27.1.13

"O rio deságua em mim!", por Ednólia Fontenele



O rio deságua em mim!
algum braço do Parnaíba
prende minha intenção de viver longe.
Estou aqui
mas permaneço lá,
suando com o calor
de suas tardes quentes
que se afogam nas águas do mar.
O RIO PARNAÍBA DESÁGUA EM MIM


                                                         Aracaju, 1994


Ednólia Fontenele
em A POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX | Antologia
Organização, introdução e notas por Assis Brasil
Teresina / Rio de Janeiro: FCMC / Imago, 1995


2.1.13

PAISAGEM AMARELA





maria
todo dia
ia
de encontro ao cais.

trouxa na cabeça
ia maria lavrar planos
que há anos
o rio enxaguou.

levava um sorriso pálido
pra dar sentido
à roupa amarelada.



Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979

PRETA MALUCA




preta, a virgem mais clara
da paissandu
deu pra exótica
quando sentiu
bater à porta
a velhice.

pintou na boca
agitou um fino
enquanto se enrugava
depressa se alegrava
da ativa...
- sonhava...



Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979

CIDADE VERDE, Wilton Santos


quanta maldade
cidade verde
esta cidade!

fruto da ilusão medíocre
da razão insensata
na proporção da verditude
                                das fardas
amarrotadas, fedorentas e desbotadas
como é esta cidade.

...esta crueldade
amedronta os ratos.


Wilton Santos
em CERCA DE ARAME
Teresina: 1979

1.1.13

TRAJETÓRIA, Nathan Sousa


Bicicletas cortam a Miguel Rosa
colecionando olhares pela estação
adormecida
e seus trilhos
sem trem.


Nathan Sousa
enviado pelo autor

TOMBAMENTO, Nathan Sousa


Os estacionamentos privativos
golpeiam os casarões da história,
que tombam para sempre.

Os relógios verticais
param para ver quanto tempo
ainda irão suportar
as esquinas da Paissandu.


Nathan Sousa
enviado pelo autor

31.12.12

O MALA, Hélio Soares Pereira


A onda anda mansa
   nas bocas da maré
       sem o agito das moitas

Um mala
   pinta no pedaço
       na cola
           de quem tem trampo

Alguém dá o berro
   - Cadê meu cruza?


A boca esquenta
   O cana vai fundo
       pisando nos calos
          do brasuca cara de pau
              que tenta
                  fugir da raia


É a maré
   que não tá pra peixe
        só pra anzol

O mala é fisgado
   com um berrante na cuca
       que se funde nos grilos
           Mas muito vivaldino
                saca na fuça do cana o chapa
                    que se liga em cascata

E deixa cair de leve
    a gaita
        na boca do balão


em No laço da opressão 
Brasília: Gráfica Valci Editora, 1998

SAUDADE, Hélio Soares Pereira


Domingo adormece
   domingo amanhece
       E eu nesta saudade
           que me invade
               da minha terra

Saudade!  Tu me estremeces
   e congelas o peito meu


Ó museu de artes modernas
   em verde tapete de grama!
       Tu me deste  oportunidades
            que minha doce terra me não deu

Mas que sabe?  Se esta saudade
   ainda menina
       se amenize no meu ego - talvez
          Ou me arraste de vez
               à terra mater - Teresina


Hélio Soares Pereira
em "Onde o horizonte vem esconder-se..."
Brasília: Gráfica e Editora Esteio, 1982

TERESINAMADA, Hélio Soares Pereira


De noite
   vejo brigitte bardot
       na casa de shows
Enquanto o ônibus não vem
   valquírias vão e vêm

Vou ao teatro
    de arena
        sem ponte de safena
e o bloco do amor
                       que fica
                            promove
                                o gera samba
                                     da raça brasileira

Elba Zé e Alceu Valença
   no pavilhão de feira e eventos
                                           se aventuram
                                               etcetera e tal

Teresina
   assim derramada
       é amada
           e marca a vida
               num esquema certo
                  de artesãos


Hélio Soares Pereira
em Passarela de escritores (coletânea)
Teresina: Edições Jacurutu, 1997

TERESINA QUE ME FASCINA, Hélio Soares Pereira


Quem cortou tuas tranças
   te deixou mais linda
Cabelos soltos
   ao vento
       olhar penetrante

