17.10.13
Café Avenida II, por Moura Rêgo
Café Avenida III, por Moura Rêgo
Num desses sermões, o vigário falava, com visível aborrecimento, de certa pessoa que fora levar a D. Severino informações malévolas sobre seu modo de vida. E contava que o bispo, de quem recebera chamado, lhe manifestara não achar correto que ele, Padre Acilino, passasse os dias sentados num botequim, de pernas cruzadas e fumando cigarro. Mas fora franco - contava - como é do seu feitio. Confirmara as informações, justificando que, perdida sua mãezinha e não sendo casado nem podendo pagar empregada, não tinha quem lhe fizesse café; e como fosse o café sua única bebida, depois do vinho da missa e da água do pote, via-se obrigado a tomá-lo no bar, sempre pago pelos amigos por não ter dinheiro. E quanto ao cigarro, que o senhor bispo aconselhava usar mais recatadamente, afirmara não ser homem de fazer escondido aquilo que pudesse ser feito em público. E como não julgasse pecado, continuaria a fumar na presença de todo mundo e não detrás da porta, mesmo porque o cigarro também lhe era dado por amigos. E mais: dissera que passava os dias no bar para arranjar dinheiro para as obras da igreja, porque a diocese nunca lhe dera um tostão, para isso ou para qualquer outra coisa. E com isso encerrou-se a entrevista.
Padre Acilino repisava seu cacoete num crescendo nervoso, realmente aborrecido:
- Mas justamente eu sei quem foi fuxicar para o senhor bispo. Eu sei o nome dessa pessoa que justamente devia era melhor cuidar da sua vida e deixar a dos outros em paz. É gente que aqui mesmo vive batendo no peito, sem fé nem espírito crisão, e o que devia fazer era justamente tratar de ter mais merecimento junto a Deus. Mas eu sei quem é essa pessoa.
E alterando mais a voz:
Toda a igreja ria. Menos decerto a pessoa de quem falava e que ali devia estar tremendo e rezando para não ser revelada.
Deixado em paz, pelos detratores e pelo bispo, Padre Acilino pôde concluir as obras de restauração de sua igraja, deixando apenas para seu substituto, Monsenhor Joaquim Ferreira Chaves - ou simplesmente Padre Chaves, como gosta de ser chamado - a construção das altíssimas e esguias torres que hoje identificam de longe, nas vistas terrestres ou aéreas, a imponente matriz de Nossa Senhora do Amparo.
Café Avenida IV, por Moura Rêgo
Em outro desses encontros noturnos o assunto era a reforma ortográfica, decretada pelo governo federal, e o vocabulário que a ela se integraria, organizado pela Academia Brasileira de Letras.
Moura Rêgo - síntese biográfica
DA CIDADE I
o poeta sobidesce
um arranha céus
outro caminho torto
na rua
espias casas
traste
entre o que é e o estar:
existir por cisma
já não vinga!
DA CIDADE II
existe um canto
que sobrevive
à (b) usina de todos os dias
acalanto da memória
que a cidade descongela.
que é a barra / a barca
tremulando nos espaços
do arquiteto imóvel
a noite cobre aflitiva
a cidade:
o poema não se vence;
um homem bebe cicuta!
Teresina: 1987
DA CIDADE III
teresina se inclina
e uma névoa brusca
torna frágil o caminho
como custas a vir (meu amor)
ontem éramos nácar e sol
hoje orvalho:
quanta coisa a te dizer
muito que fazermos
na aquarela escura
da cidade
16.10.13
"o amor é recreio feito nos pastos verdes"
..........................................................................
o amor é recreio feito nos pastos verdes
da tristerezina
não tenha esses tantos medos
(que acho tão belos
em suas essências intocáveis)
porque o amor omnibus idem
e há tempos em que somos apenas amor
tudo em nós aí se imanta desse doce flagelo
e por ele respiramos
como se não existira nada além
aí reside a mudança das luas
devemos alçar o coração abaixar a cabeça
e participar dessa comunhão
cantando loas
correndo campoadentro
à toa...
