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1.8.15

CAMINHO DE PERDIÇÃO (trechos)




Capítulo 7

Saímos, eu e o Borba. Sentamos num banco da praça Pedro II, os olhos espetados no voltear das môças. Borba falava:

- Todos nós já fomos vítimas, de certo modo, de uma decepção amorosa, uma certa frustração sentimental. Isso é comum, portanto. Aconteceu comigo e com você. Acontecerá com muitos outros também, porque os homens são os mesmos, onde quer que estejam.

(...)

Súbito, as moças começaram a retirar-se, em grupos. A praça foi ficando vazia. Eram vinte e uma horas, na certeza. Porque as moças costumavam sair da praça exatamente às nove da noite.

(...)

Irei ao cabaré.

Capítulo 31

Acabado o filme, procurei Sandra no tumulto da saída e os meus olhos a perseguiram, sôfregos, até que ela desapareceu, de todo.

Não retornei a casa. Sentei-me num dos bancos da praça Pedro II, a contemplar, distraído e triste, o movimento dos homens. E a cidade noturna foi ficando vazia. Vazia de homens e dos rumôres de gente. Como vazio estava eu de esperanças.

O outro cinema despejou na praça um borborinho de pessoas. Criou-se um lufa-lufa destrabalhado, logo dissolvido. Os homens recolheram-se, até que apenas uns vultos permaneceram no local.

Álvaro estava disposto a recolher-se tarde. Programamos descer ao cabaré e o fizemos. Era a busca do pecado. Ou antes, o desejo infrene de aliviar, entre gargalhadas de prostitutas e garrafas de cerveja, o pêso bruto da vida. Mas voltávamos sempre com um pêso mais pesado arqueando os nossos ombros, muito embora voltasse conosco uma ilusão de alívio, ao sabor de nossa inconsciência.

No cabaré pedimos cerveja. Ficamos logo rodeados de prostitutas.

(...)

Capítulo 40

Já estava saturado daquilo. Era preciso, porém, suportar aquêle voltear de mulheres, única coisa que a praça Pedro II ainda nos proporcionava, na sua monotonia noturna cansativa. Moças girando, incansáveis, ante o renque de rapazes. Habito antigo, aquêle. Quase tôdas as môças da sociedade iam rodar na praça, expondo aos rapazes sua mocidade em botão, ou um rosto amarfanhado, muito pintado, para encobrir o avanço da idade. Os rapazes ficavam de pés, em tôrno a analisar-lhe os modos. E as môças, infatigáveis, continuavam volteando, um sorriso no rosto, um apêlo no olhar, um gesto de espera. Nada mais idiota que aquilo. Ir para a praça servir ao banquete dos olhos maliciosos dos rapazes da cidade. Algumas levavam a vida esperando um homem que não chegava nunca...

Continuei a mirar, indiferente, o voltear das môças. Um vento gélido começou a soprar nas ruas e, no céu, as estrêlas foram-se apagando. Iniciou-se um cisquinho de chuva. O pessoal recolheu-se apressado. Saí andando em rumo de casa. E eis que reconheci, no caminho, um vulto abraçado com outro vulto. Parei, petrificado. Era Sandra.

Senti uma rajada de ciúme e de inveja vasculhar-me o peito. Tremeram-se minhas pernas. O ódio assomou-me ao coração.

A chuva caiu. Os dois vultos, unidinhos, procuraram abrigo. E recolheram-se ao vão de uma das portas laterais fechadas da igreja de São Benedito, enquanto noutra porta, sem que me vissem, me deixei ficar, cosido à parede, a contemplá-los com minha inveja rancorosa.

Capítulo 62

Ao retirar-me daquele quarto, não encontrei mais o Alceu. Rumei para a redação do jornal: Faltava-me escrever ainda o artigo de fundo e dois ou três tópicos, além de algumas notícias. Numa esquina de rua mal iluminada, deparei-me com casais, abraçadinhos, em troca de beijos. Levei as cenas para a redação e escrevi o editorial sôbre aquela falta de pudor e de vergonha, que o prefeito, com a ineficácia de sua administração, ajudava a proliferar, por aí, em virtude da lastimável ausência, na Capital, de iluminação pública. Escrevi alguns tópicos, comentando as aberrantes imoralidades do Govêrno e dei a notícia de que a praça Landri Sales se transformava, paulatinamente, num covil de prostitutas, em visível atentado à imoralidade de nossa gente. Afinal, queria fazer o meu jornalismo.

Capítulo 64

Sábado.
Convidei Tânia para uma tertúlia, à noite, no Clube dos Diários

(...)

Capítulo 65

A música era suave, o conjunto bom. O Clube dos Diários estava cheio. Uma luz muito embaciada colocava matizes no recinto. Os pares moviam-se, lentamente, na quadra de dança. Doce penumbra envolvia a sala.

(...)

Continuávamos dançando. Uma dança suava, excitante. Pouco a pouco, ia abraçando contra mim o meu par. Levemente. Calmamente. Como coisa natural.

Senti o membro do meu corpo enrijecido. Os seios dela roçavam-se em mim. Excitavam-me. Acariciavam-me. Armavam um exército de emoções nas fronteiras do meu eu.

Capítulo 66

Eram duas horas da madrugada, quando deixamos o Clube. Soprava um vento frio, que despertava mais ainda o desejo de mulher.

Capítulo 67

Dei uma volta pela cidade. Estava passando, num dos cinema, um filme impróprio, a quem um tumulto de gente procurava assistir. Resolvi entrar na fila também. O filme trazia encenações eróticas, que me despertaram a lascívia. Um fogo de desejos deitou suas chamas no meu palheiro interior. Senti-me excitado e o sexo dominou os meus sentidos.

Saí da sala de projeções com a cabeça cheia de desejos desgovernados. Encontrei-me com o Álvaro e, juntos, descemos ao meretrício. Ia ali diariamente, amiúde. Algumas mulheres já maltratadas e gastas, nos faziam festa, em gestos convidativos.

Fiquei mirando as prostitutas. Analisando-as. Três ou quatro desconhecidas. Escolhi uma delas. A mais simpática. A mais apresentada. De seios empinados e pernas grossas.


Castro Aguiar
em Caminho de Perdição
Edições Meridiano: Teresina/PI, 1965
Fotografia: crédito desconhecido, inserida pelo blogue