Teus pontos de encontro
   são tantos!
De quando em quando
   vestem novas roupas
       feitas de sol e de lua

Toda nua
   vejo-te às vezes
       e te penetro
           no eco faminto
                            de mim
lendo Torquato Neto
   quebrando a monotonia
                                  dos passos
                         além da vidraça
                             embaçada
                                 no tempo

Relax total
   entre amigos
       no shopping
ou com a garota
   que surfou minhas ondas
       sonoras
           e calientes


Gelar a garganta
   num ponto antigo
      em blablablás
          confortantes
Saborear sorvetes
   na avenida
       bacuri cajá
           ou murici

São prazeres
   que tenho de ti
       São caminhares curtidos
           fins de semana
               potycabana
Ao sol de largo olhar
   bebo meus dias


Naturais lembranças
   ainda me resguardam
       do estresse
           bombardeando nas veias
               o colesterol
                   das horas vazias

Teu sol de agora
    brilha
        novos horizontes
e deixa
   guardados na sombra
       teus passos cansados


Hélio Soares Pereira
em Antologia escritores III
Teresina: UBE / PI, 2003

ÁGUAS DO PARNAÍBA, Hélio Soares Pereira


Águas do Parnaíba
    ensaboando as pedras
        deitando-se nas margens
            umedecendo manhãs
                emoldurando
                     saudades


Hélio Soares Pereira
em em Antologia escritores III 

Teresina: UBE / PI, 2003

3.12.12

SEGUNDA FOTOGRAFIA VIVER TERESINA, Elizabeth Oliveira


Quem visita o bairro Poti Velho pode ver as casinhas
miseráveis presas à terra.
Os meninos do Rio Poti brincam em completa alegria,
alheios ao abandono.
Têm o corpo marcado pela desnutrição.
Esquecidos, a cidade não lhes repara.
Nem o país observa sua própria miséria.

Os meninos do Rio Poti dependurados no horizonte.
Comigo-não-se-pode ironizam o homem,
acidente circunspecto em céu aberto.

Por que a vida aqui parece uma fotografia pardacenta
onde o tempo parou?
O primeiro bairro da cidade anualmente
confirma a tradição pública festejada:
acompanhado pelos fiéis,
São Pedro percorre as ruas em procissão.
O povo lhe devota o sagrado sentimento,
na intenção de dias melhores,
que as aves de rapina lhes prometem no período eleitoral.

O Cabeça de Cuia escuta a fome em danças,
crianças em roda, ao encontro do Rio Parnaíba
com o Rio Poti de braços dados com a gente ibiapiana.

Ao se tornarem adultos, os meninos do Rio Poti
(e os do Brasil) verão com espanto sua lembranças,
a infância tomada, de doídas medidas.
Que futuro pode ter o país
com essa massa (ignorada) de miseráveis?


em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996

EU E O BAR, Elizabeth Oliveira


Estou no Bar Nós e Elis. Vou ao encontro da vida.
Tento compreendê-la.
O que dizem as luzes, o clima festivo?
Garçom, uma música romântica,
pois não entendo meu coração.

O que mostram as pessoas, em sua trivialidade?
Estou entre olhares indiscretos, ao som da MPB.
Mistérios me espreitam: como suportá-los?
(compor poemas talvez resolvesse!)

A cidadezinha inventa o mundo entre sorrisos de bares
e me estranha a moça só, produzindo incessantemente
o poema da madrugada.
Mas, o que se passa com a terna cantora de noites "rolantes"?

Sou a moça da farda,
pioneira de muitos goles sozinhos,
detentora de tantos senões.

Garçom, um gole de Mallarmé,
pois estou com a cara suja de Fernando Pessoa espia a mim.
Estou com a boca cheia de estrelas e
ninguém vai ficar imune a isso.

Sou palavras e sua presença é meu costumeiro vampiro.
De fato a eternidade é muito extensa
pode conter a infinitude de certos momentos.
Onde quer que vá, segue-me a poesia, pretexto de vida,
me diz; "onde tu fores, te seguirei".
Com meu canto teço sementes à terra,
que é meu veredicto ser-lhe testemunho.

Garçom, uma dose de Ezra Allan Pound ou um duplo
Florbela Espanca Drummondiano.
Meus vampiros precisam de orgias,
para o texto que se segue e que me rege.


em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996

2.12.12

PONTE METÁLICA, Marcos Freitas


por aquela janela
alto do prédio
viam-se
carros / pedestres
famintos / sedentos
desenfreados
intenso ->vai-e-vem <-
o museu
com sua grandiosidade
em frente - barracas de camelôs
revoada de andorinhas
ao redor das torres do Amparo
anunciando o pôr-do-sol
no Parnaíba - ponte metálica


Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010

MATURAÇÃO DAS ROMÃS ou H. Dobal revisitado, Marcos Freitas


"Quatro vezes mudou a 'stação falsa
No falso ano, no imutável curso
Do tempo conseqüente;"

Fernando Pessoa

a cidade-projeto
com seus signos e siglas:
solidão geometricamente
estampada
na tarde de domingo e verão
de um temp(l)o
inconsequente.


Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010

25.10.12

Nathan Sousa - síntese biográfica



Nathan Sousa é poeta e letrista piauiense. Nasceu em Teresina-PI (1973) e mora em São Gonçalo do Piauí desde 2012. Estreou nas letras com poemas publicados na Antologia dos Escritores Piauienses, da UBE (2006). Participa de 12 antologias de circulação nacional. Tem parceria musical com Sandro Moura, Lucas Coimbra, Ângelo Santedicola e Naeno Rocha. Ficou em 2º lugar no XXXVIII Concurso Literário Internacional das Edições Arnaldo Giraldo-SP e autor dos livros de poemas O Percurso das Horas (edição independente, 2012) e No Limiar do Absurdo (LiteraCidade, 2013). Ocupa a cadeira de número 02 da Academia de Letras do Médio Parnaíba.

20.10.12

TRESIDELAS, Durvalino Filho

a Edmar Oliveira

THERESYNA
THE SUN
THE MOON
TYMON


Durvalino Filho
Os caçadores de prosódias
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1994

19.9.12

RODRIGO M. LEITE E A MUSA ESQUECIDA, por Elmar Carvalho


Tempos atrás, através de e-mail, mantive contato com o poeta Rodrigo M. Leite. Chamou-me a atenção o fato de que ele selecionou os meus poemas, publicados no A Musa Esquecida, da coletânea Poemágico – a nova alquimia. Por essa razão, mandei-lhe alguns de meus livros, cujo recebimento ele acusou. Elogiei os poemas que dele conhecia. Pediu-me escrevesse algo a respeito, pois pretendia publicá-los. Por causa de alguns contratempos, sobretudo relacionados com o assoberbamento de serviços em minha Comarca, mas também por causa de alguns compromissos de ordem pessoal, demorei a cumprir o prometido. Tento fazê-lo aqui e agora.

Tomei conhecimento da existência e do trabalho do poeta por intermédio de seu importante blog A Musa Esquecida, para o qual chamo a atenção de meus poucos e seletos leitores. Nesse espaço literário virtual, Rodrigo vem estampando belos poemas de autores piauienses, quase todos imersos em injusto esquecimento – daí o nome do sítio internético. Apesar do título – A Musa Esquecida – o blog não é nada esquecido, e tem retirado do olvido poetas valorosos. Desejo apenas que essa Musa continue a se lembrar dos poetas esquecidos.

Pedi, por bilhete virtual, que o poeta me mandasse sua síntese biográfica. Ele, demonstrando ser uma pessoa desprovida de empáfia e empavonamento, me mandou uma verdadeira “mini-síntese”, se é que se pode usar a expressão, de apenas duas linhas. Foi então que fiquei sabendo a sua idade. Tem ele apenas vinte e pouquíssimos anos. Nessa idade, eu praticamente não tinha biografia, exceto a que todos temos, mas tinha o coração cheio de sonhos e a alma repleta de ilusões. Pude realizar alguns de meus sonhos; de outros, me despojei, e alguns, perdi pelo caminho de minha vida. Algumas ilusões apegaram-se a mim, e ainda, teimosamente, me acompanham; outras, feneceram; aqueloutras, morreram, por mais que eu as aguasse.

Espero que o poeta tenha um grande baú cheio de sonhos, e que todos se realizem. Na sua idade, é proibido não sonhar. Tenho observado que alguns jovens literatos, para se sobressaírem ou para chamarem a atenção, gostam de aplicar bordoadas nos mais velhos. Não foi o método que escolhi. Não foi o caminho escolhido por Rodrigo M. Leite. Ao contrário, seu notável blog tem distinguido poetas bem mais velhos que ele. Isso parece demonstrar que é ele infenso à inveja e à provocação de escândalos e tumultos literários, que invariavelmente levam de nada a coisa nenhuma, posto que o eventual brilho não passa de efêmero fogo fátuo.

Sem dificuldade percebi que os seus poemas, embora inseridos no que existe de mais atual, não se perdem em vãs vanguardas, em superados formalismos. Também não enveredam em pretensiosos hermetismos, com que muitos pretendem adquirir a glórias de poeta sábio, filósofo, profundo, ou sibilino, quando muitas vezes não passam de mistificadores, inflados de presunção e bazófia. Igualmente não desejou seguir a trilha dos chamados poemas visuais, que nunca foram novidade, uma vez que em épocas remotas já se urdia o carmen figuratum, e já, faz várias décadas, que se comete o poema concretista.

Fiquei sabendo que ele só publicou até hoje uma plaqueta com seus versos. Isso denota que não é preocupado com quantidade, mas com qualidade. Pude sentir que seus poemas, embora sejam produtos da contemporaneidade, são impregnados das eternas lições da lírica de todas as épocas, da tradição que se mantém viva, porque amálgama da própria vida, porquanto embebida dos sentimentos que sempre existiram em todos os homens, a despeito de épocas, “ismos” e rincões.

Os seus versos cantam a vida, com seus encantos e vicissitudes. Suas metáforas são assimiláveis, e harmônicas ao conteúdo a que se referem. Por outro lado, não contêm imagens gastas, repisadas, inócuas, como comprimidos que já perderam o efeito. São límpidas e vívidas, e revestidas de novas substâncias, mesmo quando se reportam aos eternos temas da lírica de ontem e de sempre. Como Drummond, Rodrigo canta o tempo presente, as coisas e os homens presentes; mas como bom poeta, trata também de todos os tempos, até do des-tempo de um tempo sem tempo, “de um tempo sem medida, fugitivo / de ampulhetas e relógios”, como assinalei no meu Noturno de Oeiras.


Elmar Carvalho

Publicado originalmente no Blogue do Autor

<https://poetaelmar.blogspot.com/search?q=rodrigo+m+leite>

BEIRA RIO BEIRA VIDA, Marcos Freitas


beira de rio
açucenas
Casa Marc Jacob
Armazém Paraíba
lavadeiras
fogão e geladeira
troca-troca cais

beira de rio
pescador na CEPISA
manguezal no São Pedro
balsas em travessia
lavadores em agonia

beira rio
quase morto
assoreado
noite e dia


Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010

18.9.12

PRIMEIRA FOTOGRAFIA VIVER TERESINA




Tentar compreender este sinal esquecido na vastidão do país.
Povoam-lhe um mundo próprio e professo calor humano.
A uniformidade da cidade, as ruas pequenas,
casas tímidas; seus quarenta graus mostram tenacidade
dessa gente em mudar seu destino.

A natureza proclama as águas do cenozóico rio,
ela pede respeito ao Velho Monge.
Mas, como esquecer a classe medianamente comprometida
com oligárquicas posições?

Cidade que é outro lado também aponta, a vida fácil
e colunável e superfídia,
percebida no volume que auferem algumas rendas
e a massa submersa em carências.

Invadem em rios subterrâneos, luzes que são espírito e ponte,
os artistas da cidade - contemporâneos do mundo:
os pés na história local
e o rosto voltado para o universal.

O povo recolhe sua presença nos fins de semana e
finge não ver suas raízes fincadas ao chão.
Não é possível compreender-lhe a razão: elegem
seus candidatos como quem aguarda redentor.

Teresina, Verde Cidade menina,
teu solo é paixão, dor e terno afeto.
Caminha. A felicidade se esconde aqui,
mas só se mostra quando estamos no exílio.



em O ofício da palavra
Teresina: FCMC, 1996