CENAS DE MORTE SOBRE O RIO
quando a gente tá nessas noites de ansiedade
e sai madrugada afora com um litro de chave de ouro
sob a camisa, comprimindo a lágrima na estação da saudade
descobre que a poesia ajuda a viver e quer que nosso poema
fira a carne dos mortais mas traga boas doses de riso
quem detém sobre a alba o sorriso perdido?quando a gente descobre que está só no mundo
quem detém na vida a luz da saída?
está nu sobre o rio, e que a brutalidade das margens
compressas faz com que a água venha transbordando
dos olhos nos alhos, quer chorar sob a lua...
quem chamou por mim lá no longe?a vida é mesmo essa multidão de rostos inválidos
quem me olhou chorar sob a ponte?
que a gente precisa ressuscitar. o poema é a melhor
maneira de falar para os meninos perdidos na escuridão
do rio e para as meninas da vida cingidas de cio...
quem viu meu poema no horizonte?
será que a vida me garante?
TEREZIENSTADT
o muro da vergonha separa cidade da miséria
em ondulações de granito e flores de concreto
escondem os mafuás e malungos
frau tijubina não sabe
que a beleza é aparente
apenas pressente a separação
como dolorosa incisão
de um bisturi impiedoso
"meu silêncio é planície morta"
meu silêncio é planície morta
do verde grandes lenços de linho
balançam a relva e assopram gemidos mudos
silvo de violino / aguilhão quando descansa
meu silêncio é a beira do poty
margens com-pressas
sussurrando loucuras / bandeirinhas vegetais
remando contra o re-mar
meu silêncio lençol horizontal
estendido no parnaíba
grande fala de poder falar e não precisar mais
Ramsés Ramos - síntese biográfica
Ramsés Bahury de Sousa Ramos [ ✰ 28/12/1962 - † 20/09/1998 ] nasceu em Teresina - PI, faleceu na Rússia. Poeta, músico, jornalista, tradutor, tradutor e crítico de arte. Bibliografia: Dois gumes (1981); Envelope de poesia (com outros autores); Dança o caos (1981 - com outros autores); Percurso do verbo (1987); Baião de todos (1996 - com outros autores); Poema da paixão (1992).
A CIDADE
Asfalto em todo o percurso pintado de casinhas humildes, em que mora gente acolhedora. Tomando o rumo da direita, comprida avenida - habitada de classe média - e os dois velhos cemitérios superpovoados. O Instituto de Educação. Aqui seguirás pela esquerda - para que atinjas a zona militar, a estação da estrada de ferro, a Avenida Frei Serafim - e poderás seguir pela esquerda, até que encontres o Poti e alcances novos bairros - o do Jóquei Clube e o do São Cristóvão, nos quais habita uma pequena burguesia quase classe média. Caso não queiras, cortarás a Avenida Frei Serafim para os novos bairros - a Piçarra, a Catarina, Cristo Rei, Monte Castelo, onde se ergue a majestosa TV - Rádio Clube. E poderás prosseguir para encontro com a Vermelha, com o estádio Albertão, com a monumental ponte sobre o Parnaíba que te levará a Timon (Maranhão), Caxias, São Luís. Se não quiseres cortar a Frei Serafim, poderás dobrar à direita, e percorrer essa Avenida de beleza. Estarás no coração de Teresina: igrejas, Karnak, praças, zona bancária, zona comercial, cinemas, gente que se acotovela, que rumina problemas, que às vezes caminha para espairecer...
A. Tito Filho
TERESINA, O RIO, OS POETAS
Mangueiras, minha velha Teresina,
O povo alegre, sorridente, vivo,
O Mafuá num batucar festivo
Saudade, mestra e mãe que amar ensina.
...sobre um vale pastoral onde os rios passam
sobe a música de vida
dos rios reduzidos a um nome – Parnaíba.
E há, neste anseio sempre renascente
de unir as nossas almas num só corpo,
uma repetição dos aconchegos
do Parnaíba com as lavadeiras.
Teresina gentil de ruas alinhadas,
Tens nalma a placidez das loiras madrugadas,
A beleza, a frescura e o riso das mulheres.
Vem o Cabeça de Cuia
dançando de madrugada,
vem a moça que morreu
no Parnaíba afogada:
com o seu vestido de noiva
que não pôde ser usado.
Eu sou como o Parnaíba
que corre para o mar;
viro e mexo, faço voltas,
mas meu destino é te amar.
O Parnaíba tem pregão de glória,
Vai ovante e feliz, na onda ingente,
E teu nome lançar no mar da História!
