20.1.16

LENDAS, Clóvis Moura


         Chegam lendas, chegam lendas,
lacustres lendas, telúricas
lendas renascem na noite.
Acordamos assustados
(somos apenas crianças)
e vemos pela janela
milhões de bichos na noite.
Vem o Cabeça de Cuia
dançando de madrugada,
vem a moça que morreu
no Parnaíba afogada:
com o seu vestido de noiva
que não pôde ser usado.
Os espíritos que puxam
carros cheios de correntes.
E os tesouros enterrados
pelos avós decadentes...
E os avisos dos amigos
que morreram de repente...
E o homem que virou bicho
porque bateu na semente...

Chegam lendas, chegam lendas
com seu ritmos de renda.
Acordamos: nem a vela
que deixamos encontramos,


         Os sapos estão gelados
pelo mistério das lendas.
E os benditos dos finados
cantados solenemente
cortam o deslumbre da noite
e causam suor na gente
(somos apenas meninos
na madrugada que treme).

 
Clóvis Moura
em "Argila da Memória" (1962)