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20.1.16

VIDA NOTURNA




Caminho por uma rua de ausências
pálido de medo do tempo
e das notícias dos jornais.
Esta grande noite que vivemos
nos ensina a temer as esquinas.



Raimundo Alves Lima (RAL)
em CANÇÃO PERMANENTE
Edição do autor: Teresina, julho de 1982

12.1.16

ANZOL



Moro em Teresina
jangadeando jangadeando

Moro em Teresina
à trezentos metros da praia.
Coqueiros estão ali
ao azul próximos
próximos coqueiros, vê?
Verdes carrapichos, matinhos
n'areia, serp, serp.

Moro em Teresina.
5 da manhã morde-me
a praia.
Morde-me quente ali
à trezentos metros.

Ali a praia salga-me
os pêlos, salga-me
a língua, salga-me.




em NOS SUBÚRBIOS DO ÓCIO (1996)

A CIDADE PERDIDA, Álvaro Pacheco




Sobrevivem alguns terraços
mas não as madrugadas
e nem as melodias dos boleros.

Conversam os fantasmas
com medo de lembrarem
os instrumentos do edifício
da vida que veio depois.

Os pórticos
à luz do dia e os terraços
ao entardecer informam:

mudaram-se



Álvaro Pacheco
Teresina, agosto de 1986
em O SONHO DOS CAVALOS SELVAGENS (1967)

ELZANO SÁ NO DIA-RIO-I, Chico Castro


dia correr de cavalos
a certeza de não mais voltar
dia-rio correr como o rio
matar como o rio
no dia-rio, cedo, a manhã aflora, no dia-rio
ser maior que a fantasia
ser maior que o relógio tic-tac
frio dia-rio
dia-rio a certeza da sorte má
no dobrar de uma esquina
em qualquer rua de teresina


Chico Castro
em CAMISA ABERTA e OUTROS ASTRAIS 
Teresina: 1976

13.12.15

A CIDADE MORTA


IX


                     Um dia escavarão esta cidade
                             nas sobras do futuro
      mas não encontrarão o sorriso da garota da praia
nem o instante de felicidade que tiveram um homem e uma
                                    [mulher numa noite de intenso verão.

      Acharão talvez um slide colorido da paisagem
              mas que não dará ideia do que foi a cidade
                                         nem o seu povo
                                      microfilmado dia a dia
em congestões de tráfego, abusos de poder e falta de amor.

                É difícil que encontrem um documento válido
                       da incompreensão que gerou
                                             tantas incompreensões
mas encontrarão pedras fundamentais e pedras finais
                    e talvez vestígios de uma catástrofe de concreto

mas

              — e as catástrofes íntimas
                   e o que cada um em si morreu no cada dia,
                   o que restará?
                 
             E o que encontrarão do esforço de eternidade
             que (cada um) fizemos para não morrer?
                             E de nossa linguagem, quem terá os cantos?
       E dos nossos destinos, quem reconstituirá os sonhos?
                                          E de nossa angústia, quem verá os traços?
                                        E de nossa solidão, qual será a ruína?

Passarão pelos escavadores apenas fantasmas inapreensíveis
                    e a memória repousará incógnita
                                                     sob árvores de pedra
                                                e estilhaços de metal.

               
                                                                                         dez. 66


Álvaro Pacheco
em O SONHO DOS CAVALOS SELVAGENS (1967)

11.10.15

SAÍ PARA COMPRAR PÃES, Rodrigo M Leite


rua do mercado fora de época do parque piauí
domingo, após o almoço
tomates apodrecem
a rua é um rio
que destrincha um bairro
em vários bairros
rua da casa da avó paterna
de relance, na esquina
um cavalo elegante branco
brilha sozinho
rua da locadora de videogames do sena
ou rua da igreja
um gato atropelado
incrustado no calçamento

________________________[urubus ao alho
________________________e óleo

Rodrigo M Leite
em A Cidade Frita Ilustrada
Teresina: 2016

14.4.14

chuva® em teresina [ modo de usar ] ou [ o produto pra tomar ]




pesquisas confirmam que chuva® se apresenta na forma de pequenos caroços d’água que demoram que só... pra cair por aqui (ou virar um toró). haveria múltiplas aplicações para chuva® – porém existe o problema d’ela quase nunca aparecer, não podendo, assim, ser aplicada. sob esse céu-sol que sua nossa cidade, chuva® é um raro chiado, mas, quando chuvisca, bochicha e remexe a linguagem: pau d’água, pancada, ou procela varada, só com muita reza braba. seu joaquim, raimundim e seu vizim pedem um pouco de chuva® – acuda! mas veio foi um sereno e piorou o momento (repara o veneno): farelo d’água com sol de rachar faz é abafar; esquenta tudo e, mais ainda, a moleira que azucrina. estudos recentes atestam que chuva® é um cochicho – chiado baixinho, na boca do povo, talvez um boato que some de novo, um conceito empenado, bololô esculhambado, relaboque de desejos inventados: quem quer que chova está dentro de casa e não lavou roupa; quem não quer chuva® tem alguma mordomia ou resolve algo na rua. e, dependendo do que a pessoa está fazendo, ela muda o pensamento. neste entretanto de labacé e confusão, não há contraindicação: alguns fazem mandinga; outros passam os queixo, em teresina, dirdobrando – se não tem chuva® ou mar, vamos prum bar. ou vamos pra uma rede – uma rede social – de armador virtual brutal e total: no facebook compartilha-se a vontade por chuva®, até ciberprometendo pagar uma promessa, contudo, pós-moderna porque, o santo, depois a gente acerta; ou toda teresina trova no twitter toneladas da hashtag #chuvathe – entrando para o trending topics da tiração de "onda". e quem faz roça clama chuva® pra tentar matar a saudade da fartura. diz-se, apenas por aqui, na capital do piauí, chuva® tem o princípio ativo mais charmoso disponível – o de antever o incrível, o sublime intransferível – olhar pro céu, esperançoso, e o poema de um verso só dizer: tá bonito pra chover.



Thiago E
em Revista Piauí Terra Querida  
Agosto de 2012