abismo, o príncipe dos
comentários dos caras do bairro, do Primavera  (sempre abismados, os meninos); entanto, estávamos tão abaixo de entendermos a altura dessa Física, de um artefato
saltado do entendimento davinciano e longíquo. Ah, seos meninos, eu vi também os
saltos do Louro pelo brancinzazul do céu do meu bairro soltos; primaveral flor do céu
que voa, e todas voam: o pouso sobre o desejo tão grande e tão baixinho (mítico?) de voar acima dos telhados dos olhos primaverinos. – Lá vai o Louro saltar!– Lá vem o louco! – Lá vai no vento indo. – Vai pro aeroporto. Esse foi o salto que caiu dentro do encanto dos meninos de boca aberta: – Quede os paraquedas? – Quedê? – Cadê? Que pena. Ninguém mais os-espera. Como flores soltas na corrente de ar: elas, pelos louros do desafio à queda-livre, presas dentro deste poema, dos céus das páginas, saltam nos









olhos
dum menino
teresino.



Luiz Filho de Oliveira
enviado pelo autor