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15.10.18

BR-O-BRÓS, William Melo Soares


rio morno
assoreado
lâmina
d'água
à flor da areia

jorram
da boca do esgoto
as impurezas
das gentes

o sol
nos br-o-brós
é um dragão
inclemente


William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

11.4.16

"As Feras" ou "David Vai Guiar" (1972)








(...) fiz um filme que hoje é mais conhecido como Davi Vai Guiar ou Davi a Guiar, que no começo eu chamava de As Feras porque resolvi filmar tudo quanto era de maluco na cidade (na época havia uma gíria, “fera”, para designar se o cara ou a garota eram malucos) e criei um personagem chamado Inspetor Pereira, que era um policial perseguindo essa galera, esses cabeludos, essa rapaziada. Era um filme muito engraçado. (...) Eu quis fazer um filme em que eu filmava todos os malucos, todos os doidões de Teresina da década de 1970. Então eu filmei os meus amigos, filmei o grande bar da época que era o Gelatti – que ficava aqui na Frei Serafim – filmei o subúrbio, filmei gente fumando maconha, filmei meus amigos hippies, filmei os cabeludos, as meninas de minissaia, as namoradas, as namoradas dos meus amigos, usando como pontuação do filme um pensamento bem característico que era um inspetor de polícia perseguindo essa galera. O Inspetor Pereira era, digamos, o fio condutor da narrativa. Isso foi legal porque as projeções se tornavam um festival de gargalhadas, as pessoas se reconhecendo e havendo até mesmo uma torcida a favor dos malucos!

Durvalino Couto Filho em entrevista concedida a Jaislan Honório Monteiro 
Revista dEsEnrEdoS
Ano IV - número 15 - Teresina - Piauí - 2012



[...]



David Vai Guiar representa um clássico exemplo dessa flanância investigativa pela cidade. Trocadilho com o nome do principal protagonista —David Aguiar—, o título remete às intenções centrais do filme: utilizar as noções de guia e contra-guia para, a partir de um deslocamento sobre a cidade de Teresina, ir dando visibilidade e afrontando aos instrumentos panópticos de controle do espaço urbano, como os sinais de trânsito. A cidade que emerge na tela, composta por um cenário bucólico que revela pacatos bate-papos de final de tarde nas calçadas, é repentinamente submetida a uma vertigem expressa por motocicletas e automóveis que deslizam por suas ruas em alta velocidade. Ao som ao mesmo tempo agressivo e melancólico da banda de rock Pink Floyd o protagonista sorri quase furiosamente, enquanto, cabelo ao vento e a pretexto de guiar sua motocicleta, arrasta os olhares na contramão. O argumento do filme se concentra em um esforço para ler os signos da cidade com base em uma afronta aos regulamentos. Urubus, por exemplo, são apropriados como instrumento de uma estética minoritária, problematizadora da própria noção de belo. O destaque, entretanto, em David Vai Guiar, tanto quanto em O Terror da Vermelha, é dado às tabuletas de trânsito, as quais são consumidas sempre no sentido da negação.

Edwar de Alencar Castelo Branco
em Táticas caminhantes: cinema marginal e flanâncias juvenis pela cidade.



[...]



Produção: Arnaldo Albuquerque e Durvalino Couto Filho
Câmera: Arnaldo Albuquerque, Durvalino Couto Filho e Edmar Oliveira
Roteiro e direção: Durvalino Couto Filho

1.4.16

CLIMÉRIO, William Melo Soares




o tempo vai
tangendo amigos
pras lonjuras

leio um poema
angicalíssimo
de Climério

um rio morno
ribeirinha
minha infância

essa saudade
luz acesa
noite insone



William Melo Soares
em Nadança dos Peixes - Antologia Provisória
Teresina: Bienal, 2015