Parnaíba, velho monge
do poeta que viveu
nas margens da tua cheia
no cheio de tuas margens.
Envelheci, querida Teresina,
Enquanto vais ficando, minha terra,
Cada vez mais formosa e mais menina.
Terrinha invocada...
O Karnak majestoso
Avenida iluminada...
Terrinha invocada, meu irmão.
Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando... E ao longe
O mugido dos bois de minha terra...
O Rio Parnaíba, o velho monge,
Por alguém decantado entre poesias,
Vai, lentamente, deslizando ao longe,
Entre tristes gemidos de águas frias...
Ouve as águas peregrinas,
Sussurrantes, cristalinas,
Que, docemente, te embalam:
Do Parnaíba altaneiro,
Caudaloso, sombranceiro,
São as vozes que te falam.
O Velho Monge, num burel de arminho,
Refletindo as bucólicas paisagens,
Que lhe enfeitam de gala as verdes margens
Paras as bandas do mar segue o caminho.
Apenas sei
E além disso nada mais
Que o Velho Monge continua rezando
À tristeza das águas
E emoliente ladainha do tempo.
A. Tito Filho
O NOME
A. Tito Filho
A. Tito Filho - síntese biográfica
TERCEIRO CONTINHO TERESINENSE
para o Maestro Emanuel Coelho Maciel
Paulo Machado
Revista AO, número 2
Teresina: dezembro de 2011
RÉQUIEM
ao artista plástico amaral
no natal de 1967, conheci carlitos
numa vesperal, no cine rex.
descobri na agilidade
dos gestos frágeis
e no expressivo abismo dos olhos inquietos
que meu povo haveria de conquistar
terras, arados, sementes,
livros, couro, linho.
(ratazanas cinza, medrosas buscavam a penumbra
detrás das velhas cortinas de veludo grená)
no natal de 1977, carlitos inventou
mais uma pantomia
e encarapitado no dorso de um potro negro
partiu, para recuperar o tempo esquecido.
Paulo Machado
em "ta pronto seu lobo?"
Edições Corisco: Teresina, 2002 (2ª edição)
ARQUIVO
ao contista m. de moura filho
adão andou nas mãos dos paisanos
e foi encontrado na praça da liberdade
como um mamulengo esquecido detrás do palco:
olhos abertos, boca cerrada, músculos petrificados,
sangue coagulado nas narinas.
adão virou manchete
na pose três por quatro,
na última página de o dia.
hoje, é um número qualquer
arquivado
à espera dos cupins.
Paulo Machado
em "ta pronto seu lobo?"
Edições Corisco: Teresina, 2002 (2ª edição)
LUA RUA
UMA POÉTICA CONSEQUENTE - Entrevista com Paulo Machado realizada pelo poeta Elias Paz e Silva
“DAÍ QUE, TALVEZ, A MINHA POESIA, VINCULADA À CLASSIFICAÇÃO DOS TEXTOS, É LOGOPEIA E, NUM SEGUNDO MOMENTO, MELOPEIA E, QUASE INEXISTENTE, FANOPEIA”.
“NO MEU CASO, EU TENTEI TRABALHAR COM O FATOR DETERMINANTE TEMPO, COMO CONDUTOR DA ELABORAÇÃO DOS TEXTOS”.
“NA VERDADE, EU SOU MAIS FREQÜENTEMENTE POETA QUE UM FICCIONISTA...”.
“ANTES DELA (A GERAÇÃO PÓS-69) NÃO EXISTIAM NO PIAUÍ CARTUNISTAS, CHARGISTAS E QUADRINISTAS”.
“RUPTURA ESTÉTICA PRINCIPALMENTE EM RELAÇÃO À FORMA”.
“NA VERDADE, ESSA REESCRITURA É UMA CARACTERÍSTICA QUE EU TENHO E GOSTO DE EXERCER, DE QUE O TEXTO SEJA CONTINUAMENTE REESCRITO”.
Elias Paz e Silva e Paulo Machado
via Recanto das letras
Paulo Machado - síntese biográfica
8.2.13
RUA DO MERCADO VELHO
Não há poesia nas esquinas
Só o grude negro dos anos
Esmaecendo as cores das paredes
/nuas
Com realidade e ausência de rimas
MARIA DA INGLATERRA
Quando o disco voador
Depositou as canções
Naquele raio de luz
Na curva daquela serra
Eu disse pra dizer nada
Disse pra ficar calada
Que de louco, compositor e artista
Ninguém aqui tem é nada
POR QUÊ, PACATUBA?
