20.10.13

ABRAHÃO, O FILÓSOFO, por Deusdeth Nunes


Funcionando há mais de trinta anos naquela esquina da Rui Barbosa xis com o bar do finado João Arroz, o Abrahão é mais que uma lanchonete. É lá que centenas de estudantes e operários fazem a merenda mais barata e nutritiva da cidade com os famosos sucos feitos pelo próprio dono. Abóbora, manga, bacuri, cajá, abacate (fura rede  mamão, tudo feito com leite puro. Acompanha o suco uma banda de pão à gosto do cliente. Um verdadeiro empório, é um tem-tudo, muitas mercadorias muito antigas, a exemplo de cigarros que ele vende mais barato. Filósofo de balcão, os seus pensamentos vão do consumo de cigarro que ele vende mais condena em prosa, em verso e ao vivo. Quando o freguês vai comprar cigarro à retalho, ele dá um sermão: "Está provado que o cigarro faz mal à saúde e quem compra cigarro à retalho não tem condição financeira de sustentar o vício".

Sobre política, ele tira a forra sobre o IPTU que o castigou: "Vote nos candidatos a vereança de hoje que eles prometem tudo o que os passados prometeram. E certamente vão aprovar pelo voto, algo mais amargo que o IPTU aprovado pelos que estão aí".

Sempre atento ao movimento do balcão e principalmente da gaveta, escreve em cartolina e prega nas paredes internas: "Tem pressa em ser atendido? Adiante o dinheiro". "Sair sem comprar não dói. Comprar e não pagar dói muito. Pague antes".

Sua última conclusão filosófica diz: "É melhor ser roubado do que roubar. Por que? O roubado fica com uma graça a receber e o ladrão com uma dívida a pagar".


Deusdeth Nunes
em Rádio Calçada
Teresina: 1995

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