31.3.16

ESTUDO DO RIO, por Rubervam Du Nascimento



Saiu outra palavra
pra completar a lei
sobre a navegação
pelo rio seco
que exige do porto
a segurança dos produtos
transportados
ou chegados
nunca permanecidos

uma outra palavra
sobre a quantidade do produto
o peso
sobre a explicação dos problemas
de divisas
da força
da moeda
da destinação
em circuito fechado

a lei quase que ninguém conhece
mas existe
quando os navegantes
também são transportados

a palavra não faz menção alguma
ao corpo
nem à cabeça



Rubervam Du Nascimento
em O RIO - Antologia Poética
Edições Corisco, 1980


3.2.16

"Lucidamente", Chico Castro




Lucidamente
te encontrei Help pela cidade
foi a maior felicidade
a maior camaradavagabundagem.

Sua avemente
você me deixou
show
show
muito louco
louco
louco.

Anda menina ama
deixa o fio teu riso passar
passarinhar passarinhar passarinhar.

Suavemente
luciacidamente
eu voo.



Chico Castro
em O Livro da Carona 
Teresina: Edição do autor, 1994

29.1.16

ESTIGMAS, Carvalho Neto




devolva
meus sapatos rotos
que já não tenho estradas sem fim.

devolva o ciclo dos ventos
onde jovens valsavam suas esperanças
e risos
ao sabor das águas e dos mitos
flores de beira rio.

devolva as escrituras
não as do mar morto
as gravadas na cerâmica
bela e frágil
do poti velho.

devolva o princípio mágico
o verbo, o poema.



Carvalho Neto
em REVISTA PRESENÇA
Ano XXI, número 35, Teresina, 2006

EVOCAÇÕES, Lucídio Freitas


I


Como é bom recordar... Lembrando, a gente
Como num sonho de ouro se ilumina.
Recordação é fonte, alta e divina,
De onde brota o consolo do presente...

Recordar... reviver o que a neblina
Do tempo encheu de névoas, de repente...
Voltar atrás, rever, serenamente,
A alma e a cinza de um bem que não termina...

Como é bom recordar! Prolonga a vida
Vivendo os dias mortos, revivendo
Nas sombras outra sombra ainda querida...

Recordo. O pensamento esvoaça, a esmo.
Recordo, e recordando é que eu vou tendo
A infinita consciência de mim mesmo...



Lucídio Freitas
em POESIA COMPLETA
Teresina: Convênio APL/UFPI (1995)

28.1.16

CARTÃO POSTAL 80, Chico Castro




Espirrei:
Lixo da mais pura aspirina.
Sou:
De papel passado em cartório,
que tal?

Um homem urbanizado
entre prédios, luzes e avenidas
carros-galos
som sobre som sobre sonho
ufa:
não me ouço mais
nem gritando comigo mesmo.



Chico Castro
em O Livro da Carona 
Teresina: Edição do autor, 1994

20.1.16

MENINO




Ronaldo era um menino triste:
colecionava figurinhas
e histórias em quadrinhos.
Contava nos dedos magros os dias
da semana, na espera dos sábados.
Quando lia as histórias em quadrinhos,
sonhava com os voos do super-homem.
Ronaldo saiu numa terça-feira, dizem,
à caça de aventuras.
Virou manchete,
andou na boca do povo.
Foi encontrado morto, numa manhã comum,
solitário, no necrotério do HGV.



Raimundo Alves Lima (RAL)
em CANÇÃO PERMANENTE
Edição do autor: Teresina, julho de 1982

VIDA NOTURNA




Caminho por uma rua de ausências
pálido de medo do tempo
e das notícias dos jornais.
Esta grande noite que vivemos
nos ensina a temer as esquinas.