Por que a Pacatuba
Agora São João
Deságua no Parnaíba
Molha a lembrança
Renasce no coração?
Climério Ferreira
em Artesanato Existencial
Teresina: Corisco/Sapiens, 1998
ESTAÇÃO TERESINA
27.1.13
"O rio deságua em mim!", por Ednólia Fontenele
O rio deságua em mim!
algum braço do Parnaíba
prende minha intenção de viver longe.
Estou aqui
mas permaneço lá,
suando com o calor
de suas tardes quentes
que se afogam nas águas do mar.
O RIO PARNAÍBA DESÁGUA EM MIM
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995
2.1.13
PAISAGEM AMARELA
maria
todo dia
ia
de encontro ao cais.
trouxa na cabeça
ia maria lavrar planos
que há anos
o rio enxaguou.
levava um sorriso pálido
pra dar sentido
à roupa amarelada.
Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979
PRETA MALUCA
preta, a virgem mais clara
da paissandu
deu pra exótica
quando sentiu
bater à porta
a velhice.
pintou na boca
agitou um fino
enquanto se enrugava
depressa se alegrava
da ativa...
- sonhava...
Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979
CIDADE VERDE, Wilton Santos
quanta maldade
cidade verde
esta cidade!
fruto da ilusão medíocre
da razão insensata
na proporção da verditude
das fardas
amarrotadas, fedorentas e desbotadas
como é esta cidade.
...esta crueldade
amedronta os ratos.
Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979
1.1.13
TRAJETÓRIA, Nathan Sousa
Nathan Sousa
enviado pelo autor
TOMBAMENTO, Nathan Sousa
Os estacionamentos privativos
Nathan Sousa
enviado pelo autor
31.12.12
O MALA, Hélio Soares Pereira
A onda anda mansa
nas bocas da maré
sem o agito das moitas
Um mala
pinta no pedaço
na cola
de quem tem trampo
Alguém dá o berro
- Cadê meu cruza?
A boca esquenta
O cana vai fundo
pisando nos calos
do brasuca cara de pau
que tenta
fugir da raia
É a maré
que não tá pra peixe
só pra anzol
O mala é fisgado
com um berrante na cuca
que se funde nos grilos
Mas muito vivaldino
saca na fuça do cana o chapa
que se liga em cascata
E deixa cair de leve
a gaita
na boca do balão
SAUDADE, Hélio Soares Pereira
Hélio Soares Pereira
em "Onde o horizonte vem esconder-se..."
Brasília: Gráfica e Editora Esteio, 1982
TERESINAMADA, Hélio Soares Pereira
De noite
vejo brigitte bardot
na casa de shows
Enquanto o ônibus não vem
valquírias vão e vêm
Vou ao teatro
de arena
sem ponte de safena
e o bloco do amor
que fica
promove
o gera samba
da raça brasileira
Elba Zé e Alceu Valença
no pavilhão de feira e eventos
se aventuram
etcetera e tal
Teresina
assim derramada
é amada
e marca a vida
num esquema certo
de artesãos
Hélio Soares Pereira
em Passarela de escritores (coletânea)
Teresina: Edições Jacurutu, 1997
TERESINA QUE ME FASCINA, Hélio Soares Pereira
Quem cortou tuas tranças
te deixou mais linda
Cabelos soltos
ao vento
olhar penetrante
Teus pontos de encontro
são tantos!
De quando em quando
vestem novas roupas
feitas de sol e de lua
Toda nua
vejo-te às vezes
e te penetro
no eco faminto
de mim
lendo Torquato Neto
quebrando a monotonia
dos passos
além da vidraça
embaçada
no tempo
Relax total
entre amigos
no shopping
ou com a garota
que surfou minhas ondas
sonoras
e calientes
Gelar a garganta
num ponto antigo
em blablablás
confortantes
Saborear sorvetes
na avenida
bacuri cajá
ou murici
São prazeres
que tenho de ti
São caminhares curtidos
fins de semana
potycabana
Ao sol de largo olhar
bebo meus dias
Naturais lembranças
ainda me resguardam
do estresse
bombardeando nas veias
o colesterol
das horas vazias
Teu sol de agora
brilha
novos horizontes
e deixa
guardados na sombra
teus passos cansados
Hélio Soares Pereira
em Antologia escritores III
Teresina: UBE / PI, 2003
ÁGUAS DO PARNAÍBA, Hélio Soares Pereira
Águas do Parnaíba
ensaboando as pedras
deitando-se nas margens
umedecendo manhãs
emoldurando
saudades
Hélio Soares Pereira
em em Antologia escritores III
3.12.12
SEGUNDA FOTOGRAFIA VIVER TERESINA, Elizabeth Oliveira
Quem visita o bairro Poti Velho pode ver as casinhas
miseráveis presas à terra.
Os meninos do Rio Poti brincam em completa alegria,
alheios ao abandono.
Têm o corpo marcado pela desnutrição.
Esquecidos, a cidade não lhes repara.
Nem o país observa sua própria miséria.
Os meninos do Rio Poti dependurados no horizonte.
Comigo-não-se-pode ironizam o homem,
acidente circunspecto em céu aberto.
Por que a vida aqui parece uma fotografia pardacenta
onde o tempo parou?
O primeiro bairro da cidade anualmente
confirma a tradição pública festejada:
acompanhado pelos fiéis,
São Pedro percorre as ruas em procissão.
O povo lhe devota o sagrado sentimento,
na intenção de dias melhores,
que as aves de rapina lhes prometem no período eleitoral.
O Cabeça de Cuia escuta a fome em danças,
crianças em roda, ao encontro do Rio Parnaíba
com o Rio Poti de braços dados com a gente ibiapiana.
Ao se tornarem adultos, os meninos do Rio Poti
(e os do Brasil) verão com espanto sua lembranças,
a infância tomada, de doídas medidas.
Que futuro pode ter o país
com essa massa (ignorada) de miseráveis?
EU E O BAR, Elizabeth Oliveira
Estou no Bar Nós e Elis. Vou ao encontro da vida.
Tento compreendê-la.
O que dizem as luzes, o clima festivo?
Garçom, uma música romântica,
pois não entendo meu coração.
O que mostram as pessoas, em sua trivialidade?
Estou entre olhares indiscretos, ao som da MPB.
Mistérios me espreitam: como suportá-los?
(compor poemas talvez resolvesse!)
A cidadezinha inventa o mundo entre sorrisos de bares
e me estranha a moça só, produzindo incessantemente
o poema da madrugada.
Mas, o que se passa com a terna cantora de noites "rolantes"?
Sou a moça da farda,
pioneira de muitos goles sozinhos,
detentora de tantos senões.
Garçom, um gole de Mallarmé,
pois estou com a cara suja de Fernando Pessoa espia a mim.
Estou com a boca cheia de estrelas e
ninguém vai ficar imune a isso.
Sou palavras e sua presença é meu costumeiro vampiro.
De fato a eternidade é muito extensa
pode conter a infinitude de certos momentos.
Onde quer que vá, segue-me a poesia, pretexto de vida,
me diz; "onde tu fores, te seguirei".
Com meu canto teço sementes à terra,
que é meu veredicto ser-lhe testemunho.
Garçom, uma dose de Ezra Allan Pound ou um duplo
Florbela Espanca Drummondiano.
Meus vampiros precisam de orgias,
para o texto que se segue e que me rege.
2.12.12
PONTE METÁLICA, Marcos Freitas
por aquela janela
alto do prédio
viam-se
carros / pedestres
famintos / sedentos
desenfreados
intenso ->vai-e-vem <-
o museu
com sua grandiosidade
em frente - barracas de camelôs
revoada de andorinhas
ao redor das torres do Amparo
anunciando o pôr-do-sol
no Parnaíba - ponte metálica
Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010
MATURAÇÃO DAS ROMÃS ou H. Dobal revisitado, Marcos Freitas
"Quatro vezes mudou a 'stação falsa
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010
25.10.12
Nathan Sousa - síntese biográfica
20.10.12
TRESIDELAS, Durvalino Filho
19.9.12
RODRIGO M. LEITE E A MUSA ESQUECIDA, por Elmar Carvalho
Tempos atrás, através de e-mail, mantive contato com o poeta Rodrigo M. Leite. Chamou-me a atenção o fato de que ele selecionou os meus poemas, publicados no A Musa Esquecida, da coletânea Poemágico – a nova alquimia. Por essa razão, mandei-lhe alguns de meus livros, cujo recebimento ele acusou. Elogiei os poemas que dele conhecia. Pediu-me escrevesse algo a respeito, pois pretendia publicá-los. Por causa de alguns contratempos, sobretudo relacionados com o assoberbamento de serviços em minha Comarca, mas também por causa de alguns compromissos de ordem pessoal, demorei a cumprir o prometido. Tento fazê-lo aqui e agora.
Tomei conhecimento da existência e do trabalho do poeta por intermédio de seu importante blog A Musa Esquecida, para o qual chamo a atenção de meus poucos e seletos leitores. Nesse espaço literário virtual, Rodrigo vem estampando belos poemas de autores piauienses, quase todos imersos em injusto esquecimento – daí o nome do sítio internético. Apesar do título – A Musa Esquecida – o blog não é nada esquecido, e tem retirado do olvido poetas valorosos. Desejo apenas que essa Musa continue a se lembrar dos poetas esquecidos.
Pedi, por bilhete virtual, que o poeta me mandasse sua síntese biográfica. Ele, demonstrando ser uma pessoa desprovida de empáfia e empavonamento, me mandou uma verdadeira “mini-síntese”, se é que se pode usar a expressão, de apenas duas linhas. Foi então que fiquei sabendo a sua idade. Tem ele apenas vinte e pouquíssimos anos. Nessa idade, eu praticamente não tinha biografia, exceto a que todos temos, mas tinha o coração cheio de sonhos e a alma repleta de ilusões. Pude realizar alguns de meus sonhos; de outros, me despojei, e alguns, perdi pelo caminho de minha vida. Algumas ilusões apegaram-se a mim, e ainda, teimosamente, me acompanham; outras, feneceram; aqueloutras, morreram, por mais que eu as aguasse.
Espero que o poeta tenha um grande baú cheio de sonhos, e que todos se realizem. Na sua idade, é proibido não sonhar. Tenho observado que alguns jovens literatos, para se sobressaírem ou para chamarem a atenção, gostam de aplicar bordoadas nos mais velhos. Não foi o método que escolhi. Não foi o caminho escolhido por Rodrigo M. Leite. Ao contrário, seu notável blog tem distinguido poetas bem mais velhos que ele. Isso parece demonstrar que é ele infenso à inveja e à provocação de escândalos e tumultos literários, que invariavelmente levam de nada a coisa nenhuma, posto que o eventual brilho não passa de efêmero fogo fátuo.
Sem dificuldade percebi que os seus poemas, embora inseridos no que existe de mais atual, não se perdem em vãs vanguardas, em superados formalismos. Também não enveredam em pretensiosos hermetismos, com que muitos pretendem adquirir a glórias de poeta sábio, filósofo, profundo, ou sibilino, quando muitas vezes não passam de mistificadores, inflados de presunção e bazófia. Igualmente não desejou seguir a trilha dos chamados poemas visuais, que nunca foram novidade, uma vez que em épocas remotas já se urdia o carmen figuratum, e já, faz várias décadas, que se comete o poema concretista.
Fiquei sabendo que ele só publicou até hoje uma plaqueta com seus versos. Isso denota que não é preocupado com quantidade, mas com qualidade. Pude sentir que seus poemas, embora sejam produtos da contemporaneidade, são impregnados das eternas lições da lírica de todas as épocas, da tradição que se mantém viva, porque amálgama da própria vida, porquanto embebida dos sentimentos que sempre existiram em todos os homens, a despeito de épocas, “ismos” e rincões.
Os seus versos cantam a vida, com seus encantos e vicissitudes. Suas metáforas são assimiláveis, e harmônicas ao conteúdo a que se referem. Por outro lado, não contêm imagens gastas, repisadas, inócuas, como comprimidos que já perderam o efeito. São límpidas e vívidas, e revestidas de novas substâncias, mesmo quando se reportam aos eternos temas da lírica de ontem e de sempre. Como Drummond, Rodrigo canta o tempo presente, as coisas e os homens presentes; mas como bom poeta, trata também de todos os tempos, até do des-tempo de um tempo sem tempo, “de um tempo sem medida, fugitivo / de ampulhetas e relógios”, como assinalei no meu Noturno de Oeiras.
Elmar Carvalho
Publicado originalmente no Blogue do Autor