Raimundo Alves Lima (RAL)
em CANÇÃO PERMANENTE
Edição do autor: Teresina, julho de 1982

12.1.16

ELZANO SÁ NO DIA-RIO-I, Chico Castro


dia correr de cavalos
a certeza de não mais voltar
dia-rio correr como o rio
matar como o rio
no dia-rio, cedo, a manhã aflora, no dia-rio
ser maior que a fantasia
ser maior que o relógio tic-tac
frio dia-rio
dia-rio a certeza da sorte má
no dobrar de uma esquina
em qualquer rua de teresina


Chico Castro
em CAMISA ABERTA e OUTROS ASTRAIS 
Teresina: 1976

24.11.15

O RIO PARNAÍBA




         Gargarejo de mortes de afogados 
e brilho de luar sobre o silêncio 
ruídos sem barulho de asas brancas 
invisíveis na esteira do mistério.

         Embarcações fantasmas com seus remos
violentando o espelho da corrente 
e a história dos antigos moradores 
que perlustraram a estrada do degredo.

         Nas margens as perguntas os inquéritos 
o tiro a interjeição e a morte cinza: 
gargalhada de álcool nas bodegas.

         A indiferença escorre como gosma 
e o rio na derrota da incerteza 
leva faunas estranhas no seu ventre.


 
Clóvis Moura
em "Argila da Memória" (1962)

22.11.15

(sem título)




I.


Hoje é dramático e não encontro terapia nos pombos
A praça - esse mosaico - é ainda mais densa
Tudo é movimento nessa praça lenta
Eu sou peça solitária e torta
Destacada do cenário
Permaneço
À espera de um milagre:
Virar paisagem.




II.


Converso com os carros no centro confuso da cidade
Estou mais dentro das coisas do que de mim
O barulho do tráfego morde minha orelha
As luzes dos postes falam do meu escuro
O asfalto é meu amigo, talvez o único
As gentes que passam não sei se sentem
Meu cheiro forte de centro antigo



Ariane Pirajá
Inédito em livro
Enviado pela autora

11.10.15

SAÍ PARA COMPRAR PÃES, Rodrigo M Leite


rua do mercado fora de época do parque piauí
domingo, após o almoço
tomates apodrecem
a rua é um rio
que destrincha um bairro
em vários bairros
rua da casa da avó paterna
de relance, na esquina
um cavalo elegante branco
brilha sozinho
rua da locadora de videogames do sena
ou rua da igreja
um gato atropelado
incrustado no calçamento

________________________[urubus ao alho
________________________e óleo

Rodrigo M Leite
em A Cidade Frita Ilustrada
Teresina: 2016

4.11.11

EVOCAÇÕES II, Lucídio Freitas


II

Teresina apagou-se na distância,
Ficou, longe de mim, adormecida,
Guardando a alma de sol da minha infância
E o minuto melhor da minha vida.

E eu sigo, e eu vou para a perpétua lida,
Espera-me, distante, uma outra estância...
É a parada da luta indefinida,
É a minha febre, minha dor, minha ânsia...

Como são infinitos os caminhos!
E como agora estou tão diferente,
Carregado de angústias e de espinhos!...

Tudo me desconhece. Ingrata é a terra.
O céu é feio. E eu sigo para a frente
Como quem vai seguindo para a guerra...


Lucídio Freitas
em POESIA COMPLETA
Teresina: Convênio APL/UFPI (1995)

3.11.11

EVOCAÇÕES III, Lucídio Freitas


III

A saudade me aterra...
E que vontade eu sinto de chorar,
Distante do meu lar,
Vendo outro céu, vendo outro sol, vendo outra gente,
Tão diferente
Da gente boa lá da minha Terra!

A minha Terra... À noite, nas estradas,
Boêmios trovadores,
Desfolhando canções aos pés das namoradas,
Falam dos seus amores,
Enquanto o rir no Azul, nos seus cochins de prata,
As estrelas, em bando,
Ora cantam também e adormecem cantando
Ao som embalador da serenata.

Noite... O Vento, num suave murmúrio,
Passa serenamente,
Uma canoa desce lentamente,
Ao sabor da corrente,
Branda, leve, sutil, sobre as asas do rio.

Alguém passa, de rede a tiracol,
E vai, a noite inteira, trabalhar
Sem queixas e sem mágoas,
Para, ao vir da manhã, ao desabrochar do sol,
Quando as aves despertam pelos ninhos,
À casa regressar,
Trazendo o pão para a mulher e os dois filhinhos
- Áureo pão que arrancou do seio bom das águas...

E lá se vai, depois, de foice e enxada no ombro,
Murmurando do amor as alegres cantigas,
Embriagado da luz que pelos campos erra,
Resoluto e fiel, em doudo desassombro,
Colher do milho verde as douradas espigas,
Longe dos homens maus, da inveja vil, da guerra
Espalhando, feliz, outras novas sementes,
Encorajando os companheiros descontentes...
E à noite ei-lo de novo à procura da choça,
Vibrando de prazer,
De regresso da roça,
Trazendo o pão para os filhinhos e a mulher,
Áureo pão que arrancou do seio bom da Terra...

A vida da cidade embriaga e atordoa...
No campo a vida é assim humanamente boa,
Humanamente simples e perfeita:
É a caça, é a pesca, é o plantio e a colheita,
É a foice e o facão, a espingarda e a canoa.

E que gente modesta é a gente do sertão!
É toda coração,
é bondade infinita, é suprema bondade,
Riso, delicadeza, ingenuidade,
Fé, alegria, amor, perdão,
Afeto e caridade.

Vendo alguém padecer, o sertanejo,
Humildemente pobre,
Todas as mágoas do infeliz encobre
Com a carícia de um beijo.

E agora, estas paisagens relembrando,
Sinto, de quando em quando,
Uma vontade enorme de chorar,
E este desejo mais em mim se aferra,
Vendo outro céu, vendo outro sol, vendo outra gente,
Tão diferente,
Da gente boa lá da minha Terra!...


Lucídio Freitas
em POESIA COMPLETA
Teresina: Convênio APL/UFPI (1995)

2.11.11

EVOCAÇÕES, Lucídio Freitas


IV


Têm as águas, aqui, estrondosos e estampidos,
Gritos de dor e gritos de agonia,
O mar, quer seja noite ou seja dia,
Fala somente,
Desumanamente,
A linguagem sombria dos gemidos.

O mar feio, disforme,
Simbolizando o mal, o ódio, a vaidade,
Bem se parece
Com a alma sangrenta e informe
E incalma
Desta grande Cidade,
Que desconhece
O amor - rebento original da alma...

O mar me aterroriza
Com seus rancores e ais incompreendidos
Vendo-o, suponho que ele sintetiza
O pranto amargo dos desiludidos,
Os gestos infernais dos oprimidos
Que a sede e fome morrem sobre a terra,
Porque o mar, no seu bojo ermo e profundo,
Encerra
Todos os sofrimentos deste mundo...
Causam-me horror e medo o barulho do mar.

Quando lhe escuto os uivos,
Levantam-se a tremer os meus cabelos ruivos,
Na alma sinto a correr um frio de gelar...

E ainda diz-me o destino, hediondo, a blasfemar,
Que eu tenho de morrer de um naufrágio no mar...

A Minha Terra... Uns doces movimentos,
Preguiçosos, suaves, sonolentos,
Têm as águas da terra em que nasci...
Jamais as vi
Rebentar em furor indômito de guerra,
Em desesperos e estertores...
As águas mansas lá da minha Terra
Só nos falam de pássaros e flores...

O Parnaíba, ao pôr do sol, encanta
A alma e o olhar.
Ele, claro, a descer, divinamente canta,
Rendilhado de esplêndida beleza,
Levando à flor da correnteza,
A boiar; a boiar.
Ramos de flores de reais matizes,
A epopeia de todos os felizes,
O almo esplendor de nossa Natureza...

Desce, e com o olhar o acompanhamos.
Desce, circula se envolvendo aos ramos
E ao nosso olhar se perde...

E, que saudade sente, e que saudades
Leva da noiva que é a Cidade Verde
- A mais linda de todas as cidade...


Lucídio Freitas
em POESIA COMPLETA
Teresina: Convênio APL/UFPI